Português: Os primórdios da poesia e da prosa em Portugal

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Os primórdios da poesia e da prosa em Portugal

Manuscrito das cantigas de amigo de Martín Codax

            A literatura portuguesa teve o seu início em manifestações poéticas, nos fins do séc. XII, com poemas líricos cantados por jograis – por isso designados cantigas –, em galego-português, língua falada no Norte de Portugal até ao séc. XIV. Estas cantigas eram normalmente acompanhadas por instrumentos musicais como o citolão, a tiorba e a viola de arco.
            Ao conjunto desses poemas primitivos que, embora escritos por poetas do sexo masculino, representavam ingenuamente sentimentos femininos, de donzelas sofrendo e chorando de saudade, lamentando a ausência do amado – então chamado “amigo” – ou preocupadas com a sua sorte na guerra contra os Mouros, ou então ansiosas por se encontrarem com ele na romaria ou no adro da igreja, deu-se o nome de cantigas de amigo. Estes sentimentos eram verbalizados perante uma amiga, a irmã (geralmente a mais velha, porque mais experiente), a própria mãe, ou o amado ausente; frequentemente, tais desabafos eram feitos também à Natureza (as aves, as flores, as fontes, o mar de Vigo). De facto, esta poesia, com muitas reminiscências pagãs, mas de índole cristã, manifesta uma assinalável propensão para associar a melancolia da alma ferida com a humanização da Natureza, características comuns a muita da antiga poesia celta.
            Convivendo, a partir do séc. XIII, com a poesia de inspiração provençal, as cantigas de amigo desenvolveram-se de um modo inesperado, dada a sua fácil aceitação por todas as camadas sociais. De entre as suas características formais destaque para o paralelismo, um artifício literário que caracterizou a antiga poesia hebraica, nomeadamente nos Salmos cantados na missa. Aí se terão inspirado provavelmente os nossos primeiros trovadores, criando o paralelismo sinónimo, genuinamente português, e colocando-o ao serviço do culto do amor, em linguagem popular, utilizando um vocabulário bastante exíguo. Para a sua divulgação contribuíram as soldadeiras, uma espécie de jogralesas que acompanhavam os jograis e os segréis, por vezes apenas acompanhadas de criadas para as servir
em, e deslocando-se de terra em terra e de corte em corte, onde cantavam e dançavam poemas alheios.
            A cantiga de amigo considerada a mais antiga é a “Cantiga da Ribeirinha”, conhecida também como “Cantiga da Garvaia”, escrita por Paio Soares de Taveirós, provavelmente no ano de 1189.

            Além do paralelismo, expresso na relação entre as duas estrofes, o refrão, ou estribilho, parece ter nascido de uma necessidade melancólica de repetição de um desejo ou de um pensamento angustiante, como sugere uma cantiga de D. Dinis, com o refrão “Ai! Deus, e hu é?”. A origem do refrão é atribuída à imitação das litanias (práticas litúrgicas da Igreja, envolvendo o canto dos Salmos, nomeadamente os que possuem refrão – 41- 42, por exemplo), pressupondo-se que as cantigas eram exibidas em coro, mas também pode ter surgido, de um modo natural, das actividades domésticas e profissionais, como o embalar de uma criança ou um descante ao som das mós do moinho.

            As cantigas de amor apareceram em Portugal, por influência francesa, da região da Provença, no século XIII. Enquanto as cantigas de amigo galego-portuguesas cantam o amor entre o poeta e uma donzela que ele corteja e com quem deseja vir a casar, nas cantigas de amor o poeta corteja uma senhora casada, cujo nome oculta, por razões óbvias, mas não morais, desejando apenas ter com ela amores ilícitos. A franqueza inocente e a sinceridade tímida das cantigas de amigo deram lugar a uma vassalagem sentimental alimentada por mentiras poéticas de índole sedutora, e falsa paixão, como denunciou D. Dinis na cantiga de mestria “Proençaes soen mui bem trobar”.

            Ainda no século XIII, surgiu um tipo de poesia satírica que tomou a designação de cantigas de escárnio e maldizer. Ninguém era poupado por este tipo de poesia. As cantigas de escárnio ridicularizavam pessoas de todas as classes sociais, troçando dos seus feitos, dos seus modos, das suas petulâncias; as de maldizer eram maliciosas, sendo muitas vezes ditadas por inveja ou vingança e fazendo uso por vezes de uma linguagem obscena.

            Toda essa poesia, chamada trovadoresca, escrita entre os séculos XII e XIV, está contida em três cancioneiros:
            – O Cancioneiro da Ajuda, compilado provavelmente em fins do século XIII, guardado na Biblioteca da Ajuda, cuja primeira edição crítica foi feita em 1904 por D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos, corrigida pela edição diplomática de 1941. Contém 467 poesias, quase todas reproduzidas nos outros cancioneiros.
            – O Cancioneiro da Vaticana é assim designado por pertencer à Biblioteca do Vaticano. Existe na Biblioteca Nacional uma reprodução fotocopiada do Cancioneiro. Contém 1205 poesias.
            – O Cancioneiro da Biblioteca Nacional, que antes pertenceu ao humanista italiano Ângelo Colocci, e depois ao conde Paulo António Brancutti, por isso designado por «Cancioneiro Colocci-Brancutti», foi comprado pelo governo português em 1924, encontrando-se na Biblioteca Nacional, de que deriva a sua actual designação. Contém 1647 poesias.


            O início da prosa literária em Portugal está intimamente relacionado com os cantares de gesta, ou «matéria da Bretanha», em textos compostos e traduzidos em português no fim do século XIII, contando histórias de cavalaria inspiradas em aventuras da Antiguidade Clássica, particularmente nas façanhas dos cavaleiros do tempo de Alexandre Magno, ou aventuras relacionadas com o imperador Carlos Magno e os seus Doze Pares, e aventuras inspiradas no romance arturiano, do ciclo bretão, em que se incluem a Demanda do Santo Graal, o livro de José de Arimateia e o Amadis de Gaula.
            A fase mais rica da prosa portuguesa surgiu depois da morte de D. Dinis, com seu filho natural, D. Pedro, conde de Barcelos, organizador e principal redactor dos «livros de linhagens» e da Crónica Geral de Espanha de 1344.

            O desenvolvimento da prosa continuou na área da hagiografia e da literatura espiritualista e moralista, com destaque para a Regra de São Bento, a Vida de Santo Aleixo, o Orto do Esposo e a Visão de Túndalo, e da historiografia, culminando em Fernão Lopes, Gomes Eanes de Zurara, Rui de Pina e outros cronistas.

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