Português: 25/05/11

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Bob Dylan: "Tight Connection to my Heart"


Bob Dylan cumpriu, ontem, 70 primaveras.

Transgressão: código ficcional

          A nível ficcional, a transgressão ocorre, entre outros, nos seguintes aspectos:

  • a. A música vence a doença (a música tocada por Scarlatti no seu cravo tem poderes curativos bem evidentes na cura da misteriosa doença que afecta Blimunda após a árdua tarefa de recolher as duas mil vontades necessárias ao voo da passarola).
  • b. O padre Bartolomeu de Gusmão desafia o poder da Igreja, seguindo o seu sonho e acreditando na ciência.
  • c. A concepção das personagens, nomeadamente as figuras históricas, transgride aquilo que a História nos transmite. Por exemplo, o casal real é apresentado pelo narrador de forma caricatural; ao contrário do que seria de supor, é o casal Baltasar e Blimunda que assume o estatuto de protagonista do romance.
  • d. O voo da passarola conforme descrito no romance não é verídico. Por outro lado, o voo sai do domínio humano e entra no domínio de Deus, subvertendo as leis do universo.
  • e. O voo da passarola assenta na conjugação inusitada de saberes: o saber científico de Bartolomeu, associado ao saber artesanal de Baltasar, à magia de Blimunda e à arte de Scarlatti.
  • f. O narrador assume um estatuto pouco habitual: acompanha a acção, comentando-a e criticando-a, estabelecendo uma interacção permanente entre passado, presente e futuro.

Transgressão: código religioso

  • A sumptuosidade que rodeia a edificação do convento (pp. 365-366) vs a simplicidade e a humildade, essência dos valores cristãos;
  • O recrutamento de homens à força para as obras do convento;
  • A construção da passarola vs a proibição de ascender a um plano superior / divino (pág. 198) - os quatro pilares de solidez do projecto: Bartolomeu, Baltasar, Blimunda e Scarlatti;
  • A castidade vs a promiscuidade / as relações sexuais nos conventos que envolvem frades e freiras;
  • As estátuas dos santos (pág. 344) vs a santidade humana (pág. 342);
  • A missa enquanto espaço de vivência espiritual (pág. 145) vs a missa enquanto espaço de namoros e de encontros clandestinos (pp. 43, 162 e 236);
  • A bênção de Deus vs a bênção dos homens (por exemplo, a bênção dada por Bartolomeu de Gusmão a Baltasar e Blimunda);
  • O funeral do infante D. Pedro, um espectáculo de pompa e circunstância, vs o funeral do sobrinho de Baltasar, manifestação isolada de dor.

Transgressão: código sexual e amoroso

          A nível amoroso, a transgressão concentra-se na relação de Baltasar e Blimunda, que é vivido à margem das regras sociais da época: não são casados, uniram-se por um ritual de sangue e da colher, vivem uma relação de igualdade de papéis, guiando-se por um estado de perfeição que não é deste mundo.

          A nível sexual, a transgressão atinge o auge no contraste entre a relação carnal que o rei e a rainha mantêm - sexo ritual protocolar para procriação (pp. 11-13, 319-320), profusamente caricaturado pelo narrador - e a relação carnal entre Baltasar e Blimunda, caracterizada por uma entrega sexual permanente e mútua de corpos e almas, sem tabus ou limites, que não os que as próprias personagens definem (pág. 77).

          Outro momento da obra em que a transgressão sexual é bem evidente está relacionada com a proposta que o irmão de D. João V faz à rainha, bem como os sonhos eróticos que atormentam D. Maria Ana Josefa com aquele.

          Por último, o «desfile» que ocorre pelas ruas da cidade por alturas do Entrudo é outro momento de excesso e de transgressão sexual.

Transgressão: código escrito

          Memorial do Convento é uma obra dominada pela noção de transgressão, visível em vários domínios.

          Um desses domínios é o código escrito. Neste caso, a ideia de transgressão está presente nos seguintes aspectos:

     a. a desconstrução e reconstrução das regras da pontuação (vide linguagem):
» a supressão das marcas gráficas do discurso directo (diálogos);
» a substituição dos pontos finais por vírgulas, criando uma leitura contínua;
» o uso de maiúsculas no meio da frase para introduzir as falas das personagens;
» etc.
     b. a inversão de expressões bíblicas e de provérbios / adágios populares ("ainda agora a
         procissão vai na praça");

     c. a diversidade de registos de língua:
» o registo cuidado;
» o registo familiar;
» o registo popular, nomeadamente o calão ("merda", "puta", "mijo");
      d. os aforismos ("Não está o homem livre... com a verdade...");

      e. os jogos de palavras.
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