quinta-feira, 29 de julho de 2021
Uma análise de Que farei com este livro?
Podcast Que farei com este livro?
Que farei com este livro? é o título de um podcast, da autoria de Catarina Duarte Almeida, que está disponível em qualquer plataforma de streaming.
Análise do Canto V da Ilíada
O Canto V constitui, essencialmente, a aresteia de Diomedes, a mais longa e sangrenta (à exceção da de Aquiles, nos Cantos XX a XXII), que, no fundo, procura compensar a ausência de Aquiles, não obstante não conseguir, em última análise, fornecer a força que o líder dos Mirmidões costumava proporcionar ao exército aqueu e ao combate, como o demonstra a observação de Hera, segundo a qual, enquanto o filho de Tétis combateu, nenhum cavalo de Troia se aventurou para além dos portões da cidade.
Tal como sucede na aristeia,
Diomedes é inspirado e auxiliado por uma divindade (neste caso, Atenas), as
suas armas salientadas e a sua vitória certa, apesar de se encontrar ferido.
Estilisticamente, o poeta recorre a determinados símiles para descrever as
cenas da batalha; por exemplo, compara a ação de Diomedes a água furiosa e os
seus ataques a um leão «louco por garras».
No que diz respeito aos deuses, mais
uma vez parecem dar pouca ou nenhuma importância às consequências das suas
ações para os humanos, exceto se se tratar de um seu protegido naquela ocasião.
O que lhes interessa essencialmente, de forma mesquinha, são os conflitos entre
si. Por outro lado, quando comparados com os homens, os deuses parecem mais
frágeis no que toca a lidar com a dor e o sofrimento. A título exemplificativo,
citem-se os casos de Afrodite e Ares, que, quando são feridos, recolhem logo ao
Olimpo e se queixam, quais crianças, ao «pai» Zeus, enquanto Diomedes continua
a combater depois de ser ferido.
As descrições das batalhas são
longas e frequentemente centram-se nos massacres em massa que as caracterizam,
mas alternam com apontamentos individuais. O poeta, em diversos momentos,
apresenta-nos a personagem que acabou de morrer ou está em vias disso,
dando-nos a conhecer os seus antecedentes, as suas origens e educação,
enfatizando frequentemente a perda que o seu passamento constitui para o seu
exército e a sua pátria. Além disso, Homero alterna descrições de mortes de
combatentes troianos e aqueus, estratégia que impede que a narração se torne
monótona e dê conta do fluxo e refluxo da batalha.
Por outro lado, as provocações são
um elemento bastante importantes no contexto das batalhas. Os soldados desafiam
a coragem e a honra dos seus companheiros para se incentivarem e motivarem para
o combate. Por exemplo, Sarpédon diz a Heitor que os seus comandados estão a
lutar bem melhor para defender Troia do que os troianos do filho de Príamo.
Durante os combates, os homens provocam também os seus inimigos com o intuito
de os desanimar, e até os próprios deuses usam esse estratagema, como, por
exemplo, quando Hera humilha os Aqueus, dizendo-lhes que Aquiles nunca permitiu
que os Troianos passassem além dos portões da cidade.
Resumo do Canto V da Ilíada
Diomedes, um soldado aqueu, é ferido por Pândaro, o que o leva a orar a Atenas, que lhe confere uma força sobre-humana e o poder de discernir os deuses no campo de batalha, mas alerta-o para não atacar nenhum, à exceção de Afrodite.
Dotado dos seus novos poderes,
Diomedes massacra todos os inimigos que lhe surgem pela frente. Eneias e
Pândaro perseguem-no, mas Atenas guia-lhe a lança, que proporciona uma morte
horrível ao arqueiro, enquanto o herói da Eneida é ferido e só não
encontra a morte graças à intervenção de Afrodite, sua mãe. Diomedes fere
também a deusa, cortando-lhe o pulso e mandando-a de volta ao Olimpo, onde
Dione, a sua mãe, a cura, e Zeus a adverte para não voltar a interferir na
guerra. Quanto a Eneias, é tratado por Apolo, que o cura e devolve,
posteriormente, à batalha, mas nesse percurso acaba por ser atacado por
Diomedes, gesto que configura uma transgressão ao acordo que tinha feito com
Atenas de não agredir qualquer outra divindade além de Afrodite. Apolo avisa
severamente o guerreiro grego e afasta-o do seu caminho, enquanto retira Eneias
do campo de batalha e deixa uma réplica do troiano no solo, para servir de
motivação aos companheiros. Por último, o deus do Sol incentiva Ares a lutar
por Troia, informando-o de que um aqueu (Diomedes) acabou de ferir a sua irmã
(Afrodite).
Graças à ajuda divina, os Troianos
parecem ganhar vantagem na contenda, sobretudo graças à ação conjunta de Heitor
e Ares, demasiado fortes para os inimigos. Os heróis de ambos os lados vão
vingando a morte dos seus homens. Alarmadas com o recuo dos Gregos, Hera e
Atenas obtêm de Zeus a permissão para intervir no conflito em auxílio dos
Aqueus. Assim, Hera confronta os Gregos com o facto de Aquiles nunca ter
permitido que os inimigos saíssem para além dos seus portões, enquanto Atenas
permite que Diomedes ataque outros deuses e o incentiva a acometer Ares, que é
atingido pela carruagem e voa de regresso ao Olimpo, onde reclama de Zeus, que
lhe responde que mereceu o seu ferimento. Atingido o seu propósito, Hera e
Atenas retiram-se também do campo de batalha.
Análise do Canto IV da Ilíada
Ao contrário das religiões contemporâneas, os deuses gregos incorporam em si as mesmas paixões e falhas dos seres humanos e interagem com estes frequentemente. A diferença entre uns e outros é que as entidades divinas são eternas, enquanto a humanidade é mortal. A imortalidade divina transforma os seus conflitos em algo trivial e até algo caricato, em contraste com o sofrimento, a dor e a morte que marcam a existência terrena. Como não existem consequências para si, os deuses encontram até prazer nos conflitos em que se envolvem, o que pode ajudar a explicar o facto de Hera e Atenas não aceitarem a trégua entre Troianos e Aqueus, que poderia significar o fim daquela guerra interminável e a instauração da paz, e tudo fazerem para a batalha prosseguir, para vingarem o seu orgulho ferido com a questão do pomo de ouro.
Deste modo, a guerra é retomada, havendo
referências à morte de personagens menores e a confrontos individuais entre
figuras bem mais notáveis. As descrições dos ferimentos que os lutadores vão
sofrendo são terríveis, baseadas numa fórmula característica. Esses ferimentos
são provocados por espadas, lanças, flechas e pedras, que cortam, dilaceram,
esmagam diferentes partes do corpo, com a exposição ocasional de um ou outro
órgão interno. Tudo isto é apresentado pelo poeta com diferentes detalhes
específicos, no sentido de criar uma panóplia diversificada de mortes no campo
de batalha.
Retirar a armadura ao inimigo
derrotado ou apossar-se do seu cavalo constituem prémios valiosos cuja reivindicação
aumenta a honra do vencedor e desonra o derrotado. Só que a ânsia de obter
estas recompensas por vezes têm consequências fatais para quem as deseja
alcançar, dado que o coloca numa situação de alguma vulnerabilidade. É
exemplificativa disto a referência à primeira morte na obra: um soldado, após a
morte do inimigo, procura imediatamente retirar a armadura do corpo do morto,
«distrai-se» e acaba por ser assassinado.
Por outro lado, nem o partido Aqueu
nem o Troiano são apresentados no poema como melhores do que o outro. Tal é
demonstrado pela imagem de dois soldados, um grego e outro troiano, jazendo
mortos um ao lado do outro, enquanto companheiros seus prosseguem a luta e vão
tombando à sua volta. Este facto não pode ser dissociado de outra questão, a da
inexistência de vilões propriamente ditos no poema. De facto, se é verdade que
o poeta narra os eventos na ótica grega, de modo algum vilaniza os Troianos,
até porque, noutros momentos, os contendores foram aliados e combateram pelo
mesmo objetivo. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a aliança que dois povos
estabeleceram para combater as Amazonas. A violência, o sofrimento, a dor e a
morte recaem sobre ambos os exércitos de forma semelhante; o alívio sentido no
momento em que se acorda que o duelo entre Menelau e Páris porá fim ao conflito
é o mesmo para uns e outros; os combatentes das duas fações desejam que o
culpado pela eventual quebra da trégua seja massacrado e as suas mulheres
estupradas; quando o cessar-fogo é efetivamente rompido, fica claro que nenhum
dos partidos é o culpado, dado que o tiro de Pândaro sobre Menelau só é dado
porque Atenas a tal conduz. Assim sendo, é perfeitamente lícita a conclusão de
que os únicos que, verdadeiramente, retiram prazer da guerra e a quem prolongar
são os deuses, que manipulam os seres humanos para atingir os seus propósitos.
Resumo do Canto IV da Ilíada
No Olimpo, os deuses discutem sobre a guerra. Zeus argumenta que Menelau venceu o duelo com Páris, pelo que o conflito bélico deveria terminar, como acordado entre Gregos e Troianos, e Helena ser devolvida aos primeiros. A esta ideia opõe-se Hera, que não se satisfaz com a vitória grega, antes deseja a destruição completa de Troia. No final da discussão, Zeus cede e envia Atenas ao campo de batalha para levar os Troianos a quebrar a trégua.
Assim, disfarçada de soldado
troiano, a deusa convence o arqueiro Pândaro a disparar sobre Menelau. Ele
dispara, mas Atenas, que não deseja que o ex-esposo de Helena seja morto, unicamente
quer que os Aqueus tenham um pretexto para regressar ao combate, desvia a
flecha, que apenas fere levemente Menelau.
Deste modo, o objetivo do Olimpo é
alcançado: a trégua foi quebrada. Agamémnon reúne o seu exército e estimula e
desafia o orgulho dos principais guerreiros, narrando os grandes feitos dos
seus pais. A batalha recomeça e a carnificina também, destacando-se as ações de
Ulisses e Ájax, que liquidam várias figuras menores do lado troiano. Como
sempre, os deuses não ficam à margem e intervêm no desenrolar dos
acontecimentos, com destaque para Atenas, que ajuda os Gregos, e Apolo, que
está ao lado dos Troianos. E assim os humanos atuam como meros joguetes
manipulados pelos deuses.
Análise do Canto III da Ilíada
Nos dois primeiros cantos, o poeta apresenta os comandantes das forças aqueias; neste, introduz as principais figuras do campo troiano, nomeadamente Príamo, Heitor, Páris e Helena. A ex-rainha de Esparta é descrita como simpática: ela lamenta profundamente o custo do episódio por si protagonizado e chega a desejar ter morrido antes de fugir com Páris, o que mostra a sua vergonha e a consciência da sua responsabilidade na morte de tantas pessoas. O seu remorso e arrependimento, a consciência de que agiu mal e é a causa de tanto sofrimento são bem evidentes quando observa as fileiras do exército aqueu. A cena torna-se pungente quando questiona se os seus irmãos (Castor e Pólux), que não consegue vislumbrar no seio dos Aqueus, se terão recusado a integrar a expedição grega e a lutar por uma irmã tão odiosa, desconhecendo que, na realidade, estão mortos, pelo que a sua ausência não se deve à raiva ou à vergonha pela irmã, mas antes por fazerem parte da vasta lista de vítimas do conflito que ela originou. Quando Afrodite a junta no quarto a Páris, Helena resiste e parece não nutrir grande afeição por ele, chegando inclusive a criticá-lo pela sua cobardia. No entanto, enquanto deusa, Afrodite tem o poder de forçar a ex-esposa de Menelau a amar Páris, o que gera, junto do ouvinte/leitor, uma situação contraditória que exemplifica a complexidade humana: Helena ama e despreza Páris em simultâneo.
Ao contrário dela, Páris não parece
sentir grande pudor ou sentido de responsabilidade pelo seu papel no espoletar
da guerra, no que contrasta com Heitor. Ao avistar Menelau, Páris foge, o que
lhe vale a crítica do irmão, muito mais consciente do ideal de honra, crítica
essa motivada pela desgraça e sofrimento que trouxe, tanto a si mesmo como a
todo o exército troiano. E chega mesmo a desejar que Páris tivesse morrido
antes de consumar o rapto da bela Helena e, com isso, desgraçar o seu povo. É
esta crítica de Heitor que faz com que Páris aceite duelar com Menelau, embora
contrariado; porém, a luta rapidamente se torna embaraçosa para o lado troiano,
e ele tem de ser salvo da morte por Afrodite, a deusa grega do amor (também
designada, no Canto V, como «deusa cobarde»), e não por um deus ligado à
guerra. O príncipe troiano culpa até os deuses pelo desfecho da contenda (algo
que o poeta jamais sugere e que é desmentido, por outro lado, pelo esforço
desenvolvido por Menelau durante o duelo, clarificador da ausência de ajuda a
seu favor), mas não mostra qualquer incómodo ou contrariedade quando a deusa o
leva para o seu quarto. E é este passo da Ilíada que mais contribui para
o esboço de um retrato profundamente disfórico de Páris: enquanto está
recolhido nos seus aposentos, fazendo amor com Helena, o exército troiano é
forçado a continuar a lutar em nome da mulher que ele roubou aos aqueus. Esta
conduta revela toda a cobardia de Páris e colide com o código de honra do
herói, o que desagrada ao seu próprio exército, que o odeia «como a morte».
Por seu turno, Príamo emerge como a
personagem mais humana. Dada a sua idade avançada, já não pode participar na
guerra como combatente, pelo que a sua intervenção não é movida por qualquer
desejo de honra ou glória. Os anciãos de Troia querem devolver Helena aos
Gregos, porém o velho monarca opõe-se-lhe. Ele não a culpa pelo sucedido e
trata-a com humanidade e compaixão, não obstante toda a desgraça que fez recair
sobre a cidade.