sábado, 9 de novembro de 2019
Análise do capítulo VI do Sermão de Santo António aos Peixes
PERORAÇÃO
■ Última
advertência aos peixes: a sua exclusão dos sacrifícios consagrados a Deus.
§ Razões: nos sacrifícios rituais, só podem ser sacrificados animais
vivos e os peixes chegariam mortos ao altar, «... e cousa morta não quer Deus
que se lhe ofereça, nem chegue aos seus altares...».
§ Comparação peixes / homens: tal como os peixes os homens chegam ao
altar mortos, ou seja, em pecado mortal → crítica aos cristãos,
acusados de desrespeitarem Deus.
§ Lado positivo da questão: «... melhor é não chegar ao sacrifício,
que chegar morto...».
■ Autocrítica: auto-retrato do Padre Vieira como pecador
↓
§ Melhor fora ser como os
peixes e não tomar Deus nas suas mãos, no altar, porque não consegue cumprir
verdadeiramente a sua missão de pregador.
§ Exemplo dos peixes:
Eu
. «falo»
. «lembro-me»
. «discorro»
. «quero»
↓
não cumpre a missão que Deus lhe confiou, que é
servir a Deus
|
Peixes
. não ofendem a Deus com
palavras
. nem com a memória
. nem com o entendimento
. nem com a vontade
↓
cumprem o destino que Deus lhes reservou, que é
servir o Homem
|
ß
Conclusão → a condição irracional dos
peixes é preferível à sua racionalidade.
■ Hino de louvor a Deus: «Louvai, peixes, a Deus, os grandes e os
pequenos...»
↓
‑ «porque vos criou em
tanto número
‑ que vos distinguiu em
tantas espécies;
‑ que vos vestiu de tanta
variedade e formosura;
‑ que vos habilitou de
todos os instrumentos necessários para a vida;
‑ que vos deu um elemento
tão largo e tão puro;
‑ que, vindo
a este mundo, viveu entre nós, e chamou para si aqueles que convosco e de vós
viviam;
‑ que vos sustenta;
‑ que vos
conserva;
‑ que vos
multiplica;
‑ enfim,
servindo e sustentando ao homem, que é o fim para que vos criou.»
Intenção persuasiva e exemplaridade do Sermão de Santo António
1. Persuasão
O que significa persuadir?
Persuadir
significa convencer, mover, aconselhar.
Como se persuade alguém?
Para
persuadir alguém, é necessário que o discurso seja fundamentado em exemplos
reconhecidos como válidos e verdadeiros e que o orador capte a atenção e o
interesse do auditório durante a pregação.
O Sermão de Santo António (aos Peixes) é um texto
com intenção persuasiva?
O padre
António Vieira, ao proferir o sermão, procura alertar os seus ouvintes para a
necessidade e importância de alterar comportamentos incorretos, persuadindo-os
a adotarem outros mais adequados e corretos.
Como se concretiza a intenção persuasiva no sermão?
Para
persuadir o seu auditório, o padre António Vieira socorre-se de diversas
estratégias:
▪ Inclusão de citações bíblicas, bastas vezes em
latim;
▪ Recurso a excertos da Bíblia;
▪ Relato de episódios da vida de santos, nomeadamente
de Santo António, e doutores da Igreja (por exemplo, Santo Ambrósio);
▪ Exposição das características e dos comportamentos
dos peixes;
▪ Recurso à sabedoria popular e a provérbios;
▪ Referência a figuras e acontecimentos da mitologia
clássica;
▪ Alusão à própria experiência de vida;
▪ Uso de recursos expressivos, como a alegoria, a
metáfora, a comparação, a apóstrofe, a interrogação retórica, etc.
Como se articulam as estratégias de persuasão do padre
António Vieira com as características da oratória?
A persuasão
articula-se com os três objetivos da eloquência: delectare (captar a
atenção e agradar ao auditório), docere (transmitir ensinamentos) e movere
(fazer refletir o auditório, no sentido de mudar o seu comportamento).
2. Exemplaridade
Relação entre os exemplos dos peixes, a intenção
persuasiva e a exemplaridade
A
apresentação do exemplo dos peixes, sejam os seus louvores sejam as suas
repreensões, cumpre a intensão persuasiva do pregador, visto que se pretende
com ele persuadir os homens a mudarem o seu comportamento.
Assim,
. pretende-se
que os homens adotem as virtudes dos peixes louvados, paralelas às ações de
Santo António:
*
aceitação da doutrina divina (Peixe de Tobias);
*
moderação e refreamento de apetites (Rémora);
* arrependimento
e mudança (Torpedo);
* distinção
entre o Bem e o Mal, o Céu e o Inferno (Quatro-olhos);
. por
outro lado, pretende-se que os mesmos homens abandonem a prática dos vícios
exemplificados nos peixes:
* a
presunção, a arrogância, a gabarolice e a soberba (Roncadores);
* o
parasitismo e o oportunismo (Pegadores);
* a
presunção, a vaidade, a ostentação e a ambição (Voadores);
* a falsidade
e a traição (Polvo).
Assim
sendo, a caracterização dos peixes e os seus comportamentos e atitudes adquirem
um valor de exemplaridade, isto é, estes animais servem de exemplo a seguir
pelos homens nas suas virtudes, bem como de exemplo a evitar no caso dos
vícios.
A exemplaridade no Sermão de Santo António
O orador
deve ser uma figura exemplar, um modelo de virtudes e de cumprimento dos
preceitos cristãos. O padre António Vieira enquadrava-se neste perfil e
procurou, neste sermão, exercer a sua função de «sal» e cativar o auditório com
o seu talento e a sua integridade moral. No entanto, quer Santo António em
Itália (Arimino) quer o padre Vieira no Brasil (S. Luís do Maranhão) encontram
obstáculos ao cumprimento da sua missão evangelizadora, pois os ouvintes não se
querem converter.
O exemplo de Santo António
Tal como
Santo António em Itália, o padre Vieira encontra obstáculos à sua pregação no
Brasil, por isso decide adotar o seu exemplo, anunciado logo no Exórdio, e
mudar de auditório, deixando os homens e pregando aos peixes.
Por outro
lado, o santo, as suas virtudes e a sua conduta irrepreensível constituem um
exemplo humano, presente em todos os capítulos do Sermão, através de
referências que permitem ao padre Vieira identificar-se com ele em virtude e na
ação, tornando-se assim um modelo a seguir pelos homens seus contemporâneos.
Bibliografia:
.
Andreia Sousa e Regina Carvalho, Arrumar ideias, Areal Editores
(adaptado)
A crítica social e a alegoria no Sermão de Santo António
A crítica é
conseguida de diversas formas, nomeadamente através da denúncia dos vícios dos
homens, simbolizados nos peixes e nas suas características físicas, as famosas
alegorias.
Assim,
quando tece os seus louvores, o padre António Vieira está, por contraste, a
denunciar a ausência das virtudes equivalentes nos homens:
|
Virtudes dos peixes
|
Vícios dos homens
|
|
Em geral
|
. São bons ouvintes.
. Escutaram
Santo António com obediência, ordem, tranquilidade e atenção.
|
. Falta de
devoção relativamente à palavra de Deus.
|
|
Em
particular
|
Peixe de Tobias
|
. As suas
entranhas curam a cegueira e o coração expulsa os demónios.
|
. Heresia /
ausência de conversão.
|
Rémora
|
. É pequena no
corpo, mas grande na força e no poder.
|
. Fraqueza humana.
. Apatia,
ausência de força de vontade.
|
|
Torpedo
|
. Produz
descargas elétricas, fazendo tremer o braço do pescador e evitando ser
pescado.
|
. Exploração do próximo.
. Corrupção.
. Ambição desmedida.
|
|
Quatro-Olhos
|
. Tem
quatro-olhos, dois que olham para cima e dois que olham para baixo.
|
. Vaidade.
. Incapacidade de discernimento.
|
Por outro
lado, quando, nos capítulos IV e V, expõe os vícios dos peixes, o pregador
está, por analogia, a criticar os defeitos equivalentes dos homens:
|
Vícios dos peixes/homens
|
Excertos textuais
|
|
Em geral
|
. A corrupção e a
irracionalidade (cap. I, II, III).
. A exploração
do homem pelo homem e a exploração dos mais fracos, a antropofagia social
(cap. IV).
. A ignorância, vaidade
e cegueira (cap. IV).
|
. “a terra se vê
tão corrupta”
.
“vos comeis uns aos outros”
. “notável
ignorância e cegueira”
|
|
Em
particular
|
Roncador
|
. A presunção, a
gabarolice e a arrogância.
|
. “É possível
que, sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar?”
|
Pegador
|
. O parasitismo.
|
. “Não só se
chegam a outros maiores, mas de tal sorte se lhes pegam aos costados que
jamais os desferram”.
|
|
Torpedo
|
. A ambição e a
vaidade.
|
. “Não contente com ser peixe, quiseste ser ave”
|
|
Polvo
|
. A falsidade e
a traição.
|
. “um monstro
tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente
traidor”.
|
Bibliografia:
.
Noémia Jorge et alii, Encontros 11;
.
Auxília Ramos e Zaida Braga, Sermão de Santo António aos Peixes;
.
Francisco Martins, Para Compreender Padre António Vieira;
.
Hernâni Cidade, Padre António Vieira.
quinta-feira, 7 de novembro de 2019
O discurso político
1. Definição
O
vocábulo «político» provém do latim «politicus», que, por sua
vez, teve origem no grego πολιτικóσ («politikós»), que significa «dos
cidadãos» ou do «do Estado» (ou seja, cidadão, pertencente à cidade),
traduzindo Πóλισ («pólis») conceito de «cidade», mas
também de «Estado», visto que «cidade», na Grécia clássica, correspondia
a uma unidade estatal.
Em
termos de definição, um discurso político é um texto que pertence ao
género argumentativo em que se expõe uma tese (isto é, defendem ideias e
propostas sobre o rumo de um país ou de uma comunidade e sobre as medidas que
devem ser adotadas para que essas propostas tenham sucesso), que se pretende
provar, através de argumentos e exemplos.
A
sua finalidade é convencer o interlocutor e aderir a esse ponto de
vista.
O
discurso político contém uma dimensão ética e social, apela ao
bem comum e veicula valores de vária ordem (social, económica, cultural, etc.),
assumindo-se como uma voz coletiva.
2. Objetivo
O
objetivo de um discurso político é convencer o interlocutor a aderir a uma
ideia ou a uma causa, apoiando-as, socorrendo-se da retórica, a arte de bem
discursar, por escrito ou oralmente e desencadeando uma reação do público:
votar, apoiar, intervir, mobilizar-se para uma iniciativa, etc.
3. Estrutura
▪ Introdução:
Apresentação da tese que se vai defender, para a adesão do
interlocutor.
▪ Desenvolvimento:
Apresentação dos argumentos;
Refutação dos contra-argumentos;
Apresentação de provas – exemplos.
Organização em parágrafos, contendo cada um uma ideia principal.
▪ Conclusão:
Confirmação da tese.
4. Características – Marcas
de género
Caráter
persuasivo
Interação com o
interlocutor – o locutor questiona, repete, usa o imperativo e a segunda pessoa
verbal (singular e plural), e emprega o vocativo em apóstrofes, com o propósito
de defender uma causa política, um rumo de ação para um país, uma comunidade,
etc.
Argumentação
Estratégia:
convencer os ouvintes a aderir às propostas do enunciador, mobilizando argumentos
válidos e coerentes e guiando-se por princípios honestos e justos, ou
contra-argumentos, se for necessário.
Registo
expositivo
Articulação
entre os registos expositivo e argumentativo: o orador apresenta factos (exposição)
que fundamentam a argumentação e atestam as afirmações proferidas através de
provas.
Dinamismo
discursivo – nomeadamente entoação, ritmo, tom, pausas oportunas,
expressividade e gestos.
Coerência e
coesão
Informação
significativa, encadeamento lógico dos tópicos, coerência e validade dos argumentos,
contra-argumentos e provas.
Eloquência
Exploração dos
recursos expressivos e da plasticidade da língua – nomeadamente metáforas,
comparações, estruturas sintáticas paralelas, construções de imagens e jogos
semânticos.
Mobilização
de recursos expressivos
Metáfora,
comparação, interrogação retórica, apóstrofe, enumeração, reiteração, ironia,
etc.
Exploração
de outros recursos
Postura do
corpo, expressão facial, tom e volume da voz, etc.
Chumbar um aluno "não serve para nada"
«É absolutamente intolerável que esta nova vida de certas cliques ideológicas do terceiro quartel do século XX se faça à custa de acusar os professores pelo mau desempenho dos seus alunos, dando um ar de legitimação às teses economicistas que são o aspecto nuclear das preocupações do governo nesta matéria.
Quem sabe um pouco de História Comparada da Educação sabe que, com algumas nuances, o No Child Left Behind (que é, curiosamente, a inspiração retórica mais próxima da actual investida entre nós, sendo uma iniciativa do Bush Jr.) terminou em fiasco e acabou com o desempenho dos alunos americanos pior do que antes. Por lá demorou uma dúzia de anos a reconhecer nisso. Por cá, basta ficarem sempre os mesmos – ou os seus herdeiros – a dominar o CNE ou o ME e será sempre um sucesso.
Os erros do NCLB foram reconhecidos em plena era Obama (para que não restem dúvidas sobre o facto de não ter sido a “direita” a acabar com a coisa) e seria bom que aprendêssemos com eles. Caso exista ainda quem tenha vontade de aprender, após décadas de enquistamento intelectual em teses ultrapassadas.
A minha opinião, em resumo de sete minutos, ficou hoje no fim (a partir dos 42′) do Antena Aberta da Antena Um.»
Paulo Guinote, O Meu Quintal
terça-feira, 5 de novembro de 2019
sábado, 2 de novembro de 2019
Concordância de "a gente"
Qual é a frase correta?
. A gente vai ao
cinema?
. A gente vamos ao
cinema?
A regra informa-nos que o predicado
concorda em pessoa e número com o sujeito.
«Gente» é um nome coletivo
que designa um conjunto de pessoas. Como se encontra no singular, o verbo
(núcleo do predicado) tem de estar também no singular, em concordância com a
expressão.
Assim sendo, a frase correta é a
primeira: «A gente vai ao cinema?».
A talhe de foice, esclareça-se também
um erro cometido por muitos: a confusão entre a expressão «a gente» e o
nome «agente», que designa uma pessoa que age:
. A gente vai ao
cinema.
. O agente da
polícia prendeu o ladrão.
Teste para distinguir complemento indireto de complemento oblíquo
1. O complemento indireto não pode ser realizado pela
sequência a + pronome pessoal tónico:
▪ * Entregou o livro a ele. (frase agramatical)
2. O complemento oblíquo admite a substituição por a +
pronome pessoal tónico:
▪ O Ernesto recorreu aos amigos. → O Ernesto recorreu a eles.
▪ O padre obrigou o João a uma confissão. → O padre obrigou o
João a isso.
▪ O Eusébio cedeu ao sentimento. → O Eusébio cedeu a ele / a
isso.
"Abaixo" ou "a baixo"?
Ambas as formas
estão corretas, pois existem na língua portuguesa. O que varia é o seu
significado e uso.
A
expressão "a baixo" é uma locução adverbial que
designa um ponto de chegada inferior, significando «para baixo» (nessa
direção) e opondo-se a «do alto» ou «de cima».:
. O homem
olhou a atriz de cima a baixo.
. Vamos
alterar este projeto de cima a baixo.
Por sua vez, a expressão "abaixo" pode
enquadrar-se em duas classes de palavras:
1.º) Enquanto
advérbio de lugar significa «em sentido descendente»:
. A minha tia
caiu pelas escadas abaixo. (sentido descendente)
. As vendas
da nova camisola do Sporting estão abaixo do que Varandas deseja. (nível
inferior ao desejado)
. O meu cão dorme
no andar abaixo do meu. (em baixo)
. O teu
encarregado de educação tem de assinar a autorização abaixo. (na parte
inferior da folha)
. O peso da
Miquelina situa-se abaixo da média. (nível inferior)
2.º) Enquanto
interjeição, significa «reprovação», «protesto», «contestação»:
. Abaixo este
governo de primos e primas!
Coisas do arco da velha
Coisas do arco da velha são coisas inacreditáveis, absurdas, espantosas ou inverosímeis.
A expressão teve origem no Antigo Testamento: arco da velha é o arco-íris, ou arco-celeste, e foi o sinal do tacto que Deus fez com Noé: "Estando arco nas nuvens, Eu ao vê-lo recordar-ME-ei da aliança eterna concluída entre Deus e todos os seres vivos de toda a espécie que há na terra." (Génesis, ):16).
Arco da velha é uma simplificação de Arco da Lei Velha, uma referência à Lei Divina.
Há também várias histórias populares que defendem outra origem da expressão, como a da existência de uma velha no arco-íris, sendo a curvatura do arco a curvatura das costas provocada pela velhice, ou devido a uma das propriedades mágicas do arco-íris: beber a água num lugar e enviá-la para outro, pelo que a velha poderá ter vindo do italiano "bere"( (= beber).
Atentados e absurdos no ensino do Português: tudo em família
A ler com muita atenção este texto de Maria do Carmo Vieira, o qual exemplifica com grande clareza muitas das opções que têm sido tomadas ao longo das últimas décadas no que toca a programas e curricula.As sucessivas e absurdas alterações no ensino do Português, todas elas marcadas pelo oportunismo, pela ausência de debate, pela ignorância e pela arrogância intelectual, têm-no lesado profundamente.
quarta-feira, 30 de outubro de 2019
Informação-prova do exame de Português - 12.º ano - 2020
Podes encontrar todas as informações/matrizes das restantes provas nos links abaixo:
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