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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Análise de "Aquela cativa"


Assunto: o sujeito lírico exalta a beleza exótica de Bárbara, uma escrava cativa que o cativara, apresentando um retrato mais psicológico do que físico que se desenvolve mediante vários contrastes: cativa/cativadora; pretidão/brancura da neve; Bárbara/delicada.
 
 
Tema: exaltação da beleza feminina de Bárbara, através do seu retrato.
 
 
Estrutura interna
 
1.ª parte (v. 1-vv. 4) – Apresentação de Bárbara.
 
2.ª parte (vv. 5-28) – Retrato físico de Bárbara.
 
3.ª parte (vv. 29-36) – Retrato psicológico de Bárbara.
 
4.ª parte (vv. 37-40) – Retoma da apresentação de Bárbara, mais próxima emocionalmente.
 
 
Retrato de Bárbara

 

 
Retrato do sujeito poético
 
            O sujeito poético está apaixonado por Bárbara, como se pode constatar ao longo da composição poética, pela hiperbolização das qualidades da mulher amada: ela é a mais virtuosa, a mais bela, é única/não tem par. De igual modo, os versos iniciais deixam claro o amor do «eu» pela figura feminina: “Aquela cativa / que me tem cativo”. Este trocadilho explica-se da seguinte forma: Bárbara é «cativa» porque é escrava; ele é «cativo» porque se encontra aprisionado pelo seu amor. Apesar de, socialmente, o «eu» ser superior, em termos amorosos, ela subjuga-o.
            Por outro lado, a mulher exerce efeitos no «eu»: amor (vv. 1-4); fascínio (vv. 5-8); tranquilidade (v. 14); refreio da dor (vv. 33-36). A metáfora do verso 34 («tormenta») sugere que Bárbara lhe dá felicidade, faz com que seja feliz e com que se esqueça de penas e sofrimentos.
 
 
NOTAS
 
1. Constata-se, a partir do retrato elaborado, que Camões não é escravo de nenhuma "moda" literária e que a sua vivência afetiva irrompe, de forma exuberante e doce, na sua produção poética. Fisicamente, apresenta-nos uma mulher caracterizada pela singularidade, pela estranheza e pelo exotismo.
 
2. Tal como noutras poemas de Camões (por exemplo, “Pastora da serra”), a mulher exerce uma grande influência no ambiente circundante: “tão doce a figura, que a neve lhe jura / que trocara a cor”, “Presença serena / que a tormenta amansa”.
 
3. Em síntese, podemos afirmar que da imagem de Bárbara se desprende um quadro de serenidade e doçura, conseguido através da sua caracterização física e psicológica:

® a suavidade da sua beleza (vv. 5-8);

® a singularidade do rosto e o sossego do olhar (vv. 13-16);

® a sua doce figura que suscita na neve o desejo de mudar de cor (vv. 25-28);

® a mansidão, a alegria e a sensatez (vv. 29-30);

® a serenidade da sua presença bonançosa que refreia a dor e tranquiliza o sujeito.

 
4. Trata-se de um amor insólito que torna o sujeito poético cativo de uma mulher cativa por uma lei social.
 
5. O retrato, que trabalha características físicas como os olhos, o rosto, os cabelos, a figura, e psicológicas, evidencia a beleza da mulher através de várias analogias: é a rosa, são as flores e as estrelas.
 
6. Os quatro versos iniciais e os quatro últimos são praticamente idênticos, evidenciando a construção em círculo do poema e o carácter obsessivo da relação amorosa que se estabelece entre o sujeito poético e Bárbara.
 
 
Tipo de mulher retratada no poema
 
            O retrato físico de Bárbara é escasso: bela como a rosa, como as flores, como as estrelas; "rosto singular" (exótico), "olhos e cabelos pretos". Mais acentuado, embora também impreciso, é o retrato moral/espiritual: "olhos sossegados" (notar como os olhos a caracterizam física e moralmente) e "cansados mas não de matar" (ou seja, não se tratada de uma mulher fatal), "uma graça viva" (notar o determinante indefinido a sugerir a subtileza dessa graça), "senhora" (em contraste com cativa), "doce figura, leda mansidão que o siso acompanha", "estranha, / Mas bárbara não" (ou seja, exótica, mas não de costumes bárbaros – notar o uso do adjetivo bárbara, jogando com o nome próprio Bárbara), "presença serena", "cativa" que aqui tem sobretudo valor de adjetivo, o que se nota no trocadilho: "Esta é a cativa" – "que me tem cativo").

            Esta figura de mulher oriental, exótica, indefinida, quase inefável, surge-nos assim num retrato em que todo o sortilégio vem de qualidades espirituais: "doce figura", "presença serena", "leda mansidão". Note-se que estas qualidades sugerem um porte senhorial, em oposição à sua condição de escrava ("parece estranha, mas bárbara não").

            Não obstante o retrato de Bárbara, marcadamente espiritual, se revista de qualidades que se enquadram dentro do tipo da mulher petrarquista, no entanto, a cor dos olhos e dos cabelos (preta) está longe de pertencer ao tipo da mulher petrarquista – Laura. Na verdade, contra as convenções do petrarquismo, que via na mulher loira a formosura ideal, Camões canta uma beleza oriental, indígena, atribuindo-lhe, todavia, um porte senhorial, o que a distancia menos da mulher cantada por Petrarca (Laura).

            Bárbara aparece como mulher clássica, perfeita, inacessível, mulher deusa: "Ua graça viva / que neles lhes mora, / mera ser senhora / de que é cativa".

 
 
Linguagem e recursos estilísticos

 
            Relativamente ao nível fónico, estamos na presença de um poema constituído por cinco oitavas em versos de redondilha menor, com rima interpolada e emparelhada (ABBACDDC), consoante ("cativo" / "vivo"), grave ("cativa" / "viva") e aguda ("singular" / "matar"), rica ("cativa" / "viva") e pobre ("molhos" / "olhos"). O ritmo é ligeiro, próprio da redondilha menor. Há vários casos de transporte, como, por exemplo, do verso 1 para o 2, do 3 para o 4, do 5 para o 6, etc. Refira-se também a aliteração em v (“cativa”, “cativo”, “vivo” e “viva”), que intensifica a ideia de que a vida do sujeito poético depende da mulher (“cativa”) por quem se apaixonou.
 
            Quanto aos aspetos morfossintáticos, o poeta usa o trocadilho e os jogos de palavras (cativa / cativo e vivo / viva, na 1.ª e na última estrofes) para salientar a atração exercida por Bárbara sobre o sujeito poético e, por outro lado, para sugerir que Bárbara é, socialmente, uma escrava de um senhor que, por sua vez, é cativo/escravo de amor por ela.

            A adjetivação caracterizante do rosto ("rosto singular") e dos olhos ("olhos sossegados, pretos e cansados") apresenta Bárbara como uma mulher exótica, de olhos moderadamente românticos, mas sem serem fatais ("... mas não de matar"). A adjetivação em geral realça as características físicas e psicológicas de Bárbara: os seus traços psicológicos são típicos da mulher petrarquista, mas fisicamente afasta-se desse modelo.

            O retrato psicológico é também conseguido pela enumeração de nomes abstratos.

            O determinante indefinido "ua" realça a graça indefinível e misteriosa desta mulher, graça essa vincada pela forma verbal mora, de aspeto durativo. A mudança do determinante demonstrativos aquela (v. 1) para esta (v. 37) traduz uma ideia de aproximação sentimental entre o sujeito poético e a mulher amada.

            O aumentativo Pretidão exprime a intensidade da cor e, simultaneamente, intensifica o afeto que liga o sujeito à escrava.

 
            Ao nível semântico, são vários os recursos que exaltam a beleza de Bárbara. É o caso da comparação: o sujeito poético compara a mulher com a Natureza (rosa, flores, estrelas), ou seja, a sua beleza supera a dos elementos naturais (hipérbole). O paradoxo "senhora de quem é cativa" salienta que, através da sedução, Bárbara se tornou senhora / dona do seu senhor, ideia confirmada no trocadilho: "Esta é a cativa / Que me tem cativo".

            A antítese (versos 19 e 20) entre a posição de dependência (cativa) e a superioridade na relação amorosa – senhora  ¹  cativa – aponta para a relação feudal da cantiga de amor. Por outro lado, destaca o facto de, sendo escrava, se comportar como uma senhora. Outras antíteses se encontram no poema para realçar a beleza de Bárbara: a beleza dos cabelos pretos suplanta a dos louros; a sua pretidão é mais bela que a brancura da neve; parece estranha (= exótica) mas não bárbara (= não civilizada, selvagem – trocadilho entre este adjetivo bárbara e o nome próprio Bárbara); a sua presença serena acalma a tormenta e o sofrimento (pena) do sujeito.

            Outras figuras de estilo que realçam a beleza singular da mulher são a personificação ("que a neve lhe jura / Que trocara a cor"); as metáforas ("Eu nunca vi rosa"; "Nem no campo flores / Nem no céu estrelas"; "Presença serena / Que a tormenta amansa"; "tão doce a figura") e a hipérbole ("que a neve lhe jura / Que trocara a cor"; "Presença serena / Que a tormenta amansa").

            Referência por último para as construções negativas: "Eu nunca vi rosa / Nem no campo flores, / Nem no céu estrelas".

 
 
Influências
 
Petrarca:

-» idealização da mulher amada, valorizando a sua beleza espiritual, psicológico- moral, e exprimindo o seu fascínio;

-» as características psicológicas e morais da mulher.

 
Vivência pessoal: apresentação de um retrato físico de uma mulher exótica, oriental.
 
Cantiga de amor:

- atitude de vassalagem amorosa do sujeito face à mulher;

- o amor platónico;

- a imagem da mulher ideal, perfeita e divinizada.

 
 
Desenvolvimento: endecha ® composição poética de fundo melancólico, constituída por quadras ou oitavas, utilizando versos de 5 ou 6 sílabas, proveniente do Cancioneiro Geral.
 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Análise do poema "Aniversário"

          Poema lido em aula mais por recreação do que por razões de leccionação...
          Nas duas estrofes iniciais, o sujeito poético caracteriza o seu passado da infância como um tempo feliz, de alegria partilhada pela família e de inocência e despreocupação. De facto, nesse período dourado que foi a infância, simbolizada pelo seu aniversário («No tempo em que festejavam o dia dos meus anos»), ele era feliz, inocente ("a saúde de não perceber coisa nenhuma" - v. 6) e inconsciente ("não ter as esperanças que os outros tinham por mim" - v. 8), era admirado pelos que o rodeavam ("De ser inteligente para entre a família" - v. 7) e que depositavam na sua pessoa grandes esperanças (v. 8). Era, ainda, amado ("O que fui de amarem-me..." - v. 14) e, no dia do seu aniversário, era especialmente bem tratado pela família, que se reunia para o celebrar (vv. 32 a 34). Em suma, as razões dessa felicidade passam pelo facto de se encontrar rodeado de toda a família, de conviver com rotinas que lhe davam segurança e certezas e de todos estarem alegres. De notar que o tempo verbal predominante nestas estrofes é o pretérito imperfeito do modo indicativo ("festejavam", "era", "tinha", etc.), que remete para um tempo passado duradouro - a infância.

          A terceira estrofe levanta a questão: o que foi o sujeito poético? E a resposta não se faz esperar: foi aquilo que ele mesmo supunha ser e foi amado (vv. 11 a 14). O verso 5 desta estrofe revela-nos um «eu» aflito e espantado: "O que fui - ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui..." (v. 15). Ou seja, na infância era feliz, mas não sabia que o era; só agora, no presente, em que já não possui a inocência e a inconsciência desse tempo, sabe que foi (feliz). Neste passo, já não é o pretério imperfeito que domina, mas o pretérito perfeito, que revela uma época passada concluída.

          Na quarta estrofe, «saltamos» para o presente, tempo em que a felicidade foi substituída pela dor ("e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas" - v. 21). Mais: presentemente, o «eu» sente-se abandonado, tal como sucedeu à casa da sua infância, que foi vendida e surge abandonada, cheia de humidade nas paredes, ideias transmitidas pela comparação do verso 19 e pelas metáforas que se lhe seguem. A metáfora do verso 24 traduz a frieza que caracteriza o sujeito poético na actualidade, o tempo que já passou e não regressa. Em síntese, o presente é um tempo de dor, de abandono, de ausência, de solidão, de perda, de não retorno.

          Perante a constatação do seu presente amargo e doloroso, na 5.ª estrofe o sujeito exprime um desejo: o de regressar à infância ("Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez" - v. 27), de a recuperar, ou seja, de recuperar a alegria e a felicidade então experimentadas, de forma ansiosa e voraz ("Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!" - v. 30 - realce para a comparação e a metáfora). Porém, esse desejo é impossível de concretizar.

          Esse desejo de regressar é tão forte que, na estrofe seguinte, a memória que o sujeito poético tem do passado acaba por se sobrepor ao presente (a expressão "Vejo tudo outra vez com uma nitidez..." - v. 31 - traduz, exactamente, essa presentificação do passado da infância). E ele (re)vê os objectos, as pessoas e as circunstâncias que o representam e à felicidade: a mesa posta, os objectos do aparador, a família, a sua centralidade nesse tempo ("e tudo era por minha causa" - v. 34).

          No entanto, a partir do verso 36 o «eu» retoma o seu presente rogando ao coração (apóstrofe e metonímia de si próprio) que pare, que deixe de pensar. É o retorno da dor de pensar que tanto atormentara o ortónimo, a dor de ser inconsciente e incapaz de sentir ("Pára, meu coração! / Não penses! Deixa o pensar na cabeça." - vv. 36-37). Ou seja, ele toma consciência de que é impossível recuperar a infância, que se encontra irremediavelmente perdida, e de apenas lhe resta o presente de abandono, solidão e vazio. O pensamento põe, assim, fim ao desejo de regressar à infância, sonho que viveu por instantes mas logo foi interrompido pela sua racionalidade. Daí a tripla invocação à figura de Deus, plena de dramatismo e desespero, ao constatar essa impossibilidade de retorno: "Hoje já não faço anos." (v. 39).
          Qual será, então, o seu futuro? O seu futuro será a velhice ("Serei velho quando o for." - v. 42). Até lá, restam-lhe o tédio e a abulia traduzidos pelas formas verbais "duro" e "somam-se-me", que destacam a forma como o «eu» desistiu de viver, limitando-se a a existir, vendo os dias passar. Por tudo isto, de facto, já não faz qualquer sentido festejar o seu aniversário. E a penúltima estrofe encerra com nova metáfora ("Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!..." - v. 44) que confirma que o desejo de recuperar o tempo da infância ou de a presentificar / trazer para o presente é impossível de concretizar. Por outro lado, como tantas vezes nos acontece na vida, o sujeito poético só toma consciência do valor do que perdeu quando já é tarde demais: "Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças. / Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida."  - vv. 9-10; "... o que só hoje seu que fui..." - v. 15. É, afinal, um sentimento de impotência, de raiva incontida que brota nesse instante em que toma consciência da perda definitiva.

          A última estrofe do poema - um monóstico exclamativo - coloca-nos perante um sujeito poético marcado pela nostalgia, pela saudade e pela tristeza, em forma de lamento pela perda. Por outro lado, é possível identificar uma circularidade no poema, que abre e finaliza com versos muito semelhantes, que marca o desejo de reviver o passado.

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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Análise de "Descalça vai pera a fonte"


Classificação
 
Vilancete     - mote de três versos

- duas voltas de sete versos (sétimas)

- métrica: redondilha maior (7 sílabas métricas)

 
• O vilancete é uma forma poética musical composta a partir de um mote curto (constituído por 2 ou 3 versos), tradicional, geralmente alheio, que introduz o tema. De início, este mote era tirado de uma canção popular-vilã e a ele cabia, em exclusivo, a designação de vilancete, que depois passou a atribuir-se a todo o poema. A seguir ao mote existem as voltas ou glosas, compostas por sete versos (sétimas), que desenvolvem o tema introduzido pelo mote. A glosa divide-se, por sua vez, em cabeça (os primeiros 4 versos) e cauda (os restantes 3). O último verso da cabeça rima com o primeiro da cauda, fazendo assim a ligação entre ambos; os dois últimos versos da cauda rimam com os dois últimos versos do mote, e o último deste é, no vilancete perfeito, integralmente repetido no último verso da cauda.
 
 
Tema: a mulher / a beleza feminina – o retrato da mulher amada e idealizada.
 
 
Estrutura interna
 

v  Mote (tese) – Apresentação de Leanor:

localização espacial: a caminho da fonte (ambiente bucólico e rural);

tempo; primavera (a “verdura”) – presente;

caracterização da figura retratada:

nomeação/identificação: Leanor;

social:

- pobre / do povo (“Descalça”);

- atividade doméstica: ida à fonte;

▪ física: formosa / bela;

▪ psicológica:

- insegura (“não segura”)

- ansiosa

posição do sujeito poético: observador da figura feminina.

 
v  Voltas (confirmação da tese) – Desenvolvimento:

• da caracterização física:

▪ pele branca – “mãos de prata” – metáfora

▪ formosa – “fermosa” – adjetivação expressiva

▪ cabelo louro – “cabelos de ouro” – metáfora

▪ muito bela – “tão linda que o mundo espanta” – hipérbole + oração subordinada adverbial consecutiva

▪ graciosa – “chove nela graça tanta” – metáfora + trocadilho

vestuário:

- “cinta de fina escarlata” – vermelho alegria, paixão, sensualidade

- “sainho de chamalote” – diminutivo carinho

- “vasquinha de cote, / mais branca que a neve pura“ – comparação + hipérbolebranco pureza

- “a touca”

- “o trançado”

- “fita”

cores

- vermelho alegria, sensualidade, paixão

- branco pureza

- louro dos cabelos

▪ elementos do quotidiano de trabalho de Leanor

- o pote

- o testo

 
efeitos da sua beleza física:

▪ espanta o mundo

▪ dá graça à formosura

 
• da caracterização psicológica:

▪ insegura e ansiosa

▪ apaixonada

▪ causas da insegurança:

- caminhar com o pote na cabeça > insegurança (desequilíbrio) > encontro com o amigo?

- a beleza (ser ou não ser apreciada)?

- o encontro com o namorado (faltará ou marcará presença?)

- os seus sentimentos?

 
 
Estrutura narrativa do poema
 
*      Espaço: ambiente campestre, rural, bucólico (“verdura”, “fonte”).

 
*      Tempo: presente – momento em que o sujeito observa a mulher.

 
*      Ação: ida à fonte – “vai para a fonte”.

 
*      Personagem: Leanor.

 
 
Forma
 
• Métrica: redondilha maior (versos de 7 sílabas métricas) – medida velha.
 
Rima:
- esquema rimático: ABB / CDCCBB
- emparelhada e interpolada
- consoante (“verdura”/”segura”)
- rica (“verdura”/”segura”) e pobre (“prata”/”escarlata”
- grave ou feminina (“verdura”/”segura”)
 
 
Recursos expressivos

 
Nomes:

- fonte: ambiente rural e campestre; local de cumprimento de uma tarefa doméstica; possível local de encontro amoroso;

- verdura: ambiente rural e bucólico;

- neve: a pureza e tom de pele claro de Leanor;

- ouro, prata: metais preciosos que sugerem o tom de pele claro e os cabelos louros de Leanor, bem como a sua preciosidade.

 
Verbo “chover”, com valor transitivo e sentido hiperbólico: a graça de Leanor era tão evidente e abundante como a chuva.
 
Advérbios de intensidade “tanto” e “tão”: intensificam a beleza física de Leanor.
 
Personificação: “tão linda que o mundo espanta”.
 
Diminutivos – “sainho” e “vasquinha”: sugerem o carinho e a simpatia do sujeito pela mulher, bem como o seu encantamento face à sua beleza e graciosidade.
 
Trocadilho: “Chove nela graça tanta / Que dá graça à fermosura”.
 
Aliteração em /v/.
 
• Alternância de sons abertos (ó, á), sugestivos de vitalidade, fechadas (ô, u) e nasais (on, na).
 
Transporte: vv. 1-2, 15-16.
 
• Associação de cores (o vermelho do vestuário, o branco da pele e o louro dos cabelos) para sugerir a alegria, a pureza e a perfeição de Leanor, respetivamente.
 
• As peças de vestuário e os objetos que transporta, cuja graciosidade o sujeito poético pretende transferir para a mulher.
 
 
Retrato de Leanor – síntese
 
Social:
- do povo
- pobre – descalça
- cumpre tarefas domésticas
 
Físico:
- jovem
- bela
- pele branca
- cabelo louro
 
Psicológico:
- pura
- insegura
- ansiosa
 
Ideal de mulher petrarquista
 
 
Influências - Intertextualidade
 
Ø  Petrarca (inovações renascentistas):
- caracterização física (a pele branca, o cabelo louro…) e psicológica da mulher (a pureza, a castidade;
- caracterização predominantemente psicológica e só aparentemente física.
 
Ø  A utilização do trocadilho, da hipérbole e do jogo de conceitos e ambiguidades, como recursos do engenho poético (também existentes na endecha "Aquela cativa"), coloca, em certa medida, Camões como precursor da poesia cultista e conceptista do século XVII.

 


domingo, 21 de fevereiro de 2021

Análise da "Ode Triunfal" (3.ª parte)

 Forma
 
         O poema é composto por estrofes de extensão variada (vv. 4, 10, 11, 17, etc.) e por versos em que não existe uma regularidade métrica (vv. 23, 6, 16, 24, etc.). Esta irregularidade sugere a exaltação (aparentemente) descontroladora do «eu» lírico e a ideia de que uma nova realidade pede um novo tipo de poesia que seja menos presa à regularidade.

 
Rutura com a lírica tradicional
 
1. Formal:

- irregularidade estrófica, métrica e rítmica;

- uso excessivo de coordenação, em detrimento da subordinação;

- catadupa de recursos expressivos (onomatopeias ousadas, apóstrofes e enumerações exageradas…);

- predomínio de vocabulário técnico, destituído de valor poético.

 
2.▪Conteúdo:

- uso de palavras completamente prosaicas (comuns ou vulgares);

- o canto excessivo da civilização industrial, encarada como matéria épica;

- a ousadia de mencionar os aspetos negativos da sociedade.

 
 
Influências
 

A “Ode” evidencia a presença do futurismo de Marinetti: Campos canta as máquinas, os motores, a velocidade, a civilização mecânica e industrial…

 
Futurismo:

- Movimento italiano de início do século XX (Marinetti);

- Rutura com a vida e a arte do “passado” (a perspetiva aristotélica);

- Criação de uma nova estética para um novo mundo;

- Celebração da modernidade industrial e urbana;

- Culto da máquina e da velocidade;

- Fruição do mundo moderno (ligação ao Sensacionismo de Pessoa), feita através das sensações.4

 
. Em Portugal, o Futurismo é uma das facetas do Modernismo. Derivou do Futurismo de Marinetti, cujo primeiro manifesto saiu no jornal Figaro em 22 de novembro de 1909.

. Tem um cariz agressivo e escandaloso e propõe-se cortar com o passado, exprimindo em arte o dinamismo da vida moderna.

. Desponta, em Portugal como um escândalo, tal como desejado pelos seus iniciadores (Almada Negreiros e Santa-Rita Pintor), apelidados de «malucos» e «loucos» pelos jornais.

. Os textos distinguem-se por uma enorme quantidade de frases exclamativas, de invetivas e de insultos, com o intuito de desmistificar, demolir, acabar com os hábitos culturais esclerosados e retrógrados: criar a pátria portuguesa do século XX (segundo Almada).

 
Por outro lado, o poema evidencia também a presença do sensacionismo de Walt Whitman: Campos canta a civilização moderna industrial, mas, mais do que os objetos – as máquinas, os motores, etc. ‑, o que ele busca são as sensações que lhe despertam, num desejo de sentir tudo de todas as maneiras.
 
Por outro lado, em diversos momentos sente-se a presença do Pessoa ortónimo: a sua inteligência torturada (a denúncia do lado da civilização moderna), a referência à infância…
 
 
Linguagem e estilo
 
A tendência para humanizar as máquinas: “Grandes trópicos humanos de ferro, fogo e forças”; “E há Platão e Virgílio dentro das máquinas”, etc.
 
O uso da ironia, sobretudo para traduzir a face negativa da civilização industrial:

- "escrocs exageradamente bem vestidos": além da ironia, note-se a presença da antítese entre a compostura exterior (o vestuário) dos escrocs e as suas intenções;

- "Chefes de família vagamente felizes": neste caso, o advérbio «vagamente» projeta o cansaço (de viver?) sobre a felicidade dos chefes de família;

- "Banalidade interessante (...) / Das burguesinhas (...) / Que andam na rua com um fim qualquer": notar novamente a presença da antítese, agora entre o aspeto exterior das «burguesinhas» (diminutivo irónico) e as suas obscuras intenções;

- "A maravilhosa beleza das corrupções políticas, / Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos": a adjetivação antitética assume o valor de oximoro.

 
A antítese:

- "tudo o que passa e nunca passa": traduz a concentração do passado no presente, ou a continuidade dos acontecimentos diários;

- "O ruído cruel e delicioso da civilização de hoje": traduz os sentimentos contraditórios do sujeito poético em relação à civilização industrial.

 
Metáforas e imagens:

- "Arde-me a cabeça de vos querer cantar";

- "Grandes trópicos humanos de ferro, fogo e força" (aliteração em «f»);

- "Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável";

- "Nos cafés, oásis de inutilidade ruidosas";

- "Quilhas de chapa de ferro sorrindo".

   Estes recursos estilísticos, nos exemplos apresentados, evidenciam a forma como o sujeito poético vibra com a modernidade, com a civilização industrial (com a fúria do movimento das máquinas, com a excessiva quantidade de carvão...).

 
O ritmo do poema é torrencial, feroz, vivo, onde surgem em catadupa as diferentes realidades captadas pro um «eu» em plena histeria de sensações.
 
Onomatopeias (“r-r-r-r-r-r-r eterno”).
 
Apóstrofes (“Ó rodas, ó engrenagens”).
 
Aliterações: “Rugindo, rangendo […] ferreando”.
 
Empréstimos: «jockey».
 
Grafismos inovadores (“Hup-lá, hup-lá, hup-lá-ô, hup-lá”; “Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!”).
 
Diferentes registos de língua, nomeadamente o recurso ao calão: «putas».
 


Análise da "Ode Triunfal"

     . Apresentação.


Análise da "Ode Triunfal" (2.ª parte)

     
Fusão de todos os tempos no Momento presente:
 
O Instante presente é a congregação de todos os tempos o presente é o resultado dos esforços científicos passados e catalisadores dos feitos futuros ‑ “E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes elétricas / Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão, / E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta, / Átomos que hão ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem, / Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes…” (vv. 19-23).
 
O tempo é um contínuo, e a civilização, um acumular de saberes e experiências que atravessam o tempo como uma herança. A máquina de hoje é o resultado de outras invenções do passado: “Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro, / Porque o presente é todo o passado e todo o futuro” (vv. 17-18); “E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes elétricas / Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão” (vv. 19-20).
 
As referências a Platão, Virgílio, Alexandre Magno e Ésquilo – figuras que representam o passado – constituem referências a um passado que permitiu a realidade atual e continuarão a impulsionar as inovações futuras. A menção a essas figuras concorre, assim, para explicitar a relação entre as diversas eras, valorizando em cada momento os grandes feitos.
 
Ao contrário de outros futuristas, como Marinetti, que rejeitavam todo o tempo que não o futuro, que defendiam o apagamento do passado e do presente em relação ao futuro, que seria «tudo», Campos funde as três eras num só momento, o atual, que, contudo, só poderá fazer sentido se se apoiar no passado e entrevisto em função do futuro: “Eia todo o passado dentro do presente! / Eia todo o futuro já dentro de nós!” (vv. 90-91). De facto, o presente só é possível porque está alicerçado no passado, na base do qual se apoia a construção do futuro, ou seja, passado e futuro ganham significação no presente, no Momento (“todo o passado dentro do presente”; “todo o futuro já dentro de nós” – vv. 222-223).
 
 
Identificação com as máquinas
 
O sujeito poético procura identificar-se com as máquinas, identificação essa que se traduz num “amor” desesperado (“Como eu vos amo… Com os olhos e com os ouvidos e com o olfato / E com o tato… / E com a inteligência…” – vv. 86-91).
 
Esta identificação com as máquinas traduz uma atitude sensacionista de ser tudo de todas as maneiras do sujeito poético, pois quer sentir tudo e identificar-se com tudo, procurando daí obter o máximo de sensações possível. Ele quer penetrar tudo, ser penetrado por tudo (“Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!”).
 
 
Perceção do real pelo sujeito poético
 
O sujeito poético perceciona o real baseado no excesso de sensações: “(…) excesso / De expressão de todas as minhas sensações” (vv. 12-13):

- visuais:

. forma: “Ó rodas, ó engrenagens (…)”;

. luminosidade: “À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica” (v. 1);

- cinéticas: “Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes” (v. 23);

- táteis: “Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.”;

- auditivas: “(…) r-r-r-r-r-r-r- eterno.” (v. 5);

- gustativas: “Tenho os lábios secos (…)” (v. 10);

- olfativas: “A todos os perfumes de óleos e calores e carvão” (v. 31).

 
Comparando com o real de Caeiro, em Campos a Natureza é substituída pela visão do mundo moderno e “supercivilizado” (“Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical”, “Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável”), com o qual o sujeito poético estabelece uma ligação estranha, eufórica e exaltada, caracterizado também por um erotismo frenético e doentio (“Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.”; “Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto, / Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento / A todos os perfumes de óleos e calores e carvões”).
 
A visão excessiva e intensa do real provoca no sujeito poético um estado de quase alucinação marcadamente erótico que começa a desenhar-se na segunda estrofe (“Em fúria fora e dentro de mim” – v. 7), intensifica-se na terceira e atinge o clímax na última, conferindo, assim, ao texto a sua faceta provocatória e escandalosamente futurista.
 
 
A temática da infância
 
      Entre os versos 181 e 189, numa estrofe parentética, Álvaro de Campos retoma um tema comum ao ortónimo e aos heterónimos - a infância -, que surge mais uma vez como a idade perfeita, um espaço de liberdade, de não-pensamento, de felicidade, no que se opõe ao presente. Nos versos citados, a infância surge representada por diversos elementos: a nora, o quintal, a casa, os pinheiros, o burro - animal significativo que representa a ausência de pensamento / racionalidade.
 
 
Denúncia do lado negativo da civilização industrial
 
O «eu» exalta tudo o que simboliza a modernidade e a era industrial, o que inclui os seus aspetos negativos: “Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto, / Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo, / Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?” (vv. 207-210).
 

Assim, ele denuncia:

. a desumanidade;

. a corrupção;

. a mentira;

. a imoralidade e a perversidade;

. a pobreza e a miséria;

. a falta de higiene;

. a hipocrisia;

. os falhanços da técnica (desastres, naufrágios, desabamentos…);

. a prostituição de menores e a pedofilia;

. a guerra;

. Campos chega mesma a prever o fim / a substituição da civilização industrial (vv. 204-206).
 
O sujeito poético menciona também os vários tipos sociais e personagens que caracterizam a era industrial: comerciantes, vadios, “escrocs”, aristocratas, “esquálidas figuras dúbias”, “chefes de família”, “cocotes”, “burguesinhas”, “pederastas”, “gente elegante que passeia”, “caixeiros-viajantes”. Ele revela, assim, o interesse por todas as realidades que o rodeiam.
 
 
Último verso do poema
 
O «eu» exprime o seu desejo de ser múltiplo (“toda a gente”) e omnipresente (“toda a parte” – sentir tudo de todas as maneiras e identificar-se com tudo. Esta seria a única maneira de fruir totalmente a maravilha do seu tempo.
 
O verso sintetiza a atitude de deslumbramento em relação às realidades cantadas e com as quais se deseja fundir.
 
Por outro lado, constitui o reconhecimento da sua impossibilidade, o que leva o «eu» poético a denunciar a sua frustração, acabando por concluir o poema na mesma situação em que o iniciou: apenas como observador e cantor épico de uma realidade que lhe é exterior.
 
 
Retrato do sujeito poético
 
O sujeito poético canta e exalta o progresso, a vida moderna, as máquinas, de forma entusiástica, eufórica, apaixonada e arrebatada.
 
Mostra-se, igualmente, espantado de novidade, louco de emoção, tudo devido à forma maravilhosa e entusiástica como “observa” o esplendor do progresso e da modernidade, que ama desesperada e pervertidamente.
 
Em simultâneo, revela dor, sofrimento e um estado febril – tem os lábios secos, arde-lhe a cabeça, está em delírio e em fúria, agitado interiormente – esta fúria também é psicológica, uma vez que corresponde à sua agitação interior (“Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos” – v. 10; “E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso” – v. 12; “Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical” – v. 15).
 
Além disso, revela ansiedade, angústia e inquietação, pois escreve “À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica” (v. 1), o que sugere um canto em sofrimento e num estado de doença (“Tenho febre e escrevo” – v. 2).
 
Causas desse estado de espírito:

- os “excessos” do ambiente em que se encontra inserido (vv. 12-13);

- os movimentos “em fúria” e os “ruídos” ouvidos “demasiadamente perto” das máquinas.

 
É um sensacionista que pretende sentir tudo de todas as maneiras e identificar-se com tudo (pessoas, máquinas, tempos), num misto de volúpia e vertigem, numa histeria de sensações que passa pela identificação com tudo: “Ah!, poder exprimir-me todo como um motor se exprime! / Ser completo como uma máquina!”; “Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto…”.
 
No entanto, o «eu» da “Ode Triunfal” também critica os aspetos negativos da civilização moderna industrial, mesmo identificando-se com ela.
 
Além disso, revela a sua descrença, o seu desencanto e o seu pessimismo e evoca, com nostalgia e saudade, a infância.
 

Análise da "Ode Triunfal"

     . Apresentação.


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