. Título: no título, constituído por duas palavras, há a destacar o adjetivo
«português», que remete para a conquista e o domínio dos mares pelos
Portugueses, que os ligaram e fizeram com que existisse apenas o «mar»
conhecido. Essa união foi o resultado do sofrimento e da coragem dos lusitanos;
daí o mar ser «português». Por outro lado, apesar de os Portugueses já não
cruzarem o mar no presente, o título deixa entender que ele será sempre
lusitano.
. Tema: o mar, glória e desgraça do povo português.
. Estrutura interna
. 1.ª parte (1.ª estrofe) – Interpelação do sujeito poético ao mar, a que, relembra
o preço (os sacrifícios) pago pelos Portugueses para conquistarem o mar.
Os
sacrifícios necessários para que os Portugueses conquistassem o mar traduzem-se
na morte de muitos dos que partiram e no sofrimento dos que ficaram em terra,
daí que o poeta dê realce, através do uso de uma linguagem emotiva (marcada
pelas exclamações e pelo uso da 2.ª pessoa, que estabelece uma relação afetiva
com o mar) e do campo lexical de sofrimento («lágrimas», «choraram»,
«rezaram»), ao amor familiar: o amor maternal («quantas mães choraram»), o amor
filial (as orações dos filhos) e o amor das noivas que ficaram por casar (notar
a construção em anáfora dos versos
3, 4 e 5 e o uso de quantificadores ‑ «quantas mães», «Quantos filhos»,
«Quantas noivas» ‑, que aumentam o dramatismo das situações evocadas, pondo em
desta que o número de vidas perdidas).
Deste modo, realça-se o facto de o sacrifício afetar as famílias já
constituídas e as que o seriam, mas não o serão mais, em razão da morte dos «noivos».
Observe-se, por outro lado, as potencialidades da forma verbal «cruzarmos»: (1)
sugere a causa da dor (a conquista do mar); (2) tem na sua composição a palavra
«cruz», símbolo do sacrifício e da morte.
Outra
ideia que ressalta da 1.ª estrofe é a de que o mar é português, tão alto foi o
custo que a sua conquista implicou. E notemos que é o mar, não os mares, o que traduz a ideia de unificação do mar, a qual se ficou
a dever ao empenhamento lusitano. Outra forma de mitificação de Portugal operada nesta estrofe consiste na
atribuição ao sal do mar de uma origem portuguesa, mitificando-se a dor lusa.
O
sofrimento pertence ao passado, daí as formas verbais no pretérito perfeito do
indicativo, mas também o infinitivo pessoal «cruzarmos» (v. 3), exprimindo
determinação continuada, persistência. Porém, o facto de isso se ter verificado
no passado e de os Portugueses já não cruzarem o mar não significa que ele
tenha deixado de ser português. De facto, os laços estabelecidos foram tão
fortes, revestiram de tanta dor e sofrimento, o sal que o mar comporta é em tal
quantidade, oriundo das lágrimas derramadas pelos Portugueses (v. 2), que ele
será sempre português.
Em
síntese, as consequências da saga das descobertas são a dor, o sofrimento (consequências
emocionais), o desamparo das famílias
(consequências sociais e económicas), o despovoamento
do reino (consequências políticas).
Por outro
lado, esta estrofe assume um claro cariz épico,
uma vez que nela predomina a valorização do sofrimento e do espírito de
sacrifício dos Portugueses, capazes de superar provações extremas e de, desse
modo, provar a sua grandeza espiritual. Tudo começa e acaba no mar.
. 2.ª parte (2.ª estrofe) ‑ Balanço / justificação dos sacrifícios: os grandes
feitos (a conquista e o domínio do mar) pressupõem sofrimento, mas todo o
esforço e dor arrastam consigo alguma compensação, daí que o esforço e o
sacrifício dos Portugueses não tenham sido em vão.
Esta
segunda estrofe assenta na apresentação da resposta, através de três frases
declarativas, à interrogação inicial que introduz a reflexão:
. «Valeu a pena?», isto é,
valeu a pena, justificou-se tanto sacrifício?
. «Tudo vale a pena / Se a alma não
é pequena»: todos os sacrifícios são justificáveis se o objetivo que
estiver na sua base for nobre e se se agir com ousadia, coragem, determinação e
abnegação; tudo vale e pena para atingir o ideal sonhado, a heroicidade.
. «Quem quer passar além do Bojador(1) / Tem que passar além da dor»: quem quer alcançar o objetivo desejado tem de
superar os obstáculos que se lhe depararem e a própria dor, indo além dela
(notar que o Bojador é, aqui, a metáfora dos objetivos a alcançar e simboliza o
ultrapassar do medo, do desconhecido, o primeiro passo para o conhecimento). É
necessário superar os limites da frágil condição humana.
. «Deus ao mar o perigo e o abismo
deu, / Mas nele é que espelhou o céu»: quem superar, sofrendo, os perigos
do mar, alcançará a glória suprema, que é o mesmo que dizer que tudo o que é
verdadeiramente custoso tem o seu preço (1.ª estrofe) e a sua compensação
(último verso). O «mar» é símbolo de
sofrimento e morte («perigo» e «abismo»), mas também símbolo de realização do
sonho, de glória e imortalidade, já que foi nele que deus fez «espelhar» o céu.
Quem conquistar o mar ascenderá ao plano divino. Se, na 1.ª estrofe, se
lamentou o preço pago pela conquista do mar, na segunda, anuncia-se o prémio.
Nestas três frases, estão compreendidos
os elementos atitéticos fundamentai
para a compreensão do poema: o negativo (pena, dor, perigo) e o positivo (céu).
Quer isto dizer que a dor é sempre o preço da glória.
Nesta segunda estrofe, o tempo verbal
predominante é o presente do indicativo, que está de acordo com a dimensão
axiomática das afirmações. Excetuam-se os dois últimos versos, que se encontram
no pretérito perfeito do indicativo, para recuperar a ideia de ultrapassagem
das adversidades como forma de alcançar a imortalidade.
. Tom dramático do
poema
.
As duas faces dos Descobrimentos: a tragédia ‑ os aspetos desastrosos (1.ª
estrofe) ‑ e a glória (2.ª estrofe, embora também haja nela uma referência ao
lado trágico).
.
A apóstrofe inicial e a do 6.º verso, que confere uma certa circularidade à
estrofe.
.
A interrogação retórica da segunda estrofe.
. Caráter
épico-lírico do poema
.
Vertente lírica: a expressão comovida dos sentimentos do sujeito poético (o
lamento do lado negativo das Descobertas) e a descrição da dor e do sofrimento
dos que viveram a saga das descobertas (vv. 2, 3, 4 e 5).
.
Vertente épica: a valorização e o entusiasmo que anima a alma humana para
concretizar os seus sonhos, ideais elevados e com isso ascender ao patamar da
divindade e da imortalidade.
A coexistência dos
dois planos justifica-se pelo misto de epopeia e de lirismo que se encontra no
poema. «Para realizar a glorificação da Pátria, os Portugueses tiveram de
sofrer a dor e as privações, o preço a pagar pelos feitos sublimes que
praticaram
. Intertextualidade
com
o episódio do Velho do Restelo
Velho
do Restelo
|
“Mar
Português”
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. Referência à «dura inquietação d’alma».
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. «Se a alma não é pequena».
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. O choro das mães, esposas e filhos.
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. O choro das
mães, a reza dos filhos, as noivas que ficaram por casar.
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. A
consciência do perigo: o ambiente de dor e pessimismo provocado pela antecipação
dos perigos que os que vão embarcar enfrentarão.
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. A
consciência do perigo, causadora igualmente de dor e sofrimento, mas com
traços de otimismo: a dor é encarada como um meio necessário para alcançar o
sonho e a glória.
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. O sofrimento
é necessário para a realização de grandes feitos.
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. Idem.
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. Reflexo da
mentalidade renascentista, o episódio é crítico dos Descobrimentos.
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. O poema é, essencialmente,
laudatório.
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. O herói é mais humano e terreno.
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. O herói é mítico e lendário.
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. Linguagem e
recursos poético-estilísticos
1.
Nível fónico
.
Estrofes: duas sextilhas, o que se adapta á contraposição
dos aspetos desagradáveis (1.ª estrofe) e agradáveis (2.ª estrofe).
.
Métrica: alternância de versos
decassílabos e octossílabos, com alguma irregularidade.
. Rima:
‑ esquema rimático: aabbcc;
‑ emparelhada;
‑ aguda e grave;
‑ consoante;
‑ pobre e rica;
‑ as palavras
rimantes são, na maior parte, palavras-chave do poema: sal, Portugal, choraram, rezaram, Bojador, dor, céu, realçando-se,
com a posição em final de verso, a sua expressividade.
.
Ritmo: binário, largo, típico da meditação lírica.
.
Assonância: predomínio da vogal áspera ou forte /a/ (1.ª estrofe).
.
Alternância de sons fechados (ê, ô) e sons abertos (á, é).
.
Transporte: vv. 1-2, 5-6, 7-8, 9-10.
2.
Nível morfossintático
.
Verbos:
‑ pretérito perfeito:
evoca os acontecimentos trágicos e os sofrimentos do passado;
‑ presente: remete
para os valores intemporais como a bravura, a tenacidade, a coragem o espírito
de luta, o desejo de vencer, isto é, os valores que fazem os heróis;
‑ infinitivo pessoal «cruzarmos» exprime determinação e
persistência.
.
Pobreza de adjetivos, apenas dois:
«salgado» e «pequena».
.
Predominância de verbos e substantivos, como convém às
características do tema desenvolvido:
‑ «mar», «Bojador»:
as dificuldades, os perigos enfrentados pelos Portugueses para alcançarem a
glória;
‑ «sal»: símbolo do
sofrimento, das tragédias provocadas pelo mar;
‑ «lágrimas»: vide
1.ª estrofe;
‑ « céu»: é o símbolo
do sonho realizado, da glória, da recompensa que espera o homem que supera os
maiores perigos e sofrimentos e conquista o seu sonho; é o símbolo do prémio
supremo do herói: a imortalidade.
.
Anáfora e quantificadores:
«Quantos filhos», «Quantas noivas» ‑ realçam o número de vidas afetas pelas
desgraças causadas pelo domínio do mar.
.
Função emotiva, traduzida pelas exclamações.
.
As
três frases declarativas.
3.
Nível semântico
.
Apóstrofe e personificação
do «mar», tratado na 2.ª pessoa e responsável por todo o drama e sofrimento,
mas também proporcionador da glória.
.
Metáfora e hipérbole:
«Ó mar salgado, quanto do teu sal /
São lágrimas de Portugal», uma
síntese das desgraças que o mar causou.
.
Reiteração:
‑ dos quantificadores (vide);
‑ da forma verbal
«passar» (versos 9 e 10): realça a relação necessária entre a dor e o heroísmo.
.
Exclamações (1.ª estrofe): servem o tom épico-dramático
do poema e exprimem o que há de mais sagrado nas relações humanas: o amor
familiar, isto é, o sofrimento que custou a conquista do mar.
.
Interrogação «Valeu
a pena?»: chama a atenção para as contrapartidas que o destino reserva aos
navegadores e inicia o balanço ou a reflexão sobre a utilidade dos sacrifícios.
. Caráter aforístico dos versos 7-8,
9-10.
.
O sentido metafórico de alguns
vocábulos e expressões: «cruzarmos», «Bojador», «espelhou», «céu» (é o símbolo
do sonho realizado, da glória; se o mar é o local de todos os perigos e medos,
também é o espelho do céu, uma vez conquistado).
.
A antítese entre o lado trágico e o
glorioso dos Descobrimentos.
.
Os dois primeiros versos resumem a
história passada e presente do povo português e, consequentemente, exemplificam
a capacidade de síntese e aproveitamento das potencialidades expressivas das
palavras mais banais, processo característico de Fernando Pessoa.
(1) O Bojador,
cabo de difícil acesso situado na costa ocidental africana, terá sido dobrado
por Gil Eanes, em 1434, depois de numerosas (fala-se em cerca de 15) tentativas
anteriores. Tal dobragem significou um importante passo em frente nos
descobrimentos portugueses, já que esse cabo simbolizou, durante muito tempo, o
limite do conhecido, e a sul havia muitas riquezas à espera.
Muito bom !!!
ResponderEliminarExtremamente bom, parabéns pelo trabalho.
ResponderEliminarPARABENS GRANDE EXPLICAÇAO!!ABRAÇO
ResponderEliminardeu para chapar , Obrigado abraços
ResponderEliminarbrigadão ja deu pró 10
ResponderEliminarExcelente!! De tudo o que procurei na internet, esta informação foi a melhor. Objetiva e concreta e uma otima análise em todos os aspetos. Muito obrigada
ResponderEliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarMuito bom! Me ajudou muito com a lição de casa!
ResponderEliminarÓtimo deu para tirar 20! Muito bom! Obrigada
ResponderEliminarMuito bom!
ResponderEliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarAgradável de se ler 👌
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminar´Muito bom !
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