Português

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Análise de "D. Sebastião"

1. A figura de D. Sebastião

         No século XVI, o príncipe D. João, herdeiro do trono português, casou-se com D. Joana de Áustria, irmão de D. Filipe II de Espanha. Deste matrimónio nasceu um único filho, D. Sebastião, que nasceu a 2 de janeiro de 1554, dezoito dias após a morte de seu pai, o príncipe D. João.
         O rei D. João III, avô de D. Sebastião, faleceu em 1557, quando o neto tinha três anos de idade. A criança recebeu de imediato a coroa e a sua avó passou a regente do reino. Assim, D. Catarina governou de 1557 a 1562, seguindo-se-lhe o seu tio-avô D. Henrique, cardeal-arcebispo de Lisboa e inquisidor-mor, de 1562 a 1568.
         Aos 14 anos de idade, D. Sebastião tomou conta do governo. Enfermo no corpo e no espírito, importava-se pouco com a governação, perdido antes em sonhos de conquista e de expansão da Fé. Conquistar Marrocos era a sua ambição número um, mas outros projetos de imperialismo em terras pagãs preenchiam-lhe a imaginação. Ousado até aos limites da loucura, o novo rei não atribuía grande importância ao planeamento cuidadoso, à estratégia ou à retirada, considerando essas preocupações medo ou cobardia. Desprezava os velhos, os prudentes, os sábios e os experientes, preferindo rodear-se de um grupo de jovens aristocratas, quase tão loucos e pouco maduros como ele próprio. Além disso, não aceitava palavras de aviso nem encarava a realidade e a verdade como eram.
         Por outro lado, o jovem monarca dividia o seu tempo por caçadas, exercícios religiosos e leitura de livros de História. Adorava desafiar o perigo. Em dias de temporal, embarcava nas galés para fora da barra e contemplar o mar enfurecido. De acordo com o escritor Fernando Dacosta, «Era um pouco louco; tinha dificuldade em separar a ficção da realidade». Porém, quando Lisboa foi assolada pela peste de 1569, abandonou a cidade, facto que parece comprovar que a sua coragem era apenas temperamental e não um valor consciente e assumido.
         Relativamente à sua vida íntima, nunca casou, não obstante a insistência da corte para que escolhesse uma noiva entre as casas reais europeias e desse um sucessor à coroa. Em determinada altura, negociou casamento com Margarida de Valois e com a arquiduquesa Isabel de Áustria, que acabou por desposar Filipe II. O despeito pelo episódio, provavelmente artificial, serviu de pretexto para que recusasse a encetar novas negociações, o que lhe permitia estar completamente livre para se dedicar àquilo que mais o fascinava: a guerra.
         A pedido do cardeal Alexandrino, enviado pelo Papa, esteve para participar numa cruzada contra os Turcos, mas, na impossibilidade de levar avante a ideia, projetou uma incursão na Índia. Dissuadido pelos conselheiros, decidiu, enfim, concentrar os seus esforços em África, chegando a navegar em segredo até Tânger em 1574. Provavelmente, terá sido por essa altura que começou a desenhar-se no seu espírito o desejo de invadir Marrocos a fim de reconquistar as terras, outrora portuguesas, devolvidas aos mouros por D. João III.
         Segundo um dos seus mais recentes biógrafos, o espanhol Baños-García, «D. Sebastião acreditava ser um capitão às ordens de Deus e da Igreja, montando a invasão de Marrocos para se tornar numa lenda vitoriosa.». Muitos tentaram demovê-lo, sobretudo os espanhóis D. Catarina e Filipe II, mas o soberano português tinha vestido a pele da luta pela independência nacional. Nada o faria mudar de ideias.
         Em 25 de Junho de 1578, após ter praticamente esvaziado os cofres do Estado, D. Sebastião partiu com uma armada de 800 velas e 18 mil homens ‑ a maioria mercenários estrangeiros e camponeses portugueses, incluindo um pequeno corpo de voluntários nobres bem treinados.


2. Análise do poema

         Num discurso de 1.ª pessoa, D. Sebastião autocaracteriza-se como louco, assumindo orgulhosamente essa loucura (atentar na reiteração do adjetivo “louco”, enfatizada pela presença do advérbio de afirmação “sim”). Notar que, no poema, «loucura» significa «sonho», «ideal», «utopia».
         A causa dessa loucura é o desejo de grandeza (o ideal, a utopia, o sonho), que o sujeito poético assume, como acima referido, com orgulho, a qual não é trazida pela «Sorte», mas conquistada com esforço, coragem e determinação. Porém, o desejo de grandeza teve um preço: a morte do «louco», do sonhador, isto é, de D. Sebastião (vv. 4 e 5), que se deixou morrer, portanto, pelo seu ideal no areal de AlcácerQuibir, no norte de África. E a razão desse sacrifício reside no facto de o rei não ter sido capaz de realizar essa tarefa, que era superior às suas capacidades: «Não coube em mim minha certeza» (v. 3).
         Porém, no areal, ficou apenas o que nele havia de mortal, o ser físico, o corpo («Ficou meu ser que houve»), tendo sobrevivido o ser que há, que permanece, que é imortal, isto é,a alma, o sonho, o ideal («o que há») ‑ loucura ‑, de querer grandeza, de devolver a glória à Pátria, que continua vivo e por concretizar, daí o apelo que faz na segunda estrofe. Recorde-se que o sonho «original» do rei consistia no engrandecimento de Portugal através da conquista de terras aos mouros no norte de África e da expansão da fé de Cristo.
         Além disso, nestes versos finais da primeira estrofe, Pessoa faz conjugar, na figura de D. Sebastião, história e mito. De facto, historicamente, o rei pereceu no areal de Alcácer Quibir (o «ser que houve» ficou «onde o areal está»), mas o que tem primazia para Pessoa é o mito («o que há»).
         No início da segunda estrofe, o sujeito poético apela a «outros» que tomem e prossigam a sua loucura, o seu sonho, isto é, que concretizem, no presente / futuro, aquilo que ele sonhou e idealizou no passado, o seu grande projeto nacional.
         A interrogação retórica final é muito significativa:
. faz referência à loucura enquanto energia criativa que poderá ser canalizada para a reconstrução nacional;
. a loucura ‑ o sonho ‑ é essencial ao homem e é o que o distingue do animal: Pessoa compara o homem que não sonha com um animal que se limita a procriar; sem possuir a capacidade de sonhar, sem possuir um ideal a cumprir, o ser humano fica reduzido à condição de animal irracional (nasce, procria e morre) e está condenado à morte e ao esquecimento; assim, a existência humana não tem sentido nem valor;
. através da loucura, o ser humano projeta-se no futuro e, por isso, não morre (com efeito, perante o sonho / a loucura, a morte não passa de contingência física que não pode impedir que aquele(a) prossiga noutras mãos);
. é a loucura que leva o homem a partir em busca de grandes realizações (como  fizeram os Argonautas e Vasco da Gama, para quem «Navegar é preciso / Viver não é preciso») ‑ e, de facto, foi a louca temeridade de D. Sebastião que esteve na origem do desastre de Alcácer Quibir, mas também serviu de exemplo aos vindouros.

         Nota-se, ao longo do poema, uma viva admiração de Pessoa pela loucura de D. Sebastião e um claro desprezo pelo homem «besta sadia», que vive sem ideais, sem grandes sonhos ou projetos, contentando-se com a mediocridade e com o «gozo materialista».
         Por outro lado, Pessoa associa a loucura ao génio. Na verdade, o louco é também o símbolo da inspiração, do poeta, de todo aquele que está para além do comum da sociedade.


3. Estrutura interna

         Relativamente à estrutura interna do poema, este pode dividir-se em dois momentos:
. 1.ºmomento (1.ª estrofe) ‑ O sujeito poético (o Rei):
- autocaracteriza-se como louco;
- explicita a razão da sua loucura: a busca de grandeza / glória;
- e as consequências / o preço da mesma: a morte.
. 2.º momento (2.ª estrofe) ‑ O sujeito poético:
- faz o elogio da loucura, traço que distingue o homem do animal irracional;
- exorta a que outros deem continuidade ao seu sonho.

         O poema insere-se na 1.ª parte de Mensagem, «Brasão», uma vez que esta compreende os antepassados fundadores da nacionalidade. Por outro lado, a inserção nas Quinas prende-se com o facto de D. Sebastião ter perdido a vida no contexto do cumprimento de uma tarefa para que foi escolhido por Deus.


4. Valor simbólico de D. Sebastião

         Atente-se nas palavras dos autores do manual Expressões ‑ 12.º ano sobre o valor simbólico do rei D. Sebastião na obra de Fernando Pessoa: “D. Sebastião adquire em Mensagem um valor simbólico que ultrapassa a sua figura histórica. São os valores da determinação e da coragem que ele corporiza que funcionam como mito inspirador e, nessa aceção, «fecundam a realidade»: «É Esse que regressarei.» O Sebastianismo em Mensagem não se liga, pois, ao caso específico e concreto de D. Sebastião, que não poderá, obviamente, voltar, mas à ideologia que lhe está subjacente. Depois de «ser que houve» e que ficou no «areal» com a «morte», regressará a força inspiradora de D. Sebastião necessária ao ressurgimento anímico da nação. O próprio Pessoa refere: «No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião e que só voltará a tê-la com o regresso dele, regresso simbólico (…)».”


5. Intertextualidade

         Comparemos, por último, a forma como a figura de D. Sebastião é tratada em Os Lusíadas e na Mensagem:
. Os Lusíadas:
‑ Camões dedica-lhe o seu poema épico (Canto I);
‑ Retrato: traça um retrato histórico do soberano, com referências à situação de Portugal e à atuação do rei;
‑ Valores: representa a segurança, a liberdade e a esperança do povo português no sentido de fazer ressurgir a Pátria da apatia e decadência do presente, continuando a tradição dos antigos heróis nacionais, dilatando a fé e afirmando o império.
. Mensagem:
‑ é o mito organizador e articulador da obra, já que representa o sonho que presidirá ao ressurgimento de Portugal da crise em que se encontra mergulhado;
‑ Retrato: o seu retrato é mítico, assente sobretudo no seu traço de «loucura» criadora e inspiradora;
‑ Valores: D. Sebastião representa o mito regenerador e metáfora da «loucura», do sonho.

Análise de "Mar Português"

. Título: no título, constituído por duas palavras, há a destacar o adjetivo «português», que remete para a conquista e o domínio dos mares pelos Portugueses, que os ligaram e fizeram com que existisse apenas o «mar» conhecido. Essa união foi o resultado do sofrimento e da coragem dos lusitanos; daí o mar ser «português». Por outro lado, apesar de os Portugueses já não cruzarem o mar no presente, o título deixa entender que ele será sempre lusitano.


. Tema: o mar, glória e desgraça do povo português.


. Estrutura interna

. 1.ª parte (1.ª estrofe) – Interpelação do sujeito poético ao mar, a que, relembra o preço (os sacrifícios) pago pelos Portugueses para conquistarem o mar.



         Os sacrifícios necessários para que os Portugueses conquistassem o mar traduzem-se na morte de muitos dos que partiram e no sofrimento dos que ficaram em terra, daí que o poeta dê realce, através do uso de uma linguagem emotiva (marcada pelas exclamações e pelo uso da 2.ª pessoa, que estabelece uma relação afetiva com o mar) e do campo lexical de sofrimento («lágrimas», «choraram», «rezaram»), ao amor familiar: o amor maternal («quantas mães choraram»), o amor filial (as orações dos filhos) e o amor das noivas que ficaram por casar (notar a construção em anáfora dos versos 3, 4 e 5 e o uso de quantificadores ‑ «quantas mães», «Quantos filhos», «Quantas noivas» ‑, que aumentam o dramatismo das situações evocadas, pondo em desta       que o número de vidas perdidas). Deste modo, realça-se o facto de o sacrifício afetar as famílias já constituídas e as que o seriam, mas não o serão mais, em razão da morte dos «noivos». Observe-se, por outro lado, as potencialidades da forma verbal «cruzarmos»: (1) sugere a causa da dor (a conquista do mar); (2) tem na sua composição a palavra «cruz», símbolo do sacrifício e da morte.
         Outra ideia que ressalta da 1.ª estrofe é a de que o mar é português, tão alto foi o custo que a sua conquista implicou. E notemos que é o mar, não os mares, o que traduz a ideia de unificação do mar, a qual se ficou a dever ao empenhamento lusitano. Outra forma de mitificação de Portugal operada nesta estrofe consiste na atribuição ao sal do mar de uma origem portuguesa, mitificando-se a dor lusa.
         O sofrimento pertence ao passado, daí as formas verbais no pretérito perfeito do indicativo, mas também o infinitivo pessoal «cruzarmos» (v. 3), exprimindo determinação continuada, persistência. Porém, o facto de isso se ter verificado no passado e de os Portugueses já não cruzarem o mar não significa que ele tenha deixado de ser português. De facto, os laços estabelecidos foram tão fortes, revestiram de tanta dor e sofrimento, o sal que o mar comporta é em tal quantidade, oriundo das lágrimas derramadas pelos Portugueses (v. 2), que ele será sempre português.
         Em síntese, as consequências da saga das descobertas são a dor, o sofrimento (consequências emocionais), o desamparo das famílias (consequências sociais e económicas), o despovoamento do reino (consequências políticas).
         Por outro lado, esta estrofe assume um claro cariz épico, uma vez que nela predomina a valorização do sofrimento e do espírito de sacrifício dos Portugueses, capazes de superar provações extremas e de, desse modo, provar a sua grandeza espiritual. Tudo começa e acaba no mar.

. 2.ª parte (2.ª estrofe) ‑ Balanço / justificação dos sacrifícios: os grandes feitos (a conquista e o domínio do mar) pressupõem sofrimento, mas todo o esforço e dor arrastam consigo alguma compensação, daí que o esforço e o sacrifício dos Portugueses não tenham sido em vão.

         Esta segunda estrofe assenta na apresentação da resposta, através de três frases declarativas, à interrogação inicial que introduz a reflexão:

. «Valeu a pena?», isto é, valeu a pena, justificou-se tanto sacrifício?

. «Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena»: todos os sacrifícios são justificáveis se o objetivo que estiver na sua base for nobre e se se agir com ousadia, coragem, determinação e abnegação; tudo vale e pena para atingir o ideal sonhado, a heroicidade.

. «Quem quer passar além do Bojador(1) / Tem que passar além da dor»: quem quer alcançar o objetivo desejado tem de superar os obstáculos que se lhe depararem e a própria dor, indo além dela (notar que o Bojador é, aqui, a metáfora dos objetivos a alcançar e simboliza o ultrapassar do medo, do desconhecido, o primeiro passo para o conhecimento). É necessário superar os limites da frágil condição humana.

. «Deus ao mar o perigo e o abismo deu, / Mas nele é que espelhou o céu»: quem superar, sofrendo, os perigos do mar, alcançará a glória suprema, que é o mesmo que dizer que tudo o que é verdadeiramente custoso tem o seu preço (1.ª estrofe) e a sua compensação (último verso). O «mar» é símbolo de sofrimento e morte («perigo» e «abismo»), mas também símbolo de realização do sonho, de glória e imortalidade, já que foi nele que deus fez «espelhar» o céu. Quem conquistar o mar ascenderá ao plano divino. Se, na 1.ª estrofe, se lamentou o preço pago pela conquista do mar, na segunda, anuncia-se o prémio.

         Nestas três frases, estão compreendidos os elementos atitéticos fundamentai para a compreensão do poema: o negativo (pena, dor, perigo) e o positivo (céu). Quer isto dizer que a dor é sempre o preço da glória.
         Nesta segunda estrofe, o tempo verbal predominante é o presente do indicativo, que está de acordo com a dimensão axiomática das afirmações. Excetuam-se os dois últimos versos, que se encontram no pretérito perfeito do indicativo, para recuperar a ideia de ultrapassagem das adversidades como forma de alcançar a imortalidade.


. Tom dramático do poema

. As duas faces dos Descobrimentos: a tragédia ‑ os aspetos desastrosos (1.ª estrofe) ‑ e a glória (2.ª estrofe, embora também haja nela uma referência ao lado trágico).

. A apóstrofe inicial e a do 6.º verso, que confere uma certa circularidade à estrofe.

. A interrogação retórica da segunda estrofe.


. Caráter épico-lírico do poema

. Vertente lírica: a expressão comovida dos sentimentos do sujeito poético (o lamento do lado negativo das Descobertas) e a descrição da dor e do sofrimento dos que viveram a saga das descobertas (vv. 2, 3, 4 e 5).

. Vertente épica: a valorização e o entusiasmo que anima a alma humana para concretizar os seus sonhos, ideais elevados e com isso ascender ao patamar da divindade e da imortalidade.
         A coexistência dos dois planos justifica-se pelo misto de epopeia e de lirismo que se encontra no poema. «Para realizar a glorificação da Pátria, os Portugueses tiveram de sofrer a dor e as privações, o preço a pagar pelos feitos sublimes que praticaram


. Intertextualidade com o episódio do Velho do Restelo

Velho do Restelo

“Mar Português”
. Referência à «dura inquietação d’alma».

. «Se a alma não é pequena».
. O choro das mães, esposas e filhos.

. O choro das mães, a reza dos filhos, as noivas que ficaram por casar.
. A consciência do perigo: o ambiente de dor e pessimismo provocado pela antecipação dos perigos que os que vão embarcar enfrentarão.

. A consciência do perigo, causadora igualmente de dor e sofrimento, mas com traços de otimismo: a dor é encarada como um meio necessário para alcançar o sonho e a glória.
. O sofrimento é necessário para a realização de grandes feitos.

. Idem.
. Reflexo da mentalidade renascentista, o episódio é crítico dos Descobrimentos.

. O poema é, essencialmente, laudatório.
. O herói é mais humano e terreno.

. O herói é mítico e lendário.


. Linguagem e recursos poético-estilísticos

1. Nível fónico
. Estrofes: duas sextilhas, o que se adapta á contraposição dos aspetos desagradáveis (1.ª estrofe) e agradáveis (2.ª estrofe).
. Métrica: alternância de versos decassílabos e octossílabos, com alguma irregularidade.
. Rima:
‑ esquema rimático: aabbcc;
‑ emparelhada;
‑ aguda e grave;
‑ consoante;
‑ pobre e rica;
‑ as palavras rimantes são, na maior parte, palavras-chave do poema: sal, Portugal, choraram, rezaram, Bojador, dor, céu, realçando-se, com a posição em final de verso, a sua expressividade.
. Ritmo: binário, largo, típico da meditação lírica.
. Assonância: predomínio da vogal áspera ou forte /a/ (1.ª estrofe).
. Alternância de sons fechados (ê, ô) e sons abertos (á, é).
. Transporte: vv. 1-2, 5-6, 7-8, 9-10.

2. Nível morfossintático
. Verbos:
‑ pretérito perfeito: evoca os acontecimentos trágicos e os sofrimentos do passado;
‑ presente: remete para os valores intemporais como a bravura, a tenacidade, a coragem o espírito de luta, o desejo de vencer, isto é, os valores que fazem os heróis;
‑ infinitivo pessoal «cruzarmos» exprime determinação e persistência.
. Pobreza de adjetivos, apenas dois: «salgado» e «pequena».
. Predominância de verbos e substantivos, como convém às características do tema desenvolvido:
‑ «mar», «Bojador»: as dificuldades, os perigos enfrentados pelos Portugueses para alcançarem a glória;
‑ «sal»: símbolo do sofrimento, das tragédias provocadas pelo mar;
‑ «lágrimas»: vide 1.ª estrofe;
‑ « céu»: é o símbolo do sonho realizado, da glória, da recompensa que espera o homem que supera os maiores perigos e sofrimentos e conquista o seu sonho; é o símbolo do prémio supremo do herói: a imortalidade.
. Anáfora e quantificadores: «Quantos filhos», «Quantas noivas» ‑ realçam o número de vidas afetas pelas desgraças causadas pelo domínio do mar.
. Função emotiva, traduzida pelas exclamações.
. As três frases declarativas.

3. Nível semântico
. Apóstrofe e personificação do «mar», tratado na 2.ª pessoa e responsável por todo o drama e sofrimento, mas também proporcionador da glória.
. Metáfora e hipérbole: «Ó mar salgado, quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal», uma síntese das desgraças que o mar causou.
. Reiteração:
‑ dos quantificadores (vide);
‑ da forma verbal «passar» (versos 9 e 10): realça a relação necessária entre a dor e o heroísmo.
. Exclamações (1.ª estrofe): servem o tom épico-dramático do poema e exprimem o que há de mais sagrado nas relações humanas: o amor familiar, isto é, o sofrimento que custou a conquista do mar.
. Interrogação «Valeu a pena?»: chama a atenção para as contrapartidas que o destino reserva aos navegadores e inicia o balanço ou a reflexão sobre a utilidade dos sacrifícios.
. Caráter aforístico dos versos 7-8, 9-10.
. O sentido metafórico de alguns vocábulos e expressões: «cruzarmos», «Bojador», «espelhou», «céu» (é o símbolo do sonho realizado, da glória; se o mar é o local de todos os perigos e medos, também é o espelho do céu, uma vez conquistado).
. A antítese entre o lado trágico e o glorioso dos Descobrimentos.
. Os dois primeiros versos resumem a história passada e presente do povo português e, consequentemente, exemplificam a capacidade de síntese e aproveitamento das potencialidades expressivas das palavras mais banais, processo característico de Fernando Pessoa.



            (1) O Bojador, cabo de difícil acesso situado na costa ocidental africana, terá sido dobrado por Gil Eanes, em 1434, depois de numerosas (fala-se em cerca de 15) tentativas anteriores. Tal dobragem significou um importante passo em frente nos descobrimentos portugueses, já que esse cabo simbolizou, durante muito tempo, o limite do conhecido, e a sul havia muitas riquezas à espera.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Poesia universitária (II)

Quando tiver a "licentia docendi"
Não ligarei à plebe.
                       in modesti vocabularia

          Temos um colega tão gabão
          que julga que é um pavão
          sendo uma simples galinha
          ainda por cima depenadinha.

          Mas ele assim é feliz
          e porquê fazê-lo infeliz?
          Também chamamos ao Branco nabo
          e ele julga que lhe estamos a dizer bravo.

          Assim é o aper da Cornualha
          que se julga um diamante
          e aos outros escumalha.

          Mas é bom rapaz
          e muito mais o será
          quando nos deixar em paz.

                                               Bajus

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Exame intermédio de Português 12.º ano - 2013 - Critérios GAVE

Correção do exame intermédio de Português - 12.º ano - 2013

Grupo I

1. Características do espaço que deslumbram Artur:
  • o mobiliário bem cuidado e luxuoso («o aparador envernizado, o espelho com o caixilho resguardado por uma gaza cor-de-rosa»);
  • a pintura («e o retrato de Prim...»);
  • a vista proporcionada da cidade («as ruas secavam sob o norte frio...», «uma carruagem que passou, com dois criados de casacos brancos...»);
  • a elegância dos transeuntes («Examinava avidamente as toilettes dos homens; achou adoráveis duas senhoras que atravessavam a calçada, com os vestidos apanhados, mostrando as saias brancas...»);
  • os veículos em circulação («uma carruagem que passou, com dois criados de casacos brancos...»);
  • a vastidão e o aparato de Lisboa («Nunca imaginara Lisboa tão vasta, tão aparatosa...»).

2. O diálogo entre o criado e Artur, nomeadamente uma fala do primeiro referindo-se às botas do segundo («- Estão na última. Já usted vê!...») , revela o provincianismo e a pobreza do seu vestuário / calçado, que está gasto de tanto uso e fora de moda.
          Ao constatar o facto, Artur decide só sair «à noite» porque, desse modo, ficaria menos exposto / visível o seu aspeto pobre e provinciano, isto é, passaria despercebido a coberto da escuridão noturna e pela iluminação a gás.

3. Contraste entre as diferentes emoções sentidas por Artur:
  • o fascínio, deslumbramento, espanto e admiração:
  • o deleite inicial ao passear por Lisboa, motivado pela novidade do que vê e pela modernidade da cidade;
  • o fascínio ao contemplar as vitrinas iluminadas das lojas;
  • o espanto e a admiração ao observar as mulheres com que se cruza, pelas carruagens, pela vastidão das ruas, pelo movimento e pela multidão;
  • a perturbação motivada pela atmosfera «saturada das emanações de uma vida rica, sábia, idealizadora e ardente!»; 
  • a vergonha e o sentimento de inferioridade:
  • o acanhamento e o sentimento de inferioridade («Mas sentia-se acanhado...»);
  • o entontecimento motivado pelo ambiente citadino («o trotar das parelhas entontecia-o»);;
  • o medo infantil de agressões («o andar desenvolto dos homens, falando alto, dava-lhe um medo pueril de agressões»);
  • a vergonha do seu vestuário, velho, gasto, fora de moda («tinha vergonha do seu velho paletó, mais curto que as abas da sobrecasaca que trazia...»);
  • a sensação de alívio, motivada pelo pedido de lume.

4. A expressão traduz o desejo de integração sentido pela personagem, de fazer parte daquela sociedade que o extasia e fascina e não se sentir um estranho, alguém que vem de forma e se sente diferente e inadaptado. É o desejo de se apresentar de acordo com as tendências da moda, de levar uma vida de luxo e ostentação semelhante à daqueles com quem se cruza, de participar nas conversas, de se relacionar, de intervir nas discussões sobre cultura, política, arte... («teve pressa de entrar naquela existência - relacionar-se, regalar-se das discussões sobre Arte e Ideal»), de frequentar os mesmos espaços.


    Grupo II

                   Versão 1                    Versão 2

    1.1.              C                                 A    

    1.2.              A                                 D

    1.3.              B                                 C

    2.1. A oração subordinada adjetiva relativa é a seguinte: «que por lá põem os pés».

    2.2. A expressão «o viajante» desempenha a função sintática de sujeito.



    Grupo III

    segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

    Concordância sujeito - predicado


         Estou certo de que os professores de português do jornalista que produziu isto lhe ensinaram a velha regra: o predicado concorda em número com o sujeito. 

    domingo, 17 de fevereiro de 2013

    "Judith I"


    Judith I é uma representação plástica da autoria de Gustav Klimt, a qual engloba os principais temas que o fascinam: a morte e o erotismo. A obra foi criada em 1901 e, actualmente, encontra-se em exposição no Museu de Belvedere, em Viena. Das suas inúmeras fases artísticas, apresenta-se o “Período Dourado” como a fase mais positivamente criticada pela sociedade, mas foi no seu momento artístico de “Arte Erótica” que foram criadas as suas obras mais importantes. Judith I engloba as duas fases anteriormente referidas e no momento da sua publicação gerou-se uma enorme polémica, uma vez que a obra foi interpretada como uma alegoria da ameaça feminina, pois os impulsos sexuais das mulheres eram considerados, na época, pecados insanos da alma.
    A obra representa a história de “Judith e Holofernes”, a qual relata a narrativa da viúva judia de extrema beleza e crença em Deus que, para salvar o seu povo do inimigo, das tropas assírias, seduziu e decapitou o general assírio Holofernes. Não obstante, apesar de o título se encontrar completamente explícito na obra, gravado sobre uma lâmina dourada no quadro, a maioria da sociedade associou a figura feminina a Salomé, a mulher responsável pela decapitação de João Baptista, em especial a população judaica.
    Em primeiro plano, apresenta-se a figura de uma mulher jovem, seminua e apenas de meio-corpo. O rosto da protagonista, ligeiramente inclinado, as suas narinas dilatadas, os olhos semicerrados, as bochechas avermelhadas e os lábios entreabertos, conferem a esta mulher uma sensualidade extrema, acompanhada por uma expressão facial erótica. Por outro lado, o seu corpo imaterial e distante contrasta, completamente, com a beleza do seu rosto. Os seus seios encontram-se moderadamente cobertos por uma blusa transparente, possui um colar extremamente justo de tonalidade dourada, a sua pele é belíssima, saudável e de um tom bastante claro, contrastando com o negro dos seus cabelos. Possui uma cabeça decapitada nas suas mãos, nomeadamente de um homem de traços judaicos, isto devido à tonalidade escura da sua pele, aos seus cabelos negros moderadamente compridos, à sua barba negra e longa e, ainda, ao nariz tipicamente judaico. Logicamente, a cabeça decapitada pertence a Holofernes.
    Em segundo plano, encontram-se as inúmeras árvores acompanhadas por uma escuridão imensa, que se chega a confundir com o negro do cabelo da protagonista, transmitindo assim uma sensação nocturna. Esta representação em segundo plano simboliza os relevos assírios do Palácio de Nínive, localizado na Assíria. Relativamente às cores predominantes, destaca-se o verde e o dourado. O verde representa a esperança, a juventude e a prosperidade e o dourado, a beleza e a realeza, podendo cada um destes elementos facilmente caracterizar a história de Judith. O dourado tem um destaque especial, pois atenua a figura da mulher no quadro e é uma das características do “Período Dourado”.
    Em suma, estamos perante uma obra maravilhosa. Através da análise do quadro, tomamos conhecimento não só do estilo artístico do pintor, mas também da arte vienense e, ainda, alargamos a nossa cultura geral com a descoberta da lenda judaica. A forma como Klimt retracta esta história transcendente através de meras pinceladas demonstra, sem dúvida, as suas enormes capacidades e talento. O seu nível de criatividade e paixão pela arte pode ser comparado à enorme coragem desta guerreira judaica, a qual arriscou a vida pelo seu povo e consequentemente, foi recompensada pelo sucesso da liberdade.


    Bibliografia:
               - http://www.artbible.info/art/large/780.html;
                     - http://pt.wikipedia.org/wiki/Gustav_Klimt;
                  surpreendente.html#axzz2JNzCzLDL.

    Michael Jordan turns 50


    sábado, 16 de fevereiro de 2013

    "Shambala", Three Dog Night

    Viagem de Vasco da Gama

    Os Lusíadas, I, 20-21

             Estas estâncias correspondem aos momentos iniciais do discurso de Vasco da Gama ao Rei de Melinde, quando lhe situa geograficamente Portugal na Europa:
    . «quase cume da cabeça» da Europa;
    . situado na região mais ocidental do continente;
    . banhado pelo mar (Oceano Atlântico) («Onde a terra se acaba e o mar começa» ‑ est. 20, v. 3);
    . muito próximo do norte de África;
    . teve a sua origem em Luso ou Lisa («que de baco antigo / Filhos foram» ‑ est. 21, vv. 6 e 7), uma forma de afirmar a descendência divina, logo superior, do povo português.

             Nessas estâncias, por outro lado, Camões descreve a nação e a sua missão de modo semelhante ao feito por Fernando Pessoa em «O dos castelos»:
    . a Europa é personificada e apresentada como um corpo humano;
    . Portugal é a cabeça desse corpo da Europa: ele é o «rosto» (v. 12) em «O dos Castelos», e «quasi cume da cabeça / De Europa toda» (est. 20, vv. 1-2) n’Os Lusíadas;
    . o sentimento de patriotismo;
    . relativamente à missão de que Portugal foi incumbido, em Mensagem, a nação está investida de uma missão messiânica centrada na recuperação da Europa decadente; n’Os Lusíadas, a nação assume o espírito de cruzada como missão definidora e é ditada pelo «Céu».
             De facto, entre os versos 5 a 8 da estância 20, Camões alude à expulsão dos Mouros do território nacional (vv. 6 e 7) e às campanhas africanas de D. João I, D. Duarte, D. Afonso V e D. João II que deram origem à ocupação de vários pontos do norte de África.
             Relativamente ao sentimento de patriotismo, em Mensagem, destaca-se o nacionalismo profético da referência ao papel que cabe a Portugal na liderança da Europa; n’Os Lusíadas, Vasco da Gama confessa o seu amor pela pátria («Esta é a ditosa pátria minha amada» ‑ est. 21, v. 1), onde deseja morrer depois de concluir a sua missão («À qual se o Céu me dá, que eu sem perigo / Torne, com esta empresa já acabada, / Acabe-se esta luz ali comigo.» ‑ est. 21, vv. 2-4).

             As diferenças entre os dois textos situam-se, essencialmente, a nível da estrutura e do discurso:
    . Mensagem:
    . o poema é construído do geral para o particular, um percurso enigmático, gradualmente mais pormenorizado, pleno de mistério e de enigmas a decifrar: o rosto da Europa é Portugal e o olhar misterioso prenuncia a importância da nação para o mundo no futuro;
    . a linguagem está recheada de profunda simbologia profética;
    . o poema centra-se no indefinido, na crença, na esperança estática no sonho.
    . Os Lusíadas:
    . o discurso estrutura-se em três momentos:
    . a localização geográfica de Portugal;
    . a caracterização do povo português, forte e guerreiro, imbuído do ideal da difusão do Cristianismo e do espírito de cruzada;
    . a origem lendária superior dos seus fundadores;
    . a linguagem é épica, de estilo grandiloquente;
    . o poema evidencia a aventura, o perigo, a memória e a esperança.

    sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

    Desemprego


         Isto representa, na realidade, mais de um milhão de pessoas sem emprego.

    Meteoro cai na Rússia


         Um meteoro caiu hoje na Rússia, fazendo um número elevado de feridos. Como não poderia deixar de ser, as caixas de comentários dos nossos jornais encheram-se de pérolas:

    1. «vamos ver se não tras nenhum virus com ele. se tiver vai ser o caos.»

    2. «vcs perceberam que existem dois (2) rastros de fumaça, um do lado dou outro? Muito estranho um meteorito fazer fumaça assim!»

    3. «Tantos telescópios milionários que descobrem planetas a não sei quantos anos-luz de distância e nem se dão conta de um meteorito que vai cair na terra? Só pode ser um complot da maçonaria, aliada à Opus dei.»

    4. «Fim dos tempos.»

    5. «Fim dos tempos? Há 65 milhões de anos foi o início dos tempos! graças a um destes, vc está hoje escrevendo posts na internet!»

    6. «Como nos tempos de Noé, ouvi e atentai para os acontecimentos.»

    7. «Não sabia que ainda havia crentes como o senhor, achava que isso tinha acabado algures no século XVI. Se quiser dou-lhe o número de boas carpintarias para ir construindo a arca...»

    8. «Tem 4 pontos escuros que passam a frente do meteóro... o que são aquilo serão nave extra terrestres......»

    9. «Reparem na foto do homem com um penso na cara. Na parede está um cartaz sobre cães. Deduzo que o homem tenha sido tratado por um veterinário... O desenho mal-amanhado do penso, reforça a minha convicção.»

    10. «Em cheio numa camioneta de "ucras" a caminho de Portugal.»

    11. «Poderia ter colido mais a Sul na Assembleia da República...»

    12. «Estou farto de estar de cabeça pro ar... À espera dessa raio asteroide. Quero jantar e não há maneira dele passar...»

    13. «METEORITO É O KARALHO!!!!!!!!!!! ISSO É UM FOGUETE DA COREIA DO NORTE QUE PERDEU O RUMO!!! AO INVÉS DE ACERTAR OS EUA, ACERTOU A URSS!!!!!! AMIGOS DELES!!!!!! QUE TECNOLOGIA DE MERDHA DO KARALHO!!!!!!!!!!!!»

    14. «O fim está próximo. A renúncia do papa foi seguida por um raio no Vaticano e uma tempestade de meteoros que já matou mais de 150 pessoas na Rússia.»

    15. «APOCALIPSE COMEÇA MILAGRE DO SOL EM FATIMA!!!!!!»

    16. «Era pôr-vos aos 2 no coliseu e soltar os leões...»

         Isto é só uma amostra...

    Análise de "O dos Castelos"

             Neste poema, o primeiro de Mensagem, Pessoa antepõe os Castelos às Quinas (lendariamente concedidas por Cristo ao primeiro rei de Portugal, mas provavelmente só integradas no brasão por D. Sancho I), porém aqueles apenas foram adicionados ao brasão português durante o reinado de D. Afonso III.
             O seu número definitivo (7) só se fixou no início do século XVI e refere-se aos sete castelos que foram conquistados aos mouros para garantir a demarcação do território nacional.
             Por outro lado, o título do poema é uma perífrase de Portugal: «O [país] dos castelos», isto é, Portugal.
             A Europa é personificada por Pessoa, descrita e caracterizada no poema como se de uma figura feminina se tratasse. Ela surge deitada (“jaz” ‑ vv. 1 e 2) e apoiada nos cotovelos, sustentado o rosto na mão direita, (v. 1), com “cabelos românticos” a toldar o rosto e “olhos gregos”. O olhar é “esfíngico e fatal” e o rosto, que fita o Ocidente, é Portugal. De facto, se observarmos um mapa da Europa, constataremos que é possível imaginá-la como uma mulher reclinada, correspondendo os cotovelos à Itália e à Inglaterra.
             O início da descrição apresenta a Europa, simbolicamente, como um espaço decadente e sem vigor. De facto, a repetição de formas verbais pertencentes aos verbos «jazer» e «fitar» sugerem a imagem de decadência que marca a descrição do velho continente. O verbo «jazer», que significa “estar deitado” e “estar morto ou como morto”, destaca a imobilidade e a letargia em que a Europa se encontra. Por outro lado, o verbo «fitar» remete para um estado de imobilidade, de ausência de vitalidade e de estatismo do olhar. Assim sendo, é necessário que a Europa desperte desse estatismo, dessa atitude meramente contemplativa e “adormecida”. Ela parece estar à espera de um novo impulso vital, que o seu olhar procura na distância, no desconhecido, no sentido de construir um novo império espiritual, cujo guia será Portugal.
             Por outro lado, os cabelos são caracterizados como «românticos» (v. 3), sonhadores, toldam o rosto, adensando o mistério que envolve a figura, enquanto os olhos são «gregos». Estas metáforas sugerem as raízes culturais que constituem a identidade europeia: o Norte (a referência aos “românticos cabelos”) e o Sul (a referência aos “olhos gregos”).
             Os cotovelos estão estrategicamente colocados em Itália e na Inglaterra, o que constitui uma nova referência às raízes culturais europeias: o Norte e o Sul, isto é, a cultura romântica e a cultura clássica. Estas referências geográficas são claras: a Inglaterra é referida pela sua ligação ao Romantismo, corrente artística que valorizava imenso o passado, enquanto a Itália e a Grécia são evocadas por terem sido essenciais para a civilização e cultura europeias.
             A mão direita sustenta o rosto, que corresponde a Portugal. Ora, ao apresentar Portugal como o rosto da Europa, Pessoa atribui-lhe um estatuto de superioridade relativamente às restantes nações europeias. Esse rosto fita fixamente o Ocidente com um “olhar esfíngico e fatal” (v. 10), ou seja, um olhar enigmático que antecipa um renascimento de que apenas ele será capaz. O adjetivo “esfíngico” (notam-se no mapa europeu algumas semelhanças com a esfinge egípcia, monstro fabuloso com rosto humano e corpo de leão, que devorava quem não conseguisse decifrar os enigmas que ela propunha) sugere a atitude expectante e contemplativa, enigmática e misteriosa, com que a Europa fita o Ocidente, que representa a sua vocação histórica, o “futuro” que o continente já desvendou no passado e que se apresenta, agora, como nova promessa de renascimento. Por outro lado, o adjetivo “fatal” aponta para a missão predestinada que cabe a Portugal de construção do futuro. Em suma, o olhar é indagador do desconhecido que a Europa contempla e fatal, pois a procura desse desconhecido é motivada pelo Fatum, pelo Destino.
             Portugal parece, pois, ter sido tocado pelo destino, reunindo todas as condições para “comandar” a Europa na reconquista de um passado cultural perdido (paradoxo do verso 10). Enquanto rosto da Europa, «fita» (atente-se na sua repetição por três vezes, como se de uma verdadeira obsessão europeia e portuguesa se tratasse) o mar ocidental, seu destino, seu futuro. Pessoa considera, assim, que a missão de Portugal é ligar o Oriente ao Ocidente (“De Oriente a Ocidente jaz, fitando”), quer geográfica quer espiritualmente, sendo que reúne características indicados para essa missão: a sua situação geográfica privilegiada e a sua vocação marítima, já com provas dadas.
             No poema, destacam-se dois símbolos: o olhar e o rosto. O primeiro tem um poder mágico, misterioso, e, segundo o Islamismo, o olhar do Criador e da criatura constituem o próprio processo de criação. Atraem-se um ao outro. E sem esta atração recíproca, a Criação perde toda a razão de ser. Dentro desta perspetiva, a moral é a ciência do olhar: saber olhar significa descobrir o próprio olhar do Criador, isto é, tirar o véu que cobre a realidade. O rosto é, igualmente, um símbolo de mistério.
             Neste poema, à semelhança do que Camões fez nas estâncias 6 a 21 do canto III de Os Lusíadas, Pessoa procura apresenta Portugal, inserindo-o como cabeça da Europa, uma figura feminina deitada e fitando “com olhar esfíngico e fatal”, em posição de expectativa, o Ocidente, sua vocação histórica.
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