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terça-feira, 19 de abril de 2022

O último mamute


Nikola Lites

Análise da cena 10 da Farsa de Inês Pereira

             O Escudeiro, de nome Brás da Mata, entra em cena com o seu Moço, que traz uma viola (símbolo do lado cortesão do seu amo e da vida de diversão, mas também da sua pelintrice).
 
1. Considerações de Brás da Mata sobre Inês
 
● Começa por considerar que, se Inês for como os Judeus casamenteiros a pintaram, não existe melhor partido para ele (“Se esta senhora é tal / como os judeus ma gabaram / certo os anjos a pintaram”). Por outro lado, isto significa que Latão e Vidal são bastante eficientes no seu ofício, dado que encareceram bastante Inês junto do Escudeiro, tal como tinham feito com Brás da Mata relativamente a Inês.
 
● De facto, os dois judeus compararam os olhos da jovem com Santa Luzia, a advogada da visão, e os cabelos com os de Santa Maria Madalena.
 
● No entanto, tamanha «perfeição» suscita nele alguma desconfiança (“e nam pode ser i al”)
1.º) Se é assim tão bela, como é que ainda não casou (“Se fosse moça tão bela, / como donzela seria?”)?
2.º) Desconfia que é uma jovem de mau porte (“Moça de vila”), pouco asseada (“sarnosa”), muito feia e provinciana (“e sarnosa no toutiço / como burra de Castela.” – comparação) e não está seguro da sua castidade (“Se ela fosse donzela / tudo essoutro passaria”, ou seja, fosse ela donzela e o resto não teria importância.
 
● Assim, imaginando que os judeus o enganaram, vai procurar certificar-se se Inês é como aqueles a descreveram, nomeadamente se é honesta, contida e discreta.
 
● A sua postura relativamente a Inês é muito semelhante à que esta adotou relativamente a Pero Marques. De facto, Brás da Mata refere-se à jovem de forma depreciativa e desdenhosa, mesmo antes de a conhecer, tal como ela se manifestara com desprezo e arrogância acerca do primeiro pretendente. E tal acontece por razões semelhantes.
 
 
2. Conselhos da Mãe
 
            De acordo com a Mãe, o comportamento que a filha deve adotar perante o Escudeiro deverá caracterizar-se pela passividade e pela submissão:
▪ falar pouco e não rir demasiado, isto é, ser discreto e recatada;
▪ não encarar o Escudeiro.
            Ou seja, Inês deverá mostrar-se uma mulher sensata e subserviente face ao Escudeiro, que é de condição superior, pois a moça discreta é uma pérola para amar (metáfora). Ou seja, a Mãe aconselha a filha a representar um papel para agradar ao pretendente, ocultando o seu verdadeiro ser (o mesmo acontece com Brás da Mata), o que indicia o seu verdadeiro ser.
 
 
3. Modelo da mulher ideal da época
 
            A fala da Mãe permite-nos colher mais alguns traços daquilo que seria o modelo de mulher da época em que a farsa foi composta: trabalhadora (entregue às tarefas domésticas), recatada e discreta (deveria passar despercebida).
 
 
4. Diálogo entre o Escudeiro e o Moço
 
            Qual é a funcionalidade deste diálogo?
            Na conversa que entabula com o Moço, o Escudeiro mostra o seu verdadeiro caráter, ao combinar com aquele a estratégia para seduzir Inês, que é o mesmo que dizer as mentiras para a enganar:
1.ª) Aconselha Fernando a tirar o «barrete» em sinal de respeito, sempre que estiver na sua presença.
2.ª) Se cuspir no chão, o Moço deverá disfarçar com o pé.
3.ª) Se mentir, gabando-se de ser íntimo do Rei, o Moço deverá conter o riso ou sair, isto é, não o deverá contradizer/desmentir.
            O Escudeiro orienta o Moço para agir de forma coincidente com a sua vontade, para manter as aparências e impressionar Inês.
            Quando Moço reclama que não tem sapatos e calças para se apresentar dignamente em casa de Inês, Brás da Mata começa por mentir, dizendo-lhe que o sapateiro não tem solas nem pela para lhos consertar, e depois promete-lhe que em breve terá dinheiro para lhe pagar.
            E como pensa o Escudeiro obter esse dinheiro? Através do casamento com Inês, dado que pensa que esta o terá e o irá sustentar: “Eu o haverei agora”.
 
 
5. Por que razões o Escudeiro quer casar com Inês?
 
            O Escudeiro, como é um homem pelintra, pretende casar com Inês por interesse económico: “Deixa-me casar a mi / depois eu te farei bem.”
            Por outro lado, deseja desposá-la, porque se trata de uma jovem provinciana e, provavelmente, ingénua, sendo-lhe, portanto, mais fácil dominá-la: “Moça de vila será ela”; “como burra de Castela”.
 
 
6. Caracterização do Escudeiro
 
            O diálogo entre Brás da Mata e Fernando mostra-nos o verdadeiro caráter do Escudeiro e a sua real situação económica. A sua caracterização pode ser feita a partir de duas situações.
 
• Forma como se refere e retrata Inês antes de a conhecer:
- desconfiado / cético: duvida do que os Judeus lhe disseram sobre Inês;
- é hipócrita e dissimulado: troça de Inês quando não é ouvido por ela, mas elogia-a quando fala com ela;
- astuto, trocista e desdenhoso: “cumpre-me bem atentar / se é garrida, se honesta”; “Moça de vila será ela / com sinalzinho postiço”.
 
• Relação com o Moço:
- é falso e mentiroso: “E se me vires mentir / gabando-me de privado”;
- é cínico, pretensioso e dissimulado (pretende ser íntimo do rei);
- é arrogante e autoritário: “Aviso-te que hás de estar / sem barrete onde eu estou”;
- é pobre: o estado do calçado e do vestuário do criado evidenciam-no (“Que farei, que o sapateiro / não tem solas nem tem pele?”);
- é calculista, oportunista e ambicioso: pretende viver à custa da mulher;
- é manipulador (“faze-o por amor de mi”).
 
 
7. Figura do Moço
 
Papel: desmistificar a personagem do Escudeiro através dos seus apartes, nomeadamente a pobreza, bem patente no seu próprio calçado e vestuário.
 
• Qual é a sua reação às falas do Escudeiro?

1. Submete-se às ordens de Brás da Mata e cala-se.

2. Critica, de forma irónica, as atitudes do dono, através dos apartes.

3. Denuncia a pobreza do Escudeiro.

 
Caracterização
 
     Nesta sua aparição inicial, o Moço revela-se crítico e irónico nos apartes que vai produzindo, denunciando, assim, a pelintrice do seu amo. Por outro lado, mostra-se sensato, visto que não se deixa impressionar pelas promessas do Escudeiro [“(Homem que não tem nem preto, / casa muito na má hora.)”].
 
 
8. Cómico
 
1. De caráter: a figura do Escudeiro, mentiroso, falso, dissimulado, pelintra.
 
2. De linguagem:
- a ironia do Moço, desmascarando a pelintrice e o caráter do Escudeiro;
- as falas trocistas do Escudeiro sobre Inês: “Moça de vila será ela / com sinalzinho postiço, / e sarnosa no toutiço, / como burra de Castela.”
 
 
9. Crítica
 
            Neste diálogo, Gil Vicente inicia o processo de crítica que recai sobre Brás da Mata, o tipo do escudeiro pelintra, mentiroso, dissimulado e oportunista que procura no casamento uma forma de sobrevivência e subsistência.
            Atentemos nas palavras de Maria Leonor da Cruz (in Gil Vicente e a sociedade portuguesa de quinhentos. 1990. Lisboa. Gradiva, p. 135): «Se o culto das aparências domina em particular aquele estrato social que, devido às mutações socioeconómicas que a sociedade portuguesa atravessa e à sua incapacidade de adaptação, a novos moldes, se encontra em decadência económica, mas procura manter um modo de vida faustoso, de acordo com o prestígio que granjeia na sociedade, ele estende-se também […] a camadas de escalão social inferior que com a fidalguia se pretendem identificar, embora quantas vezes não tenham nem sangue nobre nem disponibilidades financeiras para tanto.
            O prestígio e o título de nobre continuam a ter, de facto, um peso preponderante na sociedade da época, a que se alia um modus vivendi de sumptuária, real ou fictício, para obtenção do qual muitos se mobilizam.»
            Já nas palavras de António José Saraiva e Óscar Lopes (in História da Literatura Portuguesa. Porto Editora), o escudeiro «É tipo insistente nos autos vicentinos […], género de parasita ocioso e vadio […]. O Escudeiro imita os padrões da nobreza, toca guitarra, verseja, faz serenatas às filhas dos “oficiais mecânicos”, pavoneia-se de bravo e cavaleiro, espera o seu “acrescentamento”, que o instalará de vez na nobreza. Mas não trabalha, passa fome estreme, tem medo, é corrido sob a chuva de insultos da mãe da pretendida, que o aconselha a aprender um ofício para não morrer à míngua.”
            De facto, no tempo de Gil Vicente, os escudeiros eram uma classe social desprestigiada, embora com ideias de grandeza. De facto, Brás da Mata apresenta-se como alguém importante, conhecido do rei, mas, na realidade, é um pobretanas cujo Moço usa calçado roto que ele não pode reparar, que não tem dinheiro e espera obtê-lo por meio do casamento.
            Deste modo, a sátira que Gil Vicente constrói a partir da figura deste escudeiro centra-se no contraste entre o que ele presumia e queria aparentar ser e o que era na realidade.
 
 
10. Linguagem
 
. Comparação: “Como burra de Castela” (sugere a ingenuidade o provincianismo de Inês, que, na cabeça do Escudeiro, seria fácil de dominar).
 
. Provérbio: “Homem que não tem nem preto, / Casa muito na má hora.” (= quem não tem dinheiro não devia casar.)
 

Autárquicas 2021: virar o 69


 

Na aula (XLIII): a vida romanceada de D. João I

     D. João I casado com Leonor Teles era rei de Lisboa até a sua própria mulher o ter matado para conseguir ela subir ao trono. Ela teria um caso com el-rei de Castela e ele quando soube que não seria ela a rainha mas sim o mestre de Avis ele decidiu atacar a cidade de Lisboa.

André A.

Café do Espírito Santo - Brasil





segunda-feira, 11 de abril de 2022

Putin, o pequeno açougueiro


Michael Ramirez

 

Pagamentos "contactless" com "microchips" implantados na mão

    A empresa polaca Walletmor criou, em 2019, um microchip para implantar na mão destinado a efetuar pagamentos contactless.

    O implante pode ser utilizado para pagar uma bebida numa praia ou um corte de cabelo, em qualquer lugar do mundo em que sejam aceites pagamentos via contacless. O chipe a implantar pesa menos de uma grama e é pouco maior que um bago de arroz, sendo composto por um microchip e uma antena, envolvido num material natural composto por biopolímero, semelhante a plástico, não requerendo alimentação de energia.

    A tecnologia comunica através de NFC, o mesmo sistema de pagamentos contactless utilizados nos smartphones. No que diz respeito à questão da segurança, a tecnologia é a mesma de que as pessoas fazem uso no seu dia a dia, consistindo a única diferença o facto de esta se encontrar implantada no próprio corpo, dispensando o recurso a um cartão ou telefone, e de a sua ativação necessitar de ser feita a uma distância muito próxima dos terminais magnéticos.

    No que diz respeito a riscos, os chips contêm dados pessoais do utilizador, podendo ser usados de forma abusiva ou para a prática de ilicitudes.

    Por outro lado, esta tecnologia contactless pode ser utilizada por pessoas com deficiência, por exemplo, para abrir portas automaticamente.

O Carniceiro de Bucha (V)

Morten Morland

O Carniceiro de Bucha (IV)


Marian Kamensky

 

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Como distinguir a oração subordinada adjetiva da oração subordinada substantiva completiva

    A oração é subordinada adjetiva relativa se a conseguirmos transformar numa questão introduzida por O que? (ou Onde?, Quem?..., consoante a palavra relativa que a introduz) e a resposta se encontrar antes, na oração subordinante.

    Exs.:    
            Visitei o monumento que me indicaste.
            O que me indicaste?
            Resposta: «o monumento»

            O meu tio que morou nos EUA faleceu em janeiro.
            Quem morou nos EUA?
            Resposta: «O meu tio»

    Por seu turno, uma oração é subordinada substantiva completiva se fizermos a pergunta O quê? à oração subordinante e a resposta por uma oração introduzida por que, se ou para.
    Exs.:
            Putin pensou que a guerra duraria 48 horas.
            Putin pensou o quê?
            Resposta: «que a guerra duraria 48 horas»

            Julguei que hoje era feriado.
            Julguei o quê?
            Resposta: «que hoje era feriado»

            A Miquelina perguntou se amanhã haveria aula.
            A Miquelina perguntou o quê?
            Resposta: «se amanhã haveria aula»
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