Português

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Análise da cantiga "Ai madre, bem vos digo"

 Assunto
 
            A donzela, em ambiente familiar, confidencia à mãe que está zangada com o seu amigo, pois este mentiu-lhe, visto que faltou ao encontro marcado.
 
 
Tema: a desilusão amorosa.
 

 Personagens
 
▪ Sujeito poético: a donzela.
 
▪ Destinatário: a mãe.
 
▪ Papel da mãe: confidente e interlocutora da filha.
 
 

Estado de espírito da donzela













 
Retrato do amigo
▪ mentiroso
▪ falso
▪ incumpridor (v. 7) – não cumpriu o que prometeu
 
 
Estrutura interna
 
1.ª parte (1.ª cobla): Apresentação do espírito da donzela e do motivo que a justifica (a mentira do amigo).
 
2.ª parte (2.ª-4.ª coblas): Reiteração da causa do estado de espírito da donzela – a mentira e a falsidade do amigo –, agravada pelo facto de ter sido intencional.
 
 
Estrutura formal

▪ Quatro coblas constituídas por um dístico e um refrão monóstico.

▪ Rima emparelhada: aaR.

▪ Métrica: versos hexassílabos.

 
 
Classificação
 
Cantiga de amigo: o sujeito poético é feminino, uma donzela, que confidencia à mãe o seu estado de espírito.
 
Cantiga de refrão:
remete para o estado de espírito da donzela;
reforça e intensifica o seu estado emocional (a irritação e a raiva da donzela).
 
Cantiga de atafinda: o sentido de uma cobla prossegue / completa-se na seguinte.
 

Autárquicas 2021: prazeres sem fim


 

Cantigas de amor, escárnio e maldizer: análise e interpretação


terça-feira, 14 de setembro de 2021

Autárquicas 2021: o bar que o Nuno esconde


 

Cantigas de amigo: análise e interpretação

 
    Episódio sobre as cantigas de amigo, com exemplos textuais e análises dos mesmos [episódio].

Análise da cantiga "Quem a sesta quiser dormir"

 Tema: a pobreza da nobreza – crítica de costumes.
 
 
Assunto
 
            Numa época de calor, depois de se ter almoçado bem noutro local, sabe bem fazer a sesta na cozinha de um infanção: sem lume aceso e sem moscas (pois nela não há géneros alimentícios), é o lugar ideal para tal.
 
 
Personagem criticada: um infanção (um jovem nobre).
 
 
Desenvolvimento do tema
 
            O sujeito poético aconselha aquele que desejar dormir uma boa sesta na casa do infanção depois de almoçar antes, sugerindo que se passa fome naquela casa. De facto, se for à cozinha, verificará que é a mais fria da região, visto que nela não se acende a lareira.

            Na segunda cobla, o «eu» lírico relata a sua experiência pessoal. De facto, ele dormiu um dia naquela cozinha e aí teve a melhor sesta da sua vida desde o dia em que nasceu, visto que nela não havia moscas por ser muito fria, pois não havia lume / não estava acesa nem alimentos para cozinhar.

            Na terceira, o sujeito poético afirma que aquela cozinha, por ser tão fria, é um bom local para se refrescar o vinho… se alguém o der ao infanção, pois também não existe bebida em sua casa, visto que não possui dinheiro para o comprar (“e se vinho gaar d’alguém”).

 
 
Razão da crítica/sátira: a pobreza. A cozinha do infanção está fria porque não é usada, pois nela não existe comida (daí não haver moscas) nem bebida (só bebe vinho se lho derem).
 
 
Recursos expressivos
 
            Os recursos expressivos que predominam na cantiga são a comparação (“tam bõa sesta non levei / des aquel dia’m que naci”; “u nunca Deus quis mosca dar”), a hipérbole (“que tan fria casa non á”, “ena mais fria ren que vi”) e a ironia.

            Através da hipérbole, criticam-se as condições miseráveis (a falta de dinheiro, a fome, etc.) em que o infanção vive. Com a comparação, enfatiza-se a excelente sesta que o sujeito poético fez em casa do infanção e a ausência de moscas, que provam a falta de lume e de alimentos para cozinhar). Por meio da ironia, expõe-se a situação económica frágil do infanção.

 
 
Classificação
 
            O poema é uma cantiga de escárnio:

▪ o nome da pessoa criticada é omitido;

▪ os recursos estilísticos usados eram a ironia e as palavras com duplo sentido.

 
 
Estrutura formal
 
▪ Três coblas de sete versos – sétimas.

▪ Rima:

- esquema rimático: ababccb;

- rima cruzada nos quatro primeiros versos, emparelhada no quinto e no sexto e interpolada nos quarto e sétimo.

▪ Métrica: versos octossilábicos – Quem / a / ses / ta / qui / ser / dor / mir/.
 
 
Crítica social
 
            Esta cantiga denuncia a decadência da nobreza. A crítica é ilustrada com o caso de um infanção (um jovem nobre) que tinham uma cozinha ótima para se fazer a sesta, visto que nela nada se preparava (porque não havia géneros alimentícios), não existindo, por isso, nem lume nem moscas. Esta situação justificava-se pelo facto de os nobres não possuírem meios financeiros, serem pobres, dado pertencerem a uma classe social decadente. Em simultâneo, começava a ganhar preponderância outra: a burguesia.

Autárquicas 2021: os morcegos


 

domingo, 12 de setembro de 2021

Análise de "Conselho"

  
Sê paciente; espera

que a palavra amadureça

e se desprenda como um fruto

ao passar o vento que a mereça

 
            Este poema é da autoria de António Gedeão, pseudónimo de José Fontinhas, nascido na Póvoa de Atalaia, em 1923, e falecido no Porto, em 2005.

            Embora estejamos na presença de uma única quadra, trata-se de uma verdadeira arte poética, ou seja, um conjunto de princípios que orientam a produção de um texto poético. A estrofe abre com um conselho dirigido ao «tu» para ser paciente. Esse conselho assenta no recurso ao modo imperativo («Sê»), que pressupõe a existência do «tu», do interlocutor do sujeito poético, que recebe a mensagem deste último e dela extrai ensinamentos sobre a arte de escrever poesia. Deste modo, é possível concluir que o texto pressupõe uma finalidade didática, visto que se apresenta como um ensinamento dirigido a todos aqueles que procuram exercer a atividade poética.

            A “explicação” desse “conselho” é desenvolvida no resto da composição poética a partir do recurso à metáfora e a nova comparação. Estes recursos estilísticos destacam a naturalidade que deve estar na origem do texto poético, associado metaforicamente a um fruto que, depois de amadurecido, se desprende naturalmente do ramo da árvore. A metáfora do amadurecimento pode também remeter para a ideia da reformulação / reescrita do texto: o escritor escreve e, depois, corrige, reformula até encontrar a «versão» que o satisfaça. Por outro lado, a metáfora e a comparação insinuam também a paciência e a espera que o processo criativo, o processo de escrita implicam.

            Esta temática é abordada por António Gedeão em múltiplos poemas, com contornos semelhantes. De acordo com as suas próprias palavras, não era um poeta de inspiração (não era, portanto, o Alberto Caeiro que, de pé, frente à sua secretária, escreveu, de jato, os poemas de O Guardador de Rebanhos), mas um trabalhador, um «artesão» que escrevia o poema «sílaba a sílaba».
 

sábado, 11 de setembro de 2021

11 de setembro de 2021: 20 anos


 

Autárquicas 2021: os anais do Arlindo


 

Análise do poema "Ver claro"

             Este poema de Eugénio de Andrade centra-se na questão poética. Ele tem início com uma afirmação perentória: “Toda a poesia é luminosa” (v. 1). Quer isto dizer que a poesia contém a verdade que lhe é característica; o problema reside no facto de os sentimentos, as emoções ou os preconceitos do leitor (a metáfora “nevoeiro dentro de si”) o impedirem de “ver claro”, ou seja, de compreender o que lê.

            Há, porém, uma solução para essa incompreensão: o contacto contínuo com o texto poético, ideia traduzida pela reiteração “outra vez”. Esse contacto continuado com a composição poética, por causa da forma insistente como é feito, acabará por familiarizar o leitor com os processos característicos do texto poético, o que fará com que a poesia se torne clara (atente-se na expressividade da hipérbole “ficará cego de tanta claridade” – v. 10).

            Note-se, porém, que o alcançar dessa luminosidade é apresentado sob a forma de condição, traduzida pela oração subordinada adverbial condicional presente entre os versos 6 e 9. Assim sendo, não é certo que o leitor chegue mesmo à compreensão do texto; pelo menos, se não mantiver o tal contacto ativo e continuado com ele.

            Essa dúvida permanece no último verso do texto, através do qual o sujeito poético parece querer abençoar todo o leitor que “viu a luz, a luminosidade” da poesia: “Abençoado seja se lá chegar”.

            Tendo em conta esta análise, o título do texto torna-se ele próprio claro: apontará para uma definição de «poesia», dado que remete para o seu principal objetivo, que passa por observar sem constrições as ideias ou sentimentos expressos pelo sujeito poético.

Análise do poema "Salmo"

 
A vida

é o bago de uva

macerado

nos lagares do mundo

e aqui se diz

para proveito dos que vivem

que a dor

é vã

e o vinho breve.

 
            Este poema de Carlos de Oliveira tem como tema a reflexão sobre a vida e a sua brevidade e desenvolve-se com base em metáforas.

            De facto, a vida é associada a um “bago de uva” que, depois de “macerado / nos lagares do mundo”, se transforma em «vinho». Note-se que, neste contexto, o vinho simboliza a vivência humana, nomeadamente a sua brevidade, o seu caráter efémero.

            Por outro lado, o adjetivo «macerado» (v. 3) remete para a dor e o sofrimento, dado que o resultado da ação de macerar o bago de uva (a vida) é o seu esmagamento. Não obstante, “a dor / é vã / e o vinho / breve”, ou seja, a dor e o sofrimento são inúteis, visto que o resultado da maceração, ainda que aprazível (o vinho), é breve, não dura muito, graças à passagem veloz do tempo.

            Dado que o poema constitui uma reflexão sobre a vida, o tempo verbal predominante é o presente do indicativo, que, tendo em conta as ideias expressas no poema, traduz a importância que o agora, o presente assume.

            Relativamente ao poema, o nome «salmo» refere-se a um hino através do qual se enaltece ou engrandece algo; no entanto, neste poema, esse significado não se aplica. De facto, a composição constitui uma reflexão sobre a vida e a sua efemeridade, pelo que não se afigura como um livro de louvor, mas antes como um desabafo sobre a temática abordada.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...