Português: 02/09/22

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Análise do poema "Prosopopeia", de Bento Teixeira


    Apesar de a literatura brasileira ter nascido sob o signo do Barroco, a primeira poesia feita no Brasil a respeito do Brasil é uma poesia de transição, embora seja dada como marco da poesia brasileira, feita em moldes camonianos (literatura «kitsch camoniana»): "Prosopopeia", de Bento Teixeira, é um poema em louvor do governador de Pernambuco e a sua família. Contém duas ou três estrofes dedicadas ao Brasil, mas, mesmo cantando as vantagens da terra, o autor possui uma ótica externa de ver as coisas brasileiras.

    Bento Teixeira faz uma tentativa de imitar Camões, fazendo uma epopeia reduzida, mesmo em termos de impacto. É uma epopeia que fala da família dos Albuquerques, o que reduz o âmbito do poema, que inaugura a lisonja na literatura do Brasil: louva, pois, a família dos Albuquerques, que pertencem à família dos donatários da capitania de Pernambuco.

    A composição poética começa com uma Proposição parecida com a de Os Lusíadas, mas não se refere a Luís da Camões, antes a Virgílio, designado como "o Mantuano", cantando Eneias. A Eneida foi uma das fontes da epopeia camoniana. Assim, vai imitar Camões a partir dos versos de Os Lusíadas e refere-se à catábase de Eneias (quando desce ao Hades). Esta é uma literatura que surge no Brasil, mas com gostos importados de raízes europeias: a imitação de um poema lusitano. Bento Teixeira tenta fazer de Albuquerque o grande herói do seu poema e não de Camões ou Eneias.

    Na Invocação, invoca Deus e não as musas, o que mostra a sua origem cristã. As referências ao mundo grego e latino são referências características do Renascimento, sendo que a alusão a Deus também aparece em Camões, que usa a mitologia e a cultura clássicas como ornamento. O poema refere-se ao Renascimento tardio, ao poema camoniano e está filiado numa cultura europeia e religiosa.

    Na realidade, este texto é uma paródia a Os Lusíadas, havendo, no entanto, uma referência à situação do poema: a sua ligação com o Brasil ("Dos casos vários da olindesa gente...").

    No canto IV, afirma a sua ligação não só ao cristianismo, mas ao catolicismo. O poema tem, de facto, um vínculo ideológico com o catolicismo..

    No V, existem várias referências à Antiguidade Clássica: Talia é uma musa do canto épico e da comédia; o motivo da humildade do poeta, que é fingida, como se comprova quando ele refere o seguinte: "Doutro licor melhor que o de Aganipe". O uso da humilitas é uma característica clássica.

    O VI diz-nos que, com o seu canto, Bento Teixeira pretende mostrar feitos tais que espantem todos os elementos: ar, fogo, mar e terra. Depois dos seis primeiros cantos, onde propõe e invoca, passa a descrever. Mas o quê? O espaço de Pernambuco. Ele vai situar Pernambuco e, mais concretamente, a cidade de Recife, referindo-se sobretudo às vantagens do porto da cidade, formado por uma barreira de coral.

    Se alguém podia pensar que ele se humildava por escrever no Brasil, no canto XIX, mostra que não estava inserido no ambiente descrito; trata os índios como bárbaros, o que mostra que tem uma visão de colonizador. Transfere para a linguagem uma propriedade que atribui aos indígenas: hipálage. Ele faz uma distinção e eleva-se a si mesmo. A única referência ao Brasil é a referência a um espaço do porto do Recife. De resto, o poema não serve para louvar o país, mas os Albuquerques. Ele louça o espaço, como é comum nesta primeira literatura, mas denigre as gentes.

    Caminha, apesar de ter achado a terra ótima e as índias belas, tem como preocupação vestir o índio; aqui a referência ao porto subentende uma situação de exploração. O louvor a Pernambuco tem a ver com o progresso que esta capitania vai alcançar com a produção da cana de açúcar.

    No canto XX, mostra preocupações com a posse colonial e não com a terra. Este poema não tem pontos de vista brasileiros, mas coloniais, até porque ainda não havia o verdadeiro brasileiro resultante de uma fusão do índio, do branco e do negro. Logo, não se pode exigir uma literatura brasileira.

    No último canto (XXI), prepara a narração dos feitos dos Albuquerques de Pernambuco.

    Temos, assim, na "Prosopopeia" um louvor da terra, como é visível também na Carta de Caminha. Nesta fase, estamos já num segundo período, sendo que o primeiro era o da descoberta e informação acerca da nova terra, de que a obra de Caminha é o modelo.

    O segundo período afasta-se um pouco do que se possa dizer em termos de literatura, porque é uma literatura para o Brasil e uma literatura de catequese. Mas os jesuítas também produzem uma literatura sobre o Brasil nas cartas que enviam para Portugal e onde falam da terra e das almas.

    Este período do século XVI e uma época em que se produz uma literatura sobre o Brasil, a par da qual surge uma literatura para o Brasil (ex.: Anchieta). Por seu turno, no século XVII, deparamos com uma literatura que se começa a formar. É produzida no Brasil, mas ainda não se pode chamar brasileira. No século XVIII, começa a haver um sistema literário iniciado com o Barroco, porque há brasileiros que vêm estudar para Portugal e regressam. É o caso de Manuel Botelho.

A escola do século XIX em imagens – VII


George Haanen, Escola nocturna (1835)

    Eis uma faceta da escola oitocentista que não poderia faltar nesta série: a escola noturna. As aulas à noite têm hoje uma presença pouco mais do que residual nos sistemas educativos, mas foram cruciais em épocas em que a maioria da população começava a trabalhar com uma escolarização mínima, ou mesmo sem ter tido oportunidade, na infância, de frequentar a escola. Neste contexto, e à medida que os trabalhadores vão percebendo que a formação escolar lhes pode abrir novas perspetivas profissionais e de desenvolvimento pessoal, a vontade e a necessidade de voltar a estudar começam a impor-se.

    Na imagem, percebemos que boa parte dos alunos que chegam a esta escola, iluminada a velas e candeias, é ainda criança: na primeira metade do século XIX, o trabalho infantil era uma realidade muito frequente, o que remetia estas crianças desafortunadas para a escola noturna, única forma de escaparem ao analfabetismo. Posteriormente, graças sobretudo à luta sindical, esta situação começará a mudar, com o aparecimento de legislação restritiva do trabalho de menores e o aumento progressivo da idade mínima para trabalhar. Aliás, e já que se fala em sindicalismo, refira-se também o papel importante que os sindicatos tiveram, praticamente desde o seu aparecimento, na promoção do ensino e da formação profissional entre os seus associados.

    Nesta escola, o ambiente de aprendizagem parece pouco formal, reinando algo parecido com o que hoje chamaríamos diferenciação pedagógica, o que é natural tendo em conta as diferenças de idades, as motivações e os níveis de conhecimento de uns e outros. Assim, enquanto uns alunos estudam autonomamente, outros fazem uma pausa no estudo e aquecem-se junto à salamandra. Um dos discentes, vestido de verde, ouve a explicação do professor, que por sua vez mira de relance aqueloutro – talvez um novo aluno? – que acaba de chegar à escola, trazido pela mãe…

Fonte: Escola Portuguesa.

Análise do poema "De São Maurício", de José de Anchieta


    Este poema de José de Anchieta mostra a dupla conversão do índio: à religião católica e à ação portuguesa. Ou seja, quando os Portugueses chegaram ao Brasil, houve tribos que ficaram do lado de outros povos europeus, como os franceses. Então, os jesuítas, ao mesmo tempo que tentavam manter a fé, porque os invasores eram protestantes, procuravam conservar o império, visto que os invasores eram franceses.
    Este poema compõe-se de dez subdivisões de duas estrofes, sugerindo, como acontece nas danças que encerram algumas peças, dez pessoas que declamem. Deve ter sido apresentado em Vitória, por ocasião de alguma entrada a incursões protestantes.
    Nele, faz-se a exaltação de S. Maurício, santo guerreiro que chefiava uma legião conhecida por "Legião Tebana". Ficou famosa por se ter recusado a participar numa perseguição contra os cristãos, o que lhe valeu a ira do imperador e o consequente massacre, em 286.
    A perspetiva que a literatura de finais do século XX nos dá do índio oscila entre o herói selvagem, bravo e cruel, e a quase criança inocente.
    Até ao quarto grupo de estrofes, temos a exaltação do santo; a partir daí conta-se a sua história. Da mesma forma que S. Maurício venceu os infiéis pagãos com as suas hostes romanas, também agora os Portugueses o invocam na vitória sobre os franceses, que são protestantes. É uma invocação ao mesmo tempo didática, religiosa e festiva. Temos uma situação de festa motivada pela vitória, que é aproveitada para invocar um herói religioso, para propagar a religião e para ensinar um pouco da história da Igreja. Os franceses são inimigos religiosos e políticos, porque querem a mesma terra. Eles procuravam uma nova terra para fundarem a França Antártida. A vila de Vitória - capital do Espírito Santo - foi consagrada à vitória dos portugueses sobre os protestantes.
    As poesias jesuítas, mesmo as que eram destinadas a comemorar algo, apresentam-se com ar festivo, porque a festa era um importante veículo de catequização. Está sempre apresente a ideia de oposição cristão / pagão, a qual vai persistir na literatura para o Brasil, que é uma literatura de conversão, de catequese.
    No grupo 8, há uma referência ao «pecado» que pode ser a invasão da terra pelos protestantes ou uma condenação a uma certa maneira de viver dos índios, que tinham várias mulheres, praticavam a antropofagia, trocavam de mulher, andavam nus e amantizavam-se com os Portugueses. Nesta estrofe tão simples, está patente uma ideia importante: a ideia da expansão de um império e da fé não era apenas portuguesa, mas também francesa e inglesa.
    No grupo 9, faz-se referência à partida dos jesuítas nas «entradas», que eram incursões feitas ao interior do Brasil, para explorar ouro, trazendo no regresso índios para a catequese. Claro que as cidades foram construídas no litoral, porque era mais fácil a defesa e o abastecimento. Mas a expansão para o sertão era importante para ver se aí havia algum interesse. Muitas vezes traziam índios como escravos, mas que eram libertados pelos jesuítas. Eles participavam nas entradas para darem apoio espiritual aos brancos e prestígio junto dos índios e para evitarem a escravização do índio, que eles pretendiam trazer para os colégios de índios no litoral. As entradas não eram normalmente de grande extensão. As incursões mais longas chamavam-se «bandeiras» e levavam mais pessoas que as «entradas», mas esta é uma distinção didática, porque houve várias confusões. A consequência das entradas e das bandeiras foi a ajuda dada à configuração atual do território brasileiro, porque ambos os processos ultrapassaram em muito a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas e, quando os espanhóis, deram conta, já aí havia cidades com uma cultura portuguesa bem arreigada.
    Este tipo de literatura visa a cristianização do índio e daí a constante invocação de Deus. O espírito que rege a expansão da fé entre os índios brasileiros e os filhos dos colonos é um espírito festivo. Mesmo as procissões descritas pelos jesuítas têm um caráter festivo, em que as pessoas vestiam as melhores roupas, havendo ainda uma série de invenções de espírito barroco que chamavam a atenção, o que se vai acentuar com a descoberta do ouro.
    A literatura brasileira vai nascer como literatura brasileira no século XVII, sob o signo do Barroco, com autores como Manuel Botelho de Oliveira e Frei Manuel Maria de Itaparica. É uma poesia de transição. A primeira poesia é feita a respeito do Brasil, que é dada como marco do início da literatura brasileira. É uma poesia muito camoniana ainda, uma espécie de Lusíadas «kitsch».
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...