Português

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

"La Belle de Jour", Alceu Valença

Autárquicas 2017: o retrato de um professor em certas turmas.


Ação de formação: dificuldades de aprendizagem




Autárquicas 2017: com Narciso, a família sempre à frente! E o cão também...


Twin Peaks, 3.ª temporada


     Chegou ao fim. Haverá uma quarta? Provavelmente (espero!) não.

     O universo de Linch é assim: não há respostas , muito menos definitivas.

     O primeiro episódio da primeira temporada, há mais de vinte e cinco anos é uma obra-prima. A segunda temporada é, comparativamente, muito pior. Esta terceira... bem, há que dar tempo para digerir tudo o que se viu. Mas foi muito bom ter de regresso, durante 18 horas, Dale Cooper e companhia.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Calendário 2017-2018


Autárquicas 2017: a orca!


A transmissão do texto medieval

1. Introdução

            Na sua transmissão ao longo dos tempos, os textos sofreram alterações, mais ou menos profundas, pois, sendo diversos os intervenientes, maiores são as possibilidades de interpolações, supressões e correcções.
            O texto antigo era recitado oralmente e assim, transmitido de geração em geração, considerava-se pertença de toda a comunidade. Foi o que aconteceu com os poemas homéricos, as canções de gesta ou os romanceiros que atravessaram os séculos sem qualquer recurso à escrita.
            Até à descoberta da imprensa (1450), os textos eram escritos à mão e as cópias retrasladadas posteriormente. Mas esse processo de trasladação acarretava inúmeras consequências linguísticas, pois os novos copistas, por mais atentos e cuidadosos que fossem, alteravam o original, quer porque não compreendessem a letra, quer porque substituíam formas por outras mais modernas e actuais. Por outro lado, a edição do texto antigo foge ao controlo do autor, mesmo depois da descoberta da imprensa(1), ao contrário do que sucede actualmente, em que o autor acompanha e controla a edição em todas as suas fases.



2. Suportes da escrita

            Ao longo dos tempos o suporte material dos textos variou imenso, desde as antigas tabuinhas à moderna microficha.
            As palavras grega (biblos) e latina (liber) que significavam livro também designavam a casca das árvores onde por vezes se escrevia.
            A pedra é o suporte mais antigo da escrita, mas há outros igualmente antigos: a argila, utilizada na Mesopotâmia, o osso e o bronze, na China, as folhas de palmeira seca, na Índia, a ardósia, o tijolo, o marfim e diversos metais. Mas, de todos eles, os que se impuseram desde muito cedo foram o papiro, o pergaminho e o papel.
            O papiro cultivava-se nas margens do rio Nilo e dele faziam-se folhas que se colavam nas extremidades umas das outras, formando um rolo de 6 a 10 metros de comprimento, podendo mesmo atingir 20 a 40 metros. A dimensão das folhas era muito variada, mas o formato corrente permitia a disposição do texto em colunas verticais de 25 cm a 30 cm de altura, cada uma das quais com 25 a 45 linhas quase sempre escritas de um só lado, o recto. O livro apresentava-se, pois, sob a forma de rolo ou volumen: o umbilicus, ou vareta, colocado à esquerda dos textos ou, por vezes, em ambas as extremidades do papiro, servia para enrolar. Assim, o leitor pegava no volumen, desenrolava-o com uma mão e enrolava-o com a outra. Desta forma, cada consulta tornava-se bastante incómoda. Por outro lado, a fragilidade do próprio papiro e a sensibilidade à humidade, faziam com que ele se deteriorasse muito facilmente, e daí terem chegado até aos nossos dias tão poucos papiros.
            Estes inconvenientes, aliados a um embargo à exportação de papiro imposto ao rei de Pérgamo, Eumenes II (195–158 a.C.), pelos Ptolomeus do Egipto, estimularam o desenvolvimento e fabrico de um novo produto – o pergamineum: peles de animais (cabra, carneiro, bode, vitela, antílope, etc.) sofrem um tratamento de forma a constituir uma superfície polida apta a receber a escrita e tão resistente que podia ser raspada, como viria a suceder com os palimpsestos. Seja ou não lendária a invenção atribuída a Eumenes, a verdade é que Pérgamo se tornou, pelo século II a.C., um centro importante de fabricação desta matéria, daí a designação de pergaminho. Pelo século IV, o pergaminho torna-se o principal material de escrita na Europa, pois era muito mais resistente, recebia a escrita com maior facilidade e tinham um custo menor(2).
            Entre o século II e o IV assiste-se a uma autêntica revolução: o rolo desaparece progressivamente para dar lugar ao codex, que é, assim, o antepassado directo do livro. Isto é, o livro toma a forma que hoje lhe conhecemos.
            O codex possuía grandes vantagens sobre o rolo, ou volumen, pois podia conter uma maior quantidade de texto e era mais fácil de transportar e também de consultar, devido à numeração dos fólios.
            Mas, sensivelmente a partir do século XV, outro material ganha supremacia: o papel. Descoberto na China no ano 105 e generalizado o seu uso por volta do século V, foi mantido secreto durante vários séculos, tendo sido divulgado entre os Árabes após uma batalha travada em 751 entre Chineses e Árabes. Estes, por intermédio de alguns prisioneiros chineses, ficam a conhecer a fabricação do papel, espalhando-se por diversas regiões, desde Samarcanda (751) até Bagdad (793), Cairo (900), Marrocos (1100), Jativa, Espanha (1150), Fabrino, Itália (1270), Nuremberga, Alemanha (1370), Inglaterra (1494) e América (1690). Durante sete séculos foi monopólio chinês, tornando-se depois também monopólio dos Muçulmanos durante quase cinco séculos.
            O primeiro documento conhecido em papel é um breviário e missal moçárabes dos princípios do século XI. Em Portugal, os primeiros documentos que se conhecem escritos em papel são um, de 1268, escrito em latim, e outro, escrito em português, de 1288. No entanto, Santa Rosa Viterbo afirma no Elucidário que o papel já se utilizava em Portugal antes de 1231.



3. Papel do copista

            A tarefa da escrita era geralmente executada por monges no scriptorium, o local reservado à cópia e à encadernação dos manuscritos, apetrechado com os instrumentos e tintas necessários. Este trabalho durava, em média, seis horas por dia, tornando-se penoso e fatigante.
            Mas nesta tarefa entravam outros intervenientes: depois de concluído o caderno, ou grupo de quatro folhas, uma segunda pessoa, o corrector, que podia ser o próprio chefe do scriptorium, confrontava o texto com o original; em seguida o rubricador inseria as letras capitulares, os títulos, as epígrafes, servindo-se em geral da tinta vermelha (daí a sua designação). O iluminador poderia também intervir, dependendo da natureza do livro e/ou do seu destinatário. Por fim, era encadernado.
            Na cópia e embelezamento dos manuscritos utilizavam-se tintas de cores diversas: o preto, com numerosas variantes, era de uso geral; seguia-se o vermelho –  normalmente para as rubricas –, o azul e o dourado; com menos frequência, a púrpura, o amarelo e o verde. O ouro ou a prata usavam-se para os manuscritos de luxo.
            A conclusão desta tarefa era motivo de grande júbilo para o copista, manifestando-se através de um louvor à Virgem – a fórmula mais geral – ou então através de um pedido de recompensa material: detur pro penna scriptori pulchra puella; ludere scriptor eat; vinum scriptori debetur de meliori, etc.(3)
            Este trabalho, por ser longo, fatigante e moroso, e por exigir diversos intervenientes, transformava o livro numa raridade de alto valor, uma verdadeira fortuna, e, por isso, frequentemente, objecto de legados testamentários. António José Saraiva informa-nos que um código legal – obra simples e puramente utilitária –, em 1269, custava 50 maravedis, correspondentes hoje, aproximadamente, a 17 bois ou 50 porcos ou 200 carneiros. E só pelo empréstimo de cinco manuscritos de direito, por onde estudava, o escolar de Leis de Lisboa João Fernandes teve de pagar uma fiança, a 28 de Janeiro de 1466, de 30 000 reais brancos.
            Em Portugal, a cópia de manuscritos realizava-se geralmente nas instituições religiosas, como os Mosteiros do Lorvão, Santa Cruz de Coimbra e Alcobaça (deste último restam-nos 456 manuscritos, hoje presentes na Biblioteca Nacional de Lisboa, que se estendem desde a fundação do mosteiro – meados do século XII – até ao século XVIII).
            Outro aspecto a considerar é o facto de as cópias conterem, por vezes, erros. No entanto, a sua existência é perfeitamente compreensível, se atendermos às condições em que era executado o trabalho, tão moroso e cansativo que levava o copista a uma espécie de modorra que lhe entorpecia os membros, quebrava os rins e fatigava os olhos. Essa fadiga está bem documentada em certos manuscritos: algumas partes revelam erros cada vez mais numerosos que cessam de repente com a aparição de passagens correctas, escritas com outra pena ou outra tinta – é que, entretanto, o escriba tinha descansado.
            Muitos textos chegaram até nós alterados e modificados, porque o escriba da Idade Média não sentia o mesmo respeito pela palavra do autor como hoje. Por outro lado, os novos copistas, ou porque não compreendessem correctamente a escrita do modelo ou não entendessem o sentido de certas formas, por serem já arcaicos, vão alterar o texto, introduzindo-lhe formas contemporâneas. Mas a principal causa dos erros (involuntários, maioritariamente) tem a ver com a incapacidade do copista seguir com uma atenção firme e constante o texto que tinha diante, o que explica, por exemplo, a omissão de palavras ou frases ou a sua repetição, o salto de uma passagem, levado por uma palavra idêntica na linha ou nas linhas seguintes, a confusão entre palavras semelhantes ou de grafia próxima, etc.
            Falta de pontuação, erros de cópia, lacunas, inovações, corruptelas, abreviaturas, interpretações e a própria grafia, com separação de partes de um só vocábulo, ou junção de vocábulos diferentes num só conglomerado são os erros mais frequentes encontrados em textos medievais, uma grande parte dos quais tem origem na incompreensão do sentido do texto e, por conseguinte, na confusão entre certos grafemas bastante semelhantes na escrita (casos, por exemplo, de f e sfemina em vez de semina).
            Muitos erros podem também ter origem no desconhecimento de signas e abreviaturas (dito em vez de direito); outros na má separação das palavras (ou de em vez de onde, ou uir em vez de ouvir); outros ainda têm como causa a falta de conhecimentos linguísticos ou paleográficos (saluindoe em vez de as liuridoe), metade em vez de metudo).



(1) Era o impressor que fazia as correcções, que nem sempre correspondiam às do autor, alterava a pontuação e substituía palavras.
(2) Segundo McMurtrie, o pergaminho usava-se já «desde 500 a.C., mas não se tornou um grande rival do papiro popular senão alguns séculos depois». Ainda segundo o mesmo autor, a última aplicação do papiro foi numa «bula papal de 1022 da era cristã, muito tempo depois de o pergaminho se tornar o material vulgar da escrita e mesmo antes de o papel começar a generalizar-se na Europa».
(3) Esta profissão, privativa de monges, passou a ser desempenhada também por leigos, que ganhavam pelo número de letras ou linhas, sendo o pagamento calculado em pecia, que correspondia sensivelmente a duas folhas inteiras, ou quatro páginas, ou então dezasseis colunas com sessenta e duas linhas cada uma, comportando cada linha trinta e duas letras. Para os autores, «il n’y avait pas d’honoraires. Les éditeurs tiraient de l’argent de leurs œuvres. Les auteurs en recevaient gloire et renommée».

Os primórdios da poesia e da prosa em Portugal

Manuscrito das cantigas de amigo de Martín Codax

            A literatura portuguesa teve o seu início em manifestações poéticas, nos fins do séc. XII, com poemas líricos cantados por jograis – por isso designados cantigas –, em galego-português, língua falada no Norte de Portugal até ao séc. XIV. Estas cantigas eram normalmente acompanhadas por instrumentos musicais como o citolão, a tiorba e a viola de arco.
            Ao conjunto desses poemas primitivos que, embora escritos por poetas do sexo masculino, representavam ingenuamente sentimentos femininos, de donzelas sofrendo e chorando de saudade, lamentando a ausência do amado – então chamado “amigo” – ou preocupadas com a sua sorte na guerra contra os Mouros, ou então ansiosas por se encontrarem com ele na romaria ou no adro da igreja, deu-se o nome de cantigas de amigo. Estes sentimentos eram verbalizados perante uma amiga, a irmã (geralmente a mais velha, porque mais experiente), a própria mãe, ou o amado ausente; frequentemente, tais desabafos eram feitos também à Natureza (as aves, as flores, as fontes, o mar de Vigo). De facto, esta poesia, com muitas reminiscências pagãs, mas de índole cristã, manifesta uma assinalável propensão para associar a melancolia da alma ferida com a humanização da Natureza, características comuns a muita da antiga poesia celta.
            Convivendo, a partir do séc. XIII, com a poesia de inspiração provençal, as cantigas de amigo desenvolveram-se de um modo inesperado, dada a sua fácil aceitação por todas as camadas sociais. De entre as suas características formais destaque para o paralelismo, um artifício literário que caracterizou a antiga poesia hebraica, nomeadamente nos Salmos cantados na missa. Aí se terão inspirado provavelmente os nossos primeiros trovadores, criando o paralelismo sinónimo, genuinamente português, e colocando-o ao serviço do culto do amor, em linguagem popular, utilizando um vocabulário bastante exíguo. Para a sua divulgação contribuíram as soldadeiras, uma espécie de jogralesas que acompanhavam os jograis e os segréis, por vezes apenas acompanhadas de criadas para as servir
em, e deslocando-se de terra em terra e de corte em corte, onde cantavam e dançavam poemas alheios.
            A cantiga de amigo considerada a mais antiga é a “Cantiga da Ribeirinha”, conhecida também como “Cantiga da Garvaia”, escrita por Paio Soares de Taveirós, provavelmente no ano de 1189.

            Além do paralelismo, expresso na relação entre as duas estrofes, o refrão, ou estribilho, parece ter nascido de uma necessidade melancólica de repetição de um desejo ou de um pensamento angustiante, como sugere uma cantiga de D. Dinis, com o refrão “Ai! Deus, e hu é?”. A origem do refrão é atribuída à imitação das litanias (práticas litúrgicas da Igreja, envolvendo o canto dos Salmos, nomeadamente os que possuem refrão – 41- 42, por exemplo), pressupondo-se que as cantigas eram exibidas em coro, mas também pode ter surgido, de um modo natural, das actividades domésticas e profissionais, como o embalar de uma criança ou um descante ao som das mós do moinho.

            As cantigas de amor apareceram em Portugal, por influência francesa, da região da Provença, no século XIII. Enquanto as cantigas de amigo galego-portuguesas cantam o amor entre o poeta e uma donzela que ele corteja e com quem deseja vir a casar, nas cantigas de amor o poeta corteja uma senhora casada, cujo nome oculta, por razões óbvias, mas não morais, desejando apenas ter com ela amores ilícitos. A franqueza inocente e a sinceridade tímida das cantigas de amigo deram lugar a uma vassalagem sentimental alimentada por mentiras poéticas de índole sedutora, e falsa paixão, como denunciou D. Dinis na cantiga de mestria “Proençaes soen mui bem trobar”.

            Ainda no século XIII, surgiu um tipo de poesia satírica que tomou a designação de cantigas de escárnio e maldizer. Ninguém era poupado por este tipo de poesia. As cantigas de escárnio ridicularizavam pessoas de todas as classes sociais, troçando dos seus feitos, dos seus modos, das suas petulâncias; as de maldizer eram maliciosas, sendo muitas vezes ditadas por inveja ou vingança e fazendo uso por vezes de uma linguagem obscena.

            Toda essa poesia, chamada trovadoresca, escrita entre os séculos XII e XIV, está contida em três cancioneiros:
            – O Cancioneiro da Ajuda, compilado provavelmente em fins do século XIII, guardado na Biblioteca da Ajuda, cuja primeira edição crítica foi feita em 1904 por D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos, corrigida pela edição diplomática de 1941. Contém 467 poesias, quase todas reproduzidas nos outros cancioneiros.
            – O Cancioneiro da Vaticana é assim designado por pertencer à Biblioteca do Vaticano. Existe na Biblioteca Nacional uma reprodução fotocopiada do Cancioneiro. Contém 1205 poesias.
            – O Cancioneiro da Biblioteca Nacional, que antes pertenceu ao humanista italiano Ângelo Colocci, e depois ao conde Paulo António Brancutti, por isso designado por «Cancioneiro Colocci-Brancutti», foi comprado pelo governo português em 1924, encontrando-se na Biblioteca Nacional, de que deriva a sua actual designação. Contém 1647 poesias.


            O início da prosa literária em Portugal está intimamente relacionado com os cantares de gesta, ou «matéria da Bretanha», em textos compostos e traduzidos em português no fim do século XIII, contando histórias de cavalaria inspiradas em aventuras da Antiguidade Clássica, particularmente nas façanhas dos cavaleiros do tempo de Alexandre Magno, ou aventuras relacionadas com o imperador Carlos Magno e os seus Doze Pares, e aventuras inspiradas no romance arturiano, do ciclo bretão, em que se incluem a Demanda do Santo Graal, o livro de José de Arimateia e o Amadis de Gaula.
            A fase mais rica da prosa portuguesa surgiu depois da morte de D. Dinis, com seu filho natural, D. Pedro, conde de Barcelos, organizador e principal redactor dos «livros de linhagens» e da Crónica Geral de Espanha de 1344.

            O desenvolvimento da prosa continuou na área da hagiografia e da literatura espiritualista e moralista, com destaque para a Regra de São Bento, a Vida de Santo Aleixo, o Orto do Esposo e a Visão de Túndalo, e da historiografia, culminando em Fernão Lopes, Gomes Eanes de Zurara, Rui de Pina e outros cronistas.
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