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domingo, 19 de abril de 2020

Análise de "Autorretrato", de Alexandre O'Neill

Tema: o autorretrato do sujeito poético.


Estrutura interna

1.ª parte (vv. 1-4): Retrato físico do sujeito poético.

• Características físicas:
» moreno;
» cabelo negro (“cabelo asa de corvo”: metáfora);
» nariz mal feito (“nariguete”) acima de uma ferida;
» olhar triste;
» testa “iluminada”.

• A descrição física do sujeito poético insinua, desde logo, diversas características psicológicas:
» a cara revela angústia;
» a ferida denota desdém – é uma atitude de superioridade e desdém – pelos outros ou pelo país – que não cessa;
» o olhar mostra tristeza.

• A ferida na cara, referida no verso 4, sugere uma atitude de superioridade e desdém – pelos outros ou pelo país –, por parte do sujeito poético, que não cura. De facto, o facto de não estar cicatrizada pode querer dizer que essa atitude desdenhosa não cessa.


2.ª parte (vv. 5-8): Retrato psicológico-moral.

• Neste momento do poema, há uma tentativa de esboço de um retrato «moral»: “o retrato moral também tem os seus quês” (v. 7).

• O verso 7 insinua que a sua vida não é exemplar, mas não chega a concretizar a que se refere e nada revela sobre si.

• O verso 8 pode ter um duplo entendimento [“(aqui, uma pequena frase censurada…)”]:
» autocensura por parte do poeta ou
» antecipação da censura por parte de outros (não podemos esquecer que o poema foi publicado em 1962, em plena vigência do Estado Novo): insinua que o que ia ser dito seria cortado pela censura salazarista.

• O retrato moral é breve, enigmático e pouco revelador sobre o “eu” poético, pois este apenas insinua que a sua vida não é exemplar: “o retrato moral também tem os seus quês” (v. 7). E, quando se preparava para revelar algo sobre si, autocensura-se ou antecipa a censura dos outros.

3.ª parte (vv. 9-4): Retrato ideológico-afetivo.

• O sujeito poético acredita no amor e envolve-se empenhadamente nele.

• A «ternura» que sente fá-lo sofrer (“Mas sofre de ternura” – antítese), ou seja, ele mostra ter uma grande sensibilidade e ser afetuoso com os outros, no entanto essa «ternura» e esse afeto trazem-lhe sofrimento.

• O sujeito poético bebe em demasia.

• Ri-se do autorretrato, riso esse que pode ter duas justificações:
» o autorretrato não corresponde totalmente à verdade e sugere, assim, ao leitor que não deve confiar completamente no que diz sobre si mesmo;
ou
» o autorretrato leva-o a rir-se de si próprio, o que configuraria uma autocrítica.


Tom caricatural do poema

Alexandre O’Neill ter-se-á “inspirado” num poema de Bocage (“Magro, de olhos azuis, carão moreno”) para a composição do seu autorretrato.
Por outro lado, diversas expressões da composição aproximam-ma da caricatura, dado o seu caráter humorístico e jocoso: “nariguete que sobrepuja de través / a ferida desdenhosa e não cicatrizada” (vv. 3-4); “o retrato moral também tem os seus quês” (v. 7).


Relação do poema com o soneto “Magro, de olhos azuis, carão moreno”

▪ Os dois poemas constituem um autorretrato dos respetivos autores.

▪ Os autorretratos apresentam três dimensões: a física, a psicológico-moral e a amorosa.

▪ Ambos os textos se referem aos mesmos órgãos do corpo: a cara, o nariz, a tez.

▪ Ambos afirmam que valorizam o amor e que se entregam a ele.

▪ Ambos os textos adotam uma atitude de crítica benevolente e autoirónica, não receando rir-se de si próprios.


segunda-feira, 13 de abril de 2020

Ensino a distância ou ensino à distância ?

     Surgiu nos documentos oficiais, a propósito da situação de pandemia que o mundo enfrenta por causa da COVID-19, a expressão «ensino a distância».
      
     Na nossa humílima opinião, a expressão correta é, precisamente, «ensino à distância».

     Muito melhor do que alguma vez nós seríamos capaz de fazer, a professora Regina Rocha explica porquê neste post do Ciberdúvidas:


     «À distância» é a expressão correcta por três razões.

     Deverá dizer-se «ensino à distância», ou «ensino a distância»?

     Considero que «ensino à distância» é a construção correcta.

     A expressão «à distância» ou constitui uma locução adverbial (ex.: «À distância, o general observava atentamente a movimentação das tropas»), ou faz parte de uma locução prepositiva (ex.: «Estavam à distância de 200 metros do quartel»).

     Não encontrei registos de, em Portugal, alguma vez haver dúvidas a este respeito. A gramática de maior divulgação em Portugal nas últimas décadas (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, João Sá da Costa, Lisboa, Junho de 1984) inclui a expressão «à distância» numa lista de locuções adverbiais de lugar (2.ª ed., Outubro de 1984, p. 541).

     No Brasil, os gramáticos de maior nomeada referem o mesmo.

     Argumentam os defensores da expressão «a distância» que haveria contracção da preposição com o artigo (à) apenas no caso de se tratar de uma locução prepositiva («à distância de»), isto é, quando a dimensão ou a natureza da distância fosse determinada pela expressão que se lhe seguisse (ex.: «à distância de um telefonema»). Não encontrei nenhuma regra gramatical que sustentasse esta posição.
Que razões levam a que, nesta resposta, se defenda a locução adverbial «à distância», e não «a distância»? Apresento três.

1.ª – A locução está cristalizada há muitas décadas, décadas de uso corrente na norma culta. Esta é a primeira e primordial razão, pois, mesmo que na sua origem tivesse havido uma formação indevida (que não considero ser o caso, como explicarei de seguida, no ponto 2, desde o momento em que a maioria dos falantes cultos a adoptou e as gramáticas a registaram, ela ganhou legitimidade.

2.ª – A expressão «à distância» contém um substantivo que pede um complemento do nome (expresso ou subentendido). Por exemplo, se se ouvir a frase «A distância foi percorrida em cinco segundos», é natural que se pergunte «Que distância?». Tal significa que está subentendido um complemento. Na expressão «ensino à distância» está subentendido um complemento («à distância dos alunos», «à distância de quem vai receber essas lições»).

Ora, quando uma locução adverbial contém um substantivo que admite um complemento implícito, terá de se utilizar a contracção da preposição, pois está precisamente subentendido esse complemento.

Exemplos:

a)    «conta à ordem» (subentendido «de alguém»), diferente de «conta a prazo» (simples natureza da conta);

b)    «proceder à revelia»; «julgamento à revelia» (subentendido «de alguém», sem a comparência «do arguido» — em direito);

c)    «desenho à vista»; «dinheiro à vista» (subentendido «de alguém»);

d)    «letra à cobrança»; «envio à cobrança» (subentendido «do devedor»).

3.ª – Não tenho conhecimento de argumentos linguisticamente pertinentes que destruam a legitimidade da locução adverbial «à distância».

Assim, considero correctas as seguintes expressões: «ensino à distância», «formação à distância», «cursos ministrados à distância», «comando à distância».»

#EstudoEmCasa no Youtube


     A DGe já criou um conjunto de canais no Youtube [link] nos quais estarão disponíveis os vídeos complementares ao E"D e que serão transmitidos, em sinal aberto, através da RTP Memória.

     As ligações para os diversos canais são as seguintes:

          . Pré-escolar: #EstudoEmCasa – Pré-Escolar.

          . 1.º ciclo: #EstudoEmCasa – 1.º Ciclo.

          . 2.º ciclo: #EstudoEmCasa – 2.º Ciclo.

          . 3.º ciclo: #EstudoEmCasa – 3.º Ciclo.

          . Ensino secundário: #EstudoEmCasa – Secundário.

COVID-19: ponto de situação do dia 12 de abril


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