Português: 20/02/21

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Análise da Dedicatória de Os Lusíadas

 
A Dedicatória não era um elemento obrigatório do género épico. Camões, contudo, faz questão de dedicar o poema a D. Sebastião, o rei que então governava Portugal e que o Poeta vê como garante da continuidade da grandeza de Portugal (dilatação da Fé do Império).

 
 
Estrutura interna
 
                A Dedicatória segue a estrutura típica do género oratório.

 
Exórdio (est. 6 a 8) – O Poeta dirige-se a D. Sebastião declarando-o:

- o enviado providencial para assegurar a independência de Portugal, continuando a sua grandeza através da dilatação da Fé e do Império (est. 6);

- o descendente de uma dinastia mais importante do que as mais importantes da Europa;

- o detentor de um império imenso e o baluarte contra os seus inimigos, os ismaelitas e os turcos.

 
▪ A transmissão da mensagem da 1.ª parte assente nos seguintes recursos estilísticos:

- o uso da segunda pessoa do plural «vós»;

- a utilização de apóstrofes e perífrases:

. “… ó bem nascida segurança, / Da lusitana antiga liberdade, / E não menos certíssima esperança / De aumento da pequena Cristandade…”;

. “… ó novo temor da maura lança, / Maravilha fatal da nossa idade…”;

- a metáfora: “Tenro e novo ramo” (I, 7, v. 1) – descendente muito jovem;

- a sinédoque:

. “maura lança” (I, 6, v. 5) – o exército dos mouros;

. “Do torpe Ismaelita” (I, 8, v. 6) – os mouros, descentes de Ismael, filho de Abraão e Agar, daí também o nome “agarenos”;

. “Do Turco oriental e do Gentio” (I, 8, v. 7) – os bárbaros, os infiéis

 
Exposição (est. 9 a 11) – O Poeta, recorrendo a verbos no imperativo (“inclinai”, “ponde”, “ouvi”), pede ao rei que atente na obra que, desinteressada e patrioticamente, elaborou e lhe dedica, na qual verá retratados os grandes feitos dos portugueses, reais e não fingidos, bem superiores aos narrados nas antigas epopeias (esses sim “façanhas, / Fantásticas, fingidas, mentirosas” – Orlando Enamorado, Orlando Furioso, Chanson de Roland), de tal forma que o rei se pode julgar mais feliz como rei de tal gente do que como rei do mundo inteiro.

 
▪ Da mensagem transmitida pelo Poeta a D. Sebastião, conclui-se que Os Lusíadas são fonte de glória tanto para Camões como para D. Sebastião. Por exemplo, nos primeiros quatro versos da estância 10, Camões afirma que foi levado a escrever a obra não pelo desejo de um prémio vil / material, mas de um prémio “alto e quase eterno”. Esse prémio é a fama de grande poeta entre os portugueses (“ser conhecido por um pregão do ninho meu paterno”). A obra é também fonte de glória para D. Sebastião, quando Camões afirma que aquele, ao ler nela os grandes feitos dos portugueses, poderá julgar que é melhor ser rei dos portugueses do que do mundo todo.

 
Confirmação (est. 12 a 14) – Camões concretiza o que disse anteriormente, contrapondo a cada herói antigo um herói português (est. 12 e 13), e elogia os mais conhecidos vice-reis da Índia e todos os que, pelos feitos cometidos “nos Reinos lá da Aurora” (Oriente), atingiram a imortalidade.

 
▪ A nível estilístico, é de salientar o recurso aos seguintes recursos:

- perífrase: “E aquele que a seu Reino a segurança / Deixou…” (I, 13 – vv. 5-6) – D. João I;

- hipérbole, prosopopeia e sinédoque: “… por quem sempre o Tejo chora” (I, 14 – v. 6).

 
Peroração (est. 15-17) – O Poeta elogia o novo rei (“Sublime Rei”) e incita-o a continuar a guerra contra os Mouros, na terra e no mar, na África e no Oriente, prevendo para ele tais vitórias que encherão de júbilo as almas dos seus avós (D. João III e Carlos V), ao verem as suas glórias renovadas.

 
Conclusão (est. 18) – Camões remova o pedido inicial de aceitação da sua obra (“novo atrevimento”), em que o Rei poderá observar a forma como os navegadores venceram os mares e imaginá-los como Argonautas e o que poderão vir a fazer sob o seu impulso.

 
 
NOTAS

 
1. Podemos concluir então que, nestas treze estâncias, o vocativo e a frequência do modo imperativo centrados na pessoa do destinatário (o rei D. Sebastião) condicionam o predomínio da função apelativa, sem dúvida a mais adequada à realização do principal desejo do emissor: a oferta dos seus préstimos para cantar os heróis do seu povo, isto é, que o jovem soberano aceite o seu canto heroico do “peito ilustre lusitano” como um contributo para a glória da Pátria e como um estímulo para, sob o seu impulso, novos grandes feitos virem a ser cometidos.

 
2. Por outro lado, novamente estabelece a comparação (a partir da estância 11) entre os Portugueses e os heróis da Antiguidade, com o objetivo de enaltecer e engrandecer os feitos lusos.

 
3. Também na estância 18 se pode constatar que a obra é fonte de glória para o poeta e para D. Sebastião, quando Camões imagina o rei a ver no seu poema os novos argonautas, como se fossem já os seus. Esta estância, assim como a última d’ Os Lusíadas (IX, 156), pressagiam uma grande glória para D. Sebastião e uma nova grande epopeia para cantar os seus feitos.

 
4. Nota-se uma estreita ligação entre o conteúdo das estâncias 11 a 14 e o conteúdo da Proposição. Com efeito, Camões afirma, nas três primeiras estâncias da obra, que os feitos dos portugueses suplantam os dos maiores heróis da Antiguidade (“Cesse tudo o que a musa antiga canta, / Que outro poder mais alto se alevanta”); também nas estâncias 11 a 14 da Dedicatória considera que os feitos dos lusitanos suplantam as antigas, ainda que fossem verdadeiras, contrapondo a cada herói antigo um herói português.

 
5. D. Sebastião é visto como monarca poderoso, como representante do povo predestinado pelo Fado ao cometimento de grandes feitos, num império já imenso, mas que ele acrescentaria ainda, dilatando a Fé e o Império.

      O louvor de D. Sebastião está, portanto, em ser apresentado como um jovem rei de quem o povo português tudo espera, rei que a providência faz surgir para retomar a grandeza dos feitos portugueses. A ideia do jovem rei como salvador da pátria reflete a crise em que a nação já se encontrava, mas estava tão arreigada no povo que não desapareceu da sua alma nem com a morte do rei. O sebastianismo é precisamente isso: a imagem de um rei fatalmente destinado a ser salvador de uma nação em crise.

 
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