Português: Bruna Beber
Mostrar mensagens com a etiqueta Bruna Beber. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Bruna Beber. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Análise do poema "A violência", de Bruna Beber

    O «eu» poético abre o poema exprimindo o seu desejo insistente e constante de expressar o seu amor profundo pelo «tu»: “vontade constante / de dizer te quero tanto”. Estamos na presença da expressão de um sentimento profundo e intenso.
    Por vezes, o sujeito poético distrai-se dessa vontade, todavia o contacto físico da pessoa amada, o seu abraço, trazem-no de volta ao desejo inicial, evidenciando, assim, a força e o poder desse contacto íntimo. Não podemos descartar a sensação de segurança e carinho que um abraço transporta para a pessoa que o recebe.
    Por outro lado, esse gesto de afeto tem um enorme efeito no «eu» poético, configurando um momento de transcendência. De facto, a presença física e o contacto com a pessoa amada são tão importantes e poderosos que o mundo desaparece, nada mais importa. O facto de, nessa ocasião, “o mundo não tem [ter] membros superiores” sugere que há um desapego desse mundo físico, que, sem eles, não pode intervir ou interferir.
    É, então, que se atinge o clímax da relação entre o «eu» e o «tu», concretamente através do beijo: “e então me beija.” É o ápice da união física e emocional entre ambos, o momento supremo. Segue-se a alusão a uma possibilidade ou hipótese: o «eu», se quisesse, poderia cometer os atos mais violentos (“matar”) sob a influência do amor intenso. A antítese entre o afeto expresso nos versos anteriores e estes dois últimos pode traduzir, na esteira, por exemplo, de Petrarca ou Camões (“Amor é um fogo que arde sem se ver”), os efeitos contraditórios do amor, ou ser o símbolo de um amor tão intenso que pode destruir.
    Enigmaticamente, o sujeito declara-se possuidor de muito ar, sugerindo talvez ima sensação de plenitude, o resultado da intensidade emocional experimentada. Subitamente, ele sente “na ponta dos dedos / a coragem de dizê-la”, ou seja, encontra coragem para, finalmente, expressar a vontade manifestada inicialmente, o seu amor, através da “ponta dos dedos” (da escrita?).
    O título – “A violência” – parece, pois, apontar para violência, a intensidade, do sentimento amoroso, bem como para a luta interna do «eu» travada entre a vontade de expressar sentimentos e emoções intensos e o receio de o fazer, isto é, para o impacto que aqueles / aquelas têm em si, tanto física como emocionalmente. O amor, recorrendo novamente a Camões, é um sentimento intenso e contraditório, mas, ainda assim, desejado pelos corações humanos.

domingo, 28 de abril de 2024

Análise do poema "Água suja", de Bruna Beber

    O título do poema aponta, desde logo, para algo desagradável. De facto, o grupo nominal «água suja», nomeadamente o adjetivo, sugere sujidade, impureza, poluição, uma imagem visualmente desagradável que constitui uma metáfora da degradação da vida e/ou do ambiente. Note-se que a água, tradicionalmente, representa a pureza ou a purificação. Basta pensar no simbolismo do batismo cristão ou da lavagem de roupa ou outros objetos. No entanto, nesta composição poética perde esse significado, essa essência.
    Apesar de se tratar de um poema muito breve (o título, seguido de quatro versos), a sua interpretação está longe de ser «fácil». O primeiro verso aponta para o futuro («Ano que vem»), mas com que sentido? Algo que vai acontecer ou que se espera que aconteça? Ou estaremos perante a ideia do adiamento de algo? Ou, ainda, sugerirá a esperança depositada em algo ou alguém?
    O segundo verso não é menos complexo: «fantasia de carne». O nome «fantasia» aponta para a ideia de imaginação, ilusão, mas o que significa aqui o outro nome («carne)? Tratar-se-á de uma imagem representativa do corpo humano? Ou será da realidade crua e visceral? Por outro lado, essa «fantasia de carne» é «de sol temperada». Temperar carne ao sol significa curá-la ou secá-la ao sol. Se assim for, estaremos na presença de uma alusão a uma tradição cultural, algo que não é incomum na poesia de Bruna Beber. Porém, o último verso acrescenta outro tempero: o ódio. Deste modo, temos uma fantasia de carne, temperada de sol com ódio. Ou seja, há aqui um contraste entre o simbolismo do sol – vida, energia, calor – e do ódio, um sentimento carregado de negatividade, porém, a estrela e o sentimento surgem associados. Convém também ter presente que o ódio é um sentimento poderoso e extremamente destrutivo.
    Associando o verso final ao título, podemos inferir que o poema aborda a deterioração de algo que é / era puro, ou que o tempo transforma ou afeta as nossas experiências e perceção das coisas e do mundo que nos rodeiam.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...