● Assunto
O sujeito poético dirige-se ao seu
Mestre, Alberto Caeiro, expondo-lhe a aprendizagem que fez, e produz uma série
de conselhos destinados a um «nós», no qual ele se inclui, bem como um conjunto
de máximas, que contêm ensinamentos de vida e configuram uma proposta de uma
filosofia de vida.
● Estrutura
interna
• 1.ª parte (1.ª estrofe) – O
sujeito poético constata a fugacidade do tempo e sugere como deve ser vivido.
• 2.ª parte (estr. 2 a 4) – O
sujeito lírico aconselha o seu interlocutor a conformar-se com a sua condição
de ser humano.
• 3.ª parte (estr. 5 e 6) – O
sujeito poético justifica o conselho dado: a vida é breve e a morte chegará,
inevitavelmente.
• 4.ª parte (estr. 7 e 8) – O
sujeito poético apresenta a solução para o(s) problema(s) em debate: uma
atitude imperturbável para encarar o sofrimento e a morte.
● Análise
do poema
▪ O poema é antecedido de uma dedicatória
a Alberto Caeiro, que o sujeito poético assume como seu «mestre», no primeiro
verso do texto.
▪ O sujeito poético, através de uma apóstrofe,
dirige-se ao seu Mestre (Alberto Caeiro), ao qual apresenta o resultado de uma
reflexão que levou a uma aprendizagem, isto é, ao qual dá conta do que
aprendeu. Assim sendo, Alberto Caeiro será o destinatário do discurso do
sujeito poético, sendo o propósito desse discurso explicar como se
deve viver.
▪ O sujeito poético terá descoberto a
solução para os problemas que atormentam ambos: o tempo que vai passando
até à morte (“Todas as horas que nós perdemos”) será vivido de forma plácida,
calma, não angustiada se (oração subordinada adverbial condicional) vivermos a
vida de forma moderada, se a encararmos de forma leve.
▪ A comparação dos versos 5 e
6 sugere exatamente essa defesa do prazer moderado, de viver a passagem do
tempo de forma não angustiada: as flores postas numa jarra simbolizam a
beleza da Natureza, beleza essa, no entanto, que é efémera, pois irá murchar
(ou seja, morrer). Assim, as flores remetem para a efemeridade da vida, a qual
torna inútil qualquer ação. Por outro lado, as jarras são recipientes
que podem ser preenchidos ou não; neste poema, configuram uma metáfora
para as horas. “Preencher as horas de coisas belas como as flores é um ato
estético que contrabalança a sua perda” (GARCEZ, Maria Helena Nery).
▪ Na segunda sextilha, o sujeito
poético defende que devemos manter uma atitude de indiferença perante as
paixões e os sentimentos intensos: “Não há tristezas / Nem alegrias / Na nossa
vida”. Pelo contrário, sustenta a abdicação e o manter-se afastado das
perturbações do quotidiano. . Se soubermos não viver a vida, mas apenas
assistir à mesma, não teremos alegrias nem tristezas.
▪ De seguida, defende a sabedoria do
sábio incauto, despreocupado, ou seja, que não devemos viver a vida. Note-se
como valoriza, neste passo, o ato de pensar e o saber. A forma verbal «decorrê-la»
(v. 13) significa deixar que a vida passe, não a vivendo intensamente, com
preocupações e ilusões e sem estar consciente de que a morte é uma realidade
certa. É uma atitude cerebral, calculada, pensada, adquirida através de um
processo mental de autodisciplina.
▪ Pelo contrário, a vida deve ser
vivida de forma tranquila e plácida, “Tendo as crianças / Por nossas mestras”.
As crianças, símbolo da sabedoria e da inocência, da existência tranquila, ensinam-nos
a inocência e a simplicidade. Elas vivem sem preocupações, sem consciência da
passagem do tempo e da certeza da morte.
▪ Além disso, a vida deve ser vivida
contemplando a Natureza e bebendo a sabedoria que advém dessa atitude: “E os
olhos cheios / de Natureza” (vv. 17-18). É a defesa do bucolismo, que relembra
a poesia de Caeiro.
▪ Em suma, na segunda e terceira
sextilhas, o sujeito poético sugere que a melhor forma de evitar o sofrimento e
as preocupações da vida passa por abdicar de uma existência intensa e optar por
uma atitude imperturbável face às adversidades.
▪ Na quarta estrofe, evocando o
bucolismo da Natureza, sugere que nos devemos deixar levar pela vida, que deve
ser vivida de forma despreocupada, sem esforço ou agitação, «Conforme calha»
(v. 21), usufruindo dela enquanto dura, fruindo de forma tranquila o presente
(vv. 22-23) e agindo de modo a que se prolongue (“estar vivendo” – est. 4: o
gerúndio remete para uma ação em curso). Daí a utilização das expressões «à
beira-rio» e «à beira-estrada», que apontam para a ideia de nos mantermos à
margem da vida, não mergulhando nela de cabeça, nem seguindo na estrada com
metas ou objetivos.
▪ A quinta estrofe centra-se no
Tempo:
• habitualmente, na poesia, o Tempo
constitui uma metáfora do saber, do amadurecimento, da experiência;
• neste texto, o Tempo tem uma
conotação negativa: passa, destrói, produz o envelhecimento;
• o tempo passa e a vida é breve, por
isso há que desvalorizar a sua passagem, dado que é esta que nos atormenta;
• por isso ainda, há que aceitar a
efemeridade da vida e a inevitabilidade da morte;
• deste modo, o sujeito poético
aceita a passagem do tempo, o envelhecimento e a morte de forma voluntária,
porque não vale a pena combater o inevitável.
▪ A aceitação das circunstâncias que
o rodeiam por parte do Homem, sem preocupações, é a melhor forma de as
enfrentar. Assim sendo, devemos deixar-nos ir, caminhando para a morte, como se
tal nos fosse indiferente. Maliciosos, de modo calculista, devemos aceitar o
Destino, como se fosse voluntário, como se fôssemos nós a conduzi-lo.
▪ Na estrofe seguinte, o sujeito
poético afirma a inutilidade de qualquer esforço: «Não vale a pena / Fazer um
gesto.» (vv. 31-32).
▪ Que justificação existe para essa
afirmação? É impossível escapar à ação cruel do Tempo, que tudo destrói: “Não
se resiste / Ao deus atroz / Que os próprios filhos / Devora sempre.” Ou seja,
não vale a pena resistirmos à passagem do tempo e à morte; nada podemos fazer
para a evitar.
▪ O deus atroz é Cronos (ou Saturno
para os romanos), a divindade que simboliza o tempo (é daquele termo que
derivam palavras atuais que remetem para o tempo, como, por exemplo,
«cronómetro», «cronometragem», etc.) e que devorou cinco dos seus seis filhos
mal eles nasceram (tinha-lhe sido profetizado que um deles o derrubaria do
trono). O sexto, Zeus (ou Júpiter entre os romanos) escapou (graças à ação da
mãe, que deu a comer ao esposo uma pedra) e, de facto, acabou por destronar o
pai. Assinale-se a presença, nestes versos, da perífrase e do disfemismo.
▪ Nas últimas duas sextilhas, o
sujeito poético apresenta a solução: “Colhamos flores. / Molhemos leves / As
nossas mãos / Nos rios calmos” (vv. 37 a 40). Aproximando-se de Caeiro e do seu
sensacionismo, Ricardo Reis sugere que devemos viver o momento presente, de
forma moderada e calma, na esteira do carpe diem de Horácio.
▪ Os «rios calmos» simbolizam a
passagem do tempo (em direção à morte), um movimento constante, aqui associado
à ideia da serenidade. Dito de outra forma, há que aceitar tranquila e
imperturbavelmente que as coisas são assim. É a aproximação do ideal da ataraxia.
▪ As imagens dos versos 43 e
44 sugere que devemos seguir o ritmo e o curso da Natureza e das suas leis. As
referências aos «girassóis», às «flores» e aos «rios» apresentam a Natureza
como a realidade com que o «nós» se identifica e simbolizam a transitoriedade
da vida.
▪ Se assim fizermos, encararemos o
momento da morte de forma tranquila e viveremos a vida sem sensação de culpa:
“Da vida iremos / Tranquilos, tendo / Nem o remorso / De ter vivido.” (note-se
o recurso habitual ao eufemismo).
● Características
clássicas do poema
▪ o uso da ode;
▪ o bucolismo: “À beira-rio”,
“Colhamos flores”;
▪ a “aurea mediocritas”: “Molhemos
leves / As nossas mãos / Nos rios calmos”;
▪ o paganismo: a referência aos
deuses greco-latinos;
▪ a aceitação do Tempo e do Destino;
▪ a consciência da vida e da
inevitabilidade da morte;
▪ a vivência moderada do momento:
“Para aprendermos / Calma também”;
▪ o uso dos modos imperativo e
conjuntivo com valor exortativo.
● Dupla
mensagem
Nesta ode, há uma dupla mensagem:
uma dirige-se ao «Mestre», transmitindo-lhe a aprendizagem de uma determinada
filosofia de vida; a outra é destinada ao leitor, que deve aprender uma lição,
que consiste num misto de estoicismo e de epicurismo: “a elegância e o prazer
sereno que a Natureza nos oferece é a forma de aceitarmos, com disciplina
estoica, a certeza da morte.” (Carlos Reis, p. 87).
● Relação
entre o «nós» e o Tempo
A questão do Tempo no poema
relaciona-se com a figura mitológica de Cronos, a divindade que devorava os
filhos com receio de que estes o apeassem do trono.
Deste modo, o Tempo é uma espécie de
pai e, simultaneamente, o devorador/aniquilador do «nós».
A consciência da inevitabilidade
deste facto, ou seja, da passagem do tempo e da morte, exige que o «nós»
aprenda a aceitar esse facto, de modo a conformar-se às leis do Tempo.
● Filosofia
de vida
O sujeito poético defende uma vida
sem envolvimento emocional com o presente e sem expectativas de futuro, de modo
a chegar à morte sem preocupações e com o mínimo de sofrimento (“Não a viver”,
“tendo / Nem o remorso / De ter vivido”):
Por outro lado, o sujeito poético
aspira a “decorrer” a vida, ou seja, a aceitar voluntariamente o seu destino,
aprendendo a viver em conformidade com as leis da Natureza, com calma e
lucidez, a relatividade e a fugacidade de todas as coisas, recusando emoções
intensas (“tristezas” e “alegrias”), na busca da indiferença à dor, ao
sofrimento, em suma, a qualquer sentimento ou emoção intensos.
Em conclusão, devemos aproveitar a
vida enquanto dura, abdicando de sentimentos ou emoções que criem uma ligação
mais profunda com o mundo.
● Semelhanças
com a poesia de Alberto Caeiro
▪ Palavras que se inscrevem no campo
lexical de Natureza (“flores”, “girassóis”, “rio”, “Sol”).
▪ A «aurea mediocritas».
▪ A referência às crianças como
modelo de existência tranquila a seguir.
▪ A atitude de contemplação da
Natureza.
▪ A atitude panteísta de
identificação com os elementos da Natureza.