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terça-feira, 20 de novembro de 2012

Surpresa: Alunos do básico custam menos ao Estado no público do que no privado

Estudo do Ministério da Educação e Ciência

Alunos do básico custam menos ao Estado no público do que no privado

20.11.2012 - 18:00 Por Clara Viana
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Cada turma do básico nas escolas públicas custa em média 70.256 euros ao EstadoCada turma do básico nas escolas públicas custa em média 70.256 euros ao Estado (Enric Vivies-Rubio)
 O custo médio por turma dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico é actualmente menor nas escolas públicas do que nos colégios que têm um contrato de associação com o Estado. Segundo dados divulgados esta terça-feira pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC), o Estado paga em média 70.256 euros pelas turmas dos 2.º e 3.º ciclos das escolas públicas. A verba acordada para este ano com os colégios com contratos de associação é de 85.200 euros por turma.
Estes colégios são pagos pelo Estado para assegurar ensino gratuito em regiões onde a oferta pública é escassa ou inexistente. A maioria dos cerca de 47 mil alunos abrangidos por contratos de associação frequenta o 2.º e 3.º ciclo do ensino básico.

Os dados divulgados hoje constam de um documento elaborado por um grupo de trabalho nomeado em Dezembro pelo MEC e que tinha como missão “efectuar os estudos necessários para o apuramento do custo real dos alunos do ensino público por ano de escolaridade”.

O despacho de constituição do grupo de trabalho, assinado pelo secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, João Casanova de Almeida, esclarece que esta iniciativa resultou de um compromisso que o MEC assumiu nos protocolos assinados com a Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (Aeep), onde se fixou o montante de financiamento público aos colégios com contratos de associação.

No despacho acrescentava-se que o apuramento do custo real dos alunos no ensino público tem em vista a “alteração do modelo de financiamento público” àquelas escolas. Esta é uma velha reivindicação da Aeep, que considera insuficiente o valor agora pago pelo Estado. Até 2010, o financiamento por turma nos colégios com contratos de associação era de 114 mil euros.

TC também fez relatório

O grupo de trabalho foi presidido pelo ex-ministro da Cultura, Pedro Roseta. À semelhança da auditoria ao custo médio por aluno feita pelo Tribunal de Contas, divulgada em Outubro, o estudo do MEC tem na base os dados referentes ao ano lectivo 2009/2010. Mas, ao contrário do que aconteceu com o relatório do TC, o estudo hoje divulgado faz uma estimativa de custos tendo em conta os cortes salariais de 5% entretanto decretados para a função pública, a retirada de um dos subsídios e os efeitos da revisão curricular.

Por não ter feito este exercício, o TC alertava no seu relatório que os dados apurados não poderiam ser extrapolados para os anos subsequentes. Já o grupo de trabalho designado pelo MEC considera que, devido aos ajustamentos realizados, as estimativas a que chegou são válidas para 2012/2013.

Antes dos cortes e da revisão curricular, o custo médio por turma no ensino básico era, em 2009/2010, de 79.601 euros. As medidas entretanto adoptadas resultaram numa poupança de nove mil euros, passando o custo médio para 70.256. No ensino secundário, o custo médio por turma passou de 101.811 euros para 88.995. O ajustamento foi considerado necessário, como se explica no relatório, porque “grande parte dos custos (cerca de 85%) se referem a custos de docência” e foi neste item que mais alterações se registaram.

“Havendo posteriormente a estes anos decisões que afectam significativamente os custos de docência, achou-se por bem ajustar estes custos de forma a essas decisões serem reflectidas nas estimativas a partir do ano lectivo 2012/13.”

O grupo de trabalho designado pelo MEC elaborou oito modelos para avaliar os custos, que diferem entre si pelo número de variáveis tidas em conta. Os modelos 1 e 2 apenas têm em conta “o número de turmas como factor explicativo para o custo”, sendo, por isso, aqueles que o estudo considera serem os que “menos se ajustam para explicar o custo total” de um agrupamento. Os outros modelos têm em conta também variáveis como a localização geográfica, as turmas do ensino vocacional secundário e o ensino de adultos.

O alívio


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Justica célere

18 de novembro, 2012

     O Estado, através da Porto 2001, foi condenado a pagar uma indemnização num total de perto de três milhões de euros a 60 comerciantes da cidade do Porto, disse hoje o advogado dos lojistas.
     Em causa estão os “prejuízos causados pelas obras da Porto 2001” (que transferiu para a Fundação Casa da Música alguns activos aquando da sua extinção), explicou, em comunicado, o advogado Nuno Cerejeira Namora, que representou a Associação de Comerciantes do Porto (ACP) e que classificou a decisão do tribunal como uma “vitória da cidade e dos comerciantes sobre o comportamento autista e prepotente da equipa que liderou o evento”.

     ONZE ANOS depois, um tribunal toma uma decisão. Falta saber quantos afetados falecerem, literalmente, ao longo deste tempo.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

"Sou um guardador de rebanhos"

Poema IX

“Sou um guardador de rebanhos”

            O poema, constituído por três estrofes (duas sextilhas e um dístico) de versos brancos e métrica irregular, apresenta-nos um sujeito poético que se assume, metaforicamente, como um pastor, remetendo assim para o início do poema I, no qual se lhe comparava.
            A primeira estrofe inicia-se com uma metáfora (“Sou um guardador de rebanhos”) que institui o sujeito poético como um ser natural e que anula a oposição entre o pensar e o sentir, através da identificação entre pensamentos e sensações, característica do sensacionismo de Alberto Caeiro: o conhecimento da realidade adquire-se pela sua apropriação direta mediante os cinco sentidos humanos, isto é, ele relaciona-se com a realidade, seja ela flor, fruto, ou um dia de calor, através dos sentidos. E isso basta-lhe, pois é essa relação que lhe traz a verdade desse real. Por outro lado, ao afirmar a sensação como fonte única do conhecimento do real, o sujeito poético nega o pensamento, submetendo-o à sensação. Deste modo, ele consegue unir o pensar ao sentir: “Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la / E comer um fruto é saber-lhe o sentido.” (vv. 7-8).
            A enumeração dos órgãos associados aos sentidos nos versos 4 a 6 (olhos, ouvidos, mãos, pés, nariz e boca) reforça a importância do sentir afirmada no verso 3 e hierarquiza as sensações de acordo com o grau de conhecimento que permitem apreender: as sensações visuais são a primeira fonte de saber, seguindo-se as auditivas, as táteis, as olfativas e, por fim, as gustativas. Estilisticamente, o polissíndeto (repetição da conjunção coordenativa copulativa «e»), o paralelismo sintático e a anáfora (vv. 5-6) traduzem a simplicidade do sujeito poético.
            Os versos 7 e 8 exemplificam a identificação entre pensar e sentir, primeiro através de uma definição, depois metaforicamente (“E comer um fruto é saber-lhe o sentido.” – v. 8), procedendo à objetivação do pensamento, isto é, conferindo-lhe um estatuto concreto, de objeto.
            A estrofe final, de caráter conclusivo (é iniciada pela locução «por isso»), começa por afirmar a sua tristeza, que advém do excesso (“Me sinto triste de gozá-lo tanto” – v. 10), daí que seja natural e não perturbe o conhecimento da realidade nem a felicidade (ideias já desenvolvidas no poema I, nos versos 9 a 13 e 14 a 18). O sujeito poético aceita, então, essa tristeza porque ela provém de um excesso natural de felicidade. Porém, a tristeza evolui para felicidade (v. 14) no momento em que o sujeito poético substitui a perceção mental do prazer (“gozá-lo”, v. 10) pela ligação direta com a realidade (“Sinto todo o meu corpo deitado na realidade”, v. 13).
            A realidade é aquilo que é concreto, o que existe sem ser preciso pensar, aquilo que é captado através dos sentidos, em estreita conexão, em comunhão total com a Natureza, ideia afirmada nos versos 11 e 13, onde o contacto de todo o corpo com a erva salienta um desejo de quase fusão com os elementos naturais.
            Nos dois versos finais, o sujeito poético confirma várias ideias características da sua poesia:
1.ª) a verdade consiste no conhecimento direto da realidade;
2.ª) esse conhecimento e essa apropriação da realidade concretizam-se através dos sentidos, sem qualquer interferência do pensamento;
3.ª) o primado das sensações e a ausência do pensamento são a única forma de conhecimento autêntico e fonte de felicidade;
4.ª) a felicidade é diretamente proporcional ao contacto direto com a Natureza, um exemplo mais da supremacia do sentir sobre o pensar.
            Quanto aos recursos expressivos, além dos já identificados e da sinestesia do verso 12 (“olhos quentes”), há os seguintes traços típicos da poética caeiriana:
. a linguagem simples e de caráter oralizante (repetições de vocábulos, polissíndeto, predomínio da coordenação…);
. o predomínio de nomes concretos e a quase ausência de adjetivos;
. o uso de palavras do campo lexical das sensações, que revela o primado do sentir sobre o pensar, sempre objetivado (“Penso com os olhos e com os ouvidos”, “Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la”);
. a sintaxe simples, com repetição de estruturas frásicas e predomínio da coordenação;
. a variedade estrófica, métrica e rítmica;
. o verso branco.
            Por último, quanto à estrutura interna deste poema, uma possibilidade consiste na sua divisão em duas partes:
. a 1.ª corresponde às duas primeiras estrofes e nelas o sujeito poético afirma o seu sensacionismo e o primado do sentir sobre o pensar;
. a 2.ª constitui uma conclusão – a terceira estrofe –, através de um exemplo, das ideias expressas nos versos anteriores.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Casa dos Segredos (III)

P - Quem escreveu O Diário de Anne Frank?

R - Não sei.

"Se depois de eu morrer"

               Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
               Não há nada mais simples
               Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
               Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.

               Sou fácil de definir.
               Vi como um danado.
               Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
               Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
               Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
               Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
               Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
               Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

               Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
               Fechei os olhos e dormi.
               Além disso, fui o único porta da Natureza.

     Este poema pertence ao conjunto denominado Poemas Inconjuntos (o nome traduz o caráter desgarrado e sem fio condutor das composições que constituem a obra) e viu a luz do dia em 8 de novembro de 1915.

     O sujeito poético começa por se referir à sua biografia, afirmando que a sua vida possui somente duas datas: a do nascimento e a da morte. Todos os restantes dias são meus. Quer isto significar que apenas aquelas datas pertencem ao exterior, ao mundo que o rodeia: a do nascimento porque não o podia evitar; a da morte porque também esta constituirá uma data alheia que ele não pode controlar, à semelhança do nascimento. As restantes datas, os restantes dias pertencem-lhe por exclusivo e não fazem parte de qualquer biografia tradicional, pois a sua existência nada teve de comum, em nada se pareceu com a de um homem com uma vida normal.

     Na segunda estrofe, declara-se «fácil de definir». E concretiza a ideia proclamando que viu «como um danado» (comparação), assumindo-se mais uma vez como o poeta do olhar, das sensações visuais, que predominam sobre todas as outras («Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.» - verso 9), um observador da realidade, em suma. Além disso, não amou com sentimento, nem se deixou contaminar por grandes ambições ou sonhos grandiosos. Por outro lado, compreendeu a realidade das coisas e a diferença que existe entre elas, numa enorme diversidade, sem ligação entre si, ou seja, sem lhes atribuir um significado. Ou seja, o sujeito poético compreende com os olhos (com os sentidos), não com o pensamento. Isto impediu que ele tivesse uma vida semelhante à dos restantes, pois ele limitou-se a contemplar a realidade exterior, sem lhe atribuir outro significado que não o que lhe chegava através dos olhos.

     A estrofe final

Caeiro, o «Mestre»

Quer Fernando Pessoa (o ortónimo) quer os restantes heterónimos consideram Alberto Caeiro o seu Mestre. Porquê?

Caeiro aponta soluções para os problemas existenciais e filosóficos que atormentam quer o ortónimo quer os outros heterónimos.

Caeiro é, desde logo, o único que consegue atingir a paz, a tranquilidade e a serenidade ao recusar o pensamento e ao adotar o sentir – "Eu não tenho filosofia, tenho sentidos." –, precisamente o oposto de Pessoa, que tudo racionalizava e era incapaz de sentir. Caeiro é, por conseguinte, aquilo que o ortónimo não consegue ser, isto é, alguém que não procura qualquer sentido para a vida ou para o universo, porque lhe basta aquilo que vê e sente em cada momento.

Na verdade, todos os «eus» poéticos pessoanos são atingidos, de uma forma ou de outra, pelo peso excessivo do pensamento, da razão, do racionalismo, causadores de dor e impeditivos da felicidade. Assim, Pessoa apresenta-se como incapaz de sentir; Ricardo Reis controlar as suas emoções através do uso da razão, para evitar a infelicidade; Álvaro de Campos, na sua fase abúlica, lamenta-se do seu vício de pensar ("Pára, meu coração! Não penses! Deixa o pensar na cabeça!"). Pelo contrário, Alberto Caeiro encontra a felicidade ao recusar o pensamento e a existência de um lado abstrato / obscuro das coisas, defendendo a existência apenas do concreto, do objetivo: "Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, / Sei a verdade e sou feliz".

Sintetizando, Caeiro é considerado o Mestre em consequência dos seguintes princípios poéticos:
Recusa o pensamento (que implica que se deturpe o significado das coisas que existem), a filosofia e a metafísica, a essência, acreditando o poeta apenas na aparência (captada pelos sentidos), eliminando assim a dor de pensar e alcançando a felicidade;
Sensacionismo: Caeiro substitui o pensamento, que considera uma doença, pelas sensações que colhe no exterior objetivo, defendendo que nada existe para além do que é percetível para o ser humano, para além do que é captado pelos sentidos – ou seja, devemos percecionar, conhecer e fruir o mundo através dos sentidos, sobretudo a visão, e o real se reduz à materialidade;
Aceitação serena do mundo e da realidade tal qual eles são: as coisas são o que são, resumem-se à sua aparência, não têm significados ocultos, e o poeta aceita-as como elas são, sem as questionar, sem as pensar, visto que "pensar é não compreender" (pelo contrário, o ortónimo pensa, vê para além das aparências, considerando que aquilo que vê é apenas a exteriorização de outra coisa);
Comunhão com a Natureza: o ser humano deve submeter-se às leis naturais e não deve racionalizar processos que existem naturalmente (por exemplo, as ideias de vida ou de morte, que existem enquanto verdades absolutas), daí a negação da existência de significados ocultos na Natureza – neste ponto, aproxima-se do paganismo;
▪ Caeiro sente-se deslumbrado perante a natureza e a sua diversidade (a “eterna novidade do mundo”);
▪ Caeiro é o poeta do real objetivo e do olhar ingénuo sobre o mundo: Caeiro aceita as ideias de vida e de morte sem mistérios, despojadas de reflexão, de pensamento, de subjetividade;
Neopaganismo: Caeiro tem uma visão pagã da existência, resultante da comunhão com a Natureza, que passa pela descrença na transcendência e pela opção pela sensação, considerara a única verdade;
▪ Considera que só o presente existe e deve ser vivido;
Irregularidade formal (verso livre, irregularidade métrica e estrófica), «seguida» por Álvaro de Campos.

Note-se, porém, que existe uma grande liberdade dos discípulos em relação ao seu Mestre. Por exemplo, Ricardo Reis é discípulo de Caeiro apenas em parte, visto que ama a Natureza e o viver lúdico da infância, mas não possui a calma e a placidez exibidas pelo Mestre diante da passagem / do fluir do tempo e da certeza da morte. Reis receia-a e angustia-se perante a sua mortalidade e a do ser humano em geral.

Por sua vez, Álvaro de Campos, apesar de amar e reverenciar Caeiro, "exaspera-se por não conseguir viver os seus ensinamentos". É o próprio Campos que afirma: "Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu".

Fernando Pessoa, por seu turno, é a antítese do Mestre, porque pensa e sofre em virtude dessa racionalidade e da consciência. Ele que afirmou que cada um dos heterónimos constitui uma espécie de drama, o que leva alguns estudiosos da obra pessoana a falar em Poetodrama relativamente à questão da heteronímia.

Em suma, Caeiro é o Mestre, mas quer o ortónimo quer os heterónimos seguiram o seu próprio caminho com liberdade.


Bibliografia:

. COELHO, Jacinto do Prado, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa;
. Coleção RESUMOS, Poemas de Fernando de Pessoa;
. JACINTO, Conceição et alii, Análise de Poemas de Fernando Pessoa;
. MARTINS, Fernando Cabral (Coord.), Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português;
. MATOS, Maria Vitalina Leal, A Vivência do Tempo em Fernando Pessoa;
. SEABRA, José Augusto, Fernando Pessoa ou o Poetodrama;
. SENA, Jorge de, Fernando Pessoa & Companhia Heterónima.          

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Perfil de Alberto Caeiro

Perfil de Alberto Caeiro, traçado a partir da leitura da carta a Adolfo Casais Monteiro.

1. Aspetos biográficos:
          a) Nascimento: 16 de abril de 1889, em Lisboa.
          b) Falecimento: 1915, Lisboa, vítima de tuberculose.
          c) Profissão: nunca exerceu qualquer profissão; viveu à custa de pequenos
                               rendimentos.
          d) Educação: instrução primária (4.ª classe).
          e) Família:
                    - órfão de pai e mãe muito jovem;
                    - vivia com uma velha tia-avó, de pequenos rendimentos, no campo, numa
                       quinta do Ribatejo.

2. Retrato:
          a) Traços físicos:
                    - estatura média;
                    - aspeto frágil;
                    - cara rapada;
                    - louro sem cor;
                    - olhos azuis.

3. Obra
          a) Obras:
                    - O Guardador de Rebanhos;
                    - O Pastor Amoroso;
                    - Poemas Inconjuntos.
          b) Relação com Pessoa e heterónimos: é considerado o Mestre.
          c) Traços poéticos:
                    - ausência de pensamento metafísico;
                    - ausência de racionalização.
          d) Relação com a escrita: escreve mal o português.
          e) Génese: 8 de março de 1914, o "dia triunfal" da vida de Pessoa, pois nele
                           apareceu o seu «Mestre», «"pur pura e inesperada inspiração".

O nome: Alberto Caeiro

     De acordo com o sítio http://www.umfernandopessoa.com, o nome deste heterónimo de Fernando Pessoa seria explicável do seguinte modo...

     Alberto, um nome de origem germânica, significa «calmo» ou «nobre».

     Por seu lado, Caeiro relacionar-se-ia com cal e por isso com branco, remetendo para os versos do heterónimo - brancos por não possuírem rima - e para o facto de ele não crer em nada além do que vê. Assim, a sua compreensão da realidade seria, igualmente, branca, sem nada escrito nela. Além disso, em determinadas culturas, o branco é a cor funerária, do esquecimento e da perda de tudo.

     Deste modo, associando o nome e o sobrenome, Alberto Caeiro significaria «a nobreza calma do esquecimento das coisas».

     Há, ainda, quem seja audaz e associe o nome «Caeiro» a «(Mário de Sá-)Carneiro», o grande amigo de Pessoa e que desempenhou um papel, simultaneamente, importante e involuntário no surgimento deste heterónimo, pois, segundo a carta sobre a génese dos heterónimos, ele teria surgido para pregar uma partida a Mário de Sá-Carneiro.

sábado, 10 de novembro de 2012

Epigrama I, 38

Os versos que tu recitas
São, sim, Fidentino, meus;
Mas como os recitas mal,
Eles passam a ser teus.

                         Marcial

Epigrama VI, 36

Papilo, um pau tão grande tens quanto o nariz
Que sempre, ao levantar, podes cheirar.

                                               Marcial

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A vitória de Obama


A austeridade pela Grécia, ou da regressão humana

25/10/2012 - 16h39

Desempregados gregos deixam de ter acesso a atendimento médico

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LIZ ALDERMAN
DO "NEW YORK TIMES", EM ATENAS

     Como chefe do maior setor de oncologia da Grécia, o médico Kostas Syrigos achou que já tinha visto tudo. Mas nada o tinha preparado para o encontro com Elena, uma desempregada cujo câncer de mama tinha sido diagnosticado um ano antes de sua consulta com ele.
     No momento da consulta, o tumor já tinha alcançado o tamanho de uma laranja e rompido a pele, deixando uma ferida cujo pus ela estava enxugando com guardanapos de papel.
     "Quando a vimos, ficamos sem palavras", disse Syrigos, chefe de oncologia do Hospital Geral Sotiria, na região central de Atenas. "Todo o mundo chorou. Coisas como essas são descritas nos livros didáticos de medicina, mas a gente nunca via em primeira mão porque, até agora, qualquer pessoa que adoecesse neste país sempre podia ser atendida."

Angelos Tzortzinis/The New York Times
O cardiologista Giorgos Vichas, que participa de um grupo clandestino de atendimento médico na Grécia
O cardiologista Giorgos Vichas, que participa de um grupo clandestino de atendimento médico na Grécia

     A vida na Grécia foi virada do avesso desde que a crise da dívida tomou conta do país. Mas em poucas áreas a mudança tem sido mais marcante que na saúde.
     Até pouco tempo atrás, a Grécia tinha um sistema de saúde típico da Europa, com empregadores e indivíduos contribuindo para um fundo que, com assistência do governo, financiava o atendimento médico universal. Isso mudou em julho de 2011, quando a Grécia firmou um acordo com credores internacionais, recebendo um empréstimo para evitar o colapso financeiro.
     Agora os gregos que perdem seus empregos recebem benefícios pelo prazo máximo de um ano. Depois disso, se não puderem pagar a conta, eles ficam por conta própria, obrigados a arcar com seus próprios custos de saúde.
As mudanças estão forçando cada vez mais pessoas a buscar ajuda fora do sistema de saúde tradicional. Elena, por exemplo, foi encaminhada para Syrigos por médicos que participam de um movimento clandestino que surgiu no país para dar atendimento a quem não tem seguro médico.
     "Hoje, na Grécia, estar desempregado significa a morte", disse Syrigos. "Estamos caminhando para a mesma situação em que os Estados Unidos estavam, na qual, se você perde o emprego e não tem convênio médico, você deixa de ter direito a qualquer atendimento."
     Com os cofres públicos esvaziados, os suprimentos médicos estão em níveis tão baixos que alguns pacientes têm sido forçados a trazer os seus de casa, inclusive coisas como seringas e stents (próteses metálicas para a desobstrução de artérias).
     Com a deterioração do sistema, Syrigos e vários de seus colegas decidiram tomar as rédeas do problema nas próprias mãos. "Somos uma rede do tipo Robin Hood", disse o cardiologista Giorgios Vichas, que fundou o movimento clandestino em janeiro. "Em algum momento, as pessoas não vão mais poder doar, devido à crise. É por isso que estamos pressionando o Estado para que volte a assumir a responsabilidade pela saúde."
     Elena contou que ficou sem seguro médico depois de abandonar seu emprego de professora para cuidar de seus pais, que estavam com câncer, e um tio doente. Ela entrou em pânico quando descobriu que tinha o mesmo tipo de câncer de mama que matou sua mãe. O tratamento custaria pelo menos US$40 mil, ela ouviu dos médicos, e as finanças de sua família estavam zeradas.
     "Se eu não pudesse vir aqui, não faria nada", ela comentou. "Hoje, na Grécia, as pessoas precisam combinar com elas mesmas que não vão ficar muito doentes."

Tradução de Clara Allain

A austeridade: um princípio

Notícias ao Minuto
Quarta, 07 de Novembro de 2012, 15:26:
Santarém Hospital corta nos tratamentos de quimioterapia
O Hospital de Santarém tem apenas dois oncologistas três dias por semana, o que vai obrigar a unidade hospitalar a cortar nos tratamentos de quimioterapia. A administração do hospital reconhece a carência.
PAÍS
Hospital corta nos tratamentos de quimioterapia
DR
     A área de oncologia do Hospital de Santarém carece de médicos tendo apenas dois três dias por semana. Esta situação levou ao adiamento de consultas e tratamentos de quimioterapia, avança o Diário de Notícias (DN). O hospital tem cerca de 1.400 casos de cancro todos os anos e entre 600 a 700 pacientes oncológicos em tratamento.
     A falta de médicos na unidade de oncologia ficou agravada com a saída de um clínico a tempo inteiro e com a baixa por gravidez da directora do serviço. Neste momento, existem apenas dois médicos, um que trabalha um dia por semana e outro que trabalha dois. Esta situação não afecta apenas as consultas e os tratamentos, ficam também em causa as compras, que são adiadas por falta de tempo e que levaram à ruptura do stock nas últimas semanas.
     O presidente do conselho de administração do Hospital de Santarém, José Josué, afirmou ao DN que “pode haver situações, sempre circunstanciais de adiamento de compra de medicamentos por falta de verba, mas sempre sem pôr em causa a condição clínica do utente”. A Administração da unidade hospitalar reconhece a falta de reposta mas garante estar a tentar contratar dois médicos recém-formados.

     Nos dias em que não há oncologia, a unidade hospitalar tem recorrido a internistas de modo a gerir complicações que possam surgir no tratamento, no entanto, estes médicos não podem prescrever tratamentos.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Ah, o Sporting!


Poema XXXIX - "O mistério das coisas, onde está ele?"

            O poema abre com quatro perguntas nos cinco versos iniciais. A pergunta do primeiro verso, aparentemente, traduz a necessidade de saber onde está o mistério das coisas. O segundo e o terceiro constituem uma reiteração do primeiro, mas contêm em si um paradoxo: o de solicitar à figura do mistério que apareça, que se revele. Ora, se o mistério se revelar, deixa de o ser, pelo que é lícito concluir que a pergunta é irónica e traduz a convicção do «eu» poético de que o mistério das coisas não existe, afirmando-se, portanto, como um descrente da metafísica, do etéreo, da essência das coisas.
            As duas perguntas seguintes vêm “igualar” o sujeito poético a elementos da Natureza (o rio e a árvore), para deste modo ele apresentar a argumentação que sustenta a sua tese, a de que não há mistério nas coisas. A Natureza existe sem conhecer o seu mistério, pelo que ele, que não é mais do que ela, também não o pode conhecer. No fundo, as interrogações estão ao serviço do processo de negação do pensamento e da metafísica por parte do «eu».
            No verso 7, o sujeito poético exprime a sua reação àquilo que os homens pensam das coisas: o riso. Ao contrário de si, que acredita que a realidade é apenas o que é e, por isso, não contém qualquer mistério, os “homens” pensam sobre as coisas, logo acreditando que elas são portadoras de algo mais do que aquilo que é visível e que os sentidos captam. Por um lado, o sujeito exclui-se da condição de homem comum, pois, enquanto os homens pensam sobre o mundo, aquele pensa sobre o que eles pensam sobre as coisas / o mundo, Observe-se, porém, como por vezes entra em contradição. De facto, se é certo que Caeiro privilegia as sensações, fundamentalmente as visuais, e que afirma que as coisas não têm significado, apenas existência, algo que aprendeu através dos sentidos, no verso 6 afirma que pensa (no que os homens pensam das coisas). Este dado parece, afinal, anunciar a impossibilidade de uma rejeição total de pensar. E o «eu» compara o riso a “um regato que soa fresco numa pedra”, comparação que sugere o seu caráter simples, puro e espontâneo. Por outro lado, pode sugerir o som constante da corrente, que se assemelha ao som do riso ininterrupto numa qualquer situação cómica.
            A segunda estrofe inicia-se com a conjunção subordinativa causal «porque», o articulador que estabelece a relação de causa entre a primeira e a segunda estrofe. Nos dois versos iniciais, existe um paradoxo, onde é visível também a ironia, que reafirma a inexistência de mistério nas coisas. E fá-lo com absoluta certeza e de modo perentório e inequívoco (atente-se no uso da forma verbal “é”). Para ele, as coisas não têm sentidos ocultos, nelas não há nada que compreender.
            Descolando-se da própria condição de poeta e diminuindo a importância dos filósofos, o «eu» poético afirma que os sonhos dos poetas e os pensamentos dos filósofos estão aquém das coisas, que são piro “parecer”, isto é, o modo como as coisas são em si, como se revelam, antes da consciência humana interferir. Dito de outra forma, à pedra é irrelevante a existência do homem, no sentido de que continuará a ser pedra, tenha o ser humano ou não consciência dela.
            Afinal, as coisas são realmente o que parecem ser, logo não há nada que compreender, sublinhando-se assim a distinção entre dois mundos: o da existência das coisas, independente da consciência humana (verso 13) e o da consciência humana, votada à compreensão das coisas (v. 14).

            Na última estrofe, em jeito de conclusão, o sujeito poético reafirma a sua tese, centrada numa aprendizagem resultante da experiência de vida conduzida pelos sentidos, a fonte do verdadeiro conhecimento. Deste modo, no verso 15 declara que os seus sentidos “aprenderam sozinhos”, uma afirmação que traduz a defesa da intuição, do primado do sentir sobre o pensar. O verso 16 confirma a tese de que as coisas não têm mistério, apenas existência. Os seus sentidos ensinaram-lhe que as coisas existem, não têm significado, têm existência e não precisam de ter significado.
            Atente-se, porém, no seguinte: se, por um lado, é possível os sentidos aprenderem sozinhos, isto é, intuitivamente, por outro, a comunicação desse facto pelo poeta não pode ser feita intuitivamente, mas através da linguagem, algo bastante racional. Ou seja, se Caeiro pode dispensar, ainda que retoricamente, o ato de compreender, para o comunicar, em forma de poema, necessita da linguagem e, logo, de fazer uso da razão.

            A ideologia de Caeiro está bem expressa neste poema:
a) Identifica-se com a Natureza, com a qual deseja relacionar-se de forma harmoniosa e da qual deseja fazer parte;
b) Encara o mundo com objetividade, de acordo com uma visão algo restrita e limitada, reduzindo-o aos fenómenos mais simples e primitivos, recusando a intervenção do homem;
c) Recusa a ideia de que existe um sentido para além daquilo que é possível ver e sentir;
d) Defende o primado do sentir sobre o pensar, recusando o pensamento, que lhe provoca dor.

            A nível formal e estilístico, as características típicas da sua poesia estão também presentes:
a) o verso branco;
b) a liberdade e irregularidade métrica e estrófica;
c) a linguagem simples;
d) o pendor argumentativo.

domingo, 4 de novembro de 2012

Análise do Poema XXXVI - "E há poetas que são artistas"

            Neste poema, cujo tema é a reflexão sobre o processo de criação poética e a sua relação com a Natureza, Caeiro reflete sobre poesia, contrapondo duas conceções.
            A primeira é a dos poetas que designa, ironicamente, por artistas, que a veem como um trabalho, uma construção, que constroem os seus poemas verso a verso, que valorizam o lado artificial ou mecânico do ato de criação: “trabalham nos seus versos / Como um carpinteiro nas tábuas” (comparação); “pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro / E ver se está bem, e tirar se não está!” (comparação e exclamação). Estas comparações com um carpinteiro e com os pedreiros servem para destacar o trabalho formal, minucioso e exigente, dos poetas que se dedicam a essa poesia elaborada e produzida como outras construções humanas. Dito de outra forma, expressam a preocupação desses poetas com a seleção das palavras, da combinação de rimas / sonoridades, de arranjos estilísticos, de ritmos poéticos, de dimensionamento dos versos, etc., ou seja, uma noção de poesia que exige trabalho de dimensionamento, equilíbrio, polimento e construção dos versos, pensando muito a experiência. No fundo, Caeiro está a criticar todos aqueles que não conseguem ser espontâneos (verso 4) no ato de criação poética, facto que o leva a manifestar estranheza e a sentir pena deles, antes a encaram como um trabalho árduo de intelectualização.
            Ora, para Caeiro, “a poesia não é um trabalho nem uma convicção, é uma forma de revelar os mistérios da Natureza” e de se assemelhar cada vez mais a ela (Nuno Hipólito, No Altar do Fogo). Esta é a segunda conceção de poesia, a que se afirma quando o «eu» poético se declara um fruidor incondicional da Natureza, que “está sempre bem e é sempre a mesma”. Aparentemente, não há absolutamente nada a mudar nela. Deste modo, a criação poética deve resultar espontaneamente da identificação do «eu» poético com a Natureza. Assim se explica o seu lamento relativamente a esses poetas: “Que triste não saber florir” (exclamação), ou seja, que triste não comungar da naturalidade, simplicidade e espontaneidade da Natureza e não ser capaz de fazer da criação poética uma ação natural e espontânea. Ele considera que é “triste” ter de trabalhar os versos “como um carpinteiro nas tábuas” e não ser capaz de os fazer “florir” sem artifícios, de uma forma simples e natural. Ora, sendo a Natureza a verdadeira arte, a poesia deverá ser como ela, isto é, a expressão sensorial, nítida, fluida do que nos rodeia.
            Por outro lado, insiste na relação íntima com a Natureza, a fonte de inspiração e criação poética: “a única casa artística é a Terra toda” (v. 7 – metáfora). Por isso, porque a harmonia já existe nela, não é necessário intelectualizar o ato de escrita. O essencial em poesia é registar o mundo que o rodeia de forma tão natural e espontânea como é o ato de florir ou respirar (v. 9). Caeiro é o poeta da Natureza que privilegia o olhar, daí que tenha apenas de estar atento ao que ela “diz”.
            Mesmo reconhecendo a impossibilidade de compreensão entre ele e as flores, o sujeito poético sabe que em ambos – na Natureza e na comunhão do homem com ela – mora a verdade e que há uma “comum divindade” que lhes permite usufruir dos encantos da Terra, das “Estações contentes” e dos cânticos do vento (personificação). Para que tal suceda, é necessário evitar a abstração do pensamento e privilegiar uma relação natural, espontânea (“como quem respira”) com a “única casa artística” que é a “Terra toda”. Ora, é esse contacto com a Natureza a única forma de aceder à “verdade” (v. 13). Note-se o desprendimento da vida em harmonia com os elementos naturais (“De nos deixarmos ir e viver pela Terra” – v. 15), uma espécie de mãe protetora que o leva ao colo, que embala e transmite paz e tranquilidade (v. 17), evitando a existência de “sonhos” – sonhar é pensar, na medida em que se constitui como uma atividade mental durante o sonho. É, no fundo, mais uma afirmação da recusa do ato de pensar, de rejeição de qualquer atividade mental que se oponha à autenticidade dos elementos da Natureza que descreveu.

            No poema, em suma, Caeiro expõe a sua “teoria poética”, que pode resumir-se ao seguinte: a poesia é o simples ato de captar a Natureza através dos sentidos de forma espontânea, de acordo com uma relação de comunhão e harmonia. Noutro comprimento de onda, movimentam-se os poetas que fazem da poesia um trabalho árduo de intelectualização, de exposição de conceitos e combinação artística das palavras. Repetindo, estamos perante o confronto entre uma forma de elaborar poesia caracterizada pela simplicidade, objetividade, espontaneidade, naturalidade, e outra artificial, muito pensada e elaborada.
            Em consonância com estes princípios e com o tipo de poesia que defende, este poema é caracterizado pelo versilibrismo, pela ausência de rima e pela linguagem simples, com um vocabulário igualmente simples e repetitivo (“está”, “sempre”), pertencente aos campos lexicais da poesia (“poetas”, “versos”) e da Natureza, fonte inspiradora do sujeito lírico (“florir”, “Terra”, “flores”, “Estações”, “vento”), bem como pelo uso de expressões familiares e comparações com elementos naturais.
            Por outro lado, a adjetivação é escassa, resumindo-se à presença de quatro adjetivos: “triste”, “artística”, “comum” e “contente”. No que diz respeito à estruturação sintática, predomina as orações coordenadas copulativas, típicas do discurso oral, em detrimento da subordinação, embora haja a assinalar a presença de orações subordinadas temporais, relativas restritivas e infinitivas.
            A pontuação expressiva concorre de igual modo para conferir ao poema um certo tom coloquial.
            A nível estilístico, destaca-se a escassez de figuras, verificando-se o uso dos recursos semântica e sintaticamente mais simples, como a comparação (vv. 3 e 5), a metáfora (vv. 1, 4 e 6), a personificação (vv. 16 e 17), a anáfora (vv. 16-18) e o polissíndeto (repetição da conjunção coordenativa copulativa «e», que acentua o estilo simples de Caeiro, estabelecendo a ligação sumativa como processo de acumulação de argumentos.

            Em suma, o poema XXXVI evidencia alguns dos traços centrais da poética de Alberto Caeiro:
. o sensacionismo: “”E levar ao como pelas estações contentes / E deixar que o vento cante para adormecermos” (vv. 16 e 17);
. a atitude antimetafísica, de recusa do pensamento: “Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira.” (v. 9); “E não termo sonhos no nosso sono.” (v. 18);
. o objetivismo: “E olho para as flores e sorrio… (v. 10);
. a espontaneidade e naturalidade: “Que triste não saber florir!” (v. 4);
. o paganismo, isto é, a crença em diversas divindades: “Mas sei que a verdade está nelas e em mim / E na nossa comum divindade” (vv. 13 de 14);
. o panteísmo, ou seja, a doutrina segundo a qual Deus e o mundo seriam uma só substância, não sendo aquele um ser pessoal distinto deste): “Mas sei que a verdade está nelas e em mim / E na nossa comum divindade” (vv. 13 de 14);
. o misticismo, quer dizer, a atitude afetiva caracterizada pela crença na possibilidade de comunicação direta com o divino, inacessível ao conhecimento racional): “”Mas sei que a verdade está nelas e em mim” (v. 13), “De nos deixarmos ir e viver pela Terra / E levar ao colo pelas estações contentes” (vv. 15 e 16), “E não termos sonhos no nosso sono.” (v. 18).

            Por outro lado, são visíveis alguns dos traços que aproximam Caeiro do ortónimo e dos outros heterónimos:

. Caeiro e Pessoa:
- a linguagem simples;
- a musicalidade espontânea e natural do discurso, que leva por vezes a quebrar a regularidade métrica;
- a tendência de Caeiro para o refúgio na Natureza, uma tentativa de evasão, uma certa recusa do pensamento (“Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira”), que denunciam a inquietação constante e a intelectualização do sentir (marcas de Pessoa);
- divergem pelo facto de Pessoa fazer uso da regularidade estrófica e rimática, ao contrário de Caeiro.

. Caeiro e Reis:
- aceitação natural das coisas (“… a única casa artística é a Terra toda / Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma”);
- o elogio da vida campestre, a fazer lembrar a áurea mediania clássica: “De nos deixarmos ir e viver pela Terra / E levar ao colo pelas estações contentes / E deixar que o vento cante para adormecermos…”.

. Caeiro e Campos:
- são ambos espontâneos;
- voltam-se para o exterior;
- cultivam o verso livre;
- são sensacionistas: privilegiam as sensações em detrimento do pensar (a segunda fase de Campos). 

sábado, 3 de novembro de 2012

"A verdade morreu"

A Verdade morreu
Não se estima a piedade,
A infâmia e o erro
São fortes e poderosos,
Não há quem busque ser
Virtuoso e humilde,
E o respeito de Deus
Foi esquecido.
Ninguém sente desgraça
Em ser pedinte,
Grande é a vergonha,
As almas são pequenas face à culpa.
Em vez de amigos
Há inimigos.
Na companhia
Há inveja,
E amor fraternal
É um engano.
Honra
Não mais existe.
Dinheiro é a Palavra –
E quem o tem é senhor.
Todos fazem dele discussão.
Meu Deus, o que será de nós!


Ulma Seligman (sécs. XVI e XVII)
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