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segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Mens ag|itat mol|em - Parte III


Serebriakova - uma vida, uma obra

     Este post é da autoria de Beatriz, uma professora de Filosofia de Setúbal, que possui um blogue onde escreve sobre diversos assuntos da atualidade e/ou do seu interesse: IP azul.

    Neste caso, trata-se da divulgação de um nome da pintura ucraniana desconhecido para o comum dos mortais: Zinaida Serebriakova. O post original é este: Serebriakova - uma vida, uma obra.


    Zinaida Lanceray nasceu em 1884, no Império Russo, perto de Kharhov, na atual Ucrânia, numa família artística.

    O seu pai era escultor, o seu avô um famoso arquiteto e o seu tio um pintor, o que significa que era originária de uma família de artistas. Ela seguiu os seus passos e estudou arte desde muito jovem.

Foi pupila do mestre Ilya Repin (1844 - 1930), com quem aprendeu sobre o Realismo, e mais tarde viajou para a Europa, onde estudou em França e na Itália.







    Nos seus quadros de Paris desta época, podemos ver que Serebriakova foi influenciada também pelo Pós-Impressionismo.







    Desde tenra idade, interessou-se pela vida das pessoas comuns, dos camponeses, dos pastores e pescadores e do mundo agrícola. Este era um tema ao qual voltaria vezes sem conta ao longo da sua vida.





    Em 1905, Zinaida casou com Boris Serebriakov e, durante a década seguinte, teve quatro filhos.

    Este acontecimento marcou o início dos seus chamados "Anos Felizes", caracterizados por outro tema que dominaria a sua carreira: a família.
    





    Serebriakova também pintou autorretratos. Com toda a sua vivacidade e autenticidade, constituem provavelmente o seu melhor trabalho.















    Porém, acima de tudo, pintava os filhos, fosse ao pequeno-almoço, de manhã, ou todos juntos a jantar.

 




   


    Serebriakova enviou o seu Autorretrato na Mesa de Toilette para uma exposição em 1909,tendo sido recebido com aclamação pela crítica. Mesmo nessa altura, a sua expressão surpreendentemente moderna foi um sucesso.

 

    Juntamente com Outono Verde e Rapariga Camponesa, os três quadros foram leiloados com sucesso.

    
    A partir de 1914, Serebriakova começou a atingit a plena maturidade artística e gozou dos anos mais bem sucedidos da sua carreira, com pinturas como Harvest (1915) e Bleaching Linen (1917).

    Estava pronta para se tornar parte da Academia de São Petersburgo.

    Porém, tudo mudou com a Revolução Russa de 1917.



    O primeiro problema foi artístico: o seu estilo pessoal já não era bem-vindo no mundo da arte vanguardista, suprematista e construtivista favorecido pela Rússia soviética.

    Em cima disso, ocorreu uma tragédia pessoal: o seu amado marido Boris foi preso em 1919 e morreu de tifo na prisão.

    Sem os seus rendimentos e com as comissões a diminuir no novo regime, as coisas tomaram um rumo descendente.
    Serebriakova era, agora, uma mãe viúva com quatro filhos para criar.

    Deixaram a propriedade familiar - que tinha sido saqueada - e mudaram-se para um apartamento em Petrogrado.

    Ela já não tinha dinheiro para comprar tintas a óleo, mas continuou a pintar, interessando-se também pelo ballet e pelo teatro, que a sua filha Ekaterina tinha começado a frequentar.






    Continuou igualmente a pintar os seus filhos, agora com uma certa melancolia, em vez da alegria mais pura anterior.










    Em 1924, viajou para Paris, na esperança de conseguir lá comissões e, assim, angariar dinheiro suficiente para sustentar a sua família.

    Mal sabia Serebriakova que as viagens seriam, em breve, restringidas pelo governo soviético.

    Deste modo, foi-lhe recusada a reentrada na Rússia e tornou-se uma exilada.






    No entanto, Serebriakova encontrou trabalho e comunidade em Paris com um grupo de emigrados russos e enviava os seus proventos para casa.

    Em 1926, o seu filho mais novo, Alexandre, foi autorizado a juntar-se a ela e, em 1928, Ekaterina.


    





    Aqui a vemos num autorretrato de 1930, com um ar algo mais cansado do que nos seus retratos anteriores.











    Visitou Marrocos várias vezes, países que lhe deixou uma grande impressão.

    Lá, encontrou um grande prazer em pintar o povo comum, como outrora tinha feito na Rússia.













    De regresso a França, Serebriakova continuou a pintar as pessoas comuns, fossem pescadores ou padeiros, em paralelo com retratos para clientes endinheirados.




  

    Nesta era do seu exílio parisiense, vemos um outro tema emergir mais plenamente na obra de Serebriakova: a mulher nua.
    A temática já lá estava há muito tempo, como com Bather (1911), mas durante as décadas de 1920e 1930 trabalhou nela com mais frequência e de forma muito diferente daquela de que os homens se socorrem para pintar o mesmo tema.



   

    Durante a Segunda Guerra Mundial, devido à sua nacionalidade e ao contacto frequente com a sua família na União Soviética, Serebriakova tornou-se suspeita na Paris ocupada pelos nazis.

    Foi forçada a renunciar à cidadania soviética e, aparentemente, a qualquer esperança de ver a restante família novamente.


    A vida e a carreira de Zinaida Serebriakova foram longas e voláteis, afetadas quer pelas Guerras Mundiais quer pela tragédia pessoal. No entanto, também se tornou uma artista de sucesso e aclamada pela crítica.

    Nesta pintura, vemo-la em novo autorretrato, este bastante mais feliz, datado de 1956.

    Quando a pintora caminhava já para o final da vida, graças a Khrushchev, a sua filha Tatiana recebeu autorização para visitar a mãe em Paris, em 1960. Deste modo, reuniram-se ao fim de trinta e seis anos de separação. Zinaida contava 76 anos e a filha 50.

    Em 1966, realizou-se em Moscovo uma vasta exposição do trabalho de Serebriakova que foi um sucesso crítico e comercial. A pintora viajou até lá, regressando a solo russo pela primeira vez em quase quatro décadas.

    Zinaida Serebriakova regressou a Paris e morreu lá no ano seguinte, em 1967, com 82 anos.

    Seja nas representações da sua família, do povo comum, ou de si própria, poucos pintores conseguiram alguma vez tal ternura, intimidade, vivacidade e honestidade.

sábado, 15 de outubro de 2022

Análise do capítulo XXVI de Iracema


     Poti e Martim partem sem avisar Iracema, embora lhe deixem um sinal, que é muito importante, porque é em função dele que se vai processar toda a vida de Iracema, que espera, ansiosa, a chegada do seu esposo.
    Mas também importante neste capítulo é o regresso da jandaia, que simboliza a infelicidade de Iracema, que se começa a fazer sentir  mais nítida e forte; pode este regresso ainda ser visto como um retorno ao tempo em que ela não tinha preocupações. Apesar de Iracema sentir saudades da sua pátria, não se arrepende da sua decisão. Dá-se uma caracterização positiva e idealizada da jovem, que mantém sempre a mesma dedicação. Embora consiga um período de felicidade completa, ele é breve porque os sacrifícios que tem de fazer não compensam e ela começa a sentir-se só. A felicidade é quebrada pela dualidade de Martim entre a saudade da pátria e o desejo.

Análise do capítulo XXV de Iracema


     Aqui tudo se altera: é o princípio do fim. Iracema e Martim começam a afastar-se e não haverá mais qualquer hipótese de aproximação. Um dos aspetos que transmite essa mudança é o emudecer do canto da jovem índia. Toda a saudade que Martim sentia volta com um ímpeto, após a visão das naus, e não consegue escondê-lo de Iracema, que o sente a afastar-se cada vez mais. Entre este capítulo e o anterior há um grande contraste.

Análise do capítulo XXIV de Iracema


     Trata-se de um capítulo descritivo do processo de indianização de Martim: pintura e vestimenta de índio. Esta pode ser uma atitude resultante de uma aproximação espiritual a Poti e não apenas física.
    Estamos na presença de um capítulo em que se transmite uma imagem de completa felicidade, como no anterior. Isto acontece porque Iracema e Poti sentem Martim mais próximo deles. Ela sente que ele está dentro do seu universo e está feliz, porque não precisou desligar-se totalmente da sua cultura, mas foi Martim que foi ao encontro dela. Porém, será que esta aproximação de Martim não passa apenas de uma capa?

Análise do capítulo XXIII de Iracema


     Ocorre a descrição das atividades diárias de Martim, Poti e Iracema, que se sentia feliz, porque tinha o seu amado junto de si e porque se afastara da tribo inimiga de seu povo: a jovem ocupava-se da colheita dos frutos; os dois homens da caça e da pesca.
    Iracema fica grávida e cumpre um ritual do seu povo, cingindo a cintura, o colo e os seios de flores de maniva, símbolo da fecundidade. Transmite-se uma imagem de felicidade. Mais uma vez a fala de Poti é reflexo da sua sabedoria e da importância que se atribui ao índio. O seu discurso é muito sábio, prezando o valor da fidelidade, amizade e coragem. Pode ainda entender-se como acusação a Martim. Ele sabe da dualidade deste e acusa-o da sua injustiça, pois agora tem tudo para ser feliz: amigo, esposa e filho. Embora Martim se mostre feliz, nós podemos perguntar se essa felicidade será verdadeira.

Análise do capítulo XXII de Iracema


     Terminada a viagem, teve lugar a instalação num lugar caracterizado como calmo. Há uma constante referência a elementos da natureza, costumes, tradição e história da tribo, através da voz de Poti. Ele refere ainda um avô e vai visitá-lo juntamente com os seus amigos.
    Também aqui encontramos presságios, que, aliás, são constantes ao longo do romance. A imagem do "gavião branco junto da narceja" mostra a sobreposição de uma raça sobre a outra. Se no aspeto da força são os brancos que se sobrepõem, no aspeto ideológico é o índio. Esta imagem diz respeito à opressão do branco sobre o índio. Sendo estas as últimas palavras do velho antes de morrer, ganham um poder premonitório.

A inflação


Joe Heller

Análise do capítulo XXI de Iracema


     Este capítulo começa pela descrição da natureza e dos costumes da viagem. Esta acontece, porque Martim sente que Iracema se devia afastar daqueles que eram inimigos do seu povo, para não estar tão triste. Mas progressivamente Martim começa a afastar-se de Iracema e Poti; sente necessidade de estar só, o que é reflexo da sua dualidade: saudade da pátria e amor por Iracema. Esta sabe o que se passa, apesar de ele se calar na sua presença.

Análise do capítulo XX de Iracema


     Temos uma descrição da natureza, dos sítios por onde passavam e da vida do dia a dia e dos seus costumes. Iracema continua com o seu coração dilacerado pelo conflito entre a dor motivada pelo afastamento da sua tribo e o amor por Martim, que tudo compensa e que a há de perder. Esta situação de dependência é perigosa, sobretudo quando o herói é um herói romântico, que não sabe o que quer. As imagens que caracterizam Iracema ligam-se à terra, enquanto as de Martim se ligam ao mar, que representa a sua saudade e anseio. Iracema sente a alegria com que Martim revê a praia e, ao mesmo tempo, sente toda a fatalidade que irá cair sobre ela.
    Se até ao capítulo XV, houve um progresso de união entre ambos, a partir do momento em que essa união se concretiza, inicia-se um processo inverso de separação que se começa a evidenciar aqui.

Análise do capítulo XIX de Iracema


     Este é o capítulo mais simbólico. Poti oferece o seu cão a Martim como elemento de ligação entre ambos e este abraça a jatobá, a árvore que viu nascer Poti, como forma de cimentar essa amizade. São dois elementos simbólicos da fidelidade.
    É também curiosa a imagem que nos é dada de Iracema: é uma imagem muito poética, suave e dotada de uma certa melancolia. Ela aparece sempre descrita como um elemento pequeno: uma ave. Se o jatobá e o cão constituem elementos simbólicos da amizade entre Martim e Poti, Iracema aparece como um terceiro membro desse triângulo. Há uma justaposição da amizade de Martim por Poti à fidelidade que o liga agora a Iracema.

Análise do capítulo XVIII de Iracema


     Neste capítulo, dá-se a narração da luta entre os tabajaras e os pitiguaras, que saem vencedores. Iracema acompanha Martim como esposa, mas sofre com o conflito entre o que sente pelo guerreiro branco e o sentimento de traição à sua tribo que se começa a apoderar dele. É um espinho que nela começa a picar: "Os olhos de Iracema, estendidos pela floresta, viram o chão juncado de cadáveres de seus irmãos... Aquele sangue, que enrubescia a terra, era o mesmo sangue brioso que lhe ardia nas faces de vergonha." Isto ajuda a caracterizar mais uma vez Iracema como esposa fiel. Ela é valorizada pela sua coragem e pelo seu sentido de sacrifício.

Arábia Saudita reduz a produção de petróleo


John Darkow

 

Análise do capítulo XVII de Iracema


 Essa expectativa é quebrada neste capítulo. Iracema revela o que tinha acontecido e assume as consequências, isto é, o afastamento da sua tribo. Martim não sabe como reagir, mas os seus atos são sempre dirigidos pelo seu sentir. Em Martim, há que separar o nível emocional e o racional.
    A fala de Poti sobre o amor é importante, na medida em que pensa que o amor é como o cauim, etc. É uma imagem que corresponde a uma linguagem que não é típica do índio, é marcada pelo romantismo europeu.
    A imagem construída de Martim é feita segundo os moldes europeus idealizados. No final do capítulo, ele assume tudo o que aconteceu, a situação e a sua ligação com Iracema - o facto de a considerar como sua esposa.
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