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quinta-feira, 29 de julho de 2021

Análise do Canto IV da Ilíada

             Ao contrário das religiões contemporâneas, os deuses gregos incorporam em si as mesmas paixões e falhas dos seres humanos e interagem com estes frequentemente. A diferença entre uns e outros é que as entidades divinas são eternas, enquanto a humanidade é mortal. A imortalidade divina transforma os seus conflitos em algo trivial e até algo caricato, em contraste com o sofrimento, a dor e a morte que marcam a existência terrena. Como não existem consequências para si, os deuses encontram até prazer nos conflitos em que se envolvem, o que pode ajudar a explicar o facto de Hera e Atenas não aceitarem a trégua entre Troianos e Aqueus, que poderia significar o fim daquela guerra interminável e a instauração da paz, e tudo fazerem para a batalha prosseguir, para vingarem o seu orgulho ferido com a questão do pomo de ouro.

            Deste modo, a guerra é retomada, havendo referências à morte de personagens menores e a confrontos individuais entre figuras bem mais notáveis. As descrições dos ferimentos que os lutadores vão sofrendo são terríveis, baseadas numa fórmula característica. Esses ferimentos são provocados por espadas, lanças, flechas e pedras, que cortam, dilaceram, esmagam diferentes partes do corpo, com a exposição ocasional de um ou outro órgão interno. Tudo isto é apresentado pelo poeta com diferentes detalhes específicos, no sentido de criar uma panóplia diversificada de mortes no campo de batalha.

            Retirar a armadura ao inimigo derrotado ou apossar-se do seu cavalo constituem prémios valiosos cuja reivindicação aumenta a honra do vencedor e desonra o derrotado. Só que a ânsia de obter estas recompensas por vezes têm consequências fatais para quem as deseja alcançar, dado que o coloca numa situação de alguma vulnerabilidade. É exemplificativa disto a referência à primeira morte na obra: um soldado, após a morte do inimigo, procura imediatamente retirar a armadura do corpo do morto, «distrai-se» e acaba por ser assassinado.

            Por outro lado, nem o partido Aqueu nem o Troiano são apresentados no poema como melhores do que o outro. Tal é demonstrado pela imagem de dois soldados, um grego e outro troiano, jazendo mortos um ao lado do outro, enquanto companheiros seus prosseguem a luta e vão tombando à sua volta. Este facto não pode ser dissociado de outra questão, a da inexistência de vilões propriamente ditos no poema. De facto, se é verdade que o poeta narra os eventos na ótica grega, de modo algum vilaniza os Troianos, até porque, noutros momentos, os contendores foram aliados e combateram pelo mesmo objetivo. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a aliança que dois povos estabeleceram para combater as Amazonas. A violência, o sofrimento, a dor e a morte recaem sobre ambos os exércitos de forma semelhante; o alívio sentido no momento em que se acorda que o duelo entre Menelau e Páris porá fim ao conflito é o mesmo para uns e outros; os combatentes das duas fações desejam que o culpado pela eventual quebra da trégua seja massacrado e as suas mulheres estupradas; quando o cessar-fogo é efetivamente rompido, fica claro que nenhum dos partidos é o culpado, dado que o tiro de Pândaro sobre Menelau só é dado porque Atenas a tal conduz. Assim sendo, é perfeitamente lícita a conclusão de que os únicos que, verdadeiramente, retiram prazer da guerra e a quem prolongar são os deuses, que manipulam os seres humanos para atingir os seus propósitos.

Resumo do Canto IV da Ilíada

             No Olimpo, os deuses discutem sobre a guerra. Zeus argumenta que Menelau venceu o duelo com Páris, pelo que o conflito bélico deveria terminar, como acordado entre Gregos e Troianos, e Helena ser devolvida aos primeiros. A esta ideia opõe-se Hera, que não se satisfaz com a vitória grega, antes deseja a destruição completa de Troia. No final da discussão, Zeus cede e envia Atenas ao campo de batalha para levar os Troianos a quebrar a trégua.

            Assim, disfarçada de soldado troiano, a deusa convence o arqueiro Pândaro a disparar sobre Menelau. Ele dispara, mas Atenas, que não deseja que o ex-esposo de Helena seja morto, unicamente quer que os Aqueus tenham um pretexto para regressar ao combate, desvia a flecha, que apenas fere levemente Menelau.

            Deste modo, o objetivo do Olimpo é alcançado: a trégua foi quebrada. Agamémnon reúne o seu exército e estimula e desafia o orgulho dos principais guerreiros, narrando os grandes feitos dos seus pais. A batalha recomeça e a carnificina também, destacando-se as ações de Ulisses e Ájax, que liquidam várias figuras menores do lado troiano. Como sempre, os deuses não ficam à margem e intervêm no desenrolar dos acontecimentos, com destaque para Atenas, que ajuda os Gregos, e Apolo, que está ao lado dos Troianos. E assim os humanos atuam como meros joguetes manipulados pelos deuses.

Análise do Canto III da Ilíada

             Nos dois primeiros cantos, o poeta apresenta os comandantes das forças aqueias; neste, introduz as principais figuras do campo troiano, nomeadamente Príamo, Heitor, Páris e Helena. A ex-rainha de Esparta é descrita como simpática: ela lamenta profundamente o custo do episódio por si protagonizado e chega a desejar ter morrido antes de fugir com Páris, o que mostra a sua vergonha e a consciência da sua responsabilidade na morte de tantas pessoas. O seu remorso e arrependimento, a consciência de que agiu mal e é a causa de tanto sofrimento são bem evidentes quando observa as fileiras do exército aqueu. A cena torna-se pungente quando questiona se os seus irmãos (Castor e Pólux), que não consegue vislumbrar no seio dos Aqueus, se terão recusado a integrar a expedição grega e a lutar por uma irmã tão odiosa, desconhecendo que, na realidade, estão mortos, pelo que a sua ausência não se deve à raiva ou à vergonha pela irmã, mas antes por fazerem parte da vasta lista de vítimas do conflito que ela originou. Quando Afrodite a junta no quarto a Páris, Helena resiste e parece não nutrir grande afeição por ele, chegando inclusive a criticá-lo pela sua cobardia. No entanto, enquanto deusa, Afrodite tem o poder de forçar a ex-esposa de Menelau a amar Páris, o que gera, junto do ouvinte/leitor, uma situação contraditória que exemplifica a complexidade humana: Helena ama e despreza Páris em simultâneo.

            Ao contrário dela, Páris não parece sentir grande pudor ou sentido de responsabilidade pelo seu papel no espoletar da guerra, no que contrasta com Heitor. Ao avistar Menelau, Páris foge, o que lhe vale a crítica do irmão, muito mais consciente do ideal de honra, crítica essa motivada pela desgraça e sofrimento que trouxe, tanto a si mesmo como a todo o exército troiano. E chega mesmo a desejar que Páris tivesse morrido antes de consumar o rapto da bela Helena e, com isso, desgraçar o seu povo. É esta crítica de Heitor que faz com que Páris aceite duelar com Menelau, embora contrariado; porém, a luta rapidamente se torna embaraçosa para o lado troiano, e ele tem de ser salvo da morte por Afrodite, a deusa grega do amor (também designada, no Canto V, como «deusa cobarde»), e não por um deus ligado à guerra. O príncipe troiano culpa até os deuses pelo desfecho da contenda (algo que o poeta jamais sugere e que é desmentido, por outro lado, pelo esforço desenvolvido por Menelau durante o duelo, clarificador da ausência de ajuda a seu favor), mas não mostra qualquer incómodo ou contrariedade quando a deusa o leva para o seu quarto. E é este passo da Ilíada que mais contribui para o esboço de um retrato profundamente disfórico de Páris: enquanto está recolhido nos seus aposentos, fazendo amor com Helena, o exército troiano é forçado a continuar a lutar em nome da mulher que ele roubou aos aqueus. Esta conduta revela toda a cobardia de Páris e colide com o código de honra do herói, o que desagrada ao seu próprio exército, que o odeia «como a morte».

            Por seu turno, Príamo emerge como a personagem mais humana. Dada a sua idade avançada, já não pode participar na guerra como combatente, pelo que a sua intervenção não é movida por qualquer desejo de honra ou glória. Os anciãos de Troia querem devolver Helena aos Gregos, porém o velho monarca opõe-se-lhe. Ele não a culpa pelo sucedido e trata-a com humanidade e compaixão, não obstante toda a desgraça que fez recair sobre a cidade.

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quarta-feira, 28 de julho de 2021

Resumo do Canto III da Ilíada

             O exército troiano marcha em direção ao homónimo aqueu. Páris, o príncipe de Troia, avança corajosamente à frente das suas forças e desafia os Aqueus para um combate individual com qualquer um deles, mas, quando é confrontado por Menelau, o marido de Helena, acobarda-se e recua, escondendo-se nas fileiras do seu exército. Heitor, seu irmão e comandante das forças que defendem Troia, humilha-o, afirmando que é mais belo do que corajoso. Com o orgulho ferido por causa da ofensa do irmão, Páris concorda em duelar com Menelau, declarando que o desenlace do duelo corresponderá ao fim da guerra e à restauração da paz, pois decidirá de vez qual dos dois terá Helena como esposa.

            Enquanto os dois inimigos se preparam para o combate, a deusa Íris, disfarçada de Laódice, irmã de Heitor, visita Helena no palácio real e convida-a a assistir ao duelo entre Páris e Menelau. Ela junta-se então a Príamo e a outros anciãos da cidade, identifica e descreve os guerreiros aqueus mais fortes, nomeadamente Ulisses, Agamémnon e Ájax. O rei troiano fica impressionado com a força e o esplendor dos Aqueus, mas acaba por abandonar o local, pois não suporta ficar e assistir à morte do seu filho Páris.

            O combate tem início e nenhum dos dois consegue ferir o outro ao arremessar as suas lanças. Menelau acaba por quebrar a espada no elmo de Páris e, de seguida, agarra-o pelo capacete e começa a arrastá-lo pelo solo, procurando estrangulá-lo com a tira do capacete. Contudo, Afrodite, uma deusa aliada dos Troianos, intervém e rompe a tira para que se solte das mãos de Menelau, que, frustrado, pega de novo na sua lança e prepara-se para a espetar no inimigo, porém a deusa volta a interferir, levando o troiano para o seu quarto no palácio de Príamo. Além disso, ela convoca Helena, que censura Páris pela sua cobardia e, a seguir, se deita com ele.

            De volta ao campo de batalha, os Troianos e os Aqueus procuram Páris, que desapareceu magicamente da sua frente. Perante isto, Agamémnon declara Menelau o vencedor do duelo e exige o retorno de Helena.

Análise do Canto II da Ilíada

             Em ambos os seus poemas, Homero inicia a narração da ação «in medias res», ou seja, quando ela já vai a meio. O mesmo fará, por exemplo, Camões, muitos séculos depois, quando inicia a narração da viagem de Vasco da Gama à Índia quando ela já se encontra ao largo de Moçambique. O trajeto entre Lisboa e o país africano é relatado posteriormente sob a forma de analepse.

            No caso da Ilíada, é referido no início deste canto que a guerra entre Aqueus e Troianos já dura há mais de 9 anos. O motivo que esteve na sua origem é referido «en passant», presumindo-se que os ouvintes já conhecem toda a história: Zeus designou Páris, um príncipe troiano, para decidir qual das deusas – Hera, Atenas ou Afrodite – era a mais bela. Essa disputa teve origem numa velha lenda, segundo a qual o chefe dos deuses olímpicos e o seu irmão Poseidon desejavam desposas Tétis. No entanto, Prometeu profetizou que o filho da deusa seria maior do que o seu pai, por isso as divindades resolveram dá-la como esposa a Peleu, um homem já idoso, procurando, assim, que a profecia não se concretizasse. Desse enlace nasceu Aquiles. Tétis, sua mãe, mergulhou-o nas águas do rio Estige (o curso de água que atravessava o Inferno) ainda bebé para o tornar invulnerável. Tal de facto sucedeu, exceto no calcanhar por onde a mãe a segurou enquanto o mergulhava no rio (daí surgiu a expressão «o calcanhar de Aquiles», que designa o ponto fraco de cada pessoa). Aquiles tornou-se um poderoso guerreiro quando atingiu o estado adulto, porém era mortal, e foi alertado por sua mãe de que tinha dois destinos possíveis: por um lado, combateria em Troia e alcançaria a glória eterna, mas morreria jovem; por outro, permaneceria na sua terra natal e teria uma vida longa, contudo seria logo esquecido assim que perecesse. A escolha feita pelo líder dos Mirmidões é conhecida. Mas a lenda não se esgota aqui. Para o casamento de Tétis e Peleu, foram convidados todos os deuses exceto Éris, a deusa da Discórdia (a discórdia, naturalmente, não era bem-vinda a um matrimónio). Ofendida, marcou presença no enlace invisível e depositou na mesa um pomo de ouro com a inscrição «Para a mais bela». Hera, Atenas e Afrodite discutiram entre si qual seria a destinatária do fruto. Zeus, que não desejava atrair para si o odioso da decisão e a fúria das perdedoras, designou Príamo para resolver a contenda, no entanto, como já era idoso, o rei apontou o seu filho Páris, na altura um pastor de rebanhos, para proceder à escolha. Cada uma das três deusas procurou suborná-lo: Hera ofereceu-lhe o poder político e a oportunidade de ser o rei mais forte de todos os tempos; Atenas, habilidade na guerra e a possibilidade de ser o homem mais sábio de sempre; Afrodite, a mulher mais bela do mundo. Páris escolheu a oferta desta última e entregou-lhe o pomo, atraindo em simultâneo a fúria das outras duas deusas. Esse ser feminino era Helena, filha de Zeus e de Leda, esposa de Tíndaro (e irmã gémea da rainha Clitemnestra, de Castor e Pólux), rei de Esparta. A jovem possuía diversos pretendentes, e o seu pai adotivo hesitava em tomar uma decisão acerca do marido da sua filha, temendo ofender os demais. Ulisses, rei de Ítaca, resolveu a questão, levando a que todos os pretendentes jurassem proteger Helena e a sua escolha, qualquer que ela fosse. Em última análise, a jovem escolheu Menelau. Tempos depois, uma embaixada troiana deslocou-se a Esparta, cidade de que o dito Menelau era rei. Dessa embaixada diplomática fazia parte Páris, que, assim que viu Helena, se apaixonou por ela, graças à ação de Afrodite. Os dois acabaram por fugir para Troia, o que deixou enfurecido o marido da bela mulher, o qual relembrou aos antigos pretendentes o juramento feito. Agamémnon, irmão de Menelau, reuniu então um enorme exército de mil barcos e atravessou o mar Egeu, em direção à cidade de Troia, iniciando um cerco que durou dez anos.

            Se, no Canto I, o poeta destacou as figuras de Agamémnon, o seu orgulho e teimosia, e de Aquiles, homem corajoso, mas também orgulhoso e temperamental, e o seu conflito, no II são salientados Ulisses e Nestor, que são trazidos a primeiro plano a propósito da debandada dos soldados em direção aos seus navios, para regressarem a casa. Os discursos que ambos proferem a propósito desse evento destacam o seu papel de conselheiros sábios e previdentes, astutos e com clareza de espírito, características fundamentais para fazer retornar o exército ao cumprimento do propósito que o tinha trazido ali. Por outro lado, os seus discursos não deixam dúvidas de que são os mais talentosos dos Aqueus em matéria de oratória e retórica.

            Além de estar na origem dos dois discursos de Ulisses e Nestor, a fuga dos soldados gregos cumpre três propósitos no poema. Por um lado, evidencia o dramatismo da situação vivida pelos Aqueus: o seu líder, afinal, não tem consciência da baixa moral que se instalou entre as suas tropas, daí a incredulidade quando assiste à debandada e desistência da guerra. A celeridade e a ansiedade com que os soldados fogem exemplificam a dor e o sofrimento que vivem, mas demonstram igualmente como o prosseguimento futuro da batalha será mais difícil ainda, em razão da saudade e da falta de motivação para o combate que revelam. Por outro lado, ao dar conta, de forma tão enfática, do sofrimento dos Gregos, o poeta enfatiza, com antecedência, a glória que constituirá a vitória final dos Aqueus, já que estes estiveram muito próximos de abandonar o campo de batalha e regressar a casa cobertos de vergonha e caídos em desgraça. O facto de os homens mostrarem que são capazes de superar o seu sofrimento, o seu desespero e o desejo de retornar para casa, para junto dos seus, em direção à vitória na guerra indicia claramente a imensidão do triunfo grego. Em terceiro lugar, a fuga leva à enumeração das forças aqueias. Seguindo o conselho de Nestor, elas organizam-se por cidade e clã, o que garante a motivação dos soldados: ao lutarem lado ao lado com os seus amigos e familiares, o seu investimento emocional no combate estaria garantido e a distinção entre corajosos e cobardes seria mais fácil de fazer. Até a tarefa de construir o catálogo parece constituir um exercício grandioso, justificando a nova invocação das musas por parte do poeta. Embora a listagem possa constituir uma tarefa enfadonha para o leitor atual, ela seria, na época, motivo de orgulho, emoção e inspiração. A conquista de Troia foi um feito épico, glorioso, para o qual contribuíram muitos homens e muitas cidades, incluindo as menores. Cada grego que escutava a história e ouvia citar a sua cidade e os seus líderes e heróis antigos lendários como participantes desse triunfo histórico sentiria um orgulho desmedido, ao ver evocada a sua herança honrosa.

            Estilisticamente, neste canto voltam a destacar-se traços da oralidade, como as repetições. Por exemplo, no seu início, Zeus envia a Agamémnon uma mensagem através de um sonho, que é repetido ao rei grego quase integralmente e que este reproduz ao seu exército com as mesmas palavras. As descrições do ritual de sacrifício que encontramos noutras poemas são uma repetição parcial ou integral da que encontramos neste canto. Estas repetições são muito importantes, na medida em que destacam e reforçam ideias importantes junto dos ouvintes da obra que, por esta ser transmitida oralmente e não por escrito, não poderiam coltar atrás e reler um passo que não compreendessem à primeira leitura). Além disso, estas repetições davam tempo ao poeta/ao contador para pensar no trecho seguinte. Outro recurso que avulta neste canto é a comparação. O exército aqueu é comparado enxames de abelhas e a moscas, a um incêndio e a bandos de pássaros. Estas comparações evocam a vida para além da guerra, mas também contêm sugestões de agressividade, violência ou destruição trazidas pela guerra. O efeito geral das múltiplas comparações do Canto II sugere que a guerra e o conflito são parte integrantes da existência humana.

Resumo do Canto II da Ilíada

             Para cumprir a sua promessa a Tétis de ajudar os Troianos, Zeus envia um sonho falso a Agamémnon, no qual lhe aparece a figura de Nestor, que o convence de que poderá derrotar e conquistar Troia se atacar as muralhas da cidade. No dia seguinte, o comandante do exército aqueu reúne-o para dar início ao ataque, mas antes, para testar a coragem dos soldados e a sua vontade de lutar, mente-lhes, dizendo-lhes que desistiu da guerra e que vai voltar para casa. Ato contínuo, os soldados correm para os navios, mas Hera, ao ver isto, alerta Atenas, que inspira Ulisses, o mais eloquente dos gregos, a fazê-los regressar. Acolitado por Nestor, o rei de Ítaca dirige ao exército palavras de encorajamento e insultos, no sentido de despertar o seu orgulho e restaurar a sua confiança e vontade de guerrear. Por outro lado, relembra-os dos sinais que indiciavam a sua vitória na guerra, nomeadamente da profecia de Calcas, proferida aquando da primeira reunião do exército aqueu na Grécia, segundo a qual uma cobra de água deslizou até à costa e devorou um ninho de nove pardais. De acordo com o adivinho, a profecia significava que passariam nove anos até que os Aqueus conquistassem Troia. E aproveita para recordar aos soldados a sua jura de então de que não abandonariam a luta até que a cidade fosse conquistada.

            De seguida, Nestor encoraja Agamémnon a organizar os combatentes por cidade e clã, para que pudessem lutar ao lado dos seus amigos, conhecidos e familiares. De seguida, o poeta invoca as musas para auxiliarem a sua memória e enumera as cidades que contribuíram com tropas para formar o exército grego, o número e homens com que cada uma contribuiu e quem lidera cada contingente. No final da enumeração, o poeta realça os mais bravos dos Aqueus, nomeadamente Aquiles e Ájax. Então, Agamémnon dá início aos preparativos para a batalha e faz sacrifícios em honra de Zeus. Das tropas que se preparam para o combate não fazem parte Aquiles e os Mirmidões, por causa da sua jura de que não mais tomaria parte na guerra.

            Zeus envia um mensageiro a Troia, avisando os Troianos sobre os preparativos do exército aqueu. Aqueles reúnem as suas tropas sob o comando de Heitor, filho de Príamo, o rei da cidade. Depois o poeta cataloga as forças troianas, à semelhança do que tinha feito com os Gregos.

Análise do Canto I da Ilíada

             O primeiro verso da Ilíada apresenta-nos desde logo o tema do poema: a cólera/a fúria de Aquiles, evidenciada pela primeira palavra da obra – menin. E qual é a sua causa? Nada mais nada menos do que o orgulho e a honra, este último um conceito central na Antiguidade. Por outro lado, a palavra menin também significa «preço» ou «valor», o que significa que a perda de um prémio muito valioso por parte de Agamémnon constitui igualmente uma perda significativa de honra. No entanto, parece que abdicar de algo muito valioso para resguardar o seu exército constituiria também um gesto de honra e valor. Todavia, o orgulho de Agamémnon impossibilita isso, mesmo tendo como contrapartida a promessa de valiosas recompensas futuras.

            Agamémnon só aceitará devolver a sua escrava se receber, em troca, Criseida, um «prémio igual», portanto, o que origina o conflito com Aquiles: cada um insulta a honra e o orgulho do outro – o filho de Tétis e Peleu apelida o rei de ganancioso e cobarde, enquanto este menospreza as qualidades guerreiras daquele. Quando Agamémnon retira Briseida a Aquiles, desonra-o, bem como a sua mãe, por extensão, o que significa que agravou o seu maior guerreiro e os deuses do Olimpo. Note-se que Agamémnon já tinha cometido o crime da sua filha Ifigénia, cuja vida sacrificou para beneficiar do favor dos ventos nas velas dos seus navios que tinham encalhado a caminho de Troia antes do início da guerra, gesto que causará a sua própria morte, às mãos da sua esposa, após o seu regresso da batalha, em parte como vingança pelo sacrifício da jovem. Nada disto faz parte da ação da Ilíada, mas ajuda a compreender a postura de Agamémnon, que tudo sacrificou (incluindo a sua filha, o que configura a sua hybris, o desafio pelo qual irá pagar o máximo preço: a vida) para atender ao seu orgulho e alcançar os seus objetivos.

            Assim sendo, a Ilíada, no Canto I, centra-se na fúria de Aquiles, nomeadamente na sua origem/causa, no modo como incapacita o exército aqueu e como, posteriormente, é redirecionada para os Troianos. Assim sendo, é possível supor que a guerra propriamente dita serve mais como pano de funo da obra do que como seu assunto principal. É uma hipótese de análise que se pode colocar em cima da mesa. Parecendo confirmar esta ideia, temos o facto de, aquando do enfrentamento entre Agamémnon e Aquiles, o conflito entre Troianos e Aqueus durar há quase dez anos; além disso, a ausência do filho de Tétis do campo de batalha dura apenas alguns dias e o poema termina pouco depois do seu regresso. Por outro lado, a obra de Homero não enuncia as origens nem o desenlace da guerra, antes se debruça sobre as origens e o fim da fúria de Aquiles.

            Um outro foco de análise da Ilíada prende-se com a figura dos deuses, as suas ações e motivações. São eles que conduzem os humanos. Note-se, por exemplo, que, no fundo, o responsável do conflito entre Agamémnon e Aquiles é Apolo e a praga enviada sobre o acampamento aqueu, não obstante a importância da natureza humana. Para os gregos antigos, quer as motivações internas quer os acontecimentos que estão fora do controle humano são obra dos deuses. Por exemplo, Aquiles só não mata Agamémnon porque Atenas o impede. De modo muito genérico, podemos dizer que os deuses intervêm nos assuntos mortais de duas formas. Por um lado, agem como forças externas no curso dos acontecimentos. Exemplo disto é o facto de ser Apolo a enviar a praga sobre os Aqueus. Por outro lado, eles constituem forças internas que agem sobre os indivíduos, como se pode comprovar pelo facto de ser Atenas, a deusa grega da sabedoria, a impedir Aquiles de matar Agamémnon, um ato distante de qualquer racionalidade, vencendo-o antes através das palavras. Além disso, as ações dos deuses funcionam ainda como forma de alívio cómico. Por exemplo, a querela entre Zeus e Hera configura um conflito bem mais leve do que a disputa entre Aquiles e Agamémnon.

            Isto não impede que o poeta apresente as divindades próximas da mundividência humana. Zeus compromete-se a auxiliar os Troianos não por uma questão moral, mas apenas para pagar um favor que deve a Tétis. De modo semelhante, a hesitação em cumpri a promessa não tem a ver com a intenção de não interferir no curso dos acontecimentos, mas com o seu receio de irritar Hera. Quando esta fica realmente irritada, o esposo só a consegue silenciar quando ameaça estrangulá-la. Estes exemplos de partidarismo, orgulho ferido e conflitos domésticos, bastante comuns entre os deuses olímpicos, sugerem uma imagem das divindades como figuras mais «humanas» do que se poderia esperar.

            Em suma, o Canto I da Ilíada deixa, desde logo, bem visível a importância do orgulho e da honra pessoal no contexto do sistema grego de valores da Antiguidade. Exemplo disso são as atuações de Aquiles e Agamémnon, que colocam o seu «eu», o seu orgulho, a sua glória individual acima do bem-estar do seu exército. O comandante aqueu acredita que, enquanto chefe do exército, tem direito ao maior prémio disponível – Briseida –, por isso não hesita em hostilizar o seu guerreiro mais destacado, para garantir que possuirá o que acredita ser-lhe devido. Por seu turno, Aquiles opta por defender o seu direito a Briseida, o despojo que lhe coube após a vitória e o saque da cidade aliada de Troia, em vez de acalmar a situação. Orgulhosos, cada uma das personagens considera que submeter-se à vontade do outro constituiria uma humilhação, em vez de um gesto de honra ou dever. Isto significa que ambos colocam o seu interesse à frente do do seu povo e dos seus comandados, colocando, em última análise, em risco todo o esforço de guerra.

            Note-se, por último, que é possível observar características da tradição oral logo no Canto I, como, por exemplo, o recurso a epítetos. Cada personagem ou objeto podem ser referidos ou descritos de diferentes maneiras. É o caso de Aquiles, frequentemente descrito como «de pés velozes», «divino», etc. Por vezes, a escolha do vocabulário é condicionada pelo respeito pela métrica. Por outro lado, a repetição de epítetos ou determinadas expressões ajudava os ouvintes a identificar de imediato personagens e objetos.

terça-feira, 27 de julho de 2021

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Resumo do Canto I da Ilíada

             O Canto I compreende a Invocação: o poeta invoca uma musa, solicitando-lhe ajuda para contar a história da fúria de Aquiles (μῆνιν), o maior herói dentre os Gregos a participar na Guerra de Troia.

            A narrativa propriamente dita começa nove amos (quase dez) após o início do conflito bélico, no momento em que os Aqueus saqueiam uma cidade aliada de Troia e capturam duas jovens e belas donzelas: Criseida e Briseida. Agamémnon, o comandante do exército aqueu, reclama Criseida para sua escrava e concubina, enquanto Aquiles fica com Briseida. Crises, o pai da primeira e sacerdote de Apolo, implora a Agamémnon que lhe devolva a filha, oferecendo em troca um rico resgate. No entanto, o monarca grego recusa-se a satisfazer o pedido do pai ferido, por isso reza a Apolo, que envia uma praga sobre o acampamento grego que causa a morte de muitos soldados.

            Passados dez dias do surgimento da praga, Aquiles reúne o exército aqueu no sentido de averiguar a sua causa. Calcas, um adivinho, revela então que ela constitui uma vingança enviada por Apolo a pedido de Crises por causa de Agamémnon se ter recusado a devolver a filha ao sacerdote, o que provoca a fúria do líder do exército grego, que declara que só devolverá Criseida se Aquiles lhe der Briseida como compensação. Esta exigência humilha e enfurece o maior guerreiro aqueu, que ameaça retirar-se da guerra e levar consigo os Mirmidões, os seus guerreiros. A discussão entre os dois sobe de tom e somente a intervenção de Atenas impede Aquiles de matar Agamémnon. Os conselhos da deusa e o discurso sábio de Nestor conseguem, por fim, impedir o duelo.

            Nessa noite, Agamémnon envia Criseida de volta para o seu pai e manda enviados +ara Briseida seja retirada da tenda de Aquiles e conduzida à sua. Aquiles pede, então, a Tétis, deusa do mar e sua mãe, que solicite a Zeus que castigue os Aqueus, depois de lhe ter contado a sua discussão com Agamémnon. Tétis promete falar com o chefe dos deuses, que lhe deve um favor, assim que ele regressar de um período de treze dias de festa com os etíopes. Enquanto isso, Ulisses devolve Criseida ao pai e faz sacrifícios em honra de Apolo. O regresso da filha deixa Crises muito feliz e reza ao deus para que termine a praga enviada sobre o acampamento grego. Apolo aceita a oração e Ulisses regressa para junto dos seus companheiros.

            Sucede que Aquiles, depois do confronto com Agamémnon, não voltou a participar na guerra. Entrementes, passados doze dias, Tétis fala com Zeus, como havia prometido ao filho, mas o pai dos deuses hesita em ajudar os Troianos, pois Hera, sua esposa, está do lado dos Gregos, mas acaba por concordar, o que deixa a deusa furiosa, porém o seu filho Hefesto convence-a a não iniciar um conflito entre os deuses por causa de meros mortais.

Introdução à Ilíada

             A Ilíada é a primeira obra da literatura europeia e, até hoje, nenhuma outra conseguiu superá-la.
            A origem da cadeia de transmissão situa-se algures na Idade Média, mas é impossível estabelecer uma data concreta por falta de dados. Não obstante, segundo Frederico Lourenço, é possível afirmar que no século VII a.C., no fim de uma longa tradição épica oral, surgiu este poema, atribuído a Homero.
            No século VI a.C., uma família aristocrática de Atenas providenciou, a expensas próprias, a primeira edição oficial escrita do livro. Mais de duzentos anos depois, Aristóteles concretizou uma nova edição da Ilíada, que foi lida de forma apaixonada e inspiradora pelo seu mais famoso aluno, Alexandre. Nos séculos seguintes, diversos estudiosos produziram, na biblioteca de Alexandria, a famosa cidade fundada pelo mesmo Alexandre, várias edições críticas em papiro. Um milénio depois, eclesiásticos bizantinos efetuaram as cópias dos primeiros manuscritos completos que ainda hoje podemos consultar na biblioteca de Florença, Veneza e Londres. Um desses manuscritos, que se encontra presentemente na Biblioteca Ambrosiana de Milão, foi adquirida por Petrarca, que, frustrado por não conseguir ler o poema em grego, encomendou uma tradução latina a Leôncio Pilato, que constituiu, afinal, a primeira tradução renascentista da obra. Em 1488, surgiu, em Itália, a primeira edição impressa do poema homérico. Crê-se que, cerca de trinta anos depois, D. Jerónimo Osório, bispo de Silves, traduziu para português os primeiros oito cantos, trabalho que foi retomado posteriormente, também de forma parcelar, pela Marquesa de Alorna. Outras traduções foram surgindo ao longo dos séculos em língua portuguesa, no entanto, desde o Renascimento, a primeira a exprimir nela o que está, de facto, no texto grego, se encontra nos excertos da Ilíada que a professora Maria Helena da Rocha Pereira apresentou na sua antologia Hélade.
            Apesar da problemática, não solucionada, em torno da sua autoria, são vários os estudiosos que creem que se trata da obra de um só poeta, que nela trabalhou durante muitos anos, tendo numa primeira fase criado uma estrutura relativamente simples, que posteriormente se complexificou com a introdução de novos episódios. Esta ideia não exclui, porém, a hipótese de terem sido introduzidas intercalações posteriores. Por exemplo, crê-se que o Canto X não teria feito parte dos planos de Homero, como o parece comprovar o facto de os 579 versos que o constituem surgirem, em certas edições críticas, entre parênteses.
            Outra questão prende-se com o registo em que teria sido composta por Homero: escrito ou oral? Também neste capítulo as opiniões divergem: há quem defenda que o poema, embora proveniente de uma tradição oral, foi composto pelo poeta por escrito; porém, também existem autores que continuam a sustentar que os Poemas Homéricos foram ditados por um aedo analfabeto a alguém que sabia escrever.
 
            No que diz respeito ao tempo dos eventos narrados, Homero dá-nos conta de acontecimentos que ocorreram num período de pouco mais de 50 dias, já na fase final da guerra, do qual nos descreve, em termos de ação efetivamente narrada, 14 dias. Assim sendo, o poeta concentrou o conflito bélico de 10 anos em duas semanas.
            Relativamente aos motivos que deram origem à guerra, Homero pouco conta; o julgamento de Páris (a quem o poeta prefere chamar Alexandre) só é referido de passagem no Canto XXIV; e o epicentro do poema, quanto aos sentimentos adúlteros que levaram ao conflito, é a recriação, no Canto III, da primeira noite de amor de Páris e Helena, ocorrida nove anos antes. O resultado da guerra parece não interessar particularmente ao poeta, pois só o verso final do livro sugere a destruição de Troia. Por outro lado, os 55 dias da ação global do poema, bem como os 14 de ação efetivamente narrada, estão condicionados por reações em cadeia provenientes do passado, que terão repercussões trágicas no presente.

Significado do título Ilíada

             O termo Ilíada (em grego antigo: Ἰλιάς) é uma palavra grega que significa «poema sobre Ílion» (ou «Ílio»), que é um nome alternativo para designar a cidade de Troia, o cenário da guerra que está no centro da obra.

Estrutura da Ilíada

             A Ilíada está dividida em 24 cantos ou livros, os quais se dividem em 5 partes:

▪ Canto I;

▪ Cantos II a X;

▪ Cantos XI a XIV;

▪ Cantos XV a XIX;

▪ Cantos XX a XXIV.

 
            Outra possível distribuição dos 24 cantos da Ilíada é a seguinte:
 
Introdução: Apolo inflige uma praga ao exército aqueu.
 
Peripécias:

a) Agamémnon toma Briseida de Aquiles;

b) Zeus promete a Tétis punir os Aqueus por causa da afronta de Agamémnon a Aquiles;

c) Mortais e deuses combatem e são feridos em batalha;

d) Zeus proíbe os outros deuses de interferir na guerra;

e) Com a ajuda de Zeus, Heitor ataca os navios aqueus;

f) Heitor mata Pátroclo;

g) Aquiles e os deuses voltam à batalha.
 
Clímax: Aquiles mata Heitor.
 
Resolução:

h) Príamo implora a Aquiles o corpo de Heitor;

i) Aquiles devolve o corpo de Heitor a Príamo.
 
Situação final: Heitor é sepultado em Troia.
 
            A Ilíada não narra a guerra de Troia desde o começo – ab ovo, nas palavras de Horácio. Pelo contrário, a narração não chega a descrever a morte de Aquiles – tantas vezes anunciada – nem a queda de Ílion. É somente através da Odisseia que tomamos conhecimento da forma como ela correu, através do célebre estratagema do cavalo de pau.

                Depois de uma breve Proposição e Invocação, a Narração inicia-se «in medias res» (isto é, no meio dos acontecimentos): Crises avança até às naus dos Aqueus, para implorar que lhe seja restituída a sua filha Criseida, pela qual oferece um riquíssimo resgate.

                Por outro lado, a ação possui um só fio condutor, retardado por diversos episódios, que conferem variedade à narrativa, conseguida através de alguns processos literários, como, por exemplo, a mudança de cena terrestre para o Olimpo, os símiles, a breve biografia de uma vítima menor, variantes estilísticas (como a apóstrofe ou a interrogação retórica), a narração feita na ordem inversa dos acontecimentos, etc.

            O poema narra os acontecimentos decorridos no período de pouco mais de 5o dias no décimo ano da Guerra de Troia, em 15693 versos em hexâmetro datílico, compostos num misto de dialetos, resultando numa língua literária artificial que nunca foi, de facto, falada na Grécia, distribuídos por 24 livros ou cantos de tamanho desigual, identificados pela tradição literária com as letras do alfabeto grego.

 
            Resumo dos cantos:
 
Canto I: já na fase final da Guerra de Troia, Aquiles, furioso por Agamémnon lhe ter roubado a escrava Briseida, retira-se para o seu acampamento e decide não voltar a tomar parte no cerco da cidade.
 
Canto II: os Gregos, desanimados, decidem regressar a casa, mas Ulisses demove-os.
 
Canto III: Helena, do cimo das muralhas de Troia, identifica para Príamo os principais líderes gregos. Páris e Menelau duelam para decidir o destino da guerra e o primeiro é salvo da morte por Afrodite.
 
Canto IV: um archeiro troiano, durante as tréguas, fere Menelau com uma seta. Agamémnon exorta os Gregos a combater.
 
Canto V: Diomedes distingue-se no campo de batalha, chegando a ferir os deuses Ares e Afrodite.
 
Canto VI: Heitor, de regresso a Troia para apaziguar Atenas, encontra-se com a esposa e o filho, e condena a cobardia de Páris. No final, regressa à batalha com o irmão.
 
Canto VII: Heitor e Ájax lutam até à morte, mas sem resultados, pois a luta é interrompida pela chegada da noite. No dia seguinte, Gregos e Troianos fazem uma trégua para enterrarem os mortos.
 
Canto VIII: ocorre nova batalha, em que os Gregos são repelidos pelos Troianos. Os deuses retiram-se do conflito.
 
Canto IX: Agamémnon tenta reconciliar-se com Aquiles e envia-lhe uma embaixada. Ájax, Ulisses e Fénix tentam chamá-lo à razão, em vão, porém.
 
Canto X: Ulisses e Diomedes fazem, durante a noite, o reconhecimento do campo dos Troianos e matam, para além de Risos e dos seus trácios, o espião Dólon. Por isso, este canto é conhecido por Dolonia.
 
Canto XI: tem lugar a terceira grande batalha, que resulta na derrota dos Gregos. Páris fere Diomedes e Pátroclo fica a conhecer a situação precária dos Aqueus.
 
Canto XII: os Troianos aproveitam o êxito e penetram no acampamento dos Aqueus, que retiram até aos seus navios.
 
Canto XIII: os Gregos contra-atacam e anulam o ataque dos Troianos.
 
Canto XIV: Hera desvia a atenção de Zeus e a vitória inclina-se para o lado grego.
 
Canto XV: Zeus, já desperto, envia Apolo em socorro dos Troianos e o deus do Sol leva Heitor a avançar sobre os barcos gregos.
 
Canto XVI: Aquiles empresta as suas armas a Pátroclo e dá-lhe permissão para entrar na luta. Quando o veem chegar ao campo de batalha, os Troianos julgam que é Ulisses e fogem. Heitor, convencido também de que batalha com Aquiles, duela com Pátroclo e mata-o.
 
Canto XVII: gera-se uma disputa pelo corpo e pela armadura de Pátroclo. O corpo acaba por ser resgatado pelos Gregos, enquanto Heitor fica com as armas de Aquiles.
 
Canto XVIII: Aquiles, ao tomar conhecimento da morte de Pátroclo, exprime o seu desgosto e promete vingá-lo. Tétis, sua mãe, faz com que Hefesto lhe fabrique novas armas prodigiosas (as suas, que havia emprestado a Pátroclo, tinham ficado em posse de Heitor). É neste canto que se encontra a célebre descrição do escudo de Aquiles.
 
Canto XIX: a escrava Briseida é restituída a Aquiles e o diferendo entre este e Agamémnon fica sanado. O herói grego regressa à luta.
 
Canto XX: vai travar-se a quarta batalha da Ilíada, a decisiva, cujo desenlace será favorável aos Gregos. Inicialmente, os deuses também participam no conflito, mas acabam por se retirar. Aquiles semeia a morte entre os Troianos.
 
Canto XXI: os rios Xanto (ou Escamandro) e Simoente intervêm a favor dos Troianos e perseguem os Gregos com as suas águas, mas Hefesto fá-los recuar com o fogo e os Troianos têm de se refugiar dentro das suas muralhas.
 
Canto XXII: Heitor fica só diante da muralha e, ao encontrar Aquiles, inicialmente foge de medo, mas depois resiste e é morto pelo adversário. Aquiles arrasta o corpo de Heitor perante o olhar desesperado dos Troianos.
 
Canto XXIII: Aquiles e os Gregos celebram os funerais de Pátroclo com jogos, corridas e combates.
 
Canto XIV: Zeus inspira Príamo a ir até à tenda de Aquiles pedir o corpo do seu filho Heitor. Aquiles, comovido pela recordação do seu próprio pai, Peleu, restitui-lhe o cadáver. O poema finaliza com as exéquias de Heitor no meio das lamentações de Andrómaca, Hécuba e Helena.
 
            Esta divisão em 24 cantos é atribuída tradicionalmente aos estudiosos da biblioteca de Alexandria que produziram edições críticas da obra, mas nada contraria a hipótese de ser anterior.
 

sexta-feira, 23 de julho de 2021

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Resumo da Ilíada

             A Ilíada inicia-se com uma expressão de raiva e frustração. A causa é simples: a Guerra de Troia já dura há nove anos e os Aqueus são incapazes de derrubar as muralhas da cidade. O exército grego saqueia Crise, uma cidade aliada dos Troianos (também designados como «Dárdanos», «Dardânidas» ou «Dardânios») e captura duas jovens donzelas, Criseida e Briseida, distribuídas respetivamente a Agamémnon (rei dos Aqueus) e Aquiles, o maior guerreiro aqueu como escravas e concubinas.

            O velho Crises, pai de Criseida e sacerdote de Apolo, dirige-se ao acampamento dos Aqueus para resgatar a filha, trazendo consigo riquezas incontáveis. Agamémnon, porém, rejeita o resgate, escorraçando Crises com palavras cruéis e enfatizando o papel da filha enquanto concubina. Neste passo inicial do poema, é clara a intenção de retratar o rei aqueu como um monarca arrogante e cruel, tendo em conta, além da forma como se dirige ao velho sacerdote, o modo diferente como Aquiles trata Briseida, que é muito mais do que mero objeto sexual.

            Este início da obra contrasta com o seu final, nomeadamente o canto final, que nos apresenta uma situação oposta: um pai idoso, Príamo, vai à tenda de Aquiles para resgatar o cadáver do seu filho Heitor, sendo acolhido num espírito de humanidade e compaixão. Fecha-se aí o círculo, com o apaziguamento da cólera (que, em grego, é a primeira palavra da Ilíada), sentimento cujas consequências trágicas conheceremos ao longo dos 24 cantos do poema.

            Perante a recusa de Agamémnon, Crises reza, desesperado, a Apolo, pedindo-lhe que castigue os Aqueus. O deus acolhe o pedido e assola o exército grego com uma epidemia de peste, o que leva à convocação de uma assembleia, onde Agamémnon consulta Calcas para determinar a causa da peste. Para grande fúria do monarca, o adivinho declara que só restituindo Criseida ao pai se acalmará a fúria de Apolo. Aquiles sustenta a posição de Calcas, o que enfurece Agamémnon, que, despeitado, hostiliza o guerreiro, apropriando-se de Briseida. Furioso, Aquiles insulta o rei aqueu, regressa à sua tenda e desiste de participar na guerra, para repor a verdade dos factos, o que equivale a coagir Agamémnon a aceitar que a real hierarquia o coloca abaixo do próprio Aquiles, herói supremo. Para mostrar ao monarca quem é mais importante no contexto bélico, o guerreiro pede aos deuses que permitam que os Troianos derrotam o seu próprio exército – os Aqueus – até que ele regresse ao combate. Queixa-se a sua mãe, a deusa Tétis, que lhe promete ir pedir a Zeus que o desafronte, mandando reveses aos Aqueus. Criseida é restituída ao pai, e a peste cessa. Por seu turno, Tétis obtém de Zeus o assentimento que pretende, para desagravar o filho. Mal ela se retira, desenrola-se a este propósito uma discussão no Olimpo, entre Zeus. Hera, acalmada com grandes dificuldades por Hefesto, o filho de ambos. O canto inicial termina com um festim dos bem-aventurados, a que não falta o canto e a música de Apolo e das Musas.

            No Canto II, Agamémnon tem um sonho enganador, enviado por Zeus para o induzir a atacar. Os exércitos marcham para o campo da batalha, mas Páris, o príncipe troiano que espoletou a guerra ao raptar Helena, esposa de Menelau, irmão de Agamémnon, propõe um duelo entre si e Menelau, destinado a pôr cobro ao conflito através da luta entre os dois principais interessados. O aqueu concorda e o duelo começa, todavia, quando Menelau está prestes a vencer o adversário, a deusa Afrodite leva Páris de volta a Troia e a batalha recomeça.

            O Canto V põe-nos em contacto com os feitos de guerreiros de Diomedes, que, com a ajuda de Atena, fere Afrodite e Ares, dois dos deuses apoiantes dos Troianos. Entretanto, Heitor, um príncipe e o maior guerreiro troiano, regressa brevemente a Troia para pedir a Hécuba que faça oferendas a Atena, trazer Páris de volta ao campo de batalha e se despedir de Andrómaca, sua esposa. Segue-se novo duelo, desta vez entre Heitor e Ájax, o guerreiro aqueu mais forte a seguir a Aquiles, que adquire vantagem, mas não pode matar o adversário.

            Segue-se uma trégua destinada a cada lado enterrar os seus mortos, que é aproveitada pelos Aqueus para construir uma muralha em redor dos seus navios. Quando a luta recomeça no dia seguinte, Zeus proíbe os deuses de intervirem na guerra, cumprindo assim a promessa feita a Tétis, mandando reveses aos Aqueus de tal ordem que forçam Agamémnon a enviar uma embaixada a Aquiles, destinada a solicitar a reconciliação e o seu regresso à contenda, com ofertas riquíssimas, incluindo o retorno de Briseida. A iniciativa, porém, mão frutifica, pois ele não se desculpa perante Aquiles e a sua cólera mantém-se.

            Incapazes de dormir, Ulisses e Diomedes fazem uma incursão noturna com o intuito de espiar o exército troiano, cruzando-se com Dólon, o espião enviado por Heitor, e matando-o. De manhã, Agamémnon faz recuar os Troianos para a sua cidade, mas, graças a uma intervenção de Zeus, os Troianos atacam com êxito a muralha e trincheira defensiva dos Aqueus. A derrota parece iminente. Segue-se o dolo do pau dos deuses: Hera consegue seduzir e adormecer Zeus de modo a desviar as suas atenções do campo de batalha, para que Poseidon possa socorrer os Aqueus. Estes, auxiliados pelo deus do mar, expulsam os Troianos para fora da muralha, contudo Zeus desperta e continua a favorecer os Troianos, de acordo com a promessa feita a Tétis, e o seu avanço é tal que se preparam para incendiar as naus dos Aqueus, o que equivale a cortar-lhes a retirada. Perante a iminência da derrota, Aquiles consente que o seu amigo Pátroclo (que lhe solicitara que regressasse à batalha e salvasse os seus, o que o maior guerreiro aqueu não aceita por permanecer irado), revestido das suas próprias armas e conduzindo o seu carro, para iludir os Troianos a pensar que Aquiles tinha voltado, vá para o combate, à frente dos Mirmidões. Pátroclo é um excelente guerreiro e a sua presença no campo de batalha ajuda os Aqueus a empurrar os Troianos para longe dos navios e de volta para as muralhas da cidade. No entanto, Pátroclo acaba por morrer às mãos de Heitor, que, num acesso de orgulho, tira a armadura de Aquiles ao adversário morto e veste-a, enquanto os Aqueus recuperam o corpo frio do seu herói, graças à ação sobretudo de Menelau.

            Profundamente ferido pela triste notícia, Aquiles resolve regressar à batalha para vingar a morte do amigo. Tétis dirige-se ao Olimpo e convence Hefesto a forjar uma nova armadura e armas de ouro. Após a reconciliação com Agamémnon, Aquiles retorna à luta à frente do exército aqueu. Enquanto isso, Heitor não espera que Aquiles regresse à refrega e ordena aos seus homens que acampem fora das muralhas de Troia, mas, quando eles avistam o filho de Tétis, refugiam-se, aterrorizados, dentro delas. O guerreiro aqueu elimina todos os cavalos de Troia que vê e luta com o deus do rio Xanthus, que está furioso porque o adversário fez com que tantos cadáveres caíssem nos seus afluentes.

            A luta titânica entre o maior dos heróis aqueus e o maior dos troianos ocupa três livros. Depois de diversos recontros em que Eneias, príncipe troiano, se evidencia, dá-se finalmente o combate junto do rio (em que o Escamandro, transbordante de guerreiros derrubados pelo aqueu, inunda a planície, ameaça submergi-la e só é dominado pelo sogro ígneo de Hefesto), e a morte de Heitor, depois de uma longa perseguição em volta das muralhas de Troia. De facto, envergonhado por ter liderado o seu exército à derrota, o maior dentre os Troianos recusa-se a refugiar-se dentro da cidade com eles e espera pro Aquiles fora dos portões da cidade, no entanto perde a coragem e foge quando o inimigo se aproxima, sendo perseguido três vezes, até que Atena o engana e ele para. A armadura divina de Aquiles protege-o, mas este acaba por o atingir mortalmente através de um ponto fraco que nele existe e que o aqueu bem conhece. Aquiles amarra o corpo de Heitor à parte de trás do seu carro e arrasta-o pelo acampamento de batalha até ao acampamento aqueu.

            Após o regresso de Aquiles, os Aqueus cremam Pátroclo e realizam uma série de jogos em sua honra. Nos nove dias seguintes, Aquiles arrasta o corpo de Heitor em círculos, em redor do esquife funerário do amigo.

            No canto final, Príamo, o velho rei de Troia, ousa ir à tenda de Aquiles, pedir-lhe, com ricos presentes, a restituição do corpo do seu filho; o herói comove-se com as palavras de Príamo, aceita e concede umas tréguas de doze dias para se realizarem os funerais de Heitor, ato com que termina o poema.

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