A Ilíada é a primeira obra da
literatura europeia e, até hoje, nenhuma outra conseguiu superá-la.
A origem da cadeia de transmissão
situa-se algures na Idade Média, mas é impossível estabelecer uma data concreta
por falta de dados. Não obstante, segundo Frederico Lourenço, é possível
afirmar que no século VII a.C., no fim de uma longa tradição épica oral, surgiu
este poema, atribuído a Homero.
No século VI a.C., uma família
aristocrática de Atenas providenciou, a expensas próprias, a primeira edição
oficial escrita do livro. Mais de duzentos anos depois, Aristóteles concretizou
uma nova edição da Ilíada, que foi lida de forma apaixonada e
inspiradora pelo seu mais famoso aluno, Alexandre. Nos séculos seguintes, diversos
estudiosos produziram, na biblioteca de Alexandria, a famosa cidade fundada
pelo mesmo Alexandre, várias edições críticas em papiro. Um milénio depois, eclesiásticos
bizantinos efetuaram as cópias dos primeiros manuscritos completos que ainda
hoje podemos consultar na biblioteca de Florença, Veneza e Londres. Um desses
manuscritos, que se encontra presentemente na Biblioteca Ambrosiana de Milão,
foi adquirida por Petrarca, que, frustrado por não conseguir ler o poema em
grego, encomendou uma tradução latina a Leôncio Pilato, que constituiu, afinal,
a primeira tradução renascentista da obra. Em 1488, surgiu, em Itália, a
primeira edição impressa do poema homérico. Crê-se que, cerca de trinta anos
depois, D. Jerónimo Osório, bispo de Silves, traduziu para português os
primeiros oito cantos, trabalho que foi retomado posteriormente, também de
forma parcelar, pela Marquesa de Alorna. Outras traduções foram surgindo ao
longo dos séculos em língua portuguesa, no entanto, desde o Renascimento, a
primeira a exprimir nela o que está, de facto, no texto grego, se encontra nos
excertos da Ilíada que a professora Maria Helena da Rocha Pereira apresentou
na sua antologia Hélade.
Apesar da problemática, não
solucionada, em torno da sua autoria, são vários os estudiosos que creem que se
trata da obra de um só poeta, que nela trabalhou durante muitos anos, tendo
numa primeira fase criado uma estrutura relativamente simples, que
posteriormente se complexificou com a introdução de novos episódios. Esta ideia
não exclui, porém, a hipótese de terem sido introduzidas intercalações
posteriores. Por exemplo, crê-se que o Canto X não teria feito parte dos planos
de Homero, como o parece comprovar o facto de os 579 versos que o constituem
surgirem, em certas edições críticas, entre parênteses.
Outra questão prende-se com o
registo em que teria sido composta por Homero: escrito ou oral? Também neste
capítulo as opiniões divergem: há quem defenda que o poema, embora proveniente
de uma tradição oral, foi composto pelo poeta por escrito; porém, também
existem autores que continuam a sustentar que os Poemas Homéricos foram ditados
por um aedo analfabeto a alguém que sabia escrever.
No que diz respeito ao tempo dos
eventos narrados, Homero dá-nos conta de acontecimentos que ocorreram num
período de pouco mais de 50 dias, já na fase final da guerra, do qual nos
descreve, em termos de ação efetivamente narrada, 14 dias. Assim sendo, o poeta
concentrou o conflito bélico de 10 anos em duas semanas.
Relativamente aos motivos que deram
origem à guerra, Homero pouco conta; o julgamento de Páris (a quem o poeta
prefere chamar Alexandre) só é referido de passagem no Canto XXIV; e o
epicentro do poema, quanto aos sentimentos adúlteros que levaram ao conflito, é
a recriação, no Canto III, da primeira noite de amor de Páris e Helena,
ocorrida nove anos antes. O resultado da guerra parece não interessar
particularmente ao poeta, pois só o verso final do livro sugere a destruição de
Troia. Por outro lado, os 55 dias da ação global do poema, bem como os 14 de
ação efetivamente narrada, estão condicionados por reações em cadeia
provenientes do passado, que terão repercussões trágicas no presente.
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