Português: Introdução à Ilíada

terça-feira, 27 de julho de 2021

Introdução à Ilíada

             A Ilíada é a primeira obra da literatura europeia e, até hoje, nenhuma outra conseguiu superá-la.
            A origem da cadeia de transmissão situa-se algures na Idade Média, mas é impossível estabelecer uma data concreta por falta de dados. Não obstante, segundo Frederico Lourenço, é possível afirmar que no século VII a.C., no fim de uma longa tradição épica oral, surgiu este poema, atribuído a Homero.
            No século VI a.C., uma família aristocrática de Atenas providenciou, a expensas próprias, a primeira edição oficial escrita do livro. Mais de duzentos anos depois, Aristóteles concretizou uma nova edição da Ilíada, que foi lida de forma apaixonada e inspiradora pelo seu mais famoso aluno, Alexandre. Nos séculos seguintes, diversos estudiosos produziram, na biblioteca de Alexandria, a famosa cidade fundada pelo mesmo Alexandre, várias edições críticas em papiro. Um milénio depois, eclesiásticos bizantinos efetuaram as cópias dos primeiros manuscritos completos que ainda hoje podemos consultar na biblioteca de Florença, Veneza e Londres. Um desses manuscritos, que se encontra presentemente na Biblioteca Ambrosiana de Milão, foi adquirida por Petrarca, que, frustrado por não conseguir ler o poema em grego, encomendou uma tradução latina a Leôncio Pilato, que constituiu, afinal, a primeira tradução renascentista da obra. Em 1488, surgiu, em Itália, a primeira edição impressa do poema homérico. Crê-se que, cerca de trinta anos depois, D. Jerónimo Osório, bispo de Silves, traduziu para português os primeiros oito cantos, trabalho que foi retomado posteriormente, também de forma parcelar, pela Marquesa de Alorna. Outras traduções foram surgindo ao longo dos séculos em língua portuguesa, no entanto, desde o Renascimento, a primeira a exprimir nela o que está, de facto, no texto grego, se encontra nos excertos da Ilíada que a professora Maria Helena da Rocha Pereira apresentou na sua antologia Hélade.
            Apesar da problemática, não solucionada, em torno da sua autoria, são vários os estudiosos que creem que se trata da obra de um só poeta, que nela trabalhou durante muitos anos, tendo numa primeira fase criado uma estrutura relativamente simples, que posteriormente se complexificou com a introdução de novos episódios. Esta ideia não exclui, porém, a hipótese de terem sido introduzidas intercalações posteriores. Por exemplo, crê-se que o Canto X não teria feito parte dos planos de Homero, como o parece comprovar o facto de os 579 versos que o constituem surgirem, em certas edições críticas, entre parênteses.
            Outra questão prende-se com o registo em que teria sido composta por Homero: escrito ou oral? Também neste capítulo as opiniões divergem: há quem defenda que o poema, embora proveniente de uma tradição oral, foi composto pelo poeta por escrito; porém, também existem autores que continuam a sustentar que os Poemas Homéricos foram ditados por um aedo analfabeto a alguém que sabia escrever.
 
            No que diz respeito ao tempo dos eventos narrados, Homero dá-nos conta de acontecimentos que ocorreram num período de pouco mais de 50 dias, já na fase final da guerra, do qual nos descreve, em termos de ação efetivamente narrada, 14 dias. Assim sendo, o poeta concentrou o conflito bélico de 10 anos em duas semanas.
            Relativamente aos motivos que deram origem à guerra, Homero pouco conta; o julgamento de Páris (a quem o poeta prefere chamar Alexandre) só é referido de passagem no Canto XXIV; e o epicentro do poema, quanto aos sentimentos adúlteros que levaram ao conflito, é a recriação, no Canto III, da primeira noite de amor de Páris e Helena, ocorrida nove anos antes. O resultado da guerra parece não interessar particularmente ao poeta, pois só o verso final do livro sugere a destruição de Troia. Por outro lado, os 55 dias da ação global do poema, bem como os 14 de ação efetivamente narrada, estão condicionados por reações em cadeia provenientes do passado, que terão repercussões trágicas no presente.

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