Neste
poema, o primeiro de Mensagem, Pessoa
antepõe os Castelos às Quinas (lendariamente concedidas por Cristo ao primeiro
rei de Portugal, mas provavelmente só integradas no brasão por D. Sancho I),
porém aqueles apenas foram adicionados ao brasão português durante o reinado de
D. Afonso III.
O seu
número definitivo (7) só se fixou no início do século XVI e refere-se aos sete
castelos que foram conquistados aos mouros para garantir a demarcação do
território nacional.
Por
outro lado, o título do poema é uma
perífrase de Portugal: «O [país] dos castelos», isto é, Portugal.
A
Europa é personificada por Pessoa, descrita e caracterizada no poema como se de
uma figura feminina se tratasse. Ela surge deitada (“jaz” ‑ vv. 1 e 2) e
apoiada nos cotovelos, sustentado o rosto na mão direita, (v. 1), com “cabelos
românticos” a toldar o rosto e “olhos gregos”. O olhar é “esfíngico e fatal” e
o rosto, que fita o Ocidente, é Portugal. De facto, se observarmos um mapa da
Europa, constataremos que é possível imaginá-la como uma mulher reclinada, correspondendo
os cotovelos à Itália e à Inglaterra.
O
início da descrição apresenta a Europa, simbolicamente, como um espaço
decadente e sem vigor. De facto, a repetição de formas verbais pertencentes aos
verbos «jazer» e «fitar» sugerem a imagem de decadência que marca a descrição
do velho continente. O verbo «jazer», que significa “estar deitado” e “estar
morto ou como morto”, destaca a imobilidade e a letargia em que a Europa se
encontra. Por outro lado, o verbo «fitar» remete para um estado de imobilidade,
de ausência de vitalidade e de estatismo do olhar. Assim sendo, é necessário
que a Europa desperte desse estatismo, dessa atitude meramente contemplativa e
“adormecida”. Ela parece estar à espera de um novo impulso vital, que o seu
olhar procura na distância, no desconhecido, no sentido de construir um novo
império espiritual, cujo guia será Portugal.
Por
outro lado, os cabelos são caracterizados como «românticos» (v. 3), sonhadores,
toldam o rosto, adensando o mistério que envolve a figura, enquanto os olhos
são «gregos». Estas metáforas sugerem as raízes culturais que constituem a
identidade europeia: o Norte (a referência aos “românticos cabelos”) e o Sul (a
referência aos “olhos gregos”).
Os
cotovelos estão estrategicamente colocados em Itália e na Inglaterra, o que
constitui uma nova referência às raízes culturais europeias: o Norte e o Sul,
isto é, a cultura romântica e a cultura clássica. Estas referências geográficas
são claras: a Inglaterra é referida pela sua ligação ao Romantismo, corrente
artística que valorizava imenso o passado, enquanto a Itália e a Grécia são
evocadas por terem sido essenciais para a civilização e cultura europeias.
A mão
direita sustenta o rosto, que corresponde a Portugal. Ora, ao apresentar
Portugal como o rosto da Europa, Pessoa atribui-lhe um estatuto de
superioridade relativamente às restantes nações europeias. Esse rosto fita
fixamente o Ocidente com um “olhar esfíngico e fatal” (v. 10), ou seja, um
olhar enigmático que antecipa um renascimento de que apenas ele será capaz. O
adjetivo “esfíngico” (notam-se no mapa europeu algumas semelhanças com a
esfinge egípcia, monstro fabuloso com rosto humano e corpo de leão, que
devorava quem não conseguisse decifrar os enigmas que ela propunha) sugere a
atitude expectante e contemplativa, enigmática e misteriosa, com que a Europa
fita o Ocidente, que representa a sua vocação histórica, o “futuro” que o
continente já desvendou no passado e que se apresenta, agora, como nova promessa
de renascimento. Por outro lado, o adjetivo “fatal” aponta para a missão predestinada que cabe a Portugal
de construção do futuro. Em suma, o olhar é indagador do desconhecido que a
Europa contempla e fatal, pois a procura desse desconhecido é motivada pelo Fatum, pelo Destino.
Portugal
parece, pois, ter sido tocado pelo destino, reunindo todas as condições para
“comandar” a Europa na reconquista de um passado cultural perdido (paradoxo do
verso 10). Enquanto rosto da Europa, «fita» (atente-se na sua repetição por
três vezes, como se de uma verdadeira obsessão europeia e portuguesa se
tratasse) o mar ocidental, seu destino, seu futuro. Pessoa considera, assim,
que a missão de Portugal é ligar o Oriente ao Ocidente (“De Oriente a Ocidente
jaz, fitando”), quer geográfica quer espiritualmente, sendo que reúne
características indicados para essa missão: a sua situação geográfica
privilegiada e a sua vocação marítima, já com provas dadas.
No
poema, destacam-se dois símbolos: o olhar e o rosto. O primeiro tem um poder
mágico, misterioso, e, segundo o Islamismo, o olhar do Criador e da criatura
constituem o próprio processo de criação. Atraem-se um ao outro. E sem esta
atração recíproca, a Criação perde toda a razão de ser. Dentro desta
perspetiva, a moral é a ciência do olhar: saber olhar significa descobrir o
próprio olhar do Criador, isto é, tirar o véu que cobre a realidade. O rosto é,
igualmente, um símbolo de mistério.
Neste
poema, à semelhança do que Camões fez nas estâncias 6 a 21 do canto III de Os Lusíadas, Pessoa procura apresenta
Portugal, inserindo-o como cabeça da Europa, uma figura feminina deitada e
fitando “com olhar esfíngico e fatal”, em posição de expectativa, o Ocidente,
sua vocação histórica.
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