Português

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Análise da Cena 1 do Ato II de Frei Luís de Sousa


 
Assunto: informações sobre o que se passou depois do incêndio do palácio de Manuel de Sousa (estendem-se até à cena 3).
 
 
Assuntos abordados no diálogo das personagens

tempo decorrido desde a mudança para o palácio de D. João: aproximadamente uma semana;

assuntos:

- a reação de D. Madalena ao incêndio, à destruição do retrato do marido e à mudança de palácio: estado doentio de angústia e sociedade (“Há oito dias que aqui estamos nesta casa, e é a primeira noite que dorme com sossego.”);

- a alteração da perspetiva de Telmo sobre Manuel de Sousa, considerando-o agora “um português às direitas”;

- a delicadeza da situação política provocada pelo incêndio (“Meu nobre pai! (…) Passar os dias retirado nessa quinta tão triste d’além do Alfeite, e não poder vir aqui senão de noite, por instantes, e Deus sabe com que perigo!”);

- a contemplação e o significado dos retratos;

- os pressentimentos (relativamente à identidade da figura representada no terceiro retrato) e o sebastianismo de Maria (e de Telmo);

- a forma enigmática como a cena termina revela que Maria pressente a verdade, ou parte dela, relativamente à história de D. João de Portugal (“Mas o outro, o outro… quem é este outro, Telmo? […] e aquela mão que descansa na espada, como quem não tem outro arrimo, nem outro amor nesta vida…”.


 
Estrutura interna

1.ª parte – Reações das personagens ao incêndio e à mudança de palácio.
 
Maria de Noronha:

- determinada / autoritária: “E não teimes, Telmo, que fiz tenção, e acabou-se!”;

- possuidora de grande sensibilidade e imaginação, citando a propósito a Menina e Moça;

- filha desvelada, pois revela grande preocupação em não acordar a mãe e procura animá-la, não a afligir, fingindo que não acredita em agouros (no entanto, nunca teve tanta fé em «agouros» e «sinas»);

- admiradora entusiasta de feitos grandiosos e espetaculares (ex.: a forma fascinada como recorda o incêndio);

- muito convicta numa desgraça iminente;

- ama e admira imenso o pai (por exemplo, considera que o incêndio foi um gesto patriótico, por isso o admira tanto);

- curiosa, intuitiva e crente em profecias e agouros: Maria sabia já que o retrato era de D. João, o primeiro marido de sua mãe, dada a reação desta aquando da primeira entrada na sala onde se encontrava pendurado;

- sebastianista e obcecada com o passado, características evidenciadas na contemplação dos retratos, sobretudo o de D. João:

. culto de D. Sebastião e crença nas lendas messiânicas sobre o seu retorno, apoiada pela presença do retrato real, de que Maria realça pormenores significativos;

. culto de Camões, poeta-profeta “que lia nos mistérios de Deus” e que “está no céu. Que o céu fez-se para os bons e para os infelizes”;

- pressente a existência de uma relação entre a figura de D. João e a sua mãe e o seu pai;

-reação aos retratos:

. fascínio pelo retrato de D. Sebastião, por causa da sua crença no regresso do rei e dos valores que ele representa;

. fascínio pelo retrato de Camões, cuja figura simboliza para ela o aventureiro, amigo de Telmo, autor de Os Lusíadas, dedicados a D. Sebastião, a quem profetizou o cometimento de grandes feitos;

. curiosidade pelo retrato de D. João de Portugal, suscitada pelo comportamento da mãe na noite em que entraram no palácio e nos dias seguintes.

 
D. Madalena:

- aterrorizada, inquieta, doente, cheia de pesadelos com o incêndio, sobretudo porque não foi possível salvar o retrato do marido, em cuja destruição vê “um prognóstico fatal de outra perda maior (…) de alguma desgraça inesperada, mas certa, que a tem de separar” de Manuel, isto é, de que uma tragédia se abaterá sobre a família;

- por este motivo, aumentou a sua inquietação, de tal forma que não conseguiu dormir nos primeiros oito dias de residência no antigo palácio de D. João;

- liga o incêndio à perda do seu marido, de que a destruição do retrato é prognóstico fatal;

- “perdida de susto”, grita quando, na primeira noite de permanência no palácio de D. João, avista o retrato deste, fugindo depois e arrastando Maria;

- mais calma após uma conversa com Frei Jorge.
 

Nesta cena, há uma inversão de papéis entre mãe e filha relativamente aos presságios de desgraça. De facto, no Ato I, D. Madalena, apesar de viver aterrorizada pelos seus medos e pelos agouros de Telmo, procurava passar a ideia de que não acreditava em presságios, para tranquilizar a filha. No entanto, no início deste ato, os papéis invertem-se: o terror e o pânico de D. Madalena quando entra no palácio de D. João impedem-na de manter a aparência de tranquilidade que assumira perante a filha. Agora, é esta quem assume o papel de adulta, fingindo não acreditar em crenças e agouros para tranquilizar a mãe.

 
Telmo Pais:

- aterrorizado com as palavras e agouros de Maria;

- o incêndio alterou a sua posição em relação a Manuel de Sousa: antes, admitia as suas qualidades, mas não o admirava; agora, admira-o, dado que este seu último ato se ficou a dever:
. ao seu patriotismo;
. à lealdade;
. à honradez;
antes, Telmo reconhecia algumas qualidades em Manuel de Sousa, mas não o considerava seu amo, porque, na sua opinião, ele usurpava o lugar que pertencia a D. João. Por isso, Telmo atormentava continuamente D. Madalena com os seus agouros e presságios, que apontavam para o regresso do seu primeiro marido, que voltaria para castigar uma família que considerava ilegítima. Todavia, neste momento, Telmo está aterrorizado com a hipótese de que algo aconteça que ponha em causa a existência da família. Com efeito, o incêndio fá-lo mudar a sua opinião relativamente a Manuel de Sousa: o escudeiro apercebe-se de que o segundo marido de D. Madalena tem “alma de português velho”, ou seja, de que, à semelhança do que acontecia com os portugueses das gerações anteriores, é um homem patriota, honrado e corajoso, que abdica dos seus bens para mostrar a sua revolta contra um governo que considera ilegítimo, por estar ao serviço de Castela. Deste modo, Telmo mostra-se profundamente arrependido por não ter dado anteriormente o devido valor a Manuel de Sousa;

- lastima não o ter estimado “sempre no que ele valia”;

- evita revelar a Maria a quem pertence o retrato de D. João, daí as suas hesitações e omissões (esta postura justifica-se, porque, na cena 2 do Ato I, prometeu a D. Madalena não alimentar as crenças de Maria e evitar que descobrisse informações sobre o passado);

- fica também fascinado diante do retrato de D. João I.

 
2.ª parte – Contemplação dos retratos, símbolos do sebastianismo e da obsessão pelo passado das duas personagens em cena.
 
Retrato de D. Manuel (recordação de antes do incêndio no outro palácio): “… ele estava tão gentil-homem, vestido de cavaleiro de Malta com a sua cruz branca no peito…” (“Como ele era bonito, meu pai! Como lhe ficava bem o preto… e aquela cruz tão alva em cima!”, I, 4 preto e cruz são sinais de luto e morte, respetivamente) significado: intuição do malogro do casamento dos pais.
 
Retrato de D. Sebastião significado: a grandeza de Portugal e a recusa de um presente de submissão; a intuição de que D. Sebastião poderá regressar [aqui o rei é uma personagem dupla (D. Sebastião – D. João), ou seja, a esperança da restauração da grandeza perdida de Portugal; o sebastianismo de Maria traduz a crença intuitiva no regresso do primeiro marido de D. Madalena, sua mãe]. Essa crença adensa a atmosfera trágica, dado que, se o rei não morreu, D. João poderá ter conhecido o mesmo destino.
 
Retrato de D. João: “Aquele aspeto tão triste, aquela expressão de melancolia tão profunda… aquelas barbas tão negras e cerradas…” significado: intuição de que ninguém amara D. João, nem mesmo a esposa, sua mãe. Maria mostra grande curiosidade e pressente que se trata de alguém muito importante na vida da sua mãe.
 
Retrato (romântico e lendário) de Camões: o herói aventureiro, representante do ideal de poeta e guerreiro; génio incompreendido e desprezado pelos «grandes» do seu tempo, cantor da epopeia do povo português e da glória de D. Sebastião, a quem incita ao combate contra os inimigos da Fé, amigo e companheiro de Telmo, “nessa terra de prodígios e bizarrias”. Esta imagem coaduna-se com a do poeta romântico, que era apresentado como um indivíduo em permanente conflito com uma sociedade que não o valorizava.
Telmo afirma tê-lo conhecido pessoalmente e critica os nobres que, tendo sido contados n’Os Lusíadas, não souberam agradecer-lhe e reconhecer a obra, pois morreu na miséria.
Por outro lado, o retrato de Camões evidencia a ligação de D. João e de D. Sebastião a uma época passada de glória, que foi cantada pelo poeta na sua epopeia e que contrasta com o presente, em que Portugal perdeu a sua independência e se encontra sob domínio castelhano.
 
Didascália final da cena: anuncia a chegada/entrada em cena de Manuel de Sousa, que surge “embuçado com o chapéu”, isto é, disfarçado. Manuel de Sousa, após o incêndio do próprio palácio, escondera-se e assim estivera nos últimos oito dias, até que a fúria dos governadores se acalmasse. A afronta que o incêndio constituíra faz com que tenha de regressar a casa disfarçada e de forma oculta.

A partir de uma fala de Telmo (“Já o estava, se ele quisesse dizer que o fogo tinha pegado por acaso.”), ficamos a saber que Manuel, se tivesse mentido, dizendo que o incêndio se ateara acidentalmente, poderia ser ilibado mais rapidamente, porém essa atitude levaria a que o seu ato patriótico perdesse grandeza (“… era desculpar com a vilania de uma mentira o generoso crime por que o perseguem”).

 
 
Elementos trágicos
 
A presença do fatum.
 
Pathos de D. Madalena:

- crença em agouros/presságios:

. de D. Madalena: “… não lhe sai da cabeça que a perda do retrato é prognóstico fatal de outra perda maior, que está perto, de alguma desgraça inesperada, mas certa, que a tem de separar de meu pai”;

. de Maria:

- a referência à Menina e Moça, uma novela sentimental trágica;

- “Creio, oh, se creio! Que são avisos que Deus nos manda para nos preparar. E há… oh! há grande desgraça a cair sobre meu pai… decerto! E sobre minha mãe também, que é o mesmo.”;

- “Mas tenho cá uma coisa que me diz que aquela tristeza de minha mãe, aquele susto, aquele terror em que está, e que ela disfarça com tanto trabalho na presença de meu pai (também a mim mo queria incobrir, mas agora já não pode, coitada!), aquilo é pressentimento de desgraça grande…”;

- reafirma, clara e enfaticamente, a sua crença de que D. Sebastião (e, por extensão, D. João) não morreu.

 
Hybris de Manuel de Sousa:

- recusa o perdão dos governadores;

- sofre presumível perseguição, mas prefere estar escondido, naquele “homizio”, como diz Maria, naquela “quinta tão triste d’além do Alfeite, e não poder vir aqui senão de noite, por instantes, e Deus sabe com que perigo”.

            Observemos agora a hybris de Manuel de Sousa em confronto com as outras personagens:

1.º) dá resolução favorável ao conflito com Telmo: “Oh, minha querida filha, aquilo é que é um homem! A minha vida, que ele queira, é sua. E a minha pena, toda a minha pena é que o não conheci, que o não estimei sempre no que ele valia”. A «generosidade» de Manuel de Sousa venceu os ressentimentos, a má vontade, os «ciúmes» de Telmo: antes dos acontecimentos que encerram o Ato I, Telmo apreciava Manuel de Sousa, tinha-o “em boa conta”. Porém, após ter assistido a esse gesto patriótico, a sua consideração por ele disparou, de tal modo que se declara disposto a dar a vida por ele;

2.º) o espetáculo do incêndio encheu Maria de «maravilha»: “… um espetáculo como nunca vi outro de igual majestade…”, embora dê razão à interpretação da mãe, de que a “perda do retrato é prognóstico fatal de outra perda maior, que está perto, de alguma desgraça inesperada, mas certa, que a tem de separar de meu pai”. E acentua, dolorosamente, que “… há grande desgraça a cair sobre meu pai… decerto! E sobre minha mãe, que é o mesmo”.

 
Agón:

- de D. Madalena com D. João de Portugal na estranha reação que teve ao chegar à nova (e antiga) morada, quando encarou o retrato de D. João;

- de Telmo:

. com Maria nas evasivas, nas meias-verdades, nas reticências, na relutância em revelar a identidade da personagem no retrato;

. com Manuel de Sousa: o conflito entre ambas as personagens já fora resolvido (I, 7, 8 e 12), facto que esta cena confirma através da admiração que Telmo passou a nutrir por ele após o incêndio do próprio palácio;

- de Maria:

. com Telmo, a propósito da identidade da personagem do retrato:

1. por um lado, há as meias verdades, as evasivas de Telmo, que a todo o transe pretende ocultar-lhe o nome do cavaleiro retrato;

2. por outro lado, os indícios observados por Maria, nos momentos que passou ali mesmo com a mãe, no dia da mudança para este palácio; e a intuição do segredo e a persistência em a manterem na ignorância daquele “mistério”: “Não sei para que são estes mistérios; cuidam que eu hei de ser sempre criança”;

3. Maria insiste: “Mas o outro, o outro…quem é este outro, Telmo? Aquele aspeto tão triste, aquela expressão de melancolia tão profunda… aquelas barbas tão negras e cerradas… e aquela mão que descansa na espada, como quem não tem outro arrimo, nem outro amor nesta vida.”
TELMO (deixando-se surpreender) – “Pois tinha, oh! se tinha!” (Maria olha para Telmo, como quem compreendeu, depois torna a fixar a vista no retrato).
     Que é que Maria intuitivamente compreendeu?
     Maria compreendeu nesse momento que (1) o único ser que amou o primeiro marido de sua mãe foi Telmo,(2) a mãe nunca lhe tivera amor, (3) a origem de todos os sofrimentos da mãe provinham dos remorsos da sua consciência atormentada. Assim, quando alguém (Manuel de Sousa) identifica a figura do retrato (II, 2), Maria não fica surpreendida: “Bem mo dizia o coração!”;

. com D. João:

- fica a saber, pela atitude da mãe, que a figura representada no retrato e de quem ignora a identidade, é esse alguém causador de todos os sofrimentos;

- daí a curiosidade e a persistência das perguntas a Telmo;

- até à revelação da identidade do retratado;

- contudo, ela já o sabia “de um saber cá de dentro” (II, 2).

 
Adensamento do clima trágico: D. Madalena aproxima-se do primeiro marido, não já apenas por via psicológica – como sucedeu no Ato I –, mas em presença física, por vida real: é obrigada a entrar e viver no palácio de D. João (a causa dessa aproximação é, obviamente, o incêndio).
 
 
Linguagem
 
Interjeições – exprimem diversos sentimentos:
- “Coitada!”: traduz a compaixão de Maria pela mãe;
- “Oh!”: traduz o entusiasmo de Maria quando se refere ao espetáculo do incêndio, e terror quando, por duas vezes, admite a iminência duma “desgraça” que atingirá o pai e a mãe.
 
Frases exclamativas e interrogativas e as reticências favorecem o ritmo entrecortado próprio de um discurso emotivo.
 
Repetição anafórica do demonstrativo, a enumeração e a gradação ascendente (“Aquele palácio a arder, aquele povo a gritar, o rebate dos sinos, aquela cena toda…”) e outras repetições de palavras traduzem a hesitação da fala.
 
Alternância de frases longas (referentes aos acontecimentos trágicos evocados) e de frases curtas, que traduzem as emoções.
 
            Estes elementos da linguagem são próprios do pendor oralizante do discurso.
 
 
Relação entre as cenas 1 dos atos I e II
 
            Entre a cena 1 do Ato I e a cena 1 do Ato II existe uma relação de semelhança.

            De facto, no ato inicial, D. Madalena cita versos de Os Lusíadas, concretamente do episódio de Inês de castro, em consonância com o seu estado de espírito: sofrimento amoroso.

            Já nesta cena do Ato II, Maria cita o início de Menina e Moça, romance de Bernardim Ribeiro, em consonância com o seu perfil psicológico: obra misteriosa e sentimental, como misteriosa e sentimental é Maria.


Importância da cena no desenvolvimento da ação dramática

Progressão da ação: esta é a cena em que se faz o enquadramento da ação no novo ato, expondo os antecedentes da mesma (acontecimentos ocorridos após o incêndio do palácio – ida para o palácio de D. João de Portugal, “Há oito dias”, durante a noite; reação de D. Madalena ao ser confrontada com o retrato de D. João; estado de saúde/espírito de D. Madalena na última semana).
 
Indícios trágicos:

- presságios de D. Madalena e Maria devido à perda do retrato de D. Manuel e ao destaque assumido pelo retrato de D. João;

- citação da obra Menina e Moça (novela trágica) por Maria;

- referência à morte pressentida por Camões;

- doença de Maria;

- referências de D. Manuel de Sousa Coutinho à morte e ao convento;

- referência à inexistência de Maria, caso D. João de Portugal estivesse vivo.
 
 
Características românticas da cena

O caráter histórico.

A exaltação dos valores patrióticos e da identidade nacional (a crença no Sebastianismo, a alusão a Camões, a luta pela liberdade).

A presença dos agouros/superstições (de Telmo, Maria, D. Madalena).

A dimensão apaziguadora da fé cristã.
 

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Conectores e articuladores do discurso no sermão


            O sermão deve ser construído de forma lógica, sendo o raciocínio apresentado de forma progressiva e articulada. Por outro, enquanto texto de caráter argumentativo, deve fazer uso de articuladores ou conectores do discurso – advérbios, locuções adverbiais, conjunções, locuções conjuncionais e até orações completas.
 

Finalidade

Articuladores do discurso

reiterar, reafirmar

retomando a questão, penso que, a meu ver, creio que, estou certo, em nosso entender

concordar, provar, exprimir certeza

efetivamente, com efeito, sem dúvida, na verdade, certamente, decerto, com toda a certeza, evidentemente, obviamente, é óbvio que

manifestar oposição, refutar, restringir ideias

no entanto, mas, todavia, contudo, porém, apesar de, em sentido contrário, refutando, pelo contrário, ao contrário, por outro lado

exemplificar

por exemplo, como se pode ver, assim, tome-se como exemplo, é o caso de, é o que acontece com

explicitar

significa isto que, explicitando melhor, não se pretende com isto, quer isto dizer, a saber, isto é, por outras palavras

concluir

finalmente, enfim, em conclusão, concluindo, para terminar, em suma, por conseguinte, por consequência

estabelecer conexões de tempo

então, após, depois, antes, anteriormente, em seguida, seguidamente, quando, até que, a princípio, por fim

referenciar espaço

aqui, ali, lá, acolá, além, naquele lugar, o lugar onde, ao lado de, à esquerda, à direita, ao centro, no meio, mais adiante

indicar ordem

em primeiro lugar, primeiramente, em segundo lugar, seguidamente, em seguida, começando por, antes de mais, por último, por fim

estabelecer conexões de causa

porque, visto que, dado que, uma vez que

estabelecer conexões de consequência

de tal modo que, de forma que, tanto que, e por isso

expressar condição, hipótese

se, a menos que, a não ser que, desde que, supondo que, se por hipótese, admitindo que, exceto se, se por acaso

estabelecer conexões de fim

para, para que, com o fim de, a fim de que, com o intuito de

estabelecer relações aditivas

e, ora, e também, e ainda

estabelecer relações disjuntivas

ou, ou então, seja… seja, quer… quer

expressar semelhança, comparação

do mesmo modo, tal como, pelo mesmo motivo, pela mesma razão, igualmente, assim como


Estrutura do texto argumentativo


             O texto argumentativo é tão antigo como o próprio homem, uma vez que construir um texto (oral ou escrito) com base em argumentos logicamente encadeados está indissociavelmente ligado à atividade humana. Argumentar, persuadir, convencer, de forma rigorosa e objetiva, sempre fizeram parte do discurso humano.

            Habitualmente, o texto argumentativo divide-se três partes:

. Introdução: apresenta-se a tese/a ideia a defender/desenvolver.

. Desenvolvimento: organiza-se em várias (sub)partes, distribuídas por parágrafos, em que se apresentam e exploram os argumentos, os contra-argumentos, concretizados através de exemplos.

. Conclusão: a tese inicial é retomada, de forma mais incisiva, reforçando os argumentos apresentados.

            A linguagem deve ser clara e objetiva, num texto coerente, coeso, com rigor semântico e sintático.

Porque é que a polícia não apanhou Jack, oEstripador?

Porque chamavam "O Coração de Leão" ao rei Ricardo I?


             De acordo com um romance do século XIII, quando Ricardo I foi preso pelo rei Modred de Almain no seu regresso da cruzada, Margery, afilha do seu captor, apaixonou-se por ele.

            A jovem subornou os guardas para a deixarem ver o prisioneiro. Logo que Modred descobriu o que se passara, quis matar Ricardo de imediato, contudo os seus conselheiros aconselharam-no e convenceram a proceder de forma a que o assassinato parecesse um acidente. Deste modo, planearam não alimentar o leão da corte durante alguns dias e, depois, fazer com que, acidentalmente, entrasse na cela do monarca aprisionado.

            Quando a princesa soube dos planos do pai, contou a Ricardo I e implorou-lhe que fugisse, no entanto ele recusou e, em alternativa, pediu-lhe quarenta lenços de seda, que atou àvolta do braço direito.

            Quando o leão entrou na cela, o rei lançou o seu braço protegido à goela do leão e arrancou-lhe o coração. Deu graças a Deus por o ter protegido durante a luta e, a seguir, dirigiu-se ao refeitório do rei.

            Perante a corte, Ricardo I atirou o coração do animal para a mesa, agarrou num punhal de sal, temperou-o e depois comeu-o cru. Foi assim que, de acordo com a lenda, ganhou o epíteto com que ficou conhecido.

            No entanto, de acordo com a História, talvez seja preferível considerar que o cognome resultou das proezas e da coragem no campo de batalha, que foram de tal monta que se criou esse tipo de histórias sobre ele.

sábado, 5 de novembro de 2022

Quantas línguas há no mundo?


             A resposta a esta pergunta não é simples. Por exemplo, há quem olhe para o português e para o galego e considere que constituem uma só língua e há quem conte duas línguas.

            Por outro lado, os critérios para a contagem das línguas diferem. Além disso, ninguém as conhece a todas.

            Seja como for, de acordo com o catálogo Ethnologue (https:www.ethnologue.com), existem 7 151 línguas no mundo, mas a conceção geral passa por estimar um número situado entre as 6 000 e as 7 500. O mesmo catálogo conta 142 famílias de línguas.


A língua e o território


             Atualmente, associamos a ideia de uma língua a um determinado território, mas nem sempre foi assim. De facto, há muitos séculos, as populações viviam em constante mudança; as línguas estavam ligadas às tribos, mas estas não tinham um território definido, pois estavam em permanente migração.
            Contudo, há cerca de 12 mil anos, foi inventada a agricultura, o que permitiu que parte da humanidade se tornasse sedentária e, assim, estivesse ligada a um território mais ou menos fixo. Esse território podia ser vizinho de outro, onde vivia outra tribo há mais tempo e que, por isso, tinha uma língua diferente. Seguem-se invasões, conquistas, línguas que são substituídas pelas dos invasores, etc. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o latim, os substratos e superstratos. O latim, aquando da Romanização, impôs-se às línguas pré-existentes nos territórios conquistados, que acabaram por desaparecer, deixando, porém, vestígios linguísticos na língua invasora.
            Além disso, mesmo num território onde se fala uma mesma língua a distância entre os povoados e as pessoas cria diferenças. Os habitantes de uma localidade compreendem bem os da localidade vizinha, que compreendem bem os da seguinte e assim sucessivamente. No entanto, se juntarmos os habitantes de duas localidades bem distantes, é possível que tenham dificuldades em se entender linguisticamente. Nestes casos, é difícil saber onde começa uma língua e começa outra. É aquilo que se chama continuum dialectal. Não existem fronteiras marcadas, mas há uma grande diversidade no território.
            Por outro lado, convém ter presente que a variação linguística não é uma questão meramente geográfica. Por exemplo, a forma de falar da classe social dominante de um território, pelo prestígio que possui, pode expandir-se e ir apagando formas de falar de outros locais ou regiões.
            Sucede também que os centros de poder atraem muitas pessoas, de muitos outros locais, fazendo com que o seu dialeto particular incorpore características de outros locais. A forma de prestígio atrai outras formas, roubando-lhes elementos e/ou apagando aqueles que não são escolhidos para fazerem parte da língua de prestígio.

Por que razão não falamos todos a mesma língua?


             A resposta a esta pergunta é muito semelhante, nalguns aspetos, à questão sofre diferenciação que ocorreu entre as línguas românicas.
            Todos os seres humanos têm uma língua, que é constituída por um conjunto limitado de sons, os quais nada significam entre si, mas se conjugam para dar origem a palavras com significado, e por regras que possibilitam a sua organização e o seu uso. Deste modo, poder-se-ia considerar a possibilidade de existir uma língua universal, isto é, comum e falada por todos os humanos. Não é isso, no entanto, o que sucede. Porquê?

1. A criação de novas palavras
 
            Observemos o que escreve o professor Marco Neves na sua obra História do Português desde o Big-Bang (p. 62): “Imaginemos um mundo onde a humanidade fala uma só língua. Nesse mundo monolingue, alguém descobre um animal novo. O nosso descobridor dá um nome arbitrário (como todos os nomes) à sua descoberta: dali em diante, o animal chamar-se-á «elom». Dias depois, a nossa tribo encontra uma outra tribo. Contam, entusiasmados, a descoberta do elom. A outra tribo fica baralhada e diz-lhes que aquele animal se chama ganim! […]
            E agora? Elom ou ganim? […] Cada tribo vai continuar a chamar ao animal o nome que inventou: elom ou ganim. […] Como a humanidade nunca viveu como uma só tribo, nunca poderia ter uma só língua, a não ser que essa língua fosse muito limitada e inflexível. Ora, a linguagem humana é flexível e, para isso, tem de aceitar novas palavras e permitir a dispersão, porque é impossível uma reunião de toda a humanidade para discutir que palavra usar para cada situação nova que encontramos. Multipliquemos este processo pelas descobertas e invenções de cada tribo e temos palavras diferentes. Multipliquemos pelo número de tribos do mundo e percebemos uma das razões por que se multiplicam as línguas. […]
            Além desse facto óbvio de vivermos em grupos diferentes, que podem ter de dar um nome diferente a algo novo, há outro facto inescapável da língua: a língua muda naturalmente, num processo raramente consciente. Se quisermos pensar um pouco melhor na questão, imaginemos que a tribo original em três. Anos depois, uns dirão elom, outros dirão alom, outros dirão alomi… Em breve, teremos três línguas. Mesmo quando começamos com uma só língua, rapidamente encontramos divergência linguística se houver separação entre os falantes. Podemos até imaginar que as três línguas ganham maneiras diferentes de expressar o plural:

duplicação: «elom-elom»;

partícula: «xi alom»;

terminação: «alomis».

            […] As palavras e a gramática de cada língua vão surgindo através da interação entre os falantes. Neste aprender constante das línguas e no seu uso coletivo pelas várias gerações – e se as línguas tiverem sido inventadas pelo Homo erectus, já vamos em mais de 60 000 gerações a usar a linguagem humana –, há processos em que ninguém repara, mas que vão também garantindo uma mudança gradual e inaceitável de todas as línguas, mesmo que sejam faladas por um grupo isolado (e raramente o são).”

2. A economia de esforço

            Outra razão para a diferenciação das línguas prende-se com a economia de esforço, que passa pela simplificação ou queda de sons ao longo dos séculos, ou seja, o falante deseja dizer o mais possível, com o menor esforço possível. Quem nunca deparou com o verbo «tar» («estar») por aí? Quem nunca ouviu o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a soltar um «paspanha» («para Espanha»)?

3. A herança linguística

            Cada nova geração aprende os hábitos linguísticos da geração anterior. O cérebro de uma criança refaz o sistema linguístico que recebeu dos pais sem que ninguém lhe ensine as regras. Essa aprendizagem baseia-se na analogia, limpando irregularidades e visando regras gerais, tendência que é contrariada pelos pais, que assim garantem a sobrevivência das irregularidades. Por exemplo, é comum uma criança, quando começa a falar, dizer «fazido» em vez de «feito».
            Com a passagem dos séculos, uma língua torna-se mais complexa. As línguas que ficam isoladas parecem ter tendência a serem gramaticalmente mais complexas. Por exemplo, o archi, falado no Cáucaso russo, é composta por 1 502 829 formas para cada verbo.
            No entanto, também existem exceções a esta complexificação. Por exemplo, aquando da evolução do latim para o português, simplificaram-se os casos, o que se justifica pelo facto de uma língua, quando se expande por um território muito grande ou quando é aprendida por um grande número de falantes, sofrer um desbaste gramatical muito grande.

4. A diferença entre os falantes

            A aprendizagem das línguas opera-se de forma diferente de pessoa para pessoa (não há cérebros nem corpos iguais). Por outro lado, a língua que “recebemos” dos nossos pais é diferente de pessoa para pessoa. Deste modo, “cada falante tem a sua história e aprende uma língua muito pessoal: é o chamado idioleto. Além disso, os falantes pronunciam cada som de forma ligeiramente diferente. Se pedirmos a cem pessoas que pronunciem um determinado som («a», por exemplo), observamos que haverá diferenças sensíveis entre o que sai da boca de cada um desses indivíduos. Ora, os sons vão mudando ao longo do tempo e no espaço.
            Ou seja, a mudança de uma língua ao longo do tempo acontece porque os falantes são diferentes entre si: não há duas pessoas iguais, com corpos iguais e vidas iguais. Cada som é pronunciado de forma diferente, porque o aparelho fonador (boca, garganta, cordas vocais) de cada indivíduo é diferente, tal como a maneira como aprendemos o som é também sempre diferente, desde logo porque somos ensinados por pessoas diferentes.

5. A interferência das línguas

            As línguas influenciam-se umas às outras. Recuando, por exemplo, no tempo, as línguas das tribos divergiram, mas estas nunca viveram em isolamento absoluto e permanente. Pelo contrário, os contactos entre tribos diferentes e pessoas que falavam diferentes línguas sempre aconteceram, o que fez com que houvesse interferências, mortes de línguas, misturas, etc.
            Este fenómeno acentuou-se, por exemplo, na época das Descobertas e, atualmente, é inequívoco após a criação da Internet e, posteriormente, das redes sociais.

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