Português: 25/10/21

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Análise de "Sedia la fremosa seu sirgo torcendo"

 
Assunto: esta cantiga coloca-nos perante um cenário doméstico, onde nos é apresentada uma donzela que, enquanto tece, sentada, canta cantigas de amigo. Alguém dialoga com ela, relacionando o seu canto com as mágoas de amor que a jovem sentirá, o que é confirmado pela rapariga.
 
 
Tema: a alegria (motivada pelo amor).
 
 
Estrutura interna
 
1.ª parte (estrofes 1 e 2) – Apresentação de um quadro doméstico medieval, de feição narrativa: uma donzela «fremosa» tece o seu sirgo e canta cantigas de amigo. Como a voz é «manselinha» e o cantar é «fremoso», pode concluir-se que o seu canto não é feito de lágrimas ou de recordações penosas, mas de uma evocação consoladora. A sua saudade é apenas gosto e não “gosto amargo”.
 
2.ª parte (estrofes 3 e 4) – Diálogo: o canto é interrompido por um alvitre de alguém – quem assim canta está, sem dúvida, apaixonado.
 
3.ª parte (finda) – Conclusão: a donzela responde ao seu interlocutor de forma lacónica, confirmando o alvitre dele.
 
 
Caracterização da donzela

▪ formosa

▪ alegre

▪ apaixonada

▪ exultante, radiante

▪ canta doce e harmoniosamente

▪ disfarça o seu amor

▪ saudosa

▪ ansiosa por voltar a ver o amigo

 

Análise de "Que fizeste das palavras"

             O poema, de Eugénio de Andrade, baseia-se no recurso intenso à interrogação retórica. Assim, o «eu» começa por questionar um «tu»: “Que fizeste das palavras?” Com esta interrogação retórica, ele reflete sobre o seu ofício de poeta, que é alguém que trabalha com as palavras. Ora, estas são constituídas por vogais e consoantes, resultam da fusão desses dois elementos.

            As vogais são «azuis» (sensação visual), cor que simboliza a tranquilidade e a paz (a cor azul relembra, por exemplo, o céu e o mar, que reflete aquele), enquanto as consoantes ardem entre o “fulgor / das laranjas [cor quente] e o sol [símbolo de vida] dos cavalos” (animais que representam a força e a vitalidade). Assim sendo, as palavras possuem um grande potencial e diversidade. Por outro lado, estas metáforas traduzem a relação das palavras com a Natureza.

            No terceiro terceto, o «eu» poético associa, metaforicamente, as palavras a “minúsculas sementes” (vv. 8-9), relacionando-as novamente à Natureza. Através desta metáfora (as palavras são sementes), ele sugere que o poeta e uma espécie de semeador, pois fá-las germinar, ou seja, semeia-as e fá-las nascer e crescer, isto é, o poeta constrói o poema como se se tratasse de um ser vivo. Então, isto significa que o poeta é um criador, dá vida (ao poema, à poesia) e tem de ser muito cuidadoso com o seu ofício.

            Por outro lado, a poesia constitui uma tarefa de grande responsabilidade e as palavras têm grande potencial, pois são sementes, de onde surge uma planta. O ofício de poeta é um labor, um trabalho, uma construção e uma consciência do que se faz, com o objetivo de traduzir inquietações ou emoções do ser humano.
 

Análise de "Quem a tem", de Jorge de Sena

             Este poema, constituído por um dístico e duas sextilhas, foi datado de 9 de dezembro de 1956, quando Jorge de Sena acabara de completar 37 anos, vivia ainda em Lisboa como engenheiro e se preparava, a convite do British Council, para se deslocar para Inglaterra, para um estágio sobre betão armado.

            O título do poema (“Quem a tem”) é constituído por uma frase incompleta com uma referência não concretizada. Tendo em conta que o pronome pessoal «a» se refere à liberdade, essa frase reticente deixa por saber quem é que possui liberdade ou o que faz quem a tem.

            No dístico, o sujeito poético manifesta o desejo de não morrer sem assistir à chegada da liberdade, isto é, de a ver chegar ao seu país. Tendo o poema sido escrito em 1956, facilmente se conclui que a ausência de liberdade referida é a que se vivia em Portugal durante o Estado Novo, o regime salazarista. Por outro lado, este dístico repete-se como os dois versos finais da última estrofe. Esta repetição traduz a convicção do sujeito lírico na crença de que um dia verá a liberdade chegar ao seu país. Essa convicção é tal que ele está determinado a viver o tempo que for necessário para que o desejo/a situação se concretize. Neste contexto, há também a destacar o recurso à metáfora, ao atribuir-se à liberdade uma cor. Esta estrofe inicial indicia um profundo sentimento de esperança na humanidade e no movimento de mudança próprio da História. Os versos inscrevem-se em duas realidades distintas: a realidade da censura que se vivia em Portugal na época de escrita do texto; a presentificação de um futuro assente na certeza de que a liberdade haverá de chegar, mais tarde ou mais cedo.

            No início da segunda estrofe afirma a impossibilidade de, sendo português, não poder ser outra coisa que não português, ainda que possa viver noutros espaços (por exemplo, de exílio), na ânsia de viver em plena liberdade. A pertença a uma pátria específica torna plena a consciência de que, apesar de ser um cidadão do mundo, é e será sempre português. Há aqui, nomeadamente nos versos 3 a 5, a noção de uma pertença dupla ao mundo e a Portugal.

            No verso 7, o sujeito poético questiona-se acerca da verdade da liberdade, isto é, como ela será quando chegar a Portugal? Já o verso 9 (“Trocaram tudo em maldade”) coloca-nos perante outro traço do regime salazarista: a denúncia e a difamação.

            Os versos 11 e 12, pontuados pela metáfora, denunciam a ocultação de informação e da realidade que o Estado Novo cultiva (aparentemente Portugal era um paraíso, um mundo perfeito), bem como a política de manter os portugueses na ignorância e de desencorajar a intervenção pública e as limitações à liberdade de expressão (“mudo”).

            O estado de espírito do sujeito poético é caracterizado pela tristeza e ansiedade, mas temperado pela esperança na chegada da liberdade. O seu tom ao longo do poema é marcado pela melancolia e pela especulação, associado a um certo desânimo e à ansiedade do «eu», mas também à tal esperança que tem na mudança deste estado de coisas.

 
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