Português: José de Alencar
Mostrar mensagens com a etiqueta José de Alencar. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta José de Alencar. Mostrar todas as mensagens

domingo, 23 de julho de 2023

Senhora: Obra essencialmente romântica


    Senhora é na essência e na estrutura uma obra romântica, correspondendo às convenções de uma escola literária e ao próprio modo de ser de Alencar, já por si romântico.
    O Romantismo tem de ser visto a nível da:

=> Expressão: neste domínio, há vários aspetos a apontar e que mostram esse romantismo:

= construção das personagens através da caracterização física e identificando o físico e o moral. Seixas e Aurélia são fisicamente perfeitos e esta beleza física corresponde à peculiaridade interior e moral;

= ausência de distanciamento crítico da personagem, beneficiando a descrição exterior e a condução da ação e do discurso das personagens, conseguindo um equilíbrio entre o drama (uso do diálogo), narrativa e descrição, que são fundamentais no romance;

= presença constante do narrador no texto que narra, o que implica o uso de uma linguagem subjetiva, partindo de princípios que se misturam como indiscutíveis desde o início do romance;

= linguagem, que quase que transforma as personagens em figuras comprovativas de uma tese. O narrador apresenta os seus pressupostos no início e tudo o que se passa vai no sentido de os confirmar.

=> Conteúdo: também a este nível, a obra é essencialmente romântica, porque:

= possibilidade de confronto entre o Bem e o Mal, implicando assim a existência de um vilão (ao contrário do que acontece nas Memórias);

= contradição, espírito antitético, jogo de causa-efeito;

= motivo da mulher ferida, profundamente magoada, mas que mantém o seu amor eterno e intocável;

= apologia e defesa do amor; pureza e autenticidade desse amor devem ser guardadas e servem como instrumento de crítica social;

= existência de um final feliz, em que o amor aparece vitorioso, amor esse que se encarna em Aurélia e representa a recuperação dos valores ideológicos que se tinham perdido em Seixas;

= presença da natureza, não só como cenário, mas também como elemento de purificação e recuperação;

= a mulher na sua dualidade: oscila sempre entre a sensualidade e a pureza, entre o desejo e o orgulho.

    Alencar desenha em Aurélia e Seixas dois caracteres psicológicos e, por isso, há quem chame este romance de fisiológico. Mas estas personagens, sobretudo Seixas, transformam-se à medida que o romance se desenvolve, pois ele tem de recuperar para se reabilitarem os valores defendidos por Alencar e que Aurélia sempre teve. A unidade da obra resulta deste equilíbrio, que fora perdido por instantes.

 

Senhora: Possível Realismo?


    A construção do romance e das personagens mostra um caminho para o romance de análise social (típico do Realismo) da sociedade de fins do império, de uma mentalidade que recusa os valores antigos. Aceita-se a vivência pelo interesse, mas quando vem imbuído do luxo e do dinheiro.
    Mas poder-se-á falar de uma aproximação ao Realismo? Que Realismo?
    Alencar faz uma descrição de Seixas e de seus aposentos muito pormenorizada e usa também a técnica de estabelecer uma relação entre a caracterização do ambiente e das personagens. Mas será isto uma técnica realista?
    Alencar faz uma descrição de Seixas e de seus aposentos muito pormenorizada e usa também a técnica de estabelecer uma relação entre a caracterização do ambiente e das personagens. Mas será isto uma técnica realista?
    Bosi diz que não; que é apenas o gosto por uma descrição minuciosa e não uma preocupação realista. Alencar critica, mas está dentro daquilo que critica, ao contrário de Manuel António de Almeida, que critica de fora. Assim, para Bosi, não há um verdadeiro Realismo nem sequer uma aproximação ao Realismo, mas um gosto pelo pitoresco.
    Se se critica o mundo social, essa crítica é feita dentro dos moldes românticos.

Dimensão social de Senhora


    Esta dimensão social é evidente a dois níveis:

= Caracterização de lugares, modas e maneiras de ser;

= Assunto do romance: casamento de conveniência que assenta em pressupostos sociais e a compreensão deles é essencial para o significado da obra.

    A análise do assunto possibilita-lhe uma análise profunda da sociedade, pois representa e critica ao mesmo tempo os costumes da época.
    A análise social e a estrutura do romance estão ligadas numa relação de funcionalidade. O que forma a estrutura do livro é o duelo que se estabelece entre duas personagens: Seixas, a quem a primeira humilhação o leva a recuperar, e Aurélia, que se instala como vingadora, que esmaga o objeto que compra. É um binómio de compra-venda que vem substituir os valores do casamento. É isto que Alencar critica.
    Na época em que Alencar escreve, o casamento por conveniência era algo aceite. É quando as pessoas começam a ter possibilidade de escolha e a casar por amor que este casamento por conveniência passa a ser visto como hipócrita. Assim, o matrimónio de Seixas é aceite na sociedade; só é falso pelo amor que Aurélia sente. Ele próprio diz que os novos valores se estruturam segundo uma perspetiva burguesa, em que o dinheiro impera.
    Partindo assim de motivo social, o romance retrata a sociedade da segunda metade do século XIX, uma sociedade urbana e burguesa, sustentada por um sistema mercantilista e esclavagista e ainda o homem brasileiro, romântico, profundamente inserido e influenciado pela sociedade.
    Senhora tem uma grande dimensão histórica e social

Relação Senhora / Alencar


    Não será muito legítimo fazer esta aproximação, mas Senhora reflete alguns traços do comportamento de Alencar: desilusão, orgulho ferido e uma certa superioridade de inteligência, que não lhe é reconhecida. A caracterização de Aurélia é o reflexo de um mesmo espírito crítico e desiludido, o que se mostra principalmente nas atitudes de arrogância e desprezo pela sociedade em questão. O modo como Seixas reage em relação à sociedade é o mesmo de Aurélia.
    Seixas aparece como produto típico de uma sociedade que sufoca e prende. Aurélia mantém-se inteira, tanto enquanto pobre como rica; mantém sempre o seu espírito; é como se fosse o reflexo dos velhos valores da educação brasileira.
    Na perspetiva de Alencar, a sociedade e o desenvolvimento urbano funcionavam como elemento de dissolução dos costumes, afastamento do plano mais inerente à personalidade humana e atrofiamento de pessoas. A degradação que provocam os falsos valores sociais destroem o indivíduo pela base, como acontece com Seixas.
    A recuperação de Seixas é possível segundo duas perspetivas:

= Validade que Artur atribui ainda aos valores do passado, que Aurélia representa.

= Ótica romântica: nesta perspetiva, é o amor que permite recuperar o equilíbrio que se perdera.

    Aurélia acaba por ser o elemento que provoca a recuperação de Seixas, estimulando o reaparecimento de valores já perdidos.
    Apesar da solução romântica, que tem o fulcro no amor e na mulher que ama, a crítica e a censura estão sempre presentes no romance. Mas o contraste de valores que o Romantismo mostra não implica um Alencar avançado; por criticá-los, não quer dizer que ele avança com novas ideias. Defende sempre o passado, que tem os valores, as virtudes, que funcionam como ponto de referência.
    Assim, Senhora, para além de obra de arte que mostra o espírito criador de Alencar, é também um documento de uma sociedade em mudança, destituída dos valores mais altos e fundamentais. Mas a crítica também não significa uma rutura com essa sociedade, porque Alencar, ao situar-se num mundo romântico, a sua atitude crítica é também uma característica desse mundo. É uma atitude do romântico estar na sociedade.

Caracterização de Seixas


    A caracterização de Seixa constrói-se como processo evolutivo e reação às situações com que se vai deparando.
    O capítulo VI, constituído por uma analepse sobre a vida de Seixas, é fundamental para caracterizar a personalidade da personagem. Nela, temos uma parte base e outra que aparece sempre. A sua personalidade-base foi-se modificando por influência da sociedade. A natureza ornara-o de excelentes qualidades e força de vontade. Mas é a sociedade que faz dele um homem acomodado a uma situação de ambição e prazer, desenvolvendo a vaidade e o luxo sem estabelecer um equilíbrio de alma que Aurélia sempre teve.
    Na perspetiva de Seixas, como se pode entender o casamento? Ambição? Imposição do dever (culpa por ter negligenciado a família)? Armadilha das circunstâncias?
    Quanto o tutor de Aurélia procura Seixas para lhe propor o negócio do casamento, ele recusa. Mas posteriormente haverá uma série de condicionantes que o farão mudar deposição.
    Ele aceita um casamento por conveniência e isto não era condenável, porque era aceite e respeitado naquela sociedade. Mas é em face do amor de Aurélia que o facto assume proporções de negócio, ou seja, só parece vil, porque Aurélia o ama.
    Ele é leviano, fácil, com um orgulho acomodado à sociedade e emudece com a primeira humilhação que lhe é infringida por Aurélia: “Vendido, sim: não tem outro nome. Sou rica, muito rica, sou milionária; precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor estava no mercado; comprei-o. Custou-me cem contos de réis, foi barato; não se fez valer.” (pág. 88).
    Mas a sua revolta contra a situação não tarda e reveste-se principalmente de ironia e sarcasmo: “É verdade que a amei; mas a senhora acaba de esmagar a seus pés esse amor… Eu só a amaria agora, se a quisesse insultar; pois que maior afronta pode fazer a uma senhora, um miserável, do que marcando-a com o estigma da sua paixão…” (pág. 140).
    A recuperação de Seixas parte de alguns pontos: sobriedade, mantendo a sua natural elegância (pp. 169-172); autossuficiência monetária, mantendo o emprego de funcionário público, numa tentativa de comprar a sua liberdade (pp. 271-275).
    É o reconhecimento deste facto que leva Aurélia a retroceder no seu orgulho e a admitir que ama e é amada.
    A análise de Seixas acaba por ser mais importante do que a de Aurélia, embora se reconheça que é a pressão resultante do confronto destas duas personalidades que sustém e dá vida a esta intriga.

Caracterização de Aurélia


    A análise do caráter de Aurélia é feita desde o início e mantém um certo equilíbrio sem grandes mudanças. Mas isto não quer dizer que seja uma personagem linear; é uma personalidade forte e complexa, por si e pela pressão dos acontecimentos.
    No capítulo I, vemos o modo como Aurélia é aclamada quando aparece nos salões, onde a rodeia um conjunto de pretendentes. É interessante então ver o contraste entre o exterior e o íntimo de Aurélia: o seu exterior é de beleza e consegue captar muitos pretendentes; intimamente é dominada por um sentimento de desprezo que ela sente por todos que a rodeiam.
    Há assim um grande contraste entre um interior de desprezo e um exterior de beleza e alegria. Fisicamente bela e rica, ela é assaltada por muitos pretendentes. Mas a sua inteligência e sagacidade permitem-lhe manter-se íntegra, o que é principalmente fruto do conhecimento da vida, da sua própria experiência.
    O orgulho e a singularidade de caráter que a caracteriza inicialmente mantêm-se ao longo de toda a obra. Isto tem a ver com o seu caráter impulsivo e excêntrico: “D. Firmina, apesar de habituada desde muito ao caráter excêntrico de Aurélia…” (pág. 21).
    Mas é através da longa analepse da segunda parte que nos são apresentados muitos dos traços que caracterizam Aurélia: orgulhosa, perceção rápida do que a rodeia. Mas é uma mulher magoada, que conhece o poder da riqueza que possui.
    O que será que a anima? A vingança?
    Dois passos da obra podem exemplificar esta situação:

- pág. 86: “Não! – exclamou arrebatadamente. – Seria a profanação deste santo amor que foi e será toda a minha vida.”

- pág. 195: “O sentimento que animava Amélia podia chamar-se orgulho, mas não vingança. Era antes pela exaltação de seu amor que ela ansiava, do que pela humilhação de Seixas…”.

    Isto mostra que não era a vingança nem o desejo de humilhação de Seixas que animava Aurélia, mas sim a vontade de o fazer sentir quão grande era o amor dele. Ela mantém-se inteira ao longo do romance, endurecida pela mágoa, mas acreditando sempre no seu amor, puro e sacro, altar da sua vida, e no caráter de Seixas. O equilíbrio só se recupera, quando Seixas consegue atingir esse altar: “Pois bem, agora ajoelho-me eu a teus pés, Fernando, e suplico-te que aceites meu amor, que nunca deixou de ser teu, ainda quando mais cruelmente ofendia-te.” (pág. 276).
    Isto mostra como Aurélia reconhece o amor do marido e como tal já não há razão para se pensar em orgulho e humilhação. São duas almas que finalmente se encontram.

O discurso de Senhora


    Tanto a estrutura da obra como a linguagem são próprias do Romantismo.
    A linguagem caracteriza-se essencialmente por pertencer ao campo semântico dos sentimentos e ser muito retórica, em que se utiliza muito a metáfora, tanto na narração como nos diálogos. Assim, o romance Senhora e, sobretudo os diálogos, ficam muito próximos do teatro. De certo modo, a linguagem acompanha o inusitado da ação, das atitudes e comportamentos de Aurélia. A descrição desta e de Seixas mostra-os como peculiares e como tal a linguagem tem de ser peculiar e específica.
    Dois traços típicos do discurso são o diálogo e a descrição. Por vezes, o fluir da ação abranda e as pausas são preenchidas por diálogos e descrição.
    O diálogo é importante, sobretudo a partir da parte III, porque só pelo diálogo podemos perceber a verdadeira situação que as duas personagens estão a viver e a pressão de dois orgulhos que se chocam. O diálogo assume um caráter mordaz e cínico. Há como que uma luta que se estabelece no íntimo de cada um. Sem diálogos, esta terceira parte podia resumir-se a um capítulo. Mas temos quase oito capítulos em que se digladiam e que nos dão a imagem do sofrimento que infringiam. O diálogo interior permite um acesso mais direto ao íntimo das personagens.
    A descrição é um elemento que está omnipresente em todo o romance: descrição do espaço, dos ambientes e das personagens, em relação a quem se descreve os modos e o vestuário, para evidenciar a ligação entre o físico e a moral. O modo de vestir de Aurélia e Seixas pauta-se pela beleza, que terá ligação com o caráter moral.
    Mas mais importante é o relatar das atitudes e comportamentos e nisto evidencia-se o caráter funcional de tais descrições. A descrição, qualquer que seja, é sempre funcional em relação ao tratamento do modo de ser das personagens. No fundo, o romance Senhora trata uma história simples, mas complicada e extraordinária. Não é no casamento por dinheiro que reside essa questão extraordinária, mas sim no comportamento peculiar das personagens, sobretudo de Aurélia que, apesar de tudo, casa por amor.

sábado, 22 de julho de 2023

O narrador de Senhora


    É um narrador heterodiegético, porque nunca participa na diegese, e também omnisciente, pela introspeção que faz do íntimo das personagens. Isto faz com que assumisse uma função de criador: dono do mundo ficcional que cria. Ele instaura-se como criador e, como tal, dá-nos a verdade. Todas as suas interpelações são indiscutíveis. O narrador heterodiegético e omnisciente tem uma enorme autonomia sobre o texto e não é possível discutir os seus valores. Ele apresenta a verdade e, por isso, por detrás da aparência de Seixas e Aurélia, ele mostra-nos o seu íntimo autêntico. Apresenta os dois aspetos como tentativa de repor sempre a verdade. Assim, cria-se um equilíbrio no mundo ficcional, possível através das interpelações subjetivas do narrador. A sua apresentação da verdade não permite ao leitor equívocos ou entrar em contradição. Explica toda a ação e daí a recorrência à analepse com o objetivo de explicar as atitudes e os comportamentos das personagens. Garante a unidade e a verdade da narrativa.
    Se este é o seu objetivo, daqui vem a sua constante participação:

=> pág. 120: “Este fenómeno devia ter uma razão psicológica, de cuja investigação nos abstemos…”. O narrador instaura uma verdade; não deixa perspetiva em aberto.

    Mas além da constante participação do narrador, há uma íntima ligação texto-narrador-leitor:

=> pág. 136: “Tornemos à câmara nupcial, onde se representa a primeira cena do drama original, de que apenas conhecemos o prólogo.”: intriga os leitores no mundo ficcional como entidade a quem dirige o seu discurso e os valores que ele exprime;

=> pág. 193: “Convencido de que também o coração tem uma lógica…bem desejara o narrador deste episódio perscrutar a razão dos singulares movimentos que se produzem na alma de Aurélia.

    Como, porém, não foi dotado com a lucidez precisa para o estudo dos fenómenos psicológicos, limita-se a referir o que sabe, deixando à sagacidade de cada um atinar com a verdadeira causa de impulsos tão encontrados.”

=> pág. 222: há uma intertextualidade e dialogismo que se estabelece na obra: “Mal pensava Aurélia que o autor de Diva teria mais tarde a honra de receber indiretamente suas inconfidências, e escrever também o romance de sua vida, a que ela fazia alusão.”

    Há um necessário afastamento entre o narrador (entidade inerente à obra) e o autor empírico da obra. Se, por um lado, o narrador se coloca da parte de fora, apenas como depósito do que Aurélia lhe contara sobre sua vida, logo adquire um poder enorme sobre as personagens, modelando e fazendo-as evoluir por si próprias (ver a importância do diálogo para essa evolução) ou mostrando autênticos quadros de análise psicológica do interior das personagens. O narrador domina completamente as suas personagens, os acontecimentos; conhece as causas e os respetivos efeitos sem que se possa pôr em causa a sua autoridade. Daí ser heterodiegético.

O espaço em Senhora


    Tem uma grande importância no  romance. Aparecem muitas descrições do espaço, que é uma das principais categorias do romance.
    Apesar de ser um romance citadino, a natureza desempenha um papel importante. A descrição alterna entre ambientes íntimos de família e os salões, os teatros, onde se reunia a sociedade do Rio de Janeiro, em fins do século XIX.
    O espaço tem uma importância acrescida, o que se pode ver pelo tempo de discurso que ocupa. Há inúmeras e minuciosas descrições. O espaço que é descrito serve muitas vezes para introduzir as personagens, tal como já vimos em Memórias de um Sargento de Milícias.
    Como exemplo, temos a pág. 34: descrição dos aposentos de Seixas, onde se introduz a personagem. É uma descrição que marca o contraste entre a vida familiar de Seixas e o modo como se apresenta nos salões e na corte. Podemos pensar numa duplicidade de espaço: entre o ambiente natural de Seixas e a sociedade, que atuou no seu comportamento. Neste contraste, há uma separação entre a parte pobre e a parte rica, onde Seixas se insere como se a ela pertencesse.
    A descrição física desce a todos os pormenores, mesmo ao pé. O mesmo se passa em relação à casa.
    Outro exemplo temo-lo na pág. 84: descrição do quarto nupcial, feita nos mesmos moldes da anterior: Aurélia é inserida no ambiente descrito sem quebrar a sequência da descrição. É um ambiente rico e quase etéreo. É como se se inserisse uma deusa no seu próprio ambiente: o Olimpo. A imagem que nos fica dela é a de uma pessoa quase inatingível. Usa-se um vocabulário cheio de clichés.
    Na página 145, descreve-se a câmara para onde vai viver Seixas e o seu estado de espírito. Descreve-se o luxo que agora o envolve. O mais importante é o contraste entre a primeira cena descrita, onde se vê a pobreza de Seixas e os objetos ricos que possuía, e agora que tem um ambiente que lhe corresponde, no entanto o seu estado de espírito não é de felicidade.
    Outro aspeto importante é a natureza, uma natureza calma e serena. É a serenidade da natureza que acalma o espírito de Seixas. Por ser um romance citadino, a referência à natureza não é muito frequente, mas retoma-se um elemento romântico: ação da natureza sobre as personagens. Como exemplo temos a página 148, com a descrição minuciosa da natureza.
    Em todas as descrições se usa o mesmo vocabulário (grane e eloquente) e a mesma técnica descritiva, que lembra Castro Alves: pormenor e minúcia.
    O espaço tem importância pelo espaço que ocupa, mas também porque permite atingir muitas características psicológicas das personagens.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

O tempo em Senhora


    O tempo em si, em certo ponto, é linear, embora se verifiquem três analepses: uma que ocupa quase toda a segunda parte e outras muito mais breves. Aparecem pela necessidade de justificar atitudes e comportamentos; são funcionais e não fortuitas.
    É também de notar uma íntima relação entre o fluir da ação e o fluir do tempo: no primeiro capítulo da parte III, relata-se amiúde todos os comportamentos e atitudes. É um tempo muito curto, que ocupa longas páginas.
    A indicação do tempo aparece nos vários capítulos, sobretudo no seu início:

2.º capítulo: “Seriam nove horas do dia.”

3.º capítulo: “Era a hora do almoço.”

    O tempo é uma das categorias principais e no Romantismo é fundamental.
    As analepses não são meros recuos no tempo, mas são importantíssimas:

 
=> 1.ª analepse (6.º cap., I parte): caracterização de Seixas, relação com a mãe e irmãs e como se deixa submeter pela sociedade. Por vezes, sente remorsos e a única via é cair de novo na sociedade para arranjar um casamento rico. Mas após o casamento não há muitas referências à sua preocupação com a mãe e com as irmãs.

 
=> 2.ª analepse: mostra-nos as razões que impelem a heroína ao desmascaramento da sociedade. Ela foi vítima, aprendeu e agora aparece como vingadora. Conhece Seixas ainda quando era pobre e continua a guardar o seu amor, mas guarda também a amargura, que a leva à vingança.

 
=> 3.ª analepse: mostra a evolução de todo o sentimento de Aurélia em relação ao casamento. É uma analepse não de ação, mas de explicação da evolução operada no espírito de Aurélia.


A ação de Senhora


    O motor da intriga é o casamento de Aurélia e Seixas. Situa-se na 1.ª parte e as outras desenvolvem-se em função desta: na 2.ª parte, justifica-se o acontecido num regresso ao passado; as 3.ª e 4.ª partes são uma espécie de jogo. António Cândido diz que se trata de “um jogo de avanços e recuos, de diálogos construídos como pressões e concessões, um enredo latente de manobras secretas no correr do qual a posição dos cônjuges se vai alterando”. Se o amor e o desejo os começa a juntar, o orgulho continua a separá-los.
    Esta caracterização do romance vem na sequência das características das narrativas do século XIX, entre as quais se aponta a linearidade. Os acontecimentos sucedem-se em continuidade e linearidade. O romance constitui-se como sequência e consequência das ações; a intriga obedece a uma causalidade e temporalidade lineares e bi-implicadas. Existe um princípio, um meio e um fim em relação de anterioridade/posterioridade e mesmo numa relação de causa-efeito. Aurélia reage como reage, porque é motivada por razões anteriores. O mesmo se passa com Seixas. Há toda uma dualidade que caracteriza o texto.

Estrutura da ação de Senhora


    O romance Senhora está dividido em quatro partes:

= 1.ª parte: O preço.

= 2.ª parte: Quitação.

= 3.ª parte: Posse.

= 4.ª parte: Resgate.

    O título de cada uma corresponde ao seu conteúdo.

 
1. “O Preço”: o título é muito significativo e refere-se a dois aspetos:

=> Atitude de Aurélia, que cotava cada homem que dela se aproximava com um certo preço, um valor monetário e eles correspondiam a essa atitude com gracejos, mas ela fazia-o com desprezo. Era uma forma de reagir contra uma sociedade onde imperava o dinheiro, de reagir contra o casamento como transação negocial:

“Assim costumava ela indicar o merecimento relativo de cada um dos pretendentes, dando-lhes certo valor monetário. Em linguagem financeira, Aurélia cotava os seus adoradores pelo preço que razoavelmente poderiam obter no mercado matrimonial.” – pág. 13.

 
“Muito devia a cobiça embrutecer esses homens, ou cegá-los a paixão, para não verem o frio escárnio com que Aurélia os ludibriava nestes brincos ridículos, que eles tomavam por garridices de menina, enão eram senão ímpetos de uma irritação íntima e talvez mórbida.” – pág. 15.

 
=> Mas o título tem um significado mais profundo, quando Seixas se vende por 100 contos de réis, mesmo sem saber a quem. O seu comportamento é influenciado pela sociedade. Este casamento é o fulcro de toda a intriga. Aurélia estabelece o casamento como um negócio. Mas logo a seguir, ela mostra que coloca nesse “negócio” muita afetividade: “… Desejo como é natural obter o que pretendo, o mais barato possível; mas o essencial é obter; e portanto até metade do que possuo não faço de questão de preço. É a minha felicidade que vou comprar.” – pág. 32.

    O casamento, que deve ser uma relação de amor, é aqui uma relação de compra e venda. Seixas, mais à frente, refere-se a Aurélia como Senhora e a ele como escravo – situação feudalizante. Ligada à ideia do casamento como negócio, está o testamento que Aurélia faz logo.

 
2. “Quitação”: esta parte é uma longa analepse, exceto o último capítulo, onde se retorna ao quarto nupcial, onde se dera o drama. A analepse é uma justificação das atitudes e comportamentos de Aurélia. Ao longo de 10 capítulos é descrita a vida de Aurélia antes de receber a herança de seu avô, como se apaixonou por Seixas (página 109) e como ele a traiu (pg. 112) e se vendeu a Adelaide por um dote de 30 contos de réis. A sua origem modesta e mesmo pobre, antes da herança, justifica a sua atitude para com a sociedade, onde pesa mais o dinheiro. É uma sociedade burguesa, onde os valores da velha educação brasileira são esquecidos em detrimento do dinheiro. É contra isto que Aurélia vai guiar a sua luta.

    Enquanto era pobre, sua família ignorava-a; agora que enriquecera era bajulada. Mas ela escolhe seu tio Lemos para tutor, porque o podia dominar (pág. 131).

 
3. “Posse”: Aurélia casa com Seixas e ambos vivem uma vida aparente de felicidade, o que é constrangedor. Esta parte descreve as atitudes e comportamentos que marcam a relação de ambos. As personagens são acompanhadas passo a passo e, por isso, a ação pouco avança. É fundamental a análise psicológica das personagens, que se pautam pela ironia.

    Várias são as passagens que ilustram esta ironia e tom sarcástico que domina as conversas de Aurélia e Seixas: pp. 153, 164-166; pp. 178-180; pp. 191-192; pp. 200-202.Aurélia propõe o divórcio, mas Seixas não aceita: “A Senhora fará o que for de sua vontade. A minha obrigação é obedecer-lhe, como seu servo, contando que não lhe falte com o marido que a senhora comprou.” É o orgulho de ambos que causa o conflito.

 
4. “Resgate”: há uma ligeira aproximação de Aurélia e Seixas, o que reflete na ligeira quebra da ironia que atinge os seus diálogos e que chega a ser referida pelas personagens. Isto é um sinal de que a ação se encaminha para um final feliz.

    Ao ciúme, motivado pelo desejo e pela posse, que os aproxima, contrapõe-se o orgulho e é este que faz com que a reconciliação se faça apenas no final. É Aurélia que cede, quando ele a deixa. Mas tinha de ser mesmo ela, pois foi ela que impôs a prova, logo tinha de ser Aurélia a reconhecer que ele já estava pronto para a merecer. Só assim se estabelece equilíbrio na relação.

    Na página 215, vemos que o desejo crescente é quebrado pelo orgulho e pela situação de submissão a que está submetido Seixas.

    É o ciúme que os começa a aproximar: o ciúme de Aurélia por Adelaide (pp. 223-228) e o ciúme de Seixas em relação a Abreu (pp. 230-232).

    A partir da cena da valsa (pp. 236-246), começam a sentir a necessidade de acabar com a ironia e, assim, se vai preparando um final feliz.

Alencar e Senhora


    Este é um dos melhores romances de Alencar. No entanto, não há muito estudos sobre a obra, ao contrário do que seria de esperar. Foi de tal modo valorizada a “vertente indianista” de Alencar que as suas outras vertentes (vertente urbana, histórica, regionalista) foram descuradas.
    Grande parte dos romances de Alencar têm como elemento fulcral o índio, elemento típico brasileiro. Alencar busca, assim, um passado que corresponde à necessidade de busca da nacionalidade e um passado heroico, o que é típico do Romantismo.
    No entanto, a composição dos seus romances, a nível de forma, estrutura, abundância de adjetivos, metáforas, descrições estão presentes com muita força na sua última fase, quando as obras passam a refletir sobre a sociedade urbana. A globalidade da sua obra, apesar de dividida em diferentes vertentes (indianista, urbana, histórica, regionalista) tem, contudo, um motivo unitário: a profunda necessidade de evasão no tempo e no espaço, a par de um radical egotismo, traços visceralmente românticos.

 
    A sua vertente urbana ou citadina, onde se destacam obras como Diva, Sonhos d’Ouro, Lucila, Senhora, desenvolve um novo núcleo temático centrado em alguns tópicos:

- Relacionamento entre homem e mulher, que quase nunca é calmo, mas entrelaçado de conflitos.

- Tratamento do “Eu” e neste o que mais salta à vista é o orgulho, suscetibilidade, ciúme, dualidades, etc.

- Intimismo.

    Senhora retoma, de forma satírica e irónica, a vida em sociedade da segunda metade do séc. XIX. O seu estudo é importante não só para um maior equilíbrio na abordagem da obra de Alencar, mas também no estudo de uma fase muito importante na literatura brasileira: Romantismo. É nesta fase que a literatura do Brasil se afirma como independente de qualquer outra literatura e é também no Romantismo que se definem as linhas mestras de uma literatura que se quer peculiar de um povo.
    Senhora já anuncia a atitude e o modo de escrever de Machado de Assis e impõe uma nova dimensão à ficção brasileira.
    Das Memórias (1853) se disse que já anunciavam o Realismo. Quanto à Senhora, as opiniões divergem: uns dizem que já anuncia o Realismo; outros que o realismo da descrição não é sequer realismo. Esta é, sem dúvida, uma obra romântica, embora seja publicada na mesma época em que surgem as primeiras obras de Machado de Assis (1875).

Análise da obra Senhora, de José de Alencar

                A - Alencar e Senhora


                B - Estrutura do romance


                C - Ação


                D - Tempo


                E - Espaço


                F - Narrador


                G - Discurso


                H - Personagens

                        1. Aurélia

                        2. Seixas


                I - Relação Senhora / Alencar


                J - Dimensão social de Senhora


                K - Senhora: Possível Realismo?


                L - Obra essencialmente romântica


domingo, 23 de outubro de 2022

Conclusões sobre Iracema


    1.  A abertura do romance é de caráter poético, o que se mantém ao longo de todo o romance, mas não num tom tão forte como nos primeiros capítulos. Esse tom poético caracteriza um determinado clima, como a referência a coisas objetivas, e caracteriza as personagens e seu discurso. Há quem considere que esta obra é o exemplar mais perfeito da prosa/do poema. Esse caráter poético é progressivamente substituído por um adensar da intriga, a partir da caracterização de Iracema e Martim. Iracema é corajosa, fiel, dedicada. A caracterização positiva de Iracema vai no sentido da idealização do índio. Pelo contrário, Martim é caracterizado por uma duplicidade e orgulho excessivo.

    2. Cor local: é uma característica romântica. Mas aqui ela é vaga e é-nos dada pelos atos das personagens e sua descrição: descrição do espaço; adivinhar o pensamento das personagens e uma certa fatalidade. Essa cor local é dada por uma expressão imagética e metafórica que aproxima o leitor do ambiente descrito.

    3. Retorno às origens: a origem do Brasil assenta numa simbiose do índio com o europeu. Do índio, o brasileiro recebeu a afetividade e sensualidade, dadas não de modo exótico, como acontecia no período colonial e no Barroco; do europeu, recebeu a saudade e a melancolia.

    4. Subjetividade: também é uma característica romântica. Como exemplo desta subjetividade temos o eterno conflito do herói entre o anseio e a norma. É esta caracterização negativa de Martim que vai provocar a idealização do índio, que surge pela imposição dos cânones românticos e pela própria visão de Alencar. Esta idealização está presente no discurso do narrador, discurso e descrição das personagens e da natureza que as envolve. Se o caráter do índio é idealizado, logo há um predomínio do elemento índio, embora na fundação do Brasil haja um predomínio do elemento europeu. O herói acaba por ser o índio. Há um autor que diz que é importante a referência ao índio, porque num país mestiço era preciso criar uma raça heroica e era necessário criar a dimensão de um tempo heroico.

    5. Natureza: a natureza está sempre presente para que se crie um ambiente verdadeiro: descrição da flora, fauna e costumes que podem aparecer como cenário ou símbolos. Esta ambiência é ainda dada pela linguagem e atitudes das personagens.

    6. O romance é também a expressão da nacionalidade, que resulta da simbiose de diversos fatores: escolha do momento histórico no passado; escolha de uma lenda da fundação do Ceará; uso de uma língua específica índia, expressão de uma cultura e de um ambiente; estrutura da narrativa organizada segundo uma visão índia de ver a vida; descrição da natureza, costumes e crenças e a valorização do índio. Porquê o índio e não o preto, por exemplo? É que o índio é livre, verdadeiramente americano, capaz de encarnar um mundo poético e heroico. Sendo livre e americano, afirma-se a nacionalidade de raízes legitimamente americanas; enquanto que o negro era escravo e não era filho da terra.

    7. Personagens e sua significação: o romance começa com um cenário equilibrado, de felicidade, em que surge um elemento que perturba de tal modo a paz inicial que dá origem a uma nova raça.
    O índio é valente, corajoso, hospitaleiro, dedicado tanto aos amigos (ex.: Poti) como ao amor (ex.: Iracema); tem ainda a capacidade de desvio. Eles têm regras que os regem, mas conseguem desviar-se delas, como acontece com Iracema, que assume esse desvio e perde. O índio perde sempre e a sua cultura é absorvida.
    O branco é marcado pela fé católica, pela honra que, por vezes, o faz oscilar; pela nobreza de sentimentos; pela força dos compromissos sociais e culturais e pela saudade, sempre presente.

    8. Três vetores são essenciais na criação de Iracema:
  • Necessidade de construir um poema, sabendo que na tradição literária, a forma poética é a forma por excelência de narrar as origens da nacionalidade.
  • Integração da língua índia, que se torna fundamental na construção da nacionalidade.
  • Intuito nacionalista: Alencar sente necessidade de se desenvolver uma literatura específica do Brasil, o que é também um dos itens do Romantismo.

sábado, 22 de outubro de 2022

Análise do capítulo XXXIII de Iracema


     Aqui termina a analepse, retomando os elementos do primeiro capítulo: jandaia, um homem - Martim -, uma criança e um cão. Martim volta ao Brasil quatro anos depois e funda a cidade do Ceará.
    Alencar, que se limita quase sempre a contar a história, vai deixando, por vezes, algumas pistas no ar.
    Em relação à predestinação da raça, refere-se à separação das tribos índias e à emigração, traço do caráter brasileiro. Essa predestinação é um dos elementos do Romantismo. Alencar contou, nesta obra, uma lenda que termina neste capítulo com a fundação da cidade do Ceará e com a cristianização do índio. É igualmente importante o nascimento do primeiro cearense: o filho de Iracema e Martim, com predomínio do elemento europeu. Uma prova disso é o facto de, no fim, a indianização do europeu ser substituída pela cristianização do índio, que é definitiva e concreta.
    Em relação a Iracema, no fim, Martim muda radicalmente: marca-o a saudade e a culpa. O fim do romance tem um caráter definitivo: "Tudo passa sobre a terra.", principalmente a alegria. Este final também pode ser entendido como um desabafo ou desalento do autor em relação a Martim, que teve na sua mão a hipótese de ser feliz e não a aproveitou. Este capítulo pode ainda ter outra interpretação, ao nível da ação dos portugueses: a incapacidade de tomar decisões concretas no momento certo e a inadaptação que caracterizam Martim, símbolo do domínio português.

Análise do capítulo XXXII de Iracema


     Iracema perdera de tal forma as suas energias que nem o encontro com o marido consegue reanimá-la. Estamos quase no término da intriga: Iracema morre, apesar da esperança que a reanimou com a chegada de Martim; fisicamente já não consegue recuperar.
    Martim, antes de chegar até Iracema, vem marcado pelo receio de encontrar no olhar de Iracema um sentimento de culpa. Ele sente medo de enfrentar a coragem e fidelidade dela. Apesar de a jovem nunca lhe atribuir qualquer culpa, ele sente-se culpado. Esta é a primeira preocupação que atinge o seu íntimo, só depois de lembrando se ela ou o filho estarão bem.
    A morte de Iracema é descrita em moldes românticos: morre nos braço da pessoa que ama (Martim). O capítulo termina com a justificação do topónimo Ceará: canto da jandaia.

Análise do capítulo XXXI de Iracema

     Caubi parte acedendo ao pedido da irmã, que não quer que ele assistia à tristeza que a invade. Porém, Caubi percebe a verdadeira razão do seu pedido.
     Temos ainda a descrição de todo o sofrimento que ela passa para alimentar o filho e do doloroso método que põe em prática para puxar o leite. Assim, além de estar só, sofre a dor de não poder alimentar i filho.

Análise do capítulo XXX de Iracema


     Relato do isolamento de Iracema e sua angústia. Nasce o filho de Iracema, que é fruto do seu sofrimento e dor.
    Ainda neste capítulo, aparece Caubi, que vem visitar a irmã e logo se apercebe da sua tristeza.

    Em Iracema, podemos ver a necessidade ou obrigação de escrever um romance nos moldes do Romantismo. Mas a obra tem um significado mais amplo: o Romantismo defendia o retorno às origens e o regresso ao início da nacionalidade. Na Europa, significava o regresso à Idade Média. No Brasil, não existia esse período. Assim, Iracema surge como símbolo da nacionalidade do Brasil. Na opinião de Alencar, isto fundamenta-se na simbiose do índio com o europeu. Sendo assim, o verdadeiro elemento brasileiro tinha características índias e portuguesas. Ou seja, há certos traços característicos do elemento brasileiro que são indígenas - capacidade de dedicação e coragem - e europeus - sentimento de saudade. Os sentimentos indígenas são sentidos num nível de intensidade muito elevado. A nacionalidade brasileira recebe elementos de ambas as culturas, com sobreposição de uma das partes: os elementos indígenas caracterizam um herói marcado pela fidelidade e coragem. Nessa origem, temos a oposição entre a sensibilidade que caracteriza Iracema e a racionalidade da "virgem loura". É essa sensualidade que vai caracterizar o elemento indígena.
    Mas, neste romance, há vários elementos românticos: a subjetividade, que faz parte do eterno conflito que marca o herói romântico - anseios e normas do europeu. Entre o índio e o europeu há uma recolha desequilibrada de elementos, porque, pelo menos a nível estrutural, há predomínio do elemento índio - fidelidade de Iracema e sabedoria de Poti - por imposição dos cânones românticos.
    Os objetivos de Alencar em relação a Iracema foram:
        - construção de uma alegoria, de algo simbólico da origem da nacionalidade;
        - construção de um romance que fosse ao mesmo tempo um poema. Esse caráter poético é marcado pela idealização do índio, da natureza, que é dada pelo discurso do narrador e pela descrição da natureza e das personagens.

Análise do capítulo XXIX de Iracema

     Luta entre pitiguaras e outras tribos que se unem aos franceses. Isto é um referente histórico, porque, de facto, houve tribos que lutaram ao lado dos portugueses e outras ao lado das potências estrangeiras.
    O fim do capítulo é significativo, porque narra o nascimento do filho de Iracema e Martim, que, no fundo, é um símbolo da vitória do elemento colonizador, ou seja, do português.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...