O
título do poema aponta, desde logo, para algo desagradável. De facto, o grupo
nominal «água suja», nomeadamente o adjetivo, sugere sujidade, impureza,
poluição, uma imagem visualmente desagradável que constitui uma metáfora da
degradação da vida e/ou do ambiente. Note-se que a água, tradicionalmente,
representa a pureza ou a purificação. Basta pensar no simbolismo do batismo
cristão ou da lavagem de roupa ou outros objetos. No entanto, nesta composição
poética perde esse significado, essa essência.
Apesar
de se tratar de um poema muito breve (o título, seguido de quatro versos), a
sua interpretação está longe de ser «fácil». O primeiro verso aponta para o
futuro («Ano que vem»), mas com que sentido? Algo que vai acontecer ou que se
espera que aconteça? Ou estaremos perante a ideia do adiamento de algo? Ou,
ainda, sugerirá a esperança depositada em algo ou alguém?
O
segundo verso não é menos complexo: «fantasia de carne». O nome «fantasia»
aponta para a ideia de imaginação, ilusão, mas o que significa aqui o outro nome
(«carne)? Tratar-se-á de uma imagem representativa do corpo humano? Ou será da
realidade crua e visceral? Por outro lado, essa «fantasia de carne» é «de sol
temperada». Temperar carne ao sol significa curá-la ou secá-la ao sol. Se assim
for, estaremos na presença de uma alusão a uma tradição cultural, algo que não
é incomum na poesia de Bruna Beber. Porém, o último verso acrescenta outro
tempero: o ódio. Deste modo, temos uma fantasia de carne, temperada de sol com
ódio. Ou seja, há aqui um contraste entre o simbolismo do sol – vida, energia,
calor – e do ódio, um sentimento carregado de negatividade, porém, a estrela e
o sentimento surgem associados. Convém também ter presente que o ódio é um
sentimento poderoso e extremamente destrutivo.
Associando
o verso final ao título, podemos inferir que o poema aborda a deterioração de
algo que é / era puro, ou que o tempo transforma ou afeta as nossas
experiências e perceção das coisas e do mundo que nos rodeiam.