O título, “Partida
para o Contrato”, aponta desde logo para a temática da partida, da viagem,
através do mar, de alguém, neste caso para o contrato, que consistia numa espécie
de trabalho semiescravo, a que muitos colonizados se sujeitavam por não haver
outras formas de sustento durante o período de colonização.
A primeira
estrofe, um dístico, remete desde logo para o sofrimento vivido durante uma
despedida, sofrimento esse refletido pelo rosto da pessoa, tanto da que parte
como das que ficam De facto, o rosto reflete o estado de espírito (“retrata a
alma”), caracterizado (“Amarfanhada”) pelo sofrimento. Atente-se na
expressividade do particípio adjetival «amarfanhada». O verbo «amarfanhar»
significa “criar vincos ou pregas”, “amarrotar”, “amachucar”, o que significa
que, de facto, os rostos daquelas pessoas patenteavam marcas físicas do
sofrimento que sentiam.
A segunda
estrofe identifica a pessoa que parte (Manuel), o momento/tempo em que sucede (“Nesta
hora de pranto / Vespertina e ensanguentada”), o local para onde se dirige (a
ilha de São Tomé), o espaço da travessia (o mar) e quem deixa para trás,
possivelmente a mulher amada (“Manuel / o seu amor”).
A terceira
estrofe, um monóstico, é constituída por uma interrogação (“Até quando?”), que
traduz a voz da mulher que fica à espera de Manuel, magoada, desamparada, sem
qualquer noção de quando ele regressará ou se regressará.
A estrofe
seguinte situa-nos numa praia, caracterizada pelo horizonte, pelo sol e pelo barco
que se afogam no mar. A presença do sol, um elemento que indica luz,
luminosidade e calor, e da embarcação, o veículo que transporta Manuel, que
indica movimento e que representa deslocamento, formam a visão que a mulher tem
daquele momento: a sensação de que se está a afogar com a despedida e de que a
sua dúvida, a sua interrogação, não terá resposta. Por outro lado, a presença
da forma verbal «afogam» indicia a presença da morte: os barcos naufragam e os
que neles viajam correm o risco de se afogar, de morrer. Perante este panorama,
o «eu» poético, ao aludir à presença da noite e/ou da escuridão, enfatiza a
tristeza e o sofrimento da mulher (“escurecendo / o céu escurecendo a terra / e
a alma da mulher”).
O terceto
que se segue é todo dominado pela cor negra: “Não há luz / não há estrelas no céu
escuro / Tudo na terra é sombra”. O mesmo sucede nos dois dísticos que encerram
o poema: “Negrura / Só negrura…”. Ora, esta ausência de luz é muito
significativa, pois sugere que não há alegria na vida daquela mulher, nem
sabedoria ou conhecimento (“não há norte na alma da mulher”). A pessoa que não
tem norte é alguém que está sem rumo, que perdeu a direção ou o caminho, que
está confuso e inseguro. Assim se sente a mulher sem o seu amado Manuel. Apenas
resta a cor negra, que sintetiza o sentido de ser negro como aquele que sofre.
A repetição de palavras que remetem para a ideia de escuridão enfatiza a
tristeza da mulher e a dúvida que sente se o tornará a ver, que se espalham com
as ondas do mar, levando as certezas e a alegria.
O «eu»
poético coloca-se, no poema, como observador privilegiado da cena da partida e
dos efeitos que a mesma acarreta para a mulher. Ora, este tópico constitui um
traço identitário dos africanos, neste caso expresso através da descrição dos
sentimentos de uma mulher apaixonada, que traduz o sentimento coletivo
experimentado por todos aqueles que tiveram de passar por um momento ou uma
situação análoga. Note-se, por outro lado, que o mar simboliza um espaço de
dor, de separação (já era assim, por exemplo, nas cantigas de amigo), de
incerteza e a linha que divide o que é familiar e o que é estrangeiro.
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