● Assunto: o sujeito lírico
exalta a beleza exótica de Bárbara, uma escrava cativa que o cativara,
apresentando um retrato mais psicológico do que físico que se desenvolve
mediante vários contrastes: cativa/cativadora; pretidão/brancura da neve;
Bárbara/delicada.
● Tema: exaltação da beleza feminina de Bárbara, através do
seu retrato.
● Estrutura interna
• 1.ª parte (v. 1-vv. 4) – Apresentação de Bárbara.
• 2.ª parte (vv. 5-28) – Retrato físico de Bárbara.
• 3.ª parte (vv. 29-36) – Retrato psicológico de Bárbara.
• 4.ª parte (vv. 37-40) –
Retoma da apresentação de Bárbara, mais próxima emocionalmente.
● Retrato de Bárbara
● Retrato do sujeito
poético
O
sujeito poético está apaixonado por Bárbara, como se pode constatar ao
longo da composição poética, pela hiperbolização das qualidades da mulher
amada: ela é a mais virtuosa, a mais bela, é única/não tem par.
De igual modo, os versos iniciais deixam claro o amor do «eu» pela figura
feminina: “Aquela cativa / que me tem cativo”. Este trocadilho
explica-se da seguinte forma: Bárbara é «cativa» porque é escrava; ele é
«cativo» porque se encontra aprisionado pelo seu amor. Apesar de, socialmente, o
«eu» ser superior, em termos amorosos, ela subjuga-o.
Por
outro lado, a mulher exerce efeitos no «eu»: amor (vv. 1-4); fascínio
(vv. 5-8); tranquilidade (v. 14); refreio da dor (vv. 33-36). A metáfora
do verso 34 («tormenta») sugere que Bárbara lhe dá felicidade, faz com que seja
feliz e com que se esqueça de penas e sofrimentos.
1. Constata-se, a partir do retrato elaborado, que
Camões não é escravo de nenhuma "moda" literária e que a sua vivência
afetiva irrompe, de forma exuberante e doce, na sua produção poética.
Fisicamente, apresenta-nos uma mulher caracterizada pela singularidade,
pela estranheza e pelo exotismo.
2.
Tal como noutras poemas de Camões (por exemplo, “Pastora da serra”), a mulher
exerce uma grande influência no ambiente circundante: “tão doce a
figura, que a neve lhe jura / que trocara a cor”, “Presença serena / que a
tormenta amansa”.
3. Em síntese, podemos afirmar que da imagem de
Bárbara se desprende um quadro de serenidade
e doçura, conseguido através da sua
caracterização física e psicológica:
® a suavidade da sua beleza (vv. 5-8);
® a singularidade do rosto e o sossego do olhar
(vv. 13-16);
® a sua doce figura que suscita na neve o desejo
de mudar de cor (vv. 25-28);
® a mansidão, a alegria e a sensatez (vv. 29-30);
® a serenidade da sua presença bonançosa que
refreia a dor e tranquiliza o sujeito.
4. Trata-se de um amor insólito que torna o
sujeito poético cativo de uma mulher cativa por uma lei social.
5. O retrato, que trabalha características físicas
como os olhos, o rosto, os cabelos, a figura, e psicológicas, evidencia a
beleza da mulher através de várias analogias: é a rosa, são as flores e as estrelas.
6. Os quatro versos iniciais e os quatro últimos
são praticamente idênticos, evidenciando a construção em círculo do poema e o
carácter obsessivo da relação amorosa que se estabelece entre o sujeito poético
e Bárbara.
● Tipo de mulher
retratada no poema
O
retrato físico de Bárbara é escasso: bela
como a rosa, como as flores, como as estrelas; "rosto
singular" (exótico), "olhos
e cabelos pretos". Mais acentuado, embora também impreciso, é o
retrato moral/espiritual: "olhos sossegados"
(notar como os olhos a caracterizam física e moralmente) e "cansados mas não de matar" (ou seja, não se tratada de uma mulher
fatal), "uma graça
viva" (notar o determinante indefinido a sugerir a subtileza dessa
graça), "senhora" (em
contraste com cativa), "doce figura,
leda mansidão que o siso acompanha", "estranha, /
Mas bárbara não" (ou seja,
exótica, mas não de costumes bárbaros – notar o uso do adjetivo bárbara, jogando com o nome próprio Bárbara), "presença serena",
"cativa" que aqui tem
sobretudo valor de adjetivo, o que se nota no trocadilho: "Esta é
a cativa" – "que me tem cativo").
Esta
figura de mulher
oriental, exótica, indefinida, quase inefável, surge-nos
assim num retrato em que todo o sortilégio vem de qualidades espirituais:
"doce figura", "presença serena", "leda
mansidão". Note-se que estas qualidades sugerem um porte senhorial,
em oposição à sua condição de escrava ("parece estranha, mas
bárbara não").
Não
obstante o retrato de Bárbara, marcadamente espiritual, se revista de
qualidades que se enquadram dentro do tipo da mulher
petrarquista, no entanto, a cor dos olhos e dos cabelos (preta) está
longe de pertencer ao tipo da mulher petrarquista – Laura. Na verdade, contra
as convenções do petrarquismo, que via na mulher loira a formosura ideal,
Camões canta uma beleza oriental, indígena, atribuindo-lhe, todavia, um porte
senhorial, o que a distancia menos da mulher cantada por Petrarca (Laura).
Bárbara
aparece como mulher clássica, perfeita, inacessível,
mulher deusa: "Ua graça viva / que
neles lhes mora, / mera ser senhora / de que é cativa".
● Linguagem e recursos
estilísticos
Relativamente
ao nível fónico, estamos na presença de um
poema constituído por cinco oitavas
em versos de redondilha menor, com rima interpolada e emparelhada
(ABBACDDC), consoante
("cativo" / "vivo"), grave
("cativa" / "viva") e aguda
("singular" / "matar"), rica
("cativa" / "viva") e pobre
("molhos" / "olhos"). O ritmo é ligeiro, próprio da redondilha menor. Há vários casos de transporte, como, por exemplo, do verso
1 para o 2, do 3 para o 4, do 5 para o 6, etc. Refira-se também a aliteração em v (“cativa”, “cativo”, “vivo” e “viva”), que intensifica a ideia de
que a vida do sujeito poético depende da mulher (“cativa”) por quem se
apaixonou.
Quanto
aos aspetos morfossintáticos, o poeta usa
o trocadilho e os jogos de palavras (cativa / cativo e vivo / viva,
na 1.ª e na última estrofes) para salientar a atração exercida por Bárbara
sobre o sujeito poético e, por outro lado, para sugerir que Bárbara é, socialmente,
uma escrava de um senhor que, por sua vez, é cativo/escravo de amor por ela.
A
adjetivação caracterizante do rosto
("rosto singular") e dos
olhos ("olhos sossegados, pretos
e cansados") apresenta Bárbara
como uma mulher exótica, de olhos moderadamente românticos, mas sem serem
fatais ("... mas não de matar"). A adjetivação em geral realça as
características físicas e psicológicas de Bárbara: os seus traços psicológicos
são típicos da mulher petrarquista, mas fisicamente afasta-se desse modelo.
O
retrato psicológico é também conseguido pela enumeração de nomes abstratos.
O
determinante indefinido
"ua" realça a graça indefinível e misteriosa desta mulher, graça essa
vincada pela forma verbal mora, de aspeto durativo. A mudança do determinante demonstrativos aquela (v. 1) para esta (v.
37) traduz uma ideia de aproximação sentimental entre o sujeito poético e a
mulher amada.
O
aumentativo Pretidão exprime a intensidade da cor e, simultaneamente,
intensifica o afeto que liga o sujeito à escrava.
Ao
nível semântico, são vários os recursos
que exaltam a beleza de Bárbara. É o caso da comparação: o sujeito poético compara a mulher com a Natureza (rosa,
flores, estrelas), ou seja, a sua beleza supera a dos elementos naturais (hipérbole). O paradoxo "senhora de quem é cativa" salienta que, através
da sedução, Bárbara se tornou senhora / dona do seu senhor, ideia confirmada no
trocadilho: "Esta é a cativa /
Que me tem cativo".
A
antítese (versos 19 e 20) entre a
posição de dependência (cativa) e a superioridade na relação amorosa –
senhora ¹ cativa –
aponta para a relação feudal da cantiga de amor. Por outro lado, destaca o
facto de, sendo escrava, se comportar como uma senhora. Outras antíteses se encontram no poema para
realçar a beleza de Bárbara: a beleza dos cabelos pretos suplanta a dos louros;
a sua pretidão é mais bela que a brancura da neve; parece estranha
(= exótica) mas não bárbara (= não civilizada, selvagem – trocadilho entre este adjetivo bárbara e o nome próprio Bárbara); a sua presença serena
acalma a tormenta e o sofrimento (pena) do sujeito.
Outras
figuras de estilo que realçam a beleza singular da mulher são a personificação ("que a neve lhe jura / Que trocara a cor"); as metáforas ("Eu nunca vi rosa";
"Nem no campo flores / Nem no
céu estrelas"; "Presença
serena / Que a tormenta amansa";
"tão doce a figura") e a hipérbole ("que a neve lhe jura / Que trocara a cor";
"Presença serena / Que a tormenta
amansa").
Referência
por último para as construções negativas:
"Eu nunca vi rosa / Nem no campo flores, / Nem no céu
estrelas".
● Influências
▪ Petrarca:
-» idealização da mulher amada, valorizando
a sua beleza espiritual, psicológico- moral, e exprimindo o seu fascínio;
-» as características psicológicas e
morais da mulher.
▪ Vivência
pessoal: apresentação de um retrato físico de uma mulher exótica,
oriental.
▪ Cantiga de
amor:
- atitude de vassalagem amorosa do
sujeito face à mulher;
- o amor platónico;
- a imagem da mulher ideal, perfeita
e divinizada.
● Desenvolvimento: endecha ® composição poética de fundo melancólico, constituída
por quadras ou oitavas, utilizando versos de 5 ou 6 sílabas, proveniente do Cancioneiro
Geral.
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