Português: Análise do poema "Juca Pirama", de Gonçalves Dias

domingo, 23 de outubro de 2022

Análise do poema "Juca Pirama", de Gonçalves Dias


     O título do poema está em tupi e pode traduzir-se por "o que há de ser morto, o que é digno de ser morto".
    O poema está dividido em 10 cantos. O objetivo deste poema épico é cantar os feitos heroicos de um povo. Gonçalves Dias vai cantar a valentia e dignidade do índio, tanto dos timbiras como dos tupis. Vários são os aspetos que nos remetem para o tom épico: vocabulário, divisão em cantos, começar a narração "in medias res".

I:
    Descrição de uma paisagem, onde se inserem as personagens, com o uso de um vocabulário muito arcádico, que é o reflexo da formação neoclássica do poeta, diferente do tom melodioso com que nos deparamos em Iracema.
    Temos depois a descrição dos timbiras, com a apresentação imediata da ação: está em prática um ritual, mas nada nos é dito sobre os antecedentes dessa ação. Temos também a apresentação do herói, que é um "índio infeliz" (3.ª estrofe). Toda a ação é rápida e dá-nos a preparação de um ritual que culminaria com a morte de um guerreiro.
    Outro aspeto que ressalta, desde logo, ao olhar é a abundância de metros e ritmos diferentes em cada canto. Por outro lado, a escolha de um título em tupi pode significar a afirmação do nacionalismo.
    O canto começa com a descrição da paisagem natural e humana; o herói só aparece na quarta estrofe, seguindo-se a preparação do ritual.

II:
    Descrição da atitude do guerreiro: não chora nem se queixa e o único indício de temor é o que está estampado no seu rosto, Temos um apelo à coragem e à força na morte, porque "Além dos Andes" há a recompensa, ou seja, quanto mais forte fosse o homem, mais hipóteses teria de viver essa nova vida além dos Andes.
    Temos uma mudança de ritmo, verso e estrutura, o que é mais uma característica romântica que neoclássica.

III:
    Novamente, podemos observar uma mudança de ritmo. É uma espécie de intervalo após a penetração no íntimo do índio. Agora é preciso voltar à ação. No fim, temos a interpelação do índio, convidado a identificar-se e defender-se.

IV:
    É a parte mais conhecida do poema, marcada por um tom forte. O guerreiro identifica-se como pertencendo a uma tribo tupi do norte.
    Temos a referência a uma traição: morte de um amigo que teria tido origem numa traição. O pai do guerreiro quer morrer, mas o filho procura uma solução para o salvar. Conta como caiu prisioneiro e o resto do poema é um apelo ou mesmo um pedido de vida. Pede que o deixem viver, enquanto o pai for vivo, que depois se apresentará como escravo.

V:
    A feição dramática é dada pela mudança de metro e rapidez do diálogo. O índio é solto e agradece o facto de os timbiras terem pena dele, mas estes consideram-no um cobarde, porque chorou. A única coisa que o acalma é a imagem do pai.
    A linguagem é precisa, ritmada e expressiva, para o que contribui a pontuação.

VI:
    Encontra o pai, que logo suspeita do que poderá ter acontecido ao filho, apesar de ser cego, por causa do odor da tinta, macieza das plumas, etc. O filho acaba por confirmar a suspeita do pai, que esperava que ele tivesse lutado e conseguido fugir. Todas as ilusões do velho começam a cair e, então, ele parte em direção ao lugar onde moravam os timbiras.

VII:
    O velho encontra a tribo índia e entrega-lhe o filho como prisioneiro, tentando assim compensar a cobardia anterior do filho, mas o chefe timbira recusa, porque ele havia chorado como cobarde.

VIII:
    Depois que o pai sabe o que se passou, lança uma maldição ao filho e recusa-se a aceitá-lo como tal, porque foi cobarde. De certo modo, ele não quer sujar a imagem de coragem da sua pessoa e da sua tribo. Ele desonrava a coragem de seu pai. Temos de novo o processo de acumulação de sintagmas.

IX:
    Dá-nos o retrato do velho, quando este ouve o grito de guerra do filho. Há um contraste entre a dor anterior e a alegria que agora sente: o filho, sozinho, resolve enfrentar a tribo, porque não aceita a maldição do pai, que agora chora de orgulho, mas com lágrimas que não desonram.

X:
    Tem a forma de gesta, de memória, dada por um certo caráter de lenda, que ficou passado algum tempo dos acontecimentos, e afirmação da veracidade do que aconteceu, característica do Romantismo.
    Também o ritmo, métrica e repetição de estrofes contribuem para esse caráter de gesta. O fim surge um pouco deslocado, devia vir no canto IX. É um modo inovador de acabar um poema, o que rompe com os cânones normais do poema épico.

Conclusões:

    1. Métrica e ritmo: o ritmo é ágil e de acordo com os momentos da narração: assim, quando descreve, temos um verso amplo com ritmo mais longo; nos momentos de ação é mais rápido. Isto permite uma representação musical e plástica. A linguagem precisa e rigorosa dá-lhe uma grande expressividade, apesar do equilíbrio que se verifica.
    Temos uma estrutura em movimento como se fosse um bailado. Toda a mudança do ritmo dá a ideia de movimento.

    2. Conteúdo: rotação psicológica, em que se alternam o pasmo e a exaltação. Esta alternância é dada pela própria estrutura melódica do texto, mudanças de ritmo sucessivos e escolha de vocabulário. No entanto, a rotação psicológica acaba por se fixar, no fim, num modelo de heroísmo.
    Temos ainda o recurso inesperado ao lamento do prisioneiro, que rompe a tensão monótona da bravura do tupi, porque a intenção do poema é mostrar o heroísmo do índio, o que se torna mais nítido porque se opõem duas situações contrastantes.
    Temos uma visão do índio como símbolo da sensibilidade e natureza brasileiras, como elemento lírico e como herói, no sentido idealista.

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