O poema está
escrito na primeira pessoa do singular (“fui”, “me”, “mim”, etc.), o que nos
permite entender que o «eu» poético representa a voz do povo angolano.
A quintilha
inicial introduz o sentimento de não-pertencimento e apresenta o oceano como o
responsável pela separação de si: “O oceano separou-me de mim / enquanto me fui
esquecendo nos séculos”. Estes versos sugerem, desde logo, a ideia de cisão do
sujeito lírico com a identidade, comum ao povo africano, visto que, a partir do
contacto com a cultura europeia, as suas tradições são reprimidas, passando a
um não-pertencimento, a um entre-lugar, a um não pertencer a isto nem àquilo.
De facto, o negro não faz parte da primeira cultura (a de origem) nem da
segunda (a estrangeira, a europeia). Isto é fomentado pelo mar / oceano, o
agente da transição de culturas e da transformação do negro colonizado num ser
híbrido, dado que o coloca em contacto com a cultura do colonizador. Para o angolano,
o mar é um elemento negativo, causador de dor e sofrimento, pois foi através
dele que veio o colonizador e que, posteriormente à chegada deste, partiram
muitos africanos rumo à escravatura e ao trabalho de contrato (sem haver a
previsão e a certeza do retorno). Além disso, foi no mar que ocorreram muitas mortes
durante estas viagens. Assim sendo, o oceano é apresentado como aquilo que
rompe com o conhecido e como a divisória entre o velho e o novo.
A noção de
passado e presente, de passagem do tempo é visível no uso de termos como “século”
(v. 2), “presente” (v. 3), “tempo” (v. 5) e “história” (v. 6). Neste contexto,
é importante observar a ideia de que o «eu» poético se foi esquecendo de si
mesmo nos séculos, ou seja, foi perdendo a sua identidade ao longo do tempo,
por causa do contacto com o europeu e, sobretudo, ao facto de ter sido
explorado pelo colonizador. Por outro lado, afirma que, no presente, está a
reunir em si o espaço e a condensar o tempo, remetendo para esse terceiro ser
que resultou da fusão entre a cultura africana e a cultura europeia. Essa ideia
de união é traduzida pelo verbo «reunir», que significa “unir de novo”, ou
seja, o que existe no presente é a reunião de tempos distintos, isto é, a
junção do que havia em África e do novo trazido pelo europeu.
A
ambiguidade em torno da identidade do «eu» é reforçada na segunda estrofe: “Na
minha história / existe o paradoxo do homem disperso”. Estes dois versos
reforçam e reafirmam a necessidade presente de reunir o que há em si.
O terceto
seguinte é dominado pela figura do paradoxo, nomeadamente entre «sorrisos» e
«dor», representando a situação do negro que é explorado e trabalha para a
construção da riqueza europeia: “Enquanto o sorriso brilhava / no canto de dor
/ e as mãos construíam mundos maravilhosos”. O negro sofre (“dor”) enquanto é
explorado e trabalha para a alegria (“o sorriso”) e a riqueza do europeu (“as
mãos construíam mundos maravilhosos”).
A quarta
estrofe introduz um exemplo concreto dos sofrimentos a que o africano estava
sujeito, nomeadamente através da descrição de atos de violência física (“John
foi linchado”, “o irmão chicoteado”) e social (“a mulher amordaçada”, “o filho
continuou ignorante”). Atente-se no nome escolhido para uma das figuras do
exemplo: “John”, um vocábulo de origem inglesa, atribuído a um homem africano
de um país colonizado por Portugal. Isto representa a noção de transposição
cultural, reforçando-se, assim, a ideia de repressão e de afastamento da
cultura nativa, original. Por outro lado, a figura do chicote (“o irmão
chicoteado nas costas nuas”) simboliza o sistema colonial, que dele se socorria
para castigar violentamente o negro e o tornar obediente, submisso e servil. A “mulher
amordaçada” representa a ausência de liberdade, a ausência de voz na sociedade
por parte da mulher, bem como a forma como era privada de participar nas
atividades culturais de raiz do colonizado. Quanto ao filho, simboliza a
perpetuação da situação no futuro: a ausência de conhecimento da sua origem, de
quem é no presente e a educação para o trabalho braçal, perpetuando o que é o
presente e a vida dos pais e avós.
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