Português

sexta-feira, 28 de abril de 2023

Tema e assunto



Tema: é a ideia principal de um texto e pode ser traduzida numa palavra ou numa expressão curta, que indica de que trata o texto.

 
Como se identifica o tema de um texto?

Através de vocábulos e expressões utilizados ao longo do texto.

 
Exemplos:

 

Expressões textuais

Temas do texto

• “Amor é um fogo que arde sem se ver”

• “o sentimento amoroso”

• “Como pode o amor…”

O amor

• “fresca serra”

• “verdes castanheiros”

• “o rouco som do mar”

A natureza

• “Aquela cativa”

• “Eu nunca vi rosa”

• “mais formosa”

A mulher / A beleza da mulher


Assunto: é uma espécie de síntese, mínima, das ideias mais importantes do texto. Formula-se numa ou duas frases. Ou seja, o assunto é constituído por aquilo que o texto nos diz.

                        . Exemplos:

terça-feira, 25 de abril de 2023

Análise do poema "A porta", de Vinicius de Moraes


             O poema, constituído por cinco estrofes de versos heptassílabos / em redondilha maior (o que o associa ao folclore popular brasileiro), coloca-nos face a um objeto inanimado que existe em quase todas as casas do mundo e que faz parte do dia a dia de qualquer um de nós.

            De facto, a porta é feita de um material sem vida e está imóvel, aparentando, à primeira vista, não ter grande utilidade. No entanto, ela adquire vida pelo uso, pelo seu movimento e dinamismo (abre e fecha) e pela serventia que tem, além de servir como proteção. De facto, uma porta é uma passagem que permite a entrada e a saída de pessoas: está em constante movimento e a própria porta favorece essa movimentação.

            Note-se que, atentando no título, o «eu» poético não se refere a uma qualquer porta, mas a “a porta”, como o indicia a presença do determinante artigo definido a anteceder o nome. Ela indica várias passagens, vários caminhos, e escolhe quem ou o que deixa passar: o menininho, o namorado, a cozinheira e o capitão.

            Porém, como se trata de uma porta muito inteligente (a personificação do objeto estende-se por todo o poema), é capaz de distinguir o bem do mal, por isso protege a casa, impede que o mal entre nela: “Eu fecho a frente da casa / Fecho a frente do quartel / Fecho tudo no mundo”.

            O último verso do texto reafirma a ideia da abertura da porta para o bem, para a liberdade: “Só vivo aberta no céu!”

Natal de sorrisos - Pete Player


Pete Player

O feminino em A Farsa de Inês Pereira


terça-feira, 18 de abril de 2023

A frase ativa e a frase passiva


Frase ativa: o sujeito da frase ativa pratica a ação / é o agente da ação expressa pelo verbo.
‑ Fr ativa: O gato comeu o rato.
sujeito    verbo: ação comer
pratica a ação, isto é, comer
 
Frase passiva: o sujeito da frase sofre a ação expressa pelo verbo.
‑ Fr passiva: O rato foi comido pelo gato.
sujeito
sofre a ação, isto é, é comido
 
Regras para a transformação da frase ativa em frase passiva
 
1.ª) O complemento direto da frase ativa passa a sujeito da frase passiva.
‑ Fr ativa: O gato comeu o rato.
complemento direto
‑ Fr passiva: O rato foi comido pelo gato.
sujeito
 
2.ª) O verbo principal da frase ativa passa para o particípio passado e é introduzido o verbo ser (auxiliar da passiva), conjugado no mesmo tempo e modo em que se encontra o verbo principal da ativa.
 ‑ Fr ativa: O gato comeu o rato.
verbo principal no pretérito perfeito do modo indicativo






 


3.ª) O sujeito da frase ativa passa a complemento agente da passiva na frase passiva, antecedido pela preposição por, simples ou contraída.
‑ Fr ativa: O gato comeu o rato.
sujeito
‑ Fr passiva: O rato foi comido pelo gato.
complemento agente da passiva

verbo auxiliar ser
+
verbo principal no
particípio passado
 
4.ª) Na frase passiva, o verbo auxiliar e o particípio passado concordam em género e número com o sujeito.
‑ Fr ativa: O gato tem comido os ratos.
‑ Fr passiva: Os ratos têm sido comidos pelo gato.
 
5.ª) Os demais elementos da frase, se os houver, mantêm-se inalterados.
‑ Fr ativa: Ontem, pelas onze horas, o gato comeu o rato na cozinha.
‑ Fr passiva: Ontem, pelas onze horas, o rato foi comido pelo gato na cozinha.
 
6.ª) A frase ativa tem de ter um complemento direto para se poder transformar em frase passiva.
 
7.ª) O complemento agente da passiva pode surgir:
a) em frases passivas, com o verbo auxiliar ser seguido do verbo da frase ativa no particípio passado (os exemplos analisados até aqui):
A Maddie foi raptada por um louco.
b) em estruturas participiais, isto é, sem o verbo auxiliar expresso:
Este é um caso conhecido de [= por] todos.
 
8.ª) Uma frase ativa com sujeito indeterminado resulta numa frase passiva sem complemento agente da passiva.
‑ Fr ativa: Assaltaram a igreja. [sujeito indeterminado: alguém assaltou a igreja, mas não se sabe quem foi]
‑ Fr passiva: A igreja foi assaltada. [ausência de complemento agente da passiva]

Procedimentos a adotar para transformar a frase ativa em passiva
 
1.º) Identificar o complemento direto da frase ativa:

‑ Fr ativa: O gato comeu o rato.
complemento direto
 
2.º) Colocar o complemento direto como sujeito da frase passiva:

‑ Fr passiva: O rato…
 
3.º) Identificar o verbo principal da frase ativa e o tempo e o modo em que se encontra:













 
5.º) Introduzir, na frase passiva, o verbo principal da frase ativa no particípio passado:

‑ Fr passiva: O rato foi comido
verbo principal da frase ativa
no particípio passado
 
6.º) Identificar o sujeito da frase ativa:

‑ Fr ativa: O gato comeu o rato.
sujeito
 
7.º) Colocar o sujeito como complemento agente da passiva na frase passiva:

O rato foi comido pelo gato.
complemento agente da passiva
 
Regras para a transformação da frase passiva em frase ativa
 
1.ª) O sujeito da frase passiva passa a complemento direto na frase ativa.
 
2.ª) O complemento agente da passiva da frase passiva passa a sujeito na frase ativa.
 
3.ª) Na frase ativa, desaparece o verbo auxiliar ser, surgindo apenas o verbo principal, que é colocado no mesmo tempo e modo que o verbo auxiliar da frase passiva.


sábado, 15 de abril de 2023

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Origem e evolução do português: do indo-europeu ao latim

          Nos finais do século XVIII, os europeus que contactaram com a literatura tradicional da Índia verificaram que o sânscrito, língua clássica daquele país geograficamente longínquo, era semelhante ao latim e ao grego de tal forma que teria de ter uma origem comum.
         Nas décadas seguintes, compreendeu-se que também as línguas germânicas, celtas e eslavas, bem como o persa, pertenciam à mesma família, a que se passou a chamar indo-europeu por a ela pertencerem quase todas as línguas da Europa, da Índia e de grande parte das regiões entre uma e outra.
         As línguas dos países indo-europeus (
 

Alfama, Lisboa


Drawings

SAPO24, um chorrilho de asneiras


     Dizer o quê? São tantas as calinadas em tão curto espaço...

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Análise da Conclusão de Amor de Perdição


  Contextualização
 
            A Conclusão constitui o desfecho da novela, pelo que esclarece junto do leitor o destino de Simão e Mariana, visto que a morte de Teresa ocorreu no capítulo anterior. Não obstante, a sua presença materializa-se na Conclusão através da última carta que escreve ao seu amado.

            A 17 de março de 1807, ao deixar o Porto a caminho do desterro, Simão vê, pela última vez, Teresa, que lhe acena do mirante do convento de Monchique. Desesperado, Simão corresponde ao gesto de Teresa, ficando a saber mais tarde da sua morte pelo comandante da nau. Pouco antes, tinha recebido o embrulho das cartas que escrevera a Teresa, que ela, à beira da morte, lhe fizera chegar através de uma mendiga.


 
Funções da Conclusão
 
            Quando um texto narrativo termina com uma Conclusão, esta desempenha, normalmente, funções muito específicas:

1.ª) Explicitar os grandes sentidos morais, ideológicos ou sociais que a ação e o destino das personagens envolvem.

2.ª) Clarificar a situação em que se encontram as personagens, após o final da ação, completando o relato feito ao longo da novela. É por isso que as personagens que constituem o triângulo amoroso (Simão, Teresa e Mariana) estão presentes na Conclusão (Simão e Mariana em carne e osso e Teresa presentificada através da sua carta).

 
 
Estrutura da Conclusão
 
1.º) A última carta de Teresa

            Simão vela no camarote do comandante do navio. À meia-noite, uma localização temporal do agrado dos românticos, o fidalgo pega no maço de cartas que Teresa lhe enviara e decide ler a última que a jovem lhe escrevera.

Tal como sucedeu em vários capítulos da novela, o género epistolar está presente na Conclusão, constituindo um elemento fundamental para o conhecimento da história e doestado de alma das personagens.

O género epistolar está presente na Conclusão de duas formas:

1.º) Como discurso: a última carta de Teresa para Simão, que este lê em estado de agonia e a caminho da morte.

2.º) Como objeto material com valor simbólico: o maço de cartas trocadas entre Simão e Teresa, que Mariana conserva.

Esta carta de Teresa, a última, é a mais expressiva de todas as do Amor de Perdição, constituindo um documento impressionante.

Teresa coloca-se numa posição especial, como se estivesse situada em vários tempos:

- No presente em que escreve a carta: “É já o meu espírito que te fala, Simão”.

- No passado que ela já será (morta), quando Simão ler a carta: “A tua amiga morreu”.

- No futuro da leitura de Simão e da própria personagem, após a morte de Teresa: “Tu nunca hás de amar, não, meu esposo?”.

Esta questão do tempo permite que passado, presente e futuro convirjam naquela carta, como se Teresa possuísse um poder que se situa além da sua condição humana.

As funções da carta são óbvias: 1.ª) uma despedida de Teresa, visto que nela antecipa a sua morte e estamos perante as últimas palavras que dirige a Simão; 2.ª) a rememoração do amor entre ambos e os seus planos; 3.ª) a formulação de uma mensagem de esperança relativamente à realização do amor de ambos num plano espiritual.

A carta constitui, pois, uma despedida de Teresa relativamente a Simão, um texto profundo, intenso e emotivo. Recorde-se que a fidalga já tinha morrido no mirante do convento de Monchique.

Teresa inicia a carta referindo-se à sua própria morte: “É já o meu espírito que te fala, Simão.” Deste modo, ela parece situar-se numa dimensão não terrena, transcendente. A missiva constitui, portanto, uma confirmação da sua morte e da inevitabilidade da mesma: “… era inevitável fechar os olhos quando se rompesse o último fio, este último que se está partindo, e eu mesma o ouço partir.”

Essa ideia acentua-se quando, no parágrafo seguinte, Teresa se apelida de “esposa do céu”, o que significa que acredita no amor eterno, antevê a possibilidade de realização do amor numa outra dimensão, numa outra vida. Outras passagens da carta confirmam-no: “A infeliz espera-te noutro mundo, e pede ao Senhor que te resgate.”; “À luz da eternidade parece-me que já te vejo, Simão!”. Ou seja, como é impossível a concretização do amor de ambos na terra, Teresa espera o reencontro com o amado e a união espiritual dos dois numa existência supraterrena.

Na epístola, Teresa recorda os projetos de vida que ambos tinham delineado, evocando um passado feliz, porque era cheio de sonhos e esperança numa vida futura em comum: “A vida era bela, era, Simão, se a tivéssemos como tu ma pintavas nas tuas cartas que li há pouco!” Essa felicidade idílica, numa vivência plena do amor, é acentuada por referências a elementos da Natureza: “Estou vendo a casinha [atente-se no diminutivo carregado de afetividade] que tu descrevias defronte de Coimbra, cercada de árvores, flores e aves.” Esta recordação do passado, da felicidade futura entrevista, confere maior dramatismo à missiva e à situação atual dos dois jovens amantes, visto que essa felicidade idílica e idealizada contrasta profundamente com o presente de ambos: “Oh! Simão, de que céu tão lindo caímos!”

No final da carta, Teresa pede a Simão que não ame mais ninguém: “Tu não hás de amar, não, meu esposo?” Deste modo, se Simão acatasse o pedido da fidalga, o amor entre ambos seria eterno e concretizar-se-ia no Céu, onde se encontrariam e poderiam viver o seu amor e ser felizes.

Por outro lado, o tom com que a epístola termina é profundamente de desgraça e perdição, apresentando Teresa a morte como a única saída para os dois apaixonados: “Que importa morrer, se não podemos jamais ter nesta vida a nossa esperança de há três anos? […] a morte é mais do que uma necessidade, é uma misericórdia divina, uma bem-aventurança para mim.” Para Teresa, a morte é a única solução para um amor impossível, e os dois apaixonados encontrar-se-ão na eternidade: “a infeliz espera-te noutro mundo”.

O discurso de Teresa na missiva é marcado por diversos recursos expressivos, como a metáfora e vocabulário associado à dor, ao sofrimento e à morte (“martírio”, “desgraça”, “malfadada”).

 
2.º) Últimos dias de Simão
 
Antes de mais, é preciso referir que a morte de Teresa, ocorrida no capítulo anterior, repita-se, pressupõe a morte de Simão, dado que um não vive sem o outro.

Após a leitura da carta de Teresa, Simão sobe ao convés, cambaleando, e contempla o mirante de Monchique, “que avultava negro no sopé da serra penhascosa em que atualmente vai a Rua da Restauração.” O mirante vazio e negro enfatiza a sua perda, isto é, a morte de Teresa.

A partir deste momento, Simão é acometido de uma febre maligna, de ânsias e delírios, e entra numa lenta agonia que o conduz à morte: “saiu cambaleando”, “segurou entre as mãos a testa, que se lhe abria abrasada pela febre. […] cair o meio corpo.”, “Seguiu-se a febre, o estorcimento, e as ânsias, com intervalo de delírio.”, “era febre maligna a doença, e bem podia ser que ele achasse a sepultura no caminho da Índia.”, “A febre aumentava. Os sintomas da morte eram visíveis aos olhos do capitão.” Sentindo a aproximação da morte, pede a Mariana que, quando fechar os olhos, lance ao mar as cartas que trocou com Teresa.

À medida que a febre vai aumentando, “… os sintomas da morte eram visíveis aos olhos do capitão.” De seguida, é referida uma tempestade que se abate sobre o navio, que traduz ao gosto romântico, a dor física e emocional de Simão (“O navio fez-se ao largo muitas milhas e, perdido o rumo de Lisboa, navegou desnorteado.”), constituindo a morte o apaziguamento, a paz.

Já moribundo, Simão delira e recorda passagens da última carta de Teresa, tendo sempre a seu lado Mariana, a quem se refere como “puro anjo” e a quem diz: “Tu virás ter connosco; ser-te-emos irmãos no Céu… O mais puto anjo serás tu… se és deste mundo, irmã…”. A presença de Mariana torna-se, à semelhança de Teresa, espiritual, não terrena. No seu delírio, Simão sente a presença das duas figuras femininas que o amavam.

A morte de Simão ocorre ao romper da manhã (sugerindo a manhã uma morte redentora), nove dias após a carta de Teresa, apertando a mão de Mariana. Essa morte, ocorrida por um ideal – o amor, contribui para confirmar o estatuto de Simão como herói romântico: Simão morre por amor, porque não pode viver sem Teresa. Por outro lado, o passamento dos dois protagonistas torna-se, assim, consequência da liberdade que desejavam e que a sociedade não lhes concedem. De facto, a morte de ambos pode ser lida como um grito de revolta contra a sociedade da época e um sinal de mudança social a que muitos aspiravam. O seu corpo é atirado ao mar.

 
3.º) Desenlace – as mortes de Simão e Mariana
 
Quando Simão morre a 28 de março, Mariana “curvou-se sobre o cadáver e beijou-lhe a face. Era o primeiro beijo.”, o que mostra que a morte proporcionou uma aproximação física e espiritual entre ambos.

No momento em que o corpo morto de Simão é lançado ao mar, Mariana atira-se à água e abraça o seu cadáver, que uma onda traz até si. Em vida e na morte, a filha do ferrador sempre esteve ao seu lado e nunca o abandonou.

Por que razão Mariana morre? A filha de João da Cruz jamais poderia sobreviver à morte de Simão, dado que o seu destino estava irremediavelmente ligado ao do fidalgo. A decisão de se suicidar no momento da morte de Simão representa uma concretização do seu amor, ou seja, é uma forma de estar (como sempre esteve) ao lado de quem ama. O amor prevalece sobre todos os sentimentos e não é vencido pela morte, à semelhança do que sucede com Teresa e Simão.

• Mariana salta para a água com as cartas trocadas entre Teresa e Simão, cumprindo o pedido que este lhe fizera (“[…] atire ao mar todos os meus papéis, todos; e estas cartas que estão debaixo do meu travesseiro também.”), que os marinheiros acabam por recuperar. Note-se que a apresentação da correspondência trocada entre ambos os protagonistas cria um efeito de verosimilhança no que diz respeito à novela. De facto, para que a ação da novela fosse verosímil, as cartas são poderiam desaparecer na água, antes tiveram de ser recolhidas. Se elas se tivessem perdido, a sua transcrição na obra não seria credível, pois o autor não teria sido acesso a elas. Por outro lado, nessa correspondência está representado um amor que levou à perdição.

• De acordo com o professor Carlos Reis, na Conclusão, o triângulo amoroso dá lugar ao triângulo da perdição, ideia comprovada por vários elementos:

1.º) A carta de Teresa e as expressões de perdição e morte que contém, como, por exemplo, “A tua amiga morreu”, “tua esposa do céu”, “a infeliz espera-te noutro mundo”, “e eu na sepultura”, entre muitas outras.

2.º) A situação de agonia e delírio em que cai Simão, seguida da sua morte.

3.º) O suicídio de Mariana, antecipado pela própria quando, respondendo a uma pergunta de Simão, lhe diz: “Morrerei, senhor Simão”.

Por outro lado, Teresa e Simão vivem um amor correspondido, mas os dois foram-se afastando fisicamente ao longo da obra. Já Mariana ama Simão, porém não é correspondida, mas as duas personagens estão cada vez mais próximos fisicamente. Essa aproximação física culmina com o beijo de Mariana a Simão e o desaparecimento de ambos nas águas do mar, com a filha de João da Cruz abraçada ao corpo do fidalgo.

Na Conclusão, o tempo surge concentrado. A categoria está bem demarcada e o narrador vai anunciando a sua passagem: “Às onze horas da noite…”, “à meia-noite”, “às três da manhã”. A morte de Simão ocorre a 28 de março, pelo que os 11 dias da partida e da viagem são narrados em cerca de cinco páginas.

No final da obra, o destino e o livre arbítrio cruzam-se. Por um lado, o comandante da nau refere que foi a má «estrela» de Simão que o conduziu à morte. Por outro e por oposição, Mariana suicida-se, concretizando uma opção individual premeditada e refletida.

 
 
Relação biográfica

            No último parágrafo da Conclusão, o narrador explicita as relações entre as personagens da novela e a família do autor, reforçando, assim, o caráter biográfico da mesma, anunciado na Introdução. Informa o leitor que Manuel Botelho, irmão de Simão, é o pai do autor da obra, Camilo Castelo Branco. Assim sendo, Simão é tio de Camilo,

            Da família do protagonista, no momento da escrita da novela, a única figura ainda vida era Rita, a irmã predileta do fidalgo e tia de Camilo, que faleceu em 1872.


 
Caracterização de Mariana
 

            Mariana ama Simão e, assim sendo, é-lhe de uma dedicação extrema, cuidando dele doente (“Mariana, que levantava a cabeça ao menor movimento dele.”) e sacrifica-se para o acompanhar (“– Se não o incomodo, deixe-me aqui estar, senhor Simão.”). Mas, para tal, tem de enfrentar várias provações que se refletem no seu aspeto físico: “Mariana tinha envelhecido”. Não obstante, abnegada como sempre, está ao seu lado sempre, incluindo no momento da morte, com a resiliência que o amor lhe proporciona: “Mariana ouviu o prognóstico e não chorou.”

            Além disso, Mariana mostra-se sempre solidária, humilde e submissa (“– Se não o incomodo, deixe-me aqui estar, senhor Simão”), abnegada e determinada na luta pelo seu amor e, à semelhança de Teresa, crença no amor eterno (“Viram-na, um momento, a bracejar, não para resistir à morte, mas para abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços.”).

            Quando o filho de Domingos Botelho mergulha num estado de agonia e delírio, inicialmente, a filha do ferrador declara-se pronta para morrer (por amor) se o mesmo acontecer a Simão (“– Morrerei, senhor Simão.”). Depois, à medida que este fica mais debilitado, Mariana manifesta os efeitos físicos que essa debilidade lhe causa (“Mariana tinha envelhecido.”). Posteriormente, o facto de apertar o embrulho com as cartas de Teresa e Simão à sua cintura, indicia a decisão que tomou e que conheceremos pouco depois. O primeiro beijo que lhe dá acontece com ele já morto, assim de associando amor e morte. Por último, durante o funeral do fidalgo, a sua postura apática e quase indiferente compreende-se tendo presente a dita decisão de se lançar ao mar atrás do corpo do jovem (“[…] e parecia estupidamente encarar aqueles empuxões que o marujo dava ao cadáver…”).

            Em suma, o suicídio de Mariana decorre do amor-paixão que sente por Simão, caracterizado por uma dedicação, um espírito de abnegação e intensidade sentimental tais que abdica da própria vida para se unir ao seu amor para sempre. Deste modo, a morte proporciona-lhe a concretização do amor pelo jovem fidalgo, abraçando o seu corpo para a eternidade, bem como a paz que o amor por ele nunca lhe trouxera. A imagem é bastante sugestiva: o destino atira-lhe para os braços o corpo do seu amado: “[…] que uma onda lhe atirou aos braços.”

            O final da novela é tipicamente romântico, ao apresentar a solução característica para cada um dos amantes infelizes: a morte.



Relação entre Simão e Teresa

            Como já vimos noutros capítulos, Simão olha para Mariana como uma amiga ou uma irmã, ao passo que ela o ama profundamente. Abnegadamente, sofre por ciúmes, por saber do amor de Simão por Teresa, mas, ainda assim, nunca o abandona, nem nos momentos mais difíceis.

            Por seu turno, o académico tem consciência da pureza e consistência dos sentimentos da filha de João da Cruz, bem como do seu espírito de sacrifício, procurando nela o amparo de que necessita nos seus últimos dias.


 
Função dos diálogos

Simão e Mariana, através dos diálogos, comunicam decisões (por exemplo, a jovem declara que morrerá se o fidalgo falecer).

As duas personagens exprimem emoções, sentimentos e preocupações.

Os diálogos servem ainda para apresentar informações e esclarecer factos (por exemplo, o destino da correspondência de Teresa e Simão).

 
 
Espaço físico
 
• A ação da Conclusão decorre a bordo do barco que transporta Simão e Mariana para o degredo, na Índia.

• O espaço referido logo no início da Conclusão é o camarote/o beliche que serve de aposento de Simão. Trata-se de um espaço muito pequeno, que oprime a personagem, levando-a a confessar ao comandante que aí sofre mais do que no convés.

• Como sucede noutros passos da obra, o narrador é muito económico no que toca à descrição do espaço físico. Desta forma, o leitor concentra a sua atenção nas personagens, nos seus dramas, sentimentos e emoções.

• A redução/concentração do espaço, à medida que a ação avança, contribui para adensar a atmosfera dramática/trágica.

 

Concordância entre sujeito e verbo e outras patacoadas


     As chamadas revistas cor-de-rosa são um manancial de homicídios da língua portuguesa.

    Neste caso, destaca-se logo a colocação do sujeito no singular ("Alcoolismo") e o verbo no plural ("fizeram"). Deixando de lado a falha na hifenização (que pode resultar de um problema informático - o Word, por exemplo, não permite o uso de «duplo hífen»), outra calinada que fere os olhos é a ausência de vírgula(s) a isolar a oração subordinada adjetiva relativa explicativa.

    Em suma, o manancial dos nosso «media» é infindável.

quarta-feira, 12 de abril de 2023

Análise do capítulo XIX de Amor de Perdição


  Síntese dos capítulos anteriores
 
Capítulo XI
 
            Domingos Botelho toma conhecimento da prisão de Simão e determina que o filho seja tratado de acordo com a lei. O jovem aceita com indiferença esse tratamento e dá entrada na prisão. Mariana apresenta-se, para lhe dar apoio.
 
Capítulo XII
 
            O narrador transcreve parte de uma carta de uma irmã de Simão, recordando, 57 anos depois, a reação da família à prisão e à condenação à morte. Depois disso, relata-se o julgamento de Simão e os comentários que provoca. Mariana entra num estado próximo da loucura.

Capítulo XIII

 

            Após a prisão de Simão, Teresa é conduzida ao convento de Monchique e dá sinais de fraqueza e doença. As cartas trocadas entre os amantes evidenciam o desgosto de ambos pela separação e pela morte próxima de Teresa.

 

Capítulo XIV

 

            Tadeu de Albuquerque chega ao convento para levar Teresa para Viseu, mas a filha recusa. A madre apoia-a e Tadeu, não obstante as diligências que faz, não consegue o que deseja.

 

Capítulo XV

 

            Simão continua preso na Cadeia de Relação, no Porto, e passa ao papel os seus pensamentos e reflexões sobre o seu destino. João da Cruz visita-o e dá-lhe conta das melhoras de Mariana; depois leva uma carta do fidalgo para Teresa. Entretanto, Mariana ficará a cuidar de Simão.

 

Capítulo XVI

 

            Neste capítulo, narra-se a fuga de Manuel Botelho, irmão mais velho de Simão, com uma mulher casada. Trata-se de um incidente que não tem grande ligação com os amores de Teresa e Simão, mas que mostra o modo de ser de Domingos Botelho.

 

Capítulo XVII

 

            João da Cruz está em casa e dedica-se ao trabalho de ferrador. Entretanto, é visitado por um estranho que, após um breve diálogo, dispara sobre ele, matando-o, num ato de vingança. Mariana recebe a notícia na prisão, onde acompanha Simão, e ambos reagem com grande emoção.

 

Capítulo XVIII

 

            Mariana, agora sem pai, decide acompanhar Simão no degredo. As suas manifestações de dedicação ao fidalgo intensificam-se, ao ponto de anunciar que se suicidará, quando a sua companhia já não for necessária. Não há mais como esconder o seu amor por Simão.

 

 

Análise do capítulo

 

1. Reflexão sobre a verdade e a ficção

 

            Nesta parte final da novela, o sofrimento das personagens intensifica-se, e o narrador faz ouvir a sua voz com grande nitidez e aproxima-se do leitor.

            De acordo com o professor Carlos Reis (Educação Literária – Leituras Orientadas, Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco, Porto. Porto Editora,2016, p. 108), a “presença do narrador manifesta-se de três formas:

• Pelos comentários que tratam de temas como a verdade e a sua presença na ficção narrativa.

• Pela organização do tempo, orientada para o momento em que, no capítulo seguinte, Simão parte para o degredo.

• Pelas interpelações, quando, usando a segunda pessoa, o narrador se dirige à personagem (Simão) e ao leitor. Trata-se de um procedimento que cria uma certa intimidade com quem é interpelado e mostra um conhecimento amplo da condição humana, das suas motivações e das suas reações. Por exemplo: «Assim te sentias tu, infeliz, quando dezoito meses de cárcere […] te haviam matado o melhor da alma”; “De além, daquele convento onde outra existência agonizava, gementes queixas te vinham espremer fel na chaga».”

            O narrador inicia o capítulo com uma reflexão sobre a presença da verdade e da ficção num romance. Assim, de acordo com a sua dissertação:

• A verdade é difícil de enquadrar na ação: ela é “o escolho de um romance”.

• Um romance que assenta na verdade “é frio, é impertinente, é uma coisa que não sacode os nervos”.

• A verdade que faz sofrer não deve ser apresentada aos leitores do romance e da novela (os “painéis do público”).

• O narrador declara ter perdido o juízo a estudar a verdade. Por isso, decide “pintá-la como ela é, feia e repugnante”.

• Assim, o narrador vai apresentar a verdade como ela é: “a verdade do coração humano”, ou seja, a história narrada é de sofrimento.

            De seguida, o narrador dirige-se ao leitor, concretamente ao “leitor inteligente”, questionando-o se “a desgraça arvora ou aquebranta o amor”, isto é, se os obstáculos ao amor o tornam mais intenso ou se, pelo contrário, acalmam o ânimo de quem ama. Esta interrogação retórica (“A desgraça afervora ou quebranta o amor?”) permite criar cumplicidade com o leitor, despertando-o para o que vai acontecer em seguida. Além da interrogação, outros recursos expressivos contribuem também para esta finalidade, como a exclamação (“A verdade do coração humano!”) e a enumeração (“A Índia, a humilhação, a miséria, a indigência.”).

            No entanto, o narrador não apresenta uma resposta para essa pergunta, antes afirma que “Factos e não teses é o que eu trago para aqui”. Que factos são esses? Após dezanove meses na prisão, Simão deseja ardentemente a liberdade: “[…] almejava um raio de sol, uma lufada de ar não coada pelos ferros, o pavimento do céu…”. Por isso, em vez de aceitar a comutação da pena – dez anos de cárcere em Vila Real – prefere o degredo na Índia, porque “Ânsia de viver era a sua; não já era ânsia de amar” e porque “O que é o coração, o coração dos dezoito anos, o coração sem remorsos, o espírito anelante de glórias, ao cabo de dezoito meses de estagnação da vida?”

            De seguida, interpela diretamente Simão, usando a segunda pessoa, e mostra a sua cumplicidade, um conhecimento profundo dos seus sentimentos e motivações: “Assim te sentias tu, infeliz, quando dezoito meses de cárcere, com o patíbulo ou o degredo na linha do teu porvir, te haviam matado o melhor da tua alma.” Além disso, na sua omnisciência, emociona-se e compadece-se com o sofrimento do fidalgo, tal como tinha sucedido na Introdução, e intensifica-o através de vários recursos expressivos, como as exclamações, as interrogações retóricas e o vocabulário associado à desgraça e ao sofrimento (“abismo”, “fel”, “escuridão”, “chaga”, etc.).

 

2. As cartas trocadas entre Simão e Teresa

 

            O discurso epistolar reveste-se, mais uma vez, de grande importância no contexto da novela.

            Na primeira carta, Teresa, muito doente e caminhando para a morte (“As ânsias, a lividez, o deperecimento tinham voltado. O sangue, que criara novo, já lhe saía em golfadas com a tosse.”), pede a Simão que aceite os dez anos de prisão, mas o fidalgo perdeu toda a esperança.

            De facto, na missiva de resposta, Simão mostra que, tal como a amada, desistiu dos seus sonhos e perdeu a vontade de viver, optando pelo degredo. Neste momento das suas vidas, face à clausura que ambos vivem (ele na prisão, ela no convento), perderam toda a esperança de poder vir a ter um projeto amoroso: “Não esperes nada, mártir […] A luta com a desgraça é inútil, e eu não posso já lutar. Foi um atroz engano o nosso encontro. Não temos nada neste mundo. Caminhemos ao encontro da morte…”. O fidalgo renuncia ao amor e opta pela liberdade, mesmo que no exílio: “Ânsia de viver era a sua; não era já ânsia de amar”. Não foge, no entanto, ao seu destino trágico de “mártir de amor”.

            De seguida, como herói romântico que é, Simão demonstra o seu repúdio pela sua família e pela pátria, que representam uma sociedade estagnada, preconceituosa e corrompida pela honra e pelo dinheiro: “Abomino a pátria, abomino a minha família; todo este solo está aos meus olhos cobertos de forcas […] Em Portugal, nem a liberdade com a opulência; nem já agora a realização das esperanças que me dava o teu amor, Teresa!” Enquanto heróis românticos, o par amoroso opõe-se à sociedade, pelo que o amor de ambos simboliza, de alguma forma, o desejo de mudança da sociedade.

            Simão, em suma, desistiu de tudo – do amor e da própria vida: “Eu quero morrer, mas não aqui.” Graças à intervenção do seu pai, é-lhe dada a possibilidade de cumprir os dez anos de degredo a que fora condenado na prisão de Vila Real, todavia, mesmo após o pedido de Teresa para que aceitasse essa comutação da pena, o filho de Domingos Botelho recusa: “Não me peças que aceite dez anos de prisão.” O narrador já clarificara antes esta postura de Simão: “Os dez anos de ferros, em que lhe quiseram minorar a pena, eram-lhe mais horrorosos que o patíbulo.”

            Simão espera, pois, a morte e, num primeiro momento, aconselha Teresa a fazer o mesmo: “Caminhemos ao encontro da morte.” Depois pede-lhe que faça a vontade de seu pai (“Salva-te, se podes, Teresa. Renuncia ao prestígio dum grande desgraçado. Se teu pai te chama, vai.”) ou que morra (“E, senão, morre…”), pois “a felicidade é a morte”.

            Teresa responde-lhe com uma breve carta, na qual se pronuncia no mesmo tom do seu amado: “Morrerei, Simão, morrerei.”; “[…] e morro, porque não posso, nem poderei jamais resgatar-te.” De seguida, pede-lhe que viva para a chorar (“Se podes, vive; não te peço que morras, Simão; quero que vivas para me chorares.”) e declara estar tranquila (“Estou tranquila…”) perante a aproximação da morte e a paz que esta lhe trará (“Vejo a aurora da paz…”). E despede-se de forma que confirma a sua crença na realização do amor num outro plano, o espiritual: “Adeus até ao Céu, Simão.”

            Estas missivas trocadas entre ambos confirmam que, para ambos, ao gosto romântico, perante a impossibilidade de realização do seu amor, a única opção é a morte.

 

3. Final do capítulo

 

            Depois de receber a última carta de Teresa, Simão cai num estado de profunda melancolia e angústia, aniquilado, em silêncio absoluto: “Seguiram-se a esta carta muitos dias de terrível taciturnidade. Simão Botelho não respondia às perguntas de Mariana.”

            O ritmo narrativo é extremamente rápido, como o demonstra a elipse (“Decorreram seis meses ainda.”), até que chegamos ao dia 10 de março de 1807, data em que Simão recebe a intimação para a viagem rumo ao degredo na Índia, o que o deixa ora num estado de letargia, ora de loucura. Esse estado de alma é traduzido através de um estilo e de uma linguagem que procuram traduzir as emoções das personagens. Ao longo de todo o capítulo, nomeadamente nas cartas, podemos encontrar lirismo nas palavras dos dois apaixonados, mas, à medida que se caminha para o desenlace, nomeadamente nesta última parte, o discurso das personagens é contaminado pela sensibilidade romântica, daí um certo exagero, dramatismo e emotividade extremos: “– Que trevas, meu Deus! – exclamava ele, e arrancava a mãos-cheias os cabelos . – Dai-me lágrimas, Senhor! Deixai-me chorar ou matai-me, que este sofrimento é insuportável!”

 

Gil Vicente, o primeiro dramaturgo português


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