Português

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Fernão Lopes, o pai da História Portuguesa e a Crónica de D. João I


Análise do poema "Confiança", de Agostinho Neto


             Este poema é caracterizado pela irregularidade formal: vinte versos brancos e de métrica irregular, distribuídos por uma quintilha, um dístico, três tercetos e uma quadra. Há autores que sugerem que a forma livre da composição poética simboliza a constituição da identidade do angolano, que não segue um padrão, mas que está a ser construída e questionada.

            O poema está escrito na primeira pessoa do singular (“fui”, “me”, “mim”, etc.), o que nos permite entender que o «eu» poético representa a voz do povo angolano.

            A quintilha inicial introduz o sentimento de não-pertencimento e apresenta o oceano como o responsável pela separação de si: “O oceano separou-me de mim / enquanto me fui esquecendo nos séculos”. Estes versos sugerem, desde logo, a ideia de cisão do sujeito lírico com a identidade, comum ao povo africano, visto que, a partir do contacto com a cultura europeia, as suas tradições são reprimidas, passando a um não-pertencimento, a um entre-lugar, a um não pertencer a isto nem àquilo. De facto, o negro não faz parte da primeira cultura (a de origem) nem da segunda (a estrangeira, a europeia). Isto é fomentado pelo mar / oceano, o agente da transição de culturas e da transformação do negro colonizado num ser híbrido, dado que o coloca em contacto com a cultura do colonizador. Para o angolano, o mar é um elemento negativo, causador de dor e sofrimento, pois foi através dele que veio o colonizador e que, posteriormente à chegada deste, partiram muitos africanos rumo à escravatura e ao trabalho de contrato (sem haver a previsão e a certeza do retorno). Além disso, foi no mar que ocorreram muitas mortes durante estas viagens. Assim sendo, o oceano é apresentado como aquilo que rompe com o conhecido e como a divisória entre o velho e o novo.

            A noção de passado e presente, de passagem do tempo é visível no uso de termos como “século” (v. 2), “presente” (v. 3), “tempo” (v. 5) e “história” (v. 6). Neste contexto, é importante observar a ideia de que o «eu» poético se foi esquecendo de si mesmo nos séculos, ou seja, foi perdendo a sua identidade ao longo do tempo, por causa do contacto com o europeu e, sobretudo, ao facto de ter sido explorado pelo colonizador. Por outro lado, afirma que, no presente, está a reunir em si o espaço e a condensar o tempo, remetendo para esse terceiro ser que resultou da fusão entre a cultura africana e a cultura europeia. Essa ideia de união é traduzida pelo verbo «reunir», que significa “unir de novo”, ou seja, o que existe no presente é a reunião de tempos distintos, isto é, a junção do que havia em África e do novo trazido pelo europeu.

            A ambiguidade em torno da identidade do «eu» é reforçada na segunda estrofe: “Na minha história / existe o paradoxo do homem disperso”. Estes dois versos reforçam e reafirmam a necessidade presente de reunir o que há em si.

            O terceto seguinte é dominado pela figura do paradoxo, nomeadamente entre «sorrisos» e «dor», representando a situação do negro que é explorado e trabalha para a construção da riqueza europeia: “Enquanto o sorriso brilhava / no canto de dor / e as mãos construíam mundos maravilhosos”. O negro sofre (“dor”) enquanto é explorado e trabalha para a alegria (“o sorriso”) e a riqueza do europeu (“as mãos construíam mundos maravilhosos”).

            A quarta estrofe introduz um exemplo concreto dos sofrimentos a que o africano estava sujeito, nomeadamente através da descrição de atos de violência física (“John foi linchado”, “o irmão chicoteado”) e social (“a mulher amordaçada”, “o filho continuou ignorante”). Atente-se no nome escolhido para uma das figuras do exemplo: “John”, um vocábulo de origem inglesa, atribuído a um homem africano de um país colonizado por Portugal. Isto representa a noção de transposição cultural, reforçando-se, assim, a ideia de repressão e de afastamento da cultura nativa, original. Por outro lado, a figura do chicote (“o irmão chicoteado nas costas nuas”) simboliza o sistema colonial, que dele se socorria para castigar violentamente o negro e o tornar obediente, submisso e servil. A “mulher amordaçada” representa a ausência de liberdade, a ausência de voz na sociedade por parte da mulher, bem como a forma como era privada de participar nas atividades culturais de raiz do colonizado. Quanto ao filho, simboliza a perpetuação da situação no futuro: a ausência de conhecimento da sua origem, de quem é no presente e a educação para o trabalho braçal, perpetuando o que é o presente e a vida dos pais e avós.

            Os dois tercetos finais afirmam que, a partir do drama (“E do drama intenso”) e da vida intensa de trabalho (“vida imensa e útil”), ressalta a importância do negro para constituição da sociedade como um todo (“As minhas mãos colocaram pedras / nos alicerces do mundo”), principalmente das suas riquezas, pelo que ele também tem direito ao alimento: “mereço meu pedaço de pão”, pão esse que simboliza o sustento, a riqueza, a vida. É neste âmbito que poderemos refletir sobre o título do poema (“Confiança”), que remete exatamente para essa ideia de ter direito ao sustento e à vida, para crença do «eu» segundo a qual tem os seus direitos, tem esperança firme no futuro, que decorre da convicção do valor que tem enquanto pessoa.

Análise do poema "Partida para o Contrato", de Agostinho Neto


           O poema “Partida para o contrato”, de 1945, aborda o tema da despedida e a dor que causa aos entes queridos. É constituído por vinte e três versos livres, sem rima e de métrica irregular, distribuídos por um monóstico, três dísticos, uma sextilha, uma sétima e um terceto.

            O título, “Partida para o Contrato”, aponta desde logo para a temática da partida, da viagem, através do mar, de alguém, neste caso para o contrato, que consistia numa espécie de trabalho semiescravo, a que muitos colonizados se sujeitavam por não haver outras formas de sustento durante o período de colonização.

            A primeira estrofe, um dístico, remete desde logo para o sofrimento vivido durante uma despedida, sofrimento esse refletido pelo rosto da pessoa, tanto da que parte como das que ficam De facto, o rosto reflete o estado de espírito (“retrata a alma”), caracterizado (“Amarfanhada”) pelo sofrimento. Atente-se na expressividade do particípio adjetival «amarfanhada». O verbo «amarfanhar» significa “criar vincos ou pregas”, “amarrotar”, “amachucar”, o que significa que, de facto, os rostos daquelas pessoas patenteavam marcas físicas do sofrimento que sentiam.

            A segunda estrofe identifica a pessoa que parte (Manuel), o momento/tempo em que sucede (“Nesta hora de pranto / Vespertina e ensanguentada”), o local para onde se dirige (a ilha de São Tomé), o espaço da travessia (o mar) e quem deixa para trás, possivelmente a mulher amada (“Manuel / o seu amor”).

            A terceira estrofe, um monóstico, é constituída por uma interrogação (“Até quando?”), que traduz a voz da mulher que fica à espera de Manuel, magoada, desamparada, sem qualquer noção de quando ele regressará ou se regressará.

            A estrofe seguinte situa-nos numa praia, caracterizada pelo horizonte, pelo sol e pelo barco que se afogam no mar. A presença do sol, um elemento que indica luz, luminosidade e calor, e da embarcação, o veículo que transporta Manuel, que indica movimento e que representa deslocamento, formam a visão que a mulher tem daquele momento: a sensação de que se está a afogar com a despedida e de que a sua dúvida, a sua interrogação, não terá resposta. Por outro lado, a presença da forma verbal «afogam» indicia a presença da morte: os barcos naufragam e os que neles viajam correm o risco de se afogar, de morrer. Perante este panorama, o «eu» poético, ao aludir à presença da noite e/ou da escuridão, enfatiza a tristeza e o sofrimento da mulher (“escurecendo / o céu escurecendo a terra / e a alma da mulher”).

            O terceto que se segue é todo dominado pela cor negra: “Não há luz / não há estrelas no céu escuro / Tudo na terra é sombra”. O mesmo sucede nos dois dísticos que encerram o poema: “Negrura / Só negrura…”. Ora, esta ausência de luz é muito significativa, pois sugere que não há alegria na vida daquela mulher, nem sabedoria ou conhecimento (“não há norte na alma da mulher”). A pessoa que não tem norte é alguém que está sem rumo, que perdeu a direção ou o caminho, que está confuso e inseguro. Assim se sente a mulher sem o seu amado Manuel. Apenas resta a cor negra, que sintetiza o sentido de ser negro como aquele que sofre. A repetição de palavras que remetem para a ideia de escuridão enfatiza a tristeza da mulher e a dúvida que sente se o tornará a ver, que se espalham com as ondas do mar, levando as certezas e a alegria.

            O «eu» poético coloca-se, no poema, como observador privilegiado da cena da partida e dos efeitos que a mesma acarreta para a mulher. Ora, este tópico constitui um traço identitário dos africanos, neste caso expresso através da descrição dos sentimentos de uma mulher apaixonada, que traduz o sentimento coletivo experimentado por todos aqueles que tiveram de passar por um momento ou uma situação análoga. Note-se, por outro lado, que o mar simboliza um espaço de dor, de separação (já era assim, por exemplo, nas cantigas de amigo), de incerteza e a linha que divide o que é familiar e o que é estrangeiro.

            Aquele que assiste à partida e que fica está inundado de dúvidas acerca do futuro e encara o mar como elemento de rutura, algo que lhe «rouba» aquilo que lhe é precioso. Para quem parte, o mar assume igualmente contornos de dor e de ausência de certezas em relação ao que será o futuro. Deste modo, o mar configura um elemento que agride o angolano e o traumatiza, ou seja, é um inimigo.

domingo, 23 de outubro de 2022

Na aula (XLIV): unidades confusas

     O miligrama é uma unidade de peso que representa a milésima parte do metro.

Marta T.

Análise do poema "A Mãe d'Água", de Gonçalves Dias


     Mãe d'Água é uma figura mitológica, um elemento do indianismo e do Romantismo, que valorização do elemento indígena.
    O poema está dividido em várias partes, marcadas por uma diferença de metro e ritmo. Temos uma descrição da mãe d'água, que é um elemento indígena, sob dois pontos de vista:
        => O do menino, como um ponto de vista positivo: é uma bela moça e boa. Ele fala dela num tom carinhoso e é vista como uma menina.
        => O ponto de vista da mãe, que é negativo: considera a mãe d'água uma sombra. Aconselha o filho a não a fitar, para não se deixar enganar.
    A descrição da mãe d'água é feita quase sempre através de comparações:
        - com elementos da natureza brasileira;
        - com elementos neoclássicos, que predominam através dela ser um elemento da natureza brasileira.

II:
    O menino lembra-se dos conselhos da mãe e turva a água para obedecer à mãe, porque ele só a podia ver na água límpida. Mas logo se arrepende de ter feito desaparecer uma imagem tão bela e é repreendido pela mãe. Mas o clima que fica é o da sua tristeza.

III:
    Mãe d'água torna a aparecer e é descrita com um vocabulário clássico que remete para a Idade Média: harpa, luzeiros. É uma descrição feita em termos especiais, porque estamos perante um poema indianista e sobre uma figura mitológica índia e, como tal, era de esperar que o vocabulário fosse brasileiro. Prevalece a ideia de luz, que envolve a mãe d'água. Ela exerce um poder de fascínio sobre o menino e, quanto mais dela se aproxima, mais se afasta da mãe, de quem ouve a voz ao longe.

IV:
    Esta parte do poema é cortada por uma estrofe, que marca a oposição entre o encantamento e a voz da mãe, da qual se afasta cada vez mais. Esta estrofe vai ainda reforçar mais a ideia de encantamento.
    Continuo o uso de vocabulário medieval: donzela angelical, luz, cristal. A luz e a riqueza cega captam a atenção. A mãe d'água consegue captar a atenção do menino através de um discurso que o leva a desejar coisas que não tinha e que ela lhe podia dar.

V:
    O menino acede à sedução, apesar da mãe o tentar dos perigos.


Conclusões:

        => Toma uma figura da mitologia indígena, o que torna o poema indianista.

        => A descrição da mãe d'água é essencialmente romântica. Assim, o poema, além de indianista, é romântico:
                - descrição e recurso à mitologia;
                - prevalência de um ambiente luminoso;
                - vocabulário medieval, tom de diálogo coloquial;
                - uso de diversos ritmos e metros.
    Se, em todo o poema, o motivo é indianista, o modo como se constrói e trata esse motivo é romântico. Pode concluir-se que o Romantismo brasileiro surge como faceta do Romantismo universal. Gonçalves Dias é um romântico, embora tenha poemas indianistas e de caráter urbano, mas sempre de índole romântica.

Análise do poema "Juca Pirama", de Gonçalves Dias


     O título do poema está em tupi e pode traduzir-se por "o que há de ser morto, o que é digno de ser morto".
    O poema está dividido em 10 cantos. O objetivo deste poema épico é cantar os feitos heroicos de um povo. Gonçalves Dias vai cantar a valentia e dignidade do índio, tanto dos timbiras como dos tupis. Vários são os aspetos que nos remetem para o tom épico: vocabulário, divisão em cantos, começar a narração "in medias res".

I:
    Descrição de uma paisagem, onde se inserem as personagens, com o uso de um vocabulário muito arcádico, que é o reflexo da formação neoclássica do poeta, diferente do tom melodioso com que nos deparamos em Iracema.
    Temos depois a descrição dos timbiras, com a apresentação imediata da ação: está em prática um ritual, mas nada nos é dito sobre os antecedentes dessa ação. Temos também a apresentação do herói, que é um "índio infeliz" (3.ª estrofe). Toda a ação é rápida e dá-nos a preparação de um ritual que culminaria com a morte de um guerreiro.
    Outro aspeto que ressalta, desde logo, ao olhar é a abundância de metros e ritmos diferentes em cada canto. Por outro lado, a escolha de um título em tupi pode significar a afirmação do nacionalismo.
    O canto começa com a descrição da paisagem natural e humana; o herói só aparece na quarta estrofe, seguindo-se a preparação do ritual.

II:
    Descrição da atitude do guerreiro: não chora nem se queixa e o único indício de temor é o que está estampado no seu rosto, Temos um apelo à coragem e à força na morte, porque "Além dos Andes" há a recompensa, ou seja, quanto mais forte fosse o homem, mais hipóteses teria de viver essa nova vida além dos Andes.
    Temos uma mudança de ritmo, verso e estrutura, o que é mais uma característica romântica que neoclássica.

III:
    Novamente, podemos observar uma mudança de ritmo. É uma espécie de intervalo após a penetração no íntimo do índio. Agora é preciso voltar à ação. No fim, temos a interpelação do índio, convidado a identificar-se e defender-se.

IV:
    É a parte mais conhecida do poema, marcada por um tom forte. O guerreiro identifica-se como pertencendo a uma tribo tupi do norte.
    Temos a referência a uma traição: morte de um amigo que teria tido origem numa traição. O pai do guerreiro quer morrer, mas o filho procura uma solução para o salvar. Conta como caiu prisioneiro e o resto do poema é um apelo ou mesmo um pedido de vida. Pede que o deixem viver, enquanto o pai for vivo, que depois se apresentará como escravo.

V:
    A feição dramática é dada pela mudança de metro e rapidez do diálogo. O índio é solto e agradece o facto de os timbiras terem pena dele, mas estes consideram-no um cobarde, porque chorou. A única coisa que o acalma é a imagem do pai.
    A linguagem é precisa, ritmada e expressiva, para o que contribui a pontuação.

VI:
    Encontra o pai, que logo suspeita do que poderá ter acontecido ao filho, apesar de ser cego, por causa do odor da tinta, macieza das plumas, etc. O filho acaba por confirmar a suspeita do pai, que esperava que ele tivesse lutado e conseguido fugir. Todas as ilusões do velho começam a cair e, então, ele parte em direção ao lugar onde moravam os timbiras.

VII:
    O velho encontra a tribo índia e entrega-lhe o filho como prisioneiro, tentando assim compensar a cobardia anterior do filho, mas o chefe timbira recusa, porque ele havia chorado como cobarde.

VIII:
    Depois que o pai sabe o que se passou, lança uma maldição ao filho e recusa-se a aceitá-lo como tal, porque foi cobarde. De certo modo, ele não quer sujar a imagem de coragem da sua pessoa e da sua tribo. Ele desonrava a coragem de seu pai. Temos de novo o processo de acumulação de sintagmas.

IX:
    Dá-nos o retrato do velho, quando este ouve o grito de guerra do filho. Há um contraste entre a dor anterior e a alegria que agora sente: o filho, sozinho, resolve enfrentar a tribo, porque não aceita a maldição do pai, que agora chora de orgulho, mas com lágrimas que não desonram.

X:
    Tem a forma de gesta, de memória, dada por um certo caráter de lenda, que ficou passado algum tempo dos acontecimentos, e afirmação da veracidade do que aconteceu, característica do Romantismo.
    Também o ritmo, métrica e repetição de estrofes contribuem para esse caráter de gesta. O fim surge um pouco deslocado, devia vir no canto IX. É um modo inovador de acabar um poema, o que rompe com os cânones normais do poema épico.

Conclusões:

    1. Métrica e ritmo: o ritmo é ágil e de acordo com os momentos da narração: assim, quando descreve, temos um verso amplo com ritmo mais longo; nos momentos de ação é mais rápido. Isto permite uma representação musical e plástica. A linguagem precisa e rigorosa dá-lhe uma grande expressividade, apesar do equilíbrio que se verifica.
    Temos uma estrutura em movimento como se fosse um bailado. Toda a mudança do ritmo dá a ideia de movimento.

    2. Conteúdo: rotação psicológica, em que se alternam o pasmo e a exaltação. Esta alternância é dada pela própria estrutura melódica do texto, mudanças de ritmo sucessivos e escolha de vocabulário. No entanto, a rotação psicológica acaba por se fixar, no fim, num modelo de heroísmo.
    Temos ainda o recurso inesperado ao lamento do prisioneiro, que rompe a tensão monótona da bravura do tupi, porque a intenção do poema é mostrar o heroísmo do índio, o que se torna mais nítido porque se opõem duas situações contrastantes.
    Temos uma visão do índio como símbolo da sensibilidade e natureza brasileiras, como elemento lírico e como herói, no sentido idealista.

Análise do poema "O baile", de Gonçalves Dias


    O poeta, para tratar o motivo da saudade romântica, escolhe o ambiente de baile.
    Temos duas situações:
        => Descrição do ambiente, não exterior, mas interior do salão, marcado pelo brilho e aspetos sensoriais: odores, perfumes, música, etc. As personagens são concebidas em termos medievais: donzela e trovadores. Também os instrumentos são medievais, uma das principais características do Romantismo europeu: valorizar os elementos captados pelos sentimentos, música, multidão, festa, prazer, etc.
        => Solidão do poeta romântico. O sujeito da enunciação é romântico e a sua atitude é de contemplação e não de participação. Consegue fazer uma correspondência entre o que vê e o que se passa no íntimo de cada um e essa correspondência não existe: o exterior é de alegria e prazer e o interior de choro e aflição. Tudo isto causa no poeta grande tristeza e solidão. Tudo aquilo é falsidade, enquanto a morte é o que há de mais definitivo.
    Temos, neste tipo de poesia, três vetores importantes:
        => ritmo ágil e vigoroso;
        => métrica variada;
        => linguagem precisa.
    Estes três vetores dão uma enorme força à poesia de G. Dias e através deles se faz uma organização das sugestões do mundo exterior num sistema coerente de representações plásticas e musicais. Isto tem a ver com o apelo do aspeto sensorial. É uma poesia universal pelos temas, mas consegue ser particular pela expressão dos sentimentos: solidão, contemplação do mundo, apelo à eternidade e procura da verdade.

Análise do poema "Se se morre de amor!"


     Contrapõe o amor-sedução dos balões de baile, do qual não se morre, a um outro tipo de amor tão intenso, que pode levar à morte, porque tudo é imenso e definitivo. É um amor-paixão.
    Quando duas almas se encontram e ficam juntas, vivem num êxtase de felicidade; se se separam, morrem, porque a morte é a única coisa que pode compensar a separação. Há um tipo de amor que não conduz à morte e outro tão intenso que conduz à morte pela sua intensidade.
    Estes poemas são semelhantes e ambos têm um tema romântico e universal: amor e saudade.
    Gonçalves Dias, que estudou em Lisboa, segue os modelos portugueses de Garrett, nos poemas de amor e saudade, e de Herculano, nos livros e poemas religiosos. É um poeta essencialmente romântico, mas está muito vincado a uma forma neoclássica, a uma certa impregnação da cultura e sensibilidade neoclássica. Por isso, é equilibrado e contido e com marcas europeias a nível da linguagem.

Análise do poema "Ainda uma vez - Adeus!", de Gonçalves Dias

     É o poema mais expressivo da obra, onde reflete sobre os seus sentimentos.
    Houve obstáculos que provocaram o seu afastamento da amada. Ele ainda lutou, mas desistiu, porque a luta causaria escândalo. Prefere ser infeliz e ficar sozinho, mas salvar a honra da amada; prefere ser ele a sofrer e dar-lhe oportunidade a ela de tentar ser feliz, deixando-a casar-se. Mas foi tudo inútil, porque nem ela nem ele foram felizes e a culpa foi dele.
    Apela à compaixão dela, mas não ao amor ou saudade. É um tema universal, do amor marcado pela sensibilidade e dor.

Conclusões sobre Iracema


    1.  A abertura do romance é de caráter poético, o que se mantém ao longo de todo o romance, mas não num tom tão forte como nos primeiros capítulos. Esse tom poético caracteriza um determinado clima, como a referência a coisas objetivas, e caracteriza as personagens e seu discurso. Há quem considere que esta obra é o exemplar mais perfeito da prosa/do poema. Esse caráter poético é progressivamente substituído por um adensar da intriga, a partir da caracterização de Iracema e Martim. Iracema é corajosa, fiel, dedicada. A caracterização positiva de Iracema vai no sentido da idealização do índio. Pelo contrário, Martim é caracterizado por uma duplicidade e orgulho excessivo.

    2. Cor local: é uma característica romântica. Mas aqui ela é vaga e é-nos dada pelos atos das personagens e sua descrição: descrição do espaço; adivinhar o pensamento das personagens e uma certa fatalidade. Essa cor local é dada por uma expressão imagética e metafórica que aproxima o leitor do ambiente descrito.

    3. Retorno às origens: a origem do Brasil assenta numa simbiose do índio com o europeu. Do índio, o brasileiro recebeu a afetividade e sensualidade, dadas não de modo exótico, como acontecia no período colonial e no Barroco; do europeu, recebeu a saudade e a melancolia.

    4. Subjetividade: também é uma característica romântica. Como exemplo desta subjetividade temos o eterno conflito do herói entre o anseio e a norma. É esta caracterização negativa de Martim que vai provocar a idealização do índio, que surge pela imposição dos cânones românticos e pela própria visão de Alencar. Esta idealização está presente no discurso do narrador, discurso e descrição das personagens e da natureza que as envolve. Se o caráter do índio é idealizado, logo há um predomínio do elemento índio, embora na fundação do Brasil haja um predomínio do elemento europeu. O herói acaba por ser o índio. Há um autor que diz que é importante a referência ao índio, porque num país mestiço era preciso criar uma raça heroica e era necessário criar a dimensão de um tempo heroico.

    5. Natureza: a natureza está sempre presente para que se crie um ambiente verdadeiro: descrição da flora, fauna e costumes que podem aparecer como cenário ou símbolos. Esta ambiência é ainda dada pela linguagem e atitudes das personagens.

    6. O romance é também a expressão da nacionalidade, que resulta da simbiose de diversos fatores: escolha do momento histórico no passado; escolha de uma lenda da fundação do Ceará; uso de uma língua específica índia, expressão de uma cultura e de um ambiente; estrutura da narrativa organizada segundo uma visão índia de ver a vida; descrição da natureza, costumes e crenças e a valorização do índio. Porquê o índio e não o preto, por exemplo? É que o índio é livre, verdadeiramente americano, capaz de encarnar um mundo poético e heroico. Sendo livre e americano, afirma-se a nacionalidade de raízes legitimamente americanas; enquanto que o negro era escravo e não era filho da terra.

    7. Personagens e sua significação: o romance começa com um cenário equilibrado, de felicidade, em que surge um elemento que perturba de tal modo a paz inicial que dá origem a uma nova raça.
    O índio é valente, corajoso, hospitaleiro, dedicado tanto aos amigos (ex.: Poti) como ao amor (ex.: Iracema); tem ainda a capacidade de desvio. Eles têm regras que os regem, mas conseguem desviar-se delas, como acontece com Iracema, que assume esse desvio e perde. O índio perde sempre e a sua cultura é absorvida.
    O branco é marcado pela fé católica, pela honra que, por vezes, o faz oscilar; pela nobreza de sentimentos; pela força dos compromissos sociais e culturais e pela saudade, sempre presente.

    8. Três vetores são essenciais na criação de Iracema:
  • Necessidade de construir um poema, sabendo que na tradição literária, a forma poética é a forma por excelência de narrar as origens da nacionalidade.
  • Integração da língua índia, que se torna fundamental na construção da nacionalidade.
  • Intuito nacionalista: Alencar sente necessidade de se desenvolver uma literatura específica do Brasil, o que é também um dos itens do Romantismo.

sábado, 22 de outubro de 2022

Análise do capítulo XXXIII de Iracema


     Aqui termina a analepse, retomando os elementos do primeiro capítulo: jandaia, um homem - Martim -, uma criança e um cão. Martim volta ao Brasil quatro anos depois e funda a cidade do Ceará.
    Alencar, que se limita quase sempre a contar a história, vai deixando, por vezes, algumas pistas no ar.
    Em relação à predestinação da raça, refere-se à separação das tribos índias e à emigração, traço do caráter brasileiro. Essa predestinação é um dos elementos do Romantismo. Alencar contou, nesta obra, uma lenda que termina neste capítulo com a fundação da cidade do Ceará e com a cristianização do índio. É igualmente importante o nascimento do primeiro cearense: o filho de Iracema e Martim, com predomínio do elemento europeu. Uma prova disso é o facto de, no fim, a indianização do europeu ser substituída pela cristianização do índio, que é definitiva e concreta.
    Em relação a Iracema, no fim, Martim muda radicalmente: marca-o a saudade e a culpa. O fim do romance tem um caráter definitivo: "Tudo passa sobre a terra.", principalmente a alegria. Este final também pode ser entendido como um desabafo ou desalento do autor em relação a Martim, que teve na sua mão a hipótese de ser feliz e não a aproveitou. Este capítulo pode ainda ter outra interpretação, ao nível da ação dos portugueses: a incapacidade de tomar decisões concretas no momento certo e a inadaptação que caracterizam Martim, símbolo do domínio português.

Análise do capítulo XXXII de Iracema


     Iracema perdera de tal forma as suas energias que nem o encontro com o marido consegue reanimá-la. Estamos quase no término da intriga: Iracema morre, apesar da esperança que a reanimou com a chegada de Martim; fisicamente já não consegue recuperar.
    Martim, antes de chegar até Iracema, vem marcado pelo receio de encontrar no olhar de Iracema um sentimento de culpa. Ele sente medo de enfrentar a coragem e fidelidade dela. Apesar de a jovem nunca lhe atribuir qualquer culpa, ele sente-se culpado. Esta é a primeira preocupação que atinge o seu íntimo, só depois de lembrando se ela ou o filho estarão bem.
    A morte de Iracema é descrita em moldes românticos: morre nos braço da pessoa que ama (Martim). O capítulo termina com a justificação do topónimo Ceará: canto da jandaia.

Análise do capítulo XXXI de Iracema

     Caubi parte acedendo ao pedido da irmã, que não quer que ele assistia à tristeza que a invade. Porém, Caubi percebe a verdadeira razão do seu pedido.
     Temos ainda a descrição de todo o sofrimento que ela passa para alimentar o filho e do doloroso método que põe em prática para puxar o leite. Assim, além de estar só, sofre a dor de não poder alimentar i filho.

Análise do capítulo XXX de Iracema


     Relato do isolamento de Iracema e sua angústia. Nasce o filho de Iracema, que é fruto do seu sofrimento e dor.
    Ainda neste capítulo, aparece Caubi, que vem visitar a irmã e logo se apercebe da sua tristeza.

    Em Iracema, podemos ver a necessidade ou obrigação de escrever um romance nos moldes do Romantismo. Mas a obra tem um significado mais amplo: o Romantismo defendia o retorno às origens e o regresso ao início da nacionalidade. Na Europa, significava o regresso à Idade Média. No Brasil, não existia esse período. Assim, Iracema surge como símbolo da nacionalidade do Brasil. Na opinião de Alencar, isto fundamenta-se na simbiose do índio com o europeu. Sendo assim, o verdadeiro elemento brasileiro tinha características índias e portuguesas. Ou seja, há certos traços característicos do elemento brasileiro que são indígenas - capacidade de dedicação e coragem - e europeus - sentimento de saudade. Os sentimentos indígenas são sentidos num nível de intensidade muito elevado. A nacionalidade brasileira recebe elementos de ambas as culturas, com sobreposição de uma das partes: os elementos indígenas caracterizam um herói marcado pela fidelidade e coragem. Nessa origem, temos a oposição entre a sensibilidade que caracteriza Iracema e a racionalidade da "virgem loura". É essa sensualidade que vai caracterizar o elemento indígena.
    Mas, neste romance, há vários elementos românticos: a subjetividade, que faz parte do eterno conflito que marca o herói romântico - anseios e normas do europeu. Entre o índio e o europeu há uma recolha desequilibrada de elementos, porque, pelo menos a nível estrutural, há predomínio do elemento índio - fidelidade de Iracema e sabedoria de Poti - por imposição dos cânones românticos.
    Os objetivos de Alencar em relação a Iracema foram:
        - construção de uma alegoria, de algo simbólico da origem da nacionalidade;
        - construção de um romance que fosse ao mesmo tempo um poema. Esse caráter poético é marcado pela idealização do índio, da natureza, que é dada pelo discurso do narrador e pela descrição da natureza e das personagens.

Análise do capítulo XXIX de Iracema

     Luta entre pitiguaras e outras tribos que se unem aos franceses. Isto é um referente histórico, porque, de facto, houve tribos que lutaram ao lado dos portugueses e outras ao lado das potências estrangeiras.
    O fim do capítulo é significativo, porque narra o nascimento do filho de Iracema e Martim, que, no fundo, é um símbolo da vitória do elemento colonizador, ou seja, do português.
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