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sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Análise de "As árvores e os livros"

 
As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.
 
E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.
 
As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».
 
É evidente que não podes plantar
no teu quarto plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.
 
            Jorge de Sousa Braga é um escritor português natural de Cervães, onde nasceu em 1957. Em 1981, concluiu o curso de Medicina na Universidade do Porto, tendo optado pela especialidade de Obstetrícia/Ginecologia. Mais recentemente, tem-se dedicado à investigação no campo da infertilidade. Em paralelo, dedica-se à sua carreira poética e à escrita de livros infantis.
            O poema “As árvores e os Livros” faz parte da obra Herbário, publicada em 1999, que foi distinguida com o Grande Prémio Gulbenkian de Literatura Infantil. Relembre-se que os livros são constituídos por folhas de papel, o qual provém de uma pasta obtida a partir da madeira das árvores.
            Logo no primeiro verso o sujeito poético associa as árvores e os livros através de uma comparação. Mas, afinal, o que têm os dois em comum? Ambos têm folhas com margens (lisas ou recortadas); os livros têm capas e as árvores, copas (é evidente o jogo de palavras entre «capas» e «copas»); da mesma forma que as árvores possuem flores que se destacam entre as suas folhas, os livros estão muitas vezes divididos em capítulos, que se evidenciam entre as suas folhas; estes contêm “letras de oiro nas lombadas” (podemos, a este propósito, recordar os cancioneiros medievais e as suas extraordinárias iluminuras), enquanto as árvores possuem “desenhos” formados pelas reentrâncias dos troncos.
            Por outro lado, os livros estão repletos de histórias e aventuras; são, portanto, espaços repletos de vida e de surpresas, o mesmo que podemos encontrar nas florestas, locais caracterizados pela abundância e diversidade de vida, pela surpresa e aventura. Daí a metáfora do verso 9: “As florestas são imensas bibliotecas” – nas primeiras, há imensas árvores; nas segundas, muitos livros, feitos de papel, proveniente delas.
            Além disso, tanto os livros como as árvores podem ser admirados pela sua beleza exterior (capa, lombada, contracapa, etc.) e pela beleza interior, pois permitem-nos conhecer “histórias de reis” e “histórias de fadas” e viver “as mais fantásticas aventuras”. Esta associação entre bibliotecas e florestas cria, na parte final do poema, um certo efeito lúdico no poema, pela conexão entre bibliotecas especializadas e florestas temperadas, ou seja, florestas que são constituídas apenas por um determinado tipo de árvores, tal como as bibliotecas especializadas são formadas por somente um tipo de livros.
            A última quadra assenta na ironia: de forma complacente, o «eu» informa o «tu» de que não pode plantar no seu quarto árvores (plátanos ou azinheiras). Tal é uma realidade impossível de concretizar. Porém, recorrendo novamente à ironia, informa-o de que, para começar uma biblioteca, “basta um vaso de sardinheiras”. Ou seja, biblioteca começa por pouco, por um simples livro?

 

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

"Natividade", Tintoretto


Vírus

     A palavra vírus é de origem latina e designava um veneno ou um líquido fétido de origem animal, entre outros significados, que não diferiam muito dos referidos.

    Nos finais do século XIX, um cientista holandês chamado Martinus Beijerinck descobriu que algumas doenças eram transmitidas por algo mais pequeno que uma bactéria. Para designar esses micróbicos, adotou o velho nome latino virus, que já há muito havia desaparecido da boca dos falantes.

    A partir dos artigos de Beijerinck, o termo espalhou-se pelo mundo com o significado que o cientista holandês o cunhou.

    Os mais curiosos talvez estejam a questionar-se acerca do motivo que terá levado Martinus a selecionar este termo. Pois bem, a explicação é relativamente simples. Nos finais do século XIV, quando virus deixara de ser usado pelo latim e pelas línguas que dele derivaram, as quais tinham optado por outros vocábulos para se referir a um veneno, o termo foi recuperado na Inglaterra, tornando-se uma palavra inglesa. Quatro séculos depois (XVIII), adquiriu um novo sentido: o de «agente que provoca doenças». Este significado foi-se espalhando gradualmente pelas línguas europeias, surgindo inclusive nos imortais Os Maias, o célebre romance de Eça de Queirós. Ora, isto quer dizer que o velhinho virus latino já tinha sido associado ao campo da Medicina, contudo foi o seu uso por parte de Martinus Beijerinck que fez com que a palavra se espalhasse com  o significado que hoje lhe damos.

    Resumindo, o termo virus provém do latim (que o terá herdado de outra língua); com o tempo, deixou de ser usado pelos falantes de línguas latinas, mas acabou por ser recuperado pelos ingleses, que lhe atribuíram um novo sentido; posteriormente, um cientista holandês conferiu-lhe um significado preciso e assim se disseminou pelas línguas do mundo inteiro.

    Porém, como as línguas - e as palavras - estão em permanente evolução, o vocábulo vírus, depois de ser reinventado para designar um novo tipo de germe, adquiriu novos sentidos. Atualmente, pode também referir um programa de computador que danifica, de alguma forma, as máquinas onde se aloja. Este novo significado foi criado pela língua inglesa, nos anos 70 do século XX, e espalhou-se pelo globo.

    E outros sentidos, de caráter metafórico, surgiram entretanto e são usados pelo comum dos mortais.

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