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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Reflexão existencial: a consciência e encenação da mortalidade

 
• Consciência da efemeridade da vida, da inexorabilidade do Tempo e da inevitabilidade da Morte.

                Reis tem uma consciência aguda de que a vida é efémera e transitória, de que o Tempo passa de forma célere e de que qualquer ato humano é pequeno e infrutífero perante estas realidades. Receia a velhice e a morte, que é inevitável.

                Além disso, está consciente de que o Homem é débil perante forças maiores que o oprimem.

                Assim, angustiado por tudo isto e pela noção de um Destino inexorável, procura na sabedoria dos antigos um remédio para os seus males, nomeadamente para a dor da caducidade e o peso da Moira cruel. Que remédio é esse? Trata-se da aceitação com altivez do Destino que lhe é imposto e que lhe proporcione a indiferença face à morte. Reconhecendo que a vida de cada um, não obstante ser instável e contingente, é o único bem em que podemos, até certo ponto, firmar-nos, souberam construir a partir dele uma felicidade relativa, encarando com lucidez o mundo.

 
• Tragicidade da vida humana.

                O ser humano é uma vítima indefesa do Destino e está sujeito à passagem do Tempo, que inevitavelmente traz o envelhecimento, a doença e a morte a uma vida que é efémera. Consciente de que qualquer esforço é inútil, renuncia e busca a aceitação calma do Destino.

                Em suma, a vida é fugaz, a morte é certa, o Destino comanda-nos, daí que devamos recusar compromissos afetivos (“Desenlacemos as mãos”) e sociais (“Antes magnólias amo / Que a glória e a virtude”) para chegar à morte de mãos vazias e sem dor.

 

• A vida como «encenação» da hora fatal (previsão e preparação da morte): despojamento de bens materiais, negação de sentimentos excessivos e de compromissos.

                Reis, consciente do fluir inexorável do tempo, aceita a efemeridade da vida, bem como a inevitabilidade da morte. Numa atitude epicurista e estoica do equilíbrio interior pela busca de um prazer relativo, o poeta sustenta que a própria vida deve ser encarada como encenação da morte, através da autodisciplina, da abdicação, da renúncia a compromissos afetivos e sociais, da aceitação calma e serena da vida, da submissão ao Destino e da aceitação da inevitabilidade da Morte.

 

• Intelectualização de emoções e contenção de impulsos.

                A filosofia de Reis resume-se num epicurismo triste. Para ele, cada indivíduo deve viver a sua própria vida, isolando-se dos outros e procurando apenas o que lhe agrada e apraz. Deve renunciar às emoções violentas: o poeta racionaliza as emoções e recusa o seu valor, face à realidade que descobre, através do pensamento.

                O Homem deve buscar o mínimo de dor e, sobretudo, a calma e a tranquilidade, abstendo-se de esforços e da atividade útil. Deve procurar dar-se a ilusão da calma, da liberdade e da felicidade, coisas inatingíveis, pois, quanto à liberdade, os próprios deuses – também eles comandados pelo Destino – não a têm; quanto à felicidade, não a pode viver quem está exilado da sua fé e do meio onde a sua alma devia viver; e quanto à calma, quem vive angustiado, sempre à espera da morte, dificilmente pode fingir-se calmo. A obra de Reis, profundamente triste, é um esforço lúcido e disciplina para obter uma calma qualquer.

                Epicurista, o homem de sabedoria conquista a autonomia interior na estrita área de liberdade que lhe restou. Essa conquista começa por um ato de abdicação, por uma atitude de autodisciplina. O primeiro objetivo é submeter-se voluntariamente ao Destino, que deste modo cumprimos altivamente, sem um queixume. O homem sábio chega mesmo a antecipar-se ao próprio Destino, aceitando livremente a morte. O segundo objetivo é depurar a alma de instintos e paixões que nos prendem ao transitório, alienando a nossa vida. A ataraxia, note-se, não implica para Epicuro ausência de prazer, mas indiferença perante todo o prazer que nos compromete, colocando-nos na dependência dos outros ou das coisas. Além disso, os prazeres epicuristas são tipicamente espirituais, como a leve recordação melancólica dos bons momentos do passado.

 

• Vivência moderada do momento (o presente como único tempo que nos é concedido).

                Na esteira da Antiguidade clássica, Reis confessa a Lídia que prefere o presente precário a um futuro que teme porque o desconhece. A sabedoria consiste precisamente em gozar o presente (carpe diem) de forma moderada, pois o futuro é uma incógnita e a vida é efémera.

 

• Preocupação excessiva com a passagem do Tempo e com a inelutável Morte (apesar do esforço empreendido na construção da máscara poética).

                Reis é um epicurista triste: faz a apologia do gozo comedido, do carpe diem e da suprema indiferença, de acordo com o Epicurismo. Por outro lado, apela à fortaleza de ânimo para enfrentar o fatalismo da morte e a dor de viver, segundo o Estoicismo. Estes princípios têm como finalidade atingir a (pouca) felicidade que é permitida aos seres humanos: viver «sem desassossegos grandes», aceitando as leis do Destino, e aguardar a morte de forma serena e digna. A efemeridade da vida e a inevitabilidade da morte são temáticas obsessivas e geradoras de grande angústia que o poeta procura superar através do domínio da emoção pela razão, isto é, pela intelectualização das emoções.

                É uma lição de não-vida: não amar para não sofrer, não desejar para não ser desiludido, não questionar para não encontra o vazio.

 

O fingimento poético: Ricardo Reis, o poeta «clássico»

 
Neoclassicismo: revivalismo da cultura da Antiguidade Clássica (sobretudo, a grega).

 
▪ Influência greco-latina: de acordo com a sua biografia, Ricardo Reis foi educado num colégio de jesuítas, onde recebeu profundas influências da cultura greco-latina, daí poder afirmar-se que se trata de um poeta clássico, um helenista e latinista.

 
▪ Nos seus poemas, transmite ensinamentos (uma filosofia de vida) para os indivíduos saberem enfrentar as adversidades da vida e do mundo.

 
▪ Entre essas adversidades contam-se a fugacidade do tempo e da vida, a velhice, a doença, a certeza da morte, a ação inexorável do Destino (Fado) e outras situações que acarretam o sofrimento e a dor.

 
▪ Assim, Reis procura a sabedoria dos antigos (gregos e latinos) para resolver os seus problemas e evitar a dor e o sofrimento, sendo influenciado por duas escolas filosóficas gregas (o Estoicismo e o Epicurismo) e pelo poeta latino Horácio.

 
Neopaganismo:

▪ reaparecimento dos antigos deuses na arte ou na literatura – adoção de uma visão pagã do mundo, em que o Homem vive em comunhão com a Natureza e em que existem deuses, uma mitologia e o Fado/Destino e aqueles estão presentes no seio da Natureza;

▪ renascimento da essência pagã, pela eliminação da racionalidade abstrata e pela rejeição da metafísica ocidental;

▪ cosmovisão hierarquizada e ascendente dos seres: animais, homens, deuses e Fado, que a todos preside

 
Epicurismo:

▪ procura da felicidade e do prazer relativos;

▪ atitude imperturbável e de distanciação face aos males que atormentam a existência humana (passagem do tempo, morte, etc.): ataraxia – ausência de perturbação ou inquietação;

▪ altivez e indiferença (egoísmo epicurista) – abdicação voluntária;

▪ fruição tranquila do momento presente (carpe diem), de uma felicidade suave e tranquila dos prazeres serenos e moderados;

▪ aceitação de uma vida simples, sem grandes ambições e em contacto com a Natureza – aurea mediocritas;

▪ aceitação do Destino, da morte e das contrariedades da vida;

▪ perceção direta da realidade e do ciclo da Natureza.

 
Estoicismo:

▪ aceitação racional das leis do Tempo e do Destino;

▪ resignação perante a frágil condição humana e o sofrimento;

▪ culto da contenção, da autodisciplina, do autodomínio na vida e na escrita e despojamento dos bens materiais;

▪ culto da abdicação voluntária e da indiferença perante as paixões e os sentimentos intensos e compromissos, como forma de evitar ceder à força dos impulsos;

▪ busca da apatia (a = ausência de + pathos = sofrimento), um estado de indiferença e de ausência de sofrimento e dor como forma de o indivíduo enfrentar com determinação as contrariedades, a doença e a morte;

▪ procura, também, da ataraxia.

 
Horacianismo:

▪ visão estoico-epicurista da existência;

▪ perceção aguda da transitoriedade do tempo, da brevidade da vida e da inevitabilidade da morte e do Destino;

▪ inutilidade do esforço e da indagação sobre o futuro;

carpe diem: fruição moderada do momento e entrega moderada ao prazer;

▪ culto da aurea mediocritas (preferência por uma vivência calma num local recatado, em contacto com a Natureza);

▪ presença do locus amoenus (lugar aprazível);

▪ autodomínio que evita as paixões e aceitação voluntária do Destino.

 
• Contemplação da Natureza e desejo de com ela aprender a viver; afastamento social e rejeição da práxis (proatividade).

 
• Classicismo como máscara poética.

 

domingo, 31 de janeiro de 2021

Análise de Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos

 l Constatação da decadência dos povos peninsulares, após uma época de glória, decadência essa assumida como um facto incontestável.

 
 
l Antero entende a Península como um todo, isto é, Portugal e Espanha: “Como peninsular...”.

 
 
l A necessidade de reconhecer e assumir os erros históricos, a única forma de os superar, o único caminho de regeneração.

 
 
l A delicadeza do tema a tratar: a sociedade possui tradições, crenças e interesses históricos que representam a sociedade do passado; por outro lado, é difícil alterar opiniões e crenças.

 
 
l No meio da divergência de opiniões, há uma fraternidade moral que se baseia na tolerância, no respeito mútuo e na procura da verdade.

 
 
l Objetivo das Conferências: a discussão de ideias.

         Os seus mentores não pretendem impor as suas ideias, apenas tencionam expô--las para posterior discussão, ainda que desta resulte a derrota dessas ideias, desde que com argumentos justos e corretos.

 
 
l O contraste entre a Península dos três últimos séculos (abatida e insignificante) e do primeiro período da Renascença, da Idade Média e dos últimos séculos da Antiguidade (gloriosa, liderante, inovadora).

 
 
l Caracterização da “raça peninsular” – passado remoto:

® espírito de independência local:

.a dificuldade da dominação romana, que nunca chegou a completar-se;

. a introdução no latim de “um estilo e uma feição inteiramente peninsulares, e singularmente característicos”;

. a descentralização e o federalismo político: a multiplicidade de reinos e condados soberanos na Península;

. o espírito independente, autonómico e democrático das populações: as comunas e os forais;

. a inexistência (única na Europa Central e Ocidental) na Península do feudalismo;

. a união da Nobreza e do Povo (por interesses e sentimentos);

. a consciência instintiva do Direito;

. a virilidade de acções e caracteres;

. a repugnância pelo despotismo religioso e político;

. a natureza religiosa dos peninsulares;

® a originalidade do génio inventivo – criador e independente:

. a independência das igrejas peninsulares face a Roma;

. “a atitude altiva das coroas da Península diante da cúria romana”;

. o aparecimento de rituais indígenas;

. a liberdade de pensamento e interpretação;

. o sentimento de cristão:

- a caridade;

- a tolerância.

 
 
l O espírito peninsular medieval:

-» o nível intelectual da Península em nada era inferior ao das nações cultas;

-» a filosofia escolástica:

. grandes figuras, como Raimundo Lúlio, Afonso X (espírito universal, filósofo, político, legislador), Averrois, Ibn-Tophail, Maimónides, Avicebron;

. a celebridade e fama das universidades de Coimbra e Salamanca, nas quais estudavam muitos estrangeiros, “atraídos pela fama dos seus doutores”;

. a reforma da escolástica, nos séculos XIII e XIV, pela renovação do aristotelismo, obra quase exclusiva das escolas árabes e judaicas de Espanha – os mouros e os judeus foram uma das glórias da Península;

-» a teologia: a doação, pela Península, à Igreja, de teólogos e papas (um deles português, João XXI);

-» a poesia – as criações nacionais dos ciclos épicos:

. o Romancero

. as lendas do Cid           em oposição aos ciclos épicos da Távola Redonda,

. as lendas dos Infantes   de Carlos Magno e do Santo Graal

de Lara, entre outros

. os trovadores peninsulares, em oposição aos trovadores provençais;

. grandes trovadores nobres como Beltrão de Born e o conde de Tolosa;

-» a arquitetura gótica produziu obras imortais:

. o mosteiro da Batalha;

. a catedral de Burgos;

-» a inovação e liderança da Península nos estudos geográficos e nas grandes navegações, que exigiram grande trabalho intelectual e científico:

. a escola de Sagres do Infante D. Henrique, geradora de grandes personalidade como Bartolomeu Dias, Fernão de Magalhães, Colombo;

. a descoberta do Novo Mundo;

-» como consequência, os povos peninsulares tinham a admiração e exerciam influência nos restantes países europeus.

 
 
 
l Renascimento:

-» primeira geração (até meados do século XVI), espírito brilhante destruído pelas gerações seguintes:

– ensino:

. época extraordinária de criação e liberdade de pensamento;

. a renovação dos estudos universitários;

. a fundação de novas universidades (catorze em Espanha) e a reforma de outras;

. o estudo das grandes obras literárias da Antiguidade, por vezes na língua original;

. a filosofia neoplatónica substituiu a escolástica medieval, velha e gasta;

. o surgimento de um estilo e uma literatura novos com Camões, Cervantes, Gil Vicente, Sá de Miranda, Lope de Veja, António Ferreira;

. grandes sábios (Miguel Servet) e filósofos (Sepúlveda e Sanches, mestre de Montaigne);

. grandes humanistas: André de Resende, Diogo de Teive, bispo de Tarragona, António Augustín, Damião de Góis, Camões, grande poeta e erudito;

– arte:

. arquitetura: criação do estilo manuelino;

. pintura: criação da escola de pintura espanhola (Murillo, Velázquez, Ribera);

– grandes feitos guerreiros.

 
 
 
l A decadência (no espaço de 50-60 anos): quadro de abatimento, inércia, pobreza, insignificância, tanto mais sensível quanto contrasta dolorosamente com a grandeza, a importância, o progresso, e a originalidade do papel desempenhado nos últimos séculos da Antiguidade, na Idade Média e no primeiro período da Renascença:

-» a perda da independência de Portugal (1580-1640);

-» a decadência surge em vários domínios: política, influência, ciências, economia, sociedade, indústria, costumes – a ignorância, a opressão, a miséria, a depravação dos costumes:

. nos “grandes”:  - a corrupção faustosa da vida da corte;

- o vício;

- a brutalidade;

- o adultério;

. nos “pequenos”:   - a corrupção hipócrita;

- a miséria;

- o adultério;

- a prostituição;

- a desagregação da família;

. a falta de crença e autenticidade na prática religiosa;

-» em suma, “tais temos sido nos últimos três séculos: sem vida, sem liberdade, sem riqueza, sem ciência, sem invenção, sem costumes”.

 
 
 
l Causas da decadência:

– de ordem moral: o catolicismo posterior ao Concílio de Trento, que desvirtuara a essência do cristianismo e atrofiara a consciência individual;

– de ordem política: a monarquia absoluta, que reprimia todas as liberdades individuais e nacionais, gerando um espírito de submissão na raça ibérica;

– de ordem económica: as conquistas ultramarinas, que tinham esgotado as energias do país e criado hábitos de ociosidade.

 
 
 
l O crescimento e progresso de outras nações:

-» causas:

. a liberdade moral conquistada pela Reforma ou pela filosofia ¹ catolicismo do Concílio de Trento;

. a elevação da classe média, instrumento do progresso ¹ absolutismo;

. a indústria, promotora de nova concepção do Direito, substituindo o trabalho à força e o comércio à guerra de conquista ¹ espírito de conquista, obstáculo ao trabalho e ao comércio.

 

l Consequências:

 

1. Do catolicismo do Concílio de Trento:

– retirou a liberdade moral, que apelava para o exame e a consciência individual – fomentou a decadência moral;

– o progresso das outras nações em oposição à nossa decadência;

– fomentou o despotismo religioso e a intolerância, cujas origens, porém, vinham já de longe: “... nem a Reforma significa outra coisa senão o protesto do sentimento cristão, livre e independente, contra essas tendências autoritárias e formalísticas.”;

– neste passo, Antero sente necessidade de distinguir entre cristianismo e  catolicismo:

. o cristianismo é um sentimento ¹ o catolicismo é uma instituição;

. o cristianismo vive da fé, do sentimento e da inspiração ¹ o catolicismo vive do dogma e da disciplina;

. conclusões:

-» o catolicismo surge como desvirtuamento, degeneração, perversão do cristianismo;

-» o catolicismo revelou-se inimigo da razão, do saber, da liberdade, do corpo, do próprio homem;

-» o catolicismo revelou-se autoritário, absolutista, adepto do poder, da compreensão, da perseguição, da intolerância, da manipulação;

-» a sua influência criou em nós raízes tão profundas que “há em todos nós, por mais modernos que queiramos ser, Alá oculto, dissimulado, mas não inteiramente morto, um beato, um fanático ou um jesuíta! Esse moribundo que se ergue dentro de nós é o inimigo, é o passado. É preciso enterrá-lo por uma vez, e com ele o espírito sinistro do catolicismo de Trento.”;

– no domínio da política europeia:

. fomentou as lutas político-religiosas;

. fomentou a criação de um estado forte em Itália;

. favoreceu a oposição à liberdade política na Polónia;

. foi “o maior inimigo das nações e verdadeiramente o túmulo das nacionalidades”;

– na economia portuguesa:

. afetou o comércio, a indústria e a agricultura com a expulsão dos judeus e dos mouros;

. levou ao desaparecimento dos capitais, com a perseguição aos cristãos-novos;

– na sociedade portuguesa:

. fomentou o terror, com a Inquisição;

. fomentou a hipocrisia;

. promoveu a delação;

. corrompeu o carácter nacional;

. intensificou o fanatismo;

– no domínio colonial:

. contribuiu para a hostilidade aos índios;

. dificultou a fusão entre conquistadores e conquistados;

. impediu uma colonização sólida e duradoura;

. aterrorizou as populações indígenas.

 
2. Do absolutismo:

Û durante a Idade Média, os reis não eram absolutos e havia um equilíbrio entre os privilégios da nobreza, do clero e as instituições populares: “A liberdade era então o estado normal da Península.”;

“No século XVI, tudo isto mudou.” (passa a dominar a monarquia absoluta que resultou de uma longa transformação das monarquias peninsulares):

® no domínio político:

. arruinou as instituições locais:

-» terminou com a repartição de poderes;

-» acabou com a política local de municípios, na sua “contínua vigilância” ao poder real;

-» o povo perdeu a liberdade, a vida municipal “afrouxou”, acabou com as comunas espanholas e com os foros populares;

. abateu a nobreza em proveito próprio;

. centralizou o poder;

. corrompeu o rei;

. impediu o desenvolvimento da burguesia, governando-se pela nobreza e para a nobreza:

-» a agricultura caiu, graças à vinculação de terras, à criação de imensas propriedades, que conduziram à anulação da classe dos pequenos proprietários e ao desaparecimento da pequena agricultura;

-» metade da Península tornou-se numa charneca em virtude do decréscimo da população;

-» o espírito aristocrático da monarquia impediu o desenvolvimento da burguesia, “a classe moderna por excelência, civilizadora e iniciadora, já na indústria, já nas ciências, já no comércio.”;

-» obliterou-se o sentido da liberdade;

-» adormeceu o povo, fê-lo cair na passividade de quem tudo espera do poder;

-» cerceou-se o espírito de iniciativa;

. o Estado absoluto aliou-se à Igreja, o despotismo entendeu-se com a teocracia, entendimento esse que se refletiu na política externa (reis peninsulares, como D. Sebastião e D. Carlos V, em vez de se inspirarem num sentimento nacional, tornaram-se instrumentos da política católica romana) – esta aliança foi um dos fatores que mais contribuiu para a decadência;

® no plano educacional:

-» os jesuítas utilizam métodos de ensino brutais e requintados que esterilizam as inteligências, dirigindo-se à memória, com o fim de matarem o pensamento inventivo;

-» procuram alhear o espírito peninsular do grande movimento da ciência moderna, essencialmente livre e criadora: a educação jesuíta faz das classes elevadas máquinas ininteligentes e passivas; do povo, fanáticos, corruptos e cruéis;

® arte e literatura:

-» odes ao divino;

-» arquitetura jesuítica;

-» poesia académica convencional;

-» discurso fradesco;

-» destruição de toda a criatividade popular;

-» os livros devotos revelam pobreza de ideias e de sentimentos e uma estilística pueril;

® no plano da moral:

-» depravação dos costumes;

-» os reis dão o exemplo do vício, da brutalidade, do adultério;

-» a época é de amantes e de bastardos;

-» documentos e tradição remetem para os escândalos no seio do clero e da aristocracia.

 
3. Das conquistas ultramarinas:

-» panorama económico anterior às descobertas:

. crescimento da população;

. abundância;

. arborização do país;

. exportação de muitos produtos (azeite, cereais, peixe salgado, frutas secas),

. prosperidade agrícola;

. desenvolvimento do comércio;

. desenvolvimento de todas as classes;

-» as conquistas ultramarinas foram um brilhante relâmpago que perdura há dois séculos nos nossos livros, memória e tradições, cantado n’Os Lusíadas de Camões, mas tiveram efeitos muito negativos:

-» efeitos das descobertas – panorama económico posterior aos Descobrimentos:

. impediram o desenvolvimento político, pois o espírito que lhes presidiu dois séculos antes está deslocado nos tempos modernos: “... as nações modernas estão condenadas a não fazerem poesia, mas ciência.”;

. impediram o desenvolvimento do trabalho e da indústria: “... a riqueza e a vida das nações têm de se tirar da actividade produtora, e não já da guerra esterilizadora.”;

. a população rural (proprietários e agricultores), atraída pela miragem da riqueza, abandonou a terra e afluiu/emigrou para os grandes centros urbanos e para os territórios ultramarinos, o que fez com que, por um lado, o campo e o próprio país ficassem despovoados e, por outro, nos centros urbanos surjam a miséria, a fome, a mendicidade, a ociosidade, o vício e a criminalidade – metade da população morria de fome;

. a cultura diminuiu;

. os preços dos produtos subiram drasticamente e, porque a concorrência de outros países nos esmagava, deixámos de exportar e passámos a importar produtos do estrangeiro – o afluxo de riquezas do Oriente e da América fez esquecer e descurar a produção nacional;

. a agricultura decaiu, num reino essencialmente agrícola, facto comprovado pelo cognome dos reis D. Sancho I, o Povoador, e D. Dinis, o Lavrador;

. Camões é o paradigma desta miséria;

. a população decresceu;

. introduziu-se o trabalho servil, a escravatura;

. a indústria decaiu:

- não se fabricava, não se produzia;

- importávamos diversos produtos;

. a vida concentrou-se na corte;

. a fidalguia fez-se cortesã, entregou-se ao luxo, ao lucro fácil, ao vício, à corrupção, à libertinagem, ao jogo, às aventuras amorosas, ao adultério; a família desagregou-se;

. nas colónias:

- criou-se um fosso entre conquistadores e conquistados;

- as populações foram aterrorizadas;

- as religiões indígenas foram perseguidas (papel da Inquisição);

- a colonização caracterizou-se pela ferocidade, a ponto de terem surgido eloquentes protestos contra as atrocidades praticadas.

 
 
 
l Soluções propostas para superar a crise:

–» fazer um corte com o passado (respeitar os nossos avós, mas sem os imitar);

–» opor ao espírito velho o espírito moderno;

–» opor ao catolicismo a consciência livre, a ciência, a filosofia e a crença no progresso da humanidade;

–» opor à monarquia centralizada a criação de uma federação republicana e democrática;

–» opor à inércia industrial a organização do trabalho livre, sem interferência do Estado, como forma de transição para o socialismo.

 
 
 

l Exposição do conceito de Revolução: a acção pacífica, norteada pela ordem e pela liberdade – “Longe de apelar para a insurreição, pretende preveni-la, torná-la impossível...”.

 
 
l O Cristianismo foi a Revolução do mundo antigo, a Revolução moderna é o Cristianismo do mundo moderno.

 
 
 
         A conferência de Antero tem sido considerada como um dos documentos mais importantes da cultura portuguesa do século XIX, como um balanço da história portuguesa e peninsular, como um julgamento de Portugal e do seu passado histórico e, simultaneamente, como uma tentativa de acordar as consciências.

 

Obras de Antero de Quental

  • 1861 - Sonetos de Antero de Quental.
  • 1862 - Beatrice.
  • 1865 - Odes Modernas.
  • 1872 - Primaveras Românticas.
  • 1875 - Odes Modernas (2.ª edição).
  • 1881 - Sonetos.
  • 1886 - Sonetos Completos

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