O
romance Senhora está dividido em quatro partes:
= 1.ª parte: O preço.
= 2.ª parte: Quitação.
= 3.ª parte: Posse.
= 4.ª parte: Resgate.
O título
de cada uma corresponde ao seu conteúdo.
1. “O Preço”: o título é
muito significativo e refere-se a dois aspetos:
=> Atitude de Aurélia, que
cotava cada homem que dela se aproximava com um certo preço, um valor monetário
e eles correspondiam a essa atitude com gracejos, mas ela fazia-o com desprezo.
Era uma forma de reagir contra uma sociedade onde imperava o dinheiro, de
reagir contra o casamento como transação negocial:
“Assim costumava ela indicar o
merecimento relativo de cada um dos pretendentes, dando-lhes certo valor
monetário. Em linguagem financeira, Aurélia cotava os seus adoradores pelo
preço que razoavelmente poderiam obter no mercado matrimonial.” – pág. 13.
“Muito devia a cobiça embrutecer
esses homens, ou cegá-los a paixão, para não verem o frio escárnio com que
Aurélia os ludibriava nestes brincos ridículos, que eles tomavam por garridices
de menina, enão eram senão ímpetos de uma irritação íntima e talvez mórbida.” –
pág. 15.
=> Mas o título tem um
significado mais profundo, quando Seixas se vende por 100 contos de réis, mesmo
sem saber a quem. O seu comportamento é influenciado pela sociedade. Este
casamento é o fulcro de toda a intriga. Aurélia estabelece o casamento como um
negócio. Mas logo a seguir, ela mostra que coloca nesse “negócio” muita
afetividade: “… Desejo como é natural obter o que pretendo, o mais barato
possível; mas o essencial é obter; e portanto até metade do que possuo não faço
de questão de preço. É a minha felicidade que vou comprar.” – pág. 32.
O
casamento, que deve ser uma relação de amor, é aqui uma relação de compra e
venda. Seixas, mais à frente, refere-se a Aurélia como Senhora e a ele como
escravo – situação feudalizante. Ligada à ideia do casamento como negócio, está
o testamento que Aurélia faz logo.
2. “Quitação”: esta parte
é uma longa analepse, exceto o último capítulo, onde se retorna ao quarto nupcial,
onde se dera o drama. A analepse é uma justificação das atitudes e comportamentos
de Aurélia. Ao longo de 10 capítulos é descrita a vida de Aurélia antes de
receber a herança de seu avô, como se apaixonou por Seixas (página 109) e como
ele a traiu (pg. 112) e se vendeu a Adelaide por um dote de 30 contos de réis.
A sua origem modesta e mesmo pobre, antes da herança, justifica a sua atitude
para com a sociedade, onde pesa mais o dinheiro. É uma sociedade burguesa, onde
os valores da velha educação brasileira são esquecidos em detrimento do
dinheiro. É contra isto que Aurélia vai guiar a sua luta.
Enquanto
era pobre, sua família ignorava-a; agora que enriquecera era bajulada. Mas ela
escolhe seu tio Lemos para tutor, porque o podia dominar (pág. 131).
3. “Posse”: Aurélia casa
com Seixas e ambos vivem uma vida aparente de felicidade, o que é
constrangedor. Esta parte descreve as atitudes e comportamentos que marcam a
relação de ambos. As personagens são acompanhadas passo a passo e, por isso, a
ação pouco avança. É fundamental a análise psicológica das personagens, que se
pautam pela ironia.
Várias
são as passagens que ilustram esta ironia e tom sarcástico que domina as
conversas de Aurélia e Seixas: pp. 153, 164-166; pp. 178-180; pp. 191-192; pp.
200-202.Aurélia propõe o divórcio, mas Seixas não aceita: “A Senhora fará o que
for de sua vontade. A minha obrigação é obedecer-lhe, como seu servo, contando
que não lhe falte com o marido que a senhora comprou.” É o orgulho de ambos que
causa o conflito.
4. “Resgate”: há uma
ligeira aproximação de Aurélia e Seixas, o que reflete na ligeira quebra da
ironia que atinge os seus diálogos e que chega a ser referida pelas
personagens. Isto é um sinal de que a ação se encaminha para um final feliz.
Ao
ciúme, motivado pelo desejo e pela posse, que os aproxima, contrapõe-se o
orgulho e é este que faz com que a reconciliação se faça apenas no final. É
Aurélia que cede, quando ele a deixa. Mas tinha de ser mesmo ela, pois foi ela
que impôs a prova, logo tinha de ser Aurélia a reconhecer que ele já estava
pronto para a merecer. Só assim se estabelece equilíbrio na relação.
Na
página 215, vemos que o desejo crescente é quebrado pelo orgulho e pela
situação de submissão a que está submetido Seixas.
É o
ciúme que os começa a aproximar: o ciúme de Aurélia por Adelaide (pp. 223-228)
e o ciúme de Seixas em relação a Abreu (pp. 230-232).
A
partir da cena da valsa (pp. 236-246), começam a sentir a necessidade de acabar
com a ironia e, assim, se vai preparando um final feliz.