Manuscrito das cantigas de amigo de Martín Codax |
A
literatura portuguesa teve o seu início em manifestações poéticas,
nos fins do séc. XII, com poemas líricos cantados por jograis – por isso
designados cantigas –, em galego-português,
língua falada no Norte de Portugal até ao séc. XIV. Estas cantigas eram normalmente
acompanhadas por instrumentos musicais como o citolão, a tiorba e a viola de
arco.
Ao
conjunto desses poemas primitivos que, embora escritos por poetas do sexo masculino,
representavam ingenuamente sentimentos femininos, de donzelas sofrendo e chorando
de saudade, lamentando a ausência do amado – então chamado “amigo” – ou
preocupadas com a sua sorte na guerra contra os Mouros, ou então ansiosas por
se encontrarem com ele na romaria ou no adro da igreja, deu-se o nome de cantigas de amigo. Estes sentimentos eram
verbalizados perante uma amiga, a irmã (geralmente a mais velha, porque mais
experiente), a própria mãe, ou o amado ausente; frequentemente, tais desabafos
eram feitos também à Natureza (as aves, as flores, as fontes, o mar de Vigo).
De facto, esta poesia, com muitas reminiscências pagãs, mas de índole cristã,
manifesta uma assinalável propensão para associar a melancolia da alma ferida
com a humanização da Natureza, características comuns a muita da antiga poesia
celta.
Convivendo,
a partir do séc. XIII, com a poesia de inspiração provençal, as cantigas de
amigo desenvolveram-se de um modo inesperado, dada a sua fácil aceitação por
todas as camadas sociais. De entre as suas características formais destaque
para o paralelismo, um artifício literário que caracterizou a antiga
poesia hebraica, nomeadamente nos Salmos cantados na missa. Aí se terão
inspirado provavelmente os nossos primeiros trovadores, criando o paralelismo
sinónimo, genuinamente português, e colocando-o ao serviço do culto do amor, em
linguagem popular, utilizando um vocabulário bastante exíguo. Para a sua divulgação
contribuíram as soldadeiras, uma espécie de jogralesas que acompanhavam os
jograis e os segréis, por vezes apenas acompanhadas de criadas para as servir
em, e deslocando-se de terra em
terra e de corte em corte, onde cantavam e dançavam poemas alheios.
A
cantiga de amigo considerada a mais antiga é a “Cantiga da Ribeirinha”,
conhecida também como “Cantiga da Garvaia”, escrita por Paio Soares de Taveirós,
provavelmente no ano de 1189.
Além
do paralelismo, expresso na relação entre as duas estrofes, o refrão, ou estribilho,
parece ter nascido de uma necessidade melancólica de repetição de um desejo ou
de um pensamento angustiante, como sugere uma cantiga de D. Dinis, com o refrão
“Ai!
Deus, e hu é?”. A origem do refrão é atribuída à imitação das litanias
(práticas litúrgicas da Igreja, envolvendo o canto dos Salmos, nomeadamente os
que possuem refrão – 41- 42, por exemplo), pressupondo-se que as cantigas eram
exibidas em coro, mas também pode ter surgido, de um modo natural, das
actividades domésticas e profissionais, como o embalar de uma criança ou um
descante ao som das mós do moinho.
As
cantigas de amor apareceram em Portugal, por influência francesa, da
região da Provença, no século XIII. Enquanto as cantigas de amigo
galego-portuguesas cantam o amor entre o poeta e uma donzela que ele corteja e
com quem deseja vir a casar, nas cantigas de amor o poeta corteja uma senhora
casada, cujo nome oculta, por razões óbvias, mas não morais, desejando apenas
ter com ela amores ilícitos. A franqueza inocente e a sinceridade tímida das
cantigas de amigo deram lugar a uma vassalagem sentimental alimentada por mentiras
poéticas de índole sedutora, e falsa paixão, como denunciou D. Dinis na cantiga
de mestria “Proençaes soen mui bem trobar”.
Ainda
no século XIII, surgiu um tipo de poesia satírica que tomou a designação
de cantigas de escárnio e maldizer. Ninguém era poupado por este tipo de
poesia. As cantigas de escárnio ridicularizavam pessoas de todas as classes
sociais, troçando dos seus feitos, dos seus modos, das suas petulâncias; as de
maldizer eram maliciosas, sendo muitas vezes ditadas por inveja ou vingança e
fazendo uso por vezes de uma linguagem obscena.
Toda
essa poesia, chamada trovadoresca, escrita entre os séculos XII e XIV,
está contida em três cancioneiros:
–
O Cancioneiro da Ajuda, compilado provavelmente em fins do século XIII,
guardado na Biblioteca da Ajuda, cuja primeira edição crítica foi feita em 1904
por D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos, corrigida pela edição diplomática de
1941. Contém 467 poesias, quase todas reproduzidas nos outros cancioneiros.
–
O Cancioneiro da Vaticana é assim designado por pertencer à Biblioteca
do Vaticano. Existe na Biblioteca Nacional uma reprodução fotocopiada do
Cancioneiro. Contém 1205 poesias.
–
O Cancioneiro da Biblioteca Nacional, que antes pertenceu ao humanista
italiano Ângelo Colocci, e depois ao conde Paulo António Brancutti, por isso
designado por «Cancioneiro Colocci-Brancutti», foi comprado pelo governo
português em 1924, encontrando-se na Biblioteca Nacional, de que deriva a sua
actual designação. Contém 1647 poesias.
O
início da prosa literária em Portugal
está intimamente relacionado com os cantares de gesta, ou «matéria da
Bretanha», em textos compostos e traduzidos em português no fim do século XIII,
contando histórias de cavalaria inspiradas em aventuras da Antiguidade
Clássica, particularmente nas façanhas dos cavaleiros do tempo de Alexandre
Magno, ou aventuras relacionadas com o imperador Carlos Magno e os seus Doze
Pares, e aventuras inspiradas no romance arturiano, do ciclo bretão, em que se
incluem a Demanda do Santo Graal, o livro de José de Arimateia e
o Amadis de Gaula.
A
fase mais rica da prosa portuguesa surgiu depois da morte de D. Dinis, com seu
filho natural, D. Pedro, conde de Barcelos, organizador e principal redactor
dos «livros de linhagens» e da Crónica Geral de Espanha de 1344.
O
desenvolvimento da prosa continuou na área da hagiografia e da
literatura espiritualista e moralista, com destaque para a Regra
de São Bento, a Vida de Santo Aleixo, o Orto do Esposo e a Visão
de Túndalo, e da historiografia, culminando em Fernão Lopes, Gomes
Eanes de Zurara, Rui de Pina e outros cronistas.
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