Português: Fernando Pessoa
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sábado, 27 de fevereiro de 2021

Classificação de Mensagem

          A Mensagem não se presta a uma classificação unívoca; pelo contrário, é possível detectar na obra marcas de diferentes tipologias.

          Desde logo, é possível referenciá-la como uma obra lírica (sobretudo na terceira parte):
               » é um livro de poemas;
               » a forma é fragmentária (ao contrário, por exemplo, de Os Lusíadas);
               » o sujeito lírico evidencia uma atitude introspectiva;
               » o sujeito lírico exprime os seus sentimentos, sonhos, desejos, crenças
                  (relativamente ao presente, ou ao futuro da Pátria);
               » há uma postura de interiorização e de contemplação da alma humana;
               » o simbolismo;
               » a inquietação, a ânsia, o constante interrogar-se («'Screvo meu livro à beira-
                  mágoa»);
               » o presente de sofrimento e mágoa;
               » o tom menor;
               » a visão subjectiva do enunciador.

          Contudo, especialmente na segunda parte, a obra é também de carácter épico:
               » os poemas, juntos, formam um todo integrado;
               » os heróis portugueses do passado possuem um valor simbólico e mitológico;
               » há um apelo à glorificação lusíada no século XX e demais;
               » o heroísmo:
                    . os heróis (os marinheiros que percorreram os mares e se imortalizaram)
                      agem pelo instinto, sem terem a visão do sentido e alcance dos seus actos

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Título: Mensagem

     A explicação em torno do título dado por Pessoa à sua única obra em língua portuguesa publicada em vida não é consensual, daí que não seja de estranhar que existam diversas teorias acerca do tema.

. Título inicial: Portugal:
  • foi alterado, a conselho do seu amigo Cunha Dias;
  • razão: o nome da pátria estava muito associado a textos publicitários, que promoviam, por exemplo, marcas de sapatos e marcas de hotéis;
  • exemplo de um slogan da época: «Portugalize os seus pés».

. 1.ª explicação:
  • o título é constituído por 8 letras:
  • 8 é o número do equilíbrio cósmico que simboliza a palavra criadora;
  • 8 é o símbolo da ressurreição, da mudança e do anúncio de um novo tempo.

. 2.ª explicação:
  • mensagem = comunicação, missiva;
  • o vocábulo pressupõe a existência de um emissor e de um recetor, desde logo sugeridos na epígrafe da obra - «Benedictus Dominus Deus Noster qui dedit nobis Signum» («Bendito Deus Nosso Senhor que nos deu o Sinal»);
  • emissor da mensagem: Deus;
  • recetor: o Poeta, que, pelo seu génio, foi eleito por Deus, para dar conhecimento da mensagem à tribo de que será guia e profeta, transformando-se também, em emissor.

. 3.ª explicação:
  • o título Mensagem teria tido origem na afirmação feita por Anquises, personagem da Eneida, quando explica a Eneias, descido aos Infernos, o sistema do Universo - Mens agitat molem = a mente move a matéria;
  • Mensagem será, assim, um anagrama da afirmação mens + ag(itat mol) + em;
  • o objetivo da obra seria mover as «moles» (a matéria) humanas através da poesia;
  • simbologia da descida aos Infernos:
  • poder associado às ideias de decadência e subsequente renascimento, sendo esse o processo cíclico apontado como condição necessária ao ressurgimento da pátria num estado ideal;
  • aceitando a morte do passado, o poder fecundador do mito trará um futuro perfeito.

. 4.ª explicação:
  • o título poderá ainda estar ligado à expressão «ens gemma», isto é, ente em gema, ovo;
  • tal significaria Portugal em essência, gema;
  • associação à ideia de encantamento, de magia: para os alquimistas, o ovo filosófico é o embrião da vida espiritual, do qual eclodirá a sabedoria;
  • no ovo, concentram-se todas as possibilidades de criar, recriar, renovar e ressurgir. Ele é a prova e o recetáculo de todas as transmutações e metamorfoses.

. 5.ª explicação:
  • a palavra mensagem pode ser «recortada» e construir as expressões mea gens ou gens mea, isto é, «minha gente» ou «gente minha», remetendo para a raça de heróis nomeados ao longo da obra;
  • outra hipótese remete para mensa gemmarum, isto é, o altar ou mesa onde repousam as gemas portuguesas - Portugal é onde se procede ao sacrifício necessário à realização do sagrado;
  • Portugal seria, assim, o altar onde os sacrifícios em nome do divino foram realizados.

Enquadramento cultural de Mensagem

● Em ruptura com a tradição, os artistas optam por uma abordagem mais irónica e provocatória;

● Na Literatura, os protagonistas passam de heróis a seres vulgares;

● Enaltecido pelas correntes literárias anteriores, o indivíduo perde a sua identidade e unidade, criando «outros eus» (fragmentação do «eu»);

● Maior liberdade na linguagem, atribuindo sentidos metafóricos novos às palavras;

● Reinventam-se as formas, usam-se técnicas novas e experimentam-se caminhos desconhecidos;

● Movimentos:
          ► Modernismo: diversidade e pluralidade, caminho pessoal de questionação e reinvenção
               dos valores;
          ► Futurismo: movimento, velocidade, energia explosiva e máquinas como demonstração
               da força do indivíduo;
          ► Cubismo: fraccionamento da realidade;
          ► Abstraccionismo: recusa de representação do real;
          ► Surrealismo: apelo à imaginação, ao sonho e à loucura; escrita automática.

Circunstâncias de produção de Mensagem

● Influenciado pela poética saudosista e pelos ideais lusitanistas do poeta Teixeira de Pascoaes, que intuíra e profetizara uma futura civilização lusitana, Fernando Pessoa publica uma série de artigos na revista A Águia (em Abril de 1912), em que exprime o seu entusiasmo e o forte sentimento de patriotismo, o desejo de regeneração nacional e visiona um movimento poético (e um consequente movimento social e civilizacional) grandioso e exaltante.

● A Mensagem terá tido origem no projecto de um livro cujo título seria Gládio, do qual resultou apenas um poema com esse nome, integrado na obra, surgido em 1913.

● A ideia de um livro de poemas de inspiração nacional terá surgido, pela primeira vez, por volta de 1917-1918, na época em que governou Sidónio Pais.

● O intervalo de elaboração dos poemas vai de 21 de Julho de 1913 a 26 de Março de 1934.

● Em 1922, foi publicado um conjunto de poemas, sob o título de «Mar Português», que acabaria por constituir a segunda parte de Mensagem.

● O trabalho de produção dos poemas é acompanhado de um trabalho exaustivo de leitura, de investigação e de estudo de temática patriótica presente em vários textos da sua autoria.

● A estrutura definitiva da Mensagem é concebida entre Janeiro e Março de 1934, tendo alguns poemas sido reescritos.

● A obra é publicada (a única em língua portuguesa em vida do poeta), propositadamente, em 1 de Dezembro de 1934, um ano após Salazar ter assumido a chefia do governo do país, instaurando o Estado Novo. A data foi escolhida em razão da carga simbólica que encerra, dado tratar-se do dia da Restauração. De facto, Pessoa pretendia, com este gesto, dar nota das intenções patrióticas que o dominavam.

● A publicação da Mensagem suscitou algumas reservas no poeta, «acusado» de contribuir, com ela, para reforçar a ideologia fascista do Estado Novo.

● Registe-se, a título de curiosidade, que Fernando Pessoa colaborou com o regime salazarista entre 1933 e 1934, no entanto esta situação foi sol de pouca dura, visto que o poeta, que não suportava a ausência de liberdade e a opressão, se tornou opositor do regime.

● A obra foi proposta para o Prémio Antero de Quental, que se destinava a distinguir "poesia nacionalista", mas tal acabou por não acontecer por não possuir o número de páginas estipulado (100). António Ferro, amigo de Pessoa dos tempos da revista Orpheu e responsável pelo Secretariado de Propaganda Nacional, improvisou um prémio de segunda categoria para distinguir Mensagem.

● A obra integra-se na corrente modernista, transmitindo uma visão épico-lírica do destino português, nela se salientando um conjunto vasto de símbolos e de mitos, como, por exemplo, o Sebastianismo, o Quinto Império, as Idades, etc.

● De acordo com o próprio Pessoa (Páginas Íntimas), a obra é um livro «abundantemente embebido em simbolismo templário e rosacruciano», ao mesmo tempo marcado por tonalidades épicas e messiânicas.

● Na Mensagem, Pessoa assume-se como o cantor do fim do império português (Camões foi o cantor do seu início e auge). De facto, a Pátria, no tempo do poeta, encontrava-se num estado de decadência e desagregação, circunstância que faz despertar nela a ânsia de renovação e regeneração que procura plasmar na sua obra. Ele acreditava que, através dos seus textos, poderia despertar as consciências e fazê-las acreditar e desejar a grandeza de outrora. Por isso, as duas partes iniciais de Mensagem assinalam o passado histórico e grandioso de Portugal, enquanto a terceira descreve o presente decadente e anuncia a vinda do Encoberto, representado na figura mítica de D. Sebastião, o pilar do Quinto Império.

● O projecto de Fernando Pessoa relaciona-se, em parte, com o ideal da Renascença Portuguesa, antevendo o «ressurgimento assombroso de Portugal, um período de criação literária e social como poucos o mundo tem tido, em que a alma portuguesa encerraria a alma recém-nascida da futura civilização europeia, que será uma civilização lusitana.»

● Pessoa preconizava para Portugal a construção de um novo império, já não de carácter material, como o fora o dos descobrimentos, mas de natureza espiritual, capaz de elevar os Portugueses ao lugar de destaque que outrora tinham ocupado a nível mundial. Seria, assim, um império da língua e da cultura portuguesas, um império do modo de ser português, do culto da liberdade e da solidariedade, da capacidade de adaptação às situações mais imprevistas.

● Em várias ocasiões, o poeta designou esse seu desígnio de «nova Índia», uma «Índia que não há» ("E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos. E o seu verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal anterremedo, realizar-se-á..." - in A Nova Poesia Portuguesa) e que seria projectada / cantada por um Super-Poeta, um Super-Camões (provavelmente, o próprio Pessoa), que cantará a genialidade do seu povo e a espalhará por todo o mundo. No fundo, considera-se investido no cargo de anunciador do tal novo império (na sequência dos textos do Padre António Vieira), o Português.

● O conteúdo enaltecedor da maioria dos poemas contrasta com o contexto em que foram produzidos:
          » acompanham alguns dos factos principais da História de Portugal;
          » retratam as suas figuras centrais;
          » recuperam os seus símbolos, as suas lendas e o essencial da sua mitologia;
          » criam o destino de uma super-nação mítica que faltaria cumprir.

● Intencionalidade comunicativa da obra:
          » regenerar o orgulho português;
          » cantar o passado histórico glorioso de Portugal de uma forma emblemática e simbólica,
             transformando-a num mito, a partir do qual seja possível reinventar o futuro;
          » anunciar o renascer de uma pátria grandiosa, um novo império civilizacional, uma
             Super-Nação mítica.

Enquadramento histórico de Mensagem

● Início do século XX;

● Período de ressaca da questão do Mapa Cor-de-Rosa e do «Ultimatum» inglês, que provocou um sentimento de humilhação no povo português;

● Período de avanços tecnológicos e científicos, contrastando com as más condições de trabalho dos operários;

● I Guerra Mundial (1914-1918);

● Revolução russa (1917);

● Necessidade de repensar a sociedade e o próprio Homem:
          ► Nietzsche põe em causa os fundamentos de então e sugere uma reavaliação dos
               valores para viver a vida na sua plenitude;
          ► Freud demonstra a complexidade do Homem e o seu lado inconsciente;
          ► Einstein põe em causa grande parte do conhecimento científico.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

A nostalgia da infância em Fernando Pessoa

 A nostalgia da infância

. A nostalgia constitui um conceito diferente da saudade (por exemplo, a saudade de alguém ausente). O sentimento da nostalgia é a lembrança de uma felicidade longínqua e aparentemente perdida, como se o passado fosse, por natureza, melhor do que o presente.

. Por outro lado, a infância é um motivo literário muito antigo e diretamente associado a valores como a pureza do ser humano e a inocência que o estado adulto já não permite. Encarada como uma espécie de paraíso perdido, a infância provoca muitas vezes atitudes nostálgicas.

. A decetividade que caracteriza o presente do eu lírico leva-o frequentemente a manifestar-se nostálgico em relação à infância.

. O tempo da infância, porém, é idealizado, sendo apresentado como um símbolo da inconsciência, ingenuidade, inocência e felicidade (ou seja, uma época dourada que se associa à ausência da dor de pensar) e do sonho (isto é, do refúgio num mundo de fantasia que permite ao eu libertar-se das amarras da realidade).

. Insatisfeito com o presente e incapaz de o viver em plenitude, o eu poético refugia-se numa infância idealizada, regra geral, desprovida de experiência biográfica e submetida a um processo de intelectualização. De facto, trata-se de uma nostalgia imaginada, intelectualmente trabalhada e literariamente sentida.

. O próprio eu tem consciência de que a infância é uma época idealizada, visto que, na realidade, nem enquanto era criança ele parece ter sido feliz: “E toda aquela infância / Que não tive me vem, / Numa onda de alegria / Que não foi de ninguém” (poema “Quando as crianças brincam”).

. Deste modo, a evocação da infância não passa de uma tentativa infrutífera de evasão da melancolia do presente através de um passado que, porque concebido apenas ilusoriamente como um paraíso perdido, acaba por não permitir ao eu libertar-se da tristeza, do tédio e da angústia que o atormentam.

. Para Pessoa, a infância é o passado irremediavelmente perdido, o tempo longínquo em que era feliz sem saber que o era, o tempo em que apenas sentia, inconsciente daquilo que sentia, sem pensar. Era o tempo em que ainda não procurava conhecer-se e, por isso, era um ser uno, não fragmentado em diversos «eus».

. A passagem da infância à idade adulta não é um processo evolutivo e tranquilamente natural; pelo contrário, é um processo de rutura, de corte, de morte: “A criança que fui vive ou morreu?”. Frequentemente, sente-se habitado por «outro», diferente da criança que foi: “Sou outro? Veio um outro em mim viver?”.

. Assim, o passado e o presente opõem-se, não se complementam. O passado – da infância – é alegria, felicidade inconsciente, enquanto o presente é nostalgia, ânsia, desconhecimento de si mesmo e do futuro.

 

Sonho e realidade em Fernando Pessoa

 Sonho e realidade

. Quando falamos de sonho, podemos referir-nos a duas dimensões. Por um lado, sonho, em sentido literal, refere-se à vivência, por alguém adormecido, “de recordações ou de traumas que nesse mundo (chamado onírico) se manifestam, às vezes de forma aparentemente incoerente ou até absurda.” Por outro lado, “o sonho pode referir-se também ao chamado «sonhar acordado»”, ou seja, aos projetos orientados para um futuro que há de vir. Nesse futuro, o que foi sonhado (isto é, desejado) vem a realizar-se ou não.

. Pessoa faz contrastar o sonho e a realidade. O eu lírico não encontra a felicidade na realidade do quotidiano, porque é dominado pela frustração, pelo vazio ou pelo tédio existencial. Então, idealiza o sonho, onde acredita conseguir realizar-se e atingir a plenitude, a felicidade ou o equilíbrio.

. Na sua poesia, o mundo do sonho (o espaço onírico) não funciona como forma de evasão ou escape, mas como um lugar onde o eu acredita que pode recuperar uma experiência perdida (a da infância) ou ser o que não se é no mundo “real”.

. O eu sonhado não é uma outra pessoa; é, sim, uma outra faceta do eu lírico: “Não sei se é sonho, se realidade”. O sujeito sente-se, pois, dividido entre o que é “realmente” e o que desejava ser. Está simultaneamente presente nestes dois mundos: nós somos, de facto, a realidade e sonho que sonhamos; ou, recorrendo às palavras de Shakespeare, “Nós sonhos a matéria de que são feitos os sonhos”.

. Se, na situação anterior, não há uma distinção clara entre o real e o onírico, noutros caso o eu lírico crê que ele próprio se encontra na fronteira entre estes dois mundos: “Entre mim e o que em mim / É o que eu me suponho / […] corre um rio sem fim”.

. No sonho, o eu lírico começa por se imaginar outro, um eu idealizado. Esse eu sonhado pode viver num outro espaço (uma ilha, um país, um palácio) onde, num primeiro momento, tudo parece perfeito e ele acredita ter encontrado a felicidade e a harmonia: “Ali, ali [na ilha do sonho] / A vida é jovem e o amor sorri.”. No entanto, num segundo momento, após uma reflexão mais atenta, o sujeito lírico constata que esse estado de perfeição é ilusório e que o sonho não é solução para os problemas existenciais que o minam: “Ah, nessa terra também, também / O mal não cessa, não dura o bem”.

. Assim sendo, o sonho não resolve as insatisfações e as ansiedades do eu lírico. Isso sucede porque o sonho é uma ilusão ou porque não é resposta para os problemas que se geraram: o tédio, o vazio existencial, as saudades da infância perdida.

. Por outro lado, o sonho pode ser, muitas vezes, uma forma de evasão para um eu poético que se sente prisioneiro no interior de si mesmo: “Quem me amarrou a ser eu / Fez-me uma grande partida. // Debaixo deste amplo céu, / Nem tenho vinda nem ida”.

. O poeta “passou a sua vida” a pensar e a sonhar. De facto, autoanalisa-se, recorrendo permanentemente ao pensamento, tentou iludir a vida através dos sonhos, mas, porque se entregou intensamente ao pensamento e se virou para o sonho, acabou por se separar do mundo e não atingiu a felicidade.

. Em “Não sei se é sonho, se realidade”, o poeta manifesta a esperança de alcançar a felicidade através do sonho, no entanto acaba por duvidar da possibilidade de viver tal forma de felicidade. E conclui mesmo que é impossível vivenciar a felicidade no sonho, pelo caráter efémero do bem e permanente do mal, o que gera um grande desânimo e desilusão.

. No final, o eu poético conclui que não é no sonho, de facto, que podemos encontrar a felicidade, mas no íntimo, no interior de cada ser humano.

. No poema “Entre o sono e o sonho”, o eu poético apresenta-se dividido entre aquilo que é, na realidade, e o que desejava ser no sonho. O real é pautado pela inatividade e pela inércia, enquanto o mundo onírico se caracteriza pela idealização, pelo que o eu desejaria ser. O «rio» constitui, no poema, a fronteira que separa a realidade do sonho; enquanto aquele flui, o eu está parado. Sempre que o eu se tenta aproximar da realidade, o rio já passou, pelo que nunca é possível aproximar o eu real do eu sonhado.

 

A dor de pensar em Fernando Pessoa

 A dor de pensar

. O pensamento permite ao homem ter consciência da sua existência (logo, na perspetiva de Fernando Pessoa ortónimo, aqueles que pensam são superiores aos inconscientes).

. Contudo, o pensamento sistemático, a razão omnipresente provoca a dor de pensar no eu, dor essa que decorre de uma tendência permanente para refletir sobre a realidade e para intelectualizar as suas emoções (terá sido mero acaso o facto de Pessoa, em “Autopsicografia”, ter selecionado a dor como exemplo da sua teoria poética?).

. O poeta tem consciência de que existe um enorme fosso entre aquilo que sente e o que pensa que sente, ou seja, está consciente de que não consegue exprimir o que realmente sente, o que gera nele angústia. Esta constatação leva-o a desejar não pensar.

. A dor de pensar – de ser lúcido – é a consequência da constante racionalização das emoções, da análise, da abstração. A intelectualização excessiva causa sofrimento, dor, angústia e frustração. De facto, o poeta sofre, porque é incapaz de se libertar da razão / do pensamento permanente e omnipresente, que o leva sistematicamente a refletir sobre a realidade e a intelectualizar as suas emoções. Assim sendo, torna-se impossível desfrutar da sua vida e vivências.

. O poeta apresenta-se angustiado e abúlico, centrado sobre si mesmo, sofrendo a dor de pensar, a distância entre o sonho e a realidade e, sobretudo, dividido entre a inconsciência e a consciência, entre o sentir e o pensar, numa tentativa de ultrapassar a infelicidade e a angústia geradas pelo pensamento.

. Para ultrapassar a dor de pensar, o poeta deseja ser inconsciente e apenas sentir. É o que sucede nos poemas “Ela canta, pobre ceifeira” e “Gato que brincas na rua”, bem como em “A lavadeira no tanque”, nos quais ele exprime o desejo de ser inconsciente como a ceifeira ou irracional como o gato, para, assim, fugir à dor de pensar e ser feliz.

. No entanto, o eu acredita que aquele que não pensa, que é inconsciente, não pode ser verdadeiramente feliz, visto que não tem consciência da sua suposta felicidade. Assim sendo, a tentativa do poeta de ser libertar da dor de pensar acaba por redundar em fracasso.

. Em “Ela canta, pobre ceifeira”, manifesta, de facto, o desejo de ser inconsciente (como o gatou ou a ceifeira), mas tendo consciência disso. Porém, este desejo é um paradoxo, é impossível de concretizar, o que mostra que é impossível libertar-se da dor de pensar e, consequentemente, que a tentativa de alcançar a felicidade é igualmente impossível de se concretizar. Com efeito, o poeta aspira à vida instintiva e dirige-se à ceifeira, encantado pelo seu cantar, exprimindo a aspiração impossível de ser conscientemente inconsciente.

. A ceifeira e o gato são felizes, porque não pensam, enquanto o poeta não alcança a felicidade porque é racional.

 

domingo, 8 de novembro de 2020

Análise de "Pobre velha música"

O poema “Pobre velha música” é uma composição poética de Fernando Pessoa, sem data, publicada na revista “Athena” em dezembro de 1924.
À semelhança do que sucede noutros poemas do ortónimo, o poeta contrapõe o período da infância ao presente, considerando aquela como um “período dourado da sua existência”, o qual, porém, não regressará. No caso da composição poética em análise, é a “Pobre velha música” que simboliza esse período. Note-se, a título de curiosidade, que a mãe do poeta tocava piano, daí não ser de estranhar que esta forma de arte seja presença na sua obra. Aliás, Pessoa escreveu mesmo um poema que se refere, de forma explícita, à sua progenitora tocando o instrumento musical.
 
 
Assunto: ao ouvir a músicas, o sujeito poético recorda a sua infância, e, mesmo não tendo a certeza se foi feliz, solta toda a sua nostalgia presente ao rememorar esse período da sua vida.
 
 
Tema: a nostalgia da infância.
 
 
Estrutura interna
 
1.ª parte (1.ª estrofe) – Nostalgia do sujeito poético suscitada pela música.
 
2.ª parte (2.ª estrofe) – Recordação vaga e indefinida da infância.
 
3.ª estrofe (3.ª estrofe) – Desejo do sujeito poético de regresso ao passado, motivado pelo estímulo musical.
 
 
Desenvolvimento do tema
 
O sujeito poético é motivado por um estímulo sensorial auditivo que o emociona e desperta a sua nostalgia, visto que a música suscita em si recordações da sua infância. Embora seja um período feliz, traz ao «eu» uma grande tristeza e nostalgia, visto que está associado a uma idade perdida que é irrecuperável.
 
Esta temática – a nostalgia da infância – surge na poesia de Pessoa como uma fase da vida feliz, pela inconsciência, pela inocência de nada saber ou pensar, pela despreocupação, pela imaginação. No entanto, trata-se de um tempo impossível de recuperar, daí ser considerado um paraíso perdido.
 
A infância surge sempre em oposição ao presente, constituindo este um tempo negativo, enquanto aquele é recuperado pela memória como uma época de felicidade perdida.
 
Assim, neste poema, os dois tempos – presente e passado da infância – estão em equação: o sujeito poético, de olhar «parado» (no presente), chora quando ouve a música que escutava outrora.
 
A dupla adjetivação em posição pré-nominal do primeiro verso (“Pobre velha”) enfatiza os sentimentos de angústia e a nostalgia do sujeito poético. Subjetivamente, estes adjetivos mostram que a infância é um tempo longínquo e o «eu» lírico apresenta-se nostálgico relativamente às vivências desse tempo. Note-se que, neste passo do poema, está presente igualmente a personificação, visto que quem é «pobre» e «velho» é o sujeito poético que habitualmente ouvia aquela música e que, agora, tem consciência de que esse tempo nunca mais regressará. Daí o choro.
 
De facto, a recordação dessa música, embora de um período feliz da sua vida, aporta-lhe, no presente, grande tristeza, angústia, dor e nostalgia, pois está associada a uma época perdida, a um paraíso perdido, que nunca mais regressará, que é irrecuperável. A música é o elo de ligação entre o passado e o presente.
 
A segunda estrofe abre, precisamente, com a recordação do passado. De facto, o «eu» lembra-se de si enquanto criança que, supostamente, terá ouvido essa música, deixando no ar a dúvida se realmente a ouviu ou simplesmente a música o faz, agora, recordar-se da sua infância.
 
O sujeito poético recorda, de facto, o passado, mas quem, na realidade, ouviu a música foi ele, porém noutra idade, noutra fase da sua vida e com outros sentimentos. O «outro» era o «eu» enquanto criança e ele recorda-se de si próprio nesse período a escutá-la. Isto só vem confirmar a antítese passado / presente que percorre o texto.
 
Na última estrofe, o sujeito poético revela um desejo desesperado (“ânsia tão raiva” – v. 9) de regressar ao passado (“Quero aquele outrora!”). Esses sentimentos de raiva e angústia é acentuado pela exclamação. O sujeito poético afirma desconhecer se foi feliz na infância, no entanto deseja veementemente viver de novo esse período da sua vida (“Com que ânsia…”); todavia, reconhece que tal é impossível, o que gera a sua ira (“tão raiva”).
 
Segue-se uma interrogação retórica (“E eu era feliz?” – v. 11), através da qual o «eu» se questiona e destaca a dúvida acerca da felicidade vivida no tempo da infância, para a qual não tem resposta: “Não sei”.
 
Daqui o sujeito poético projeta-se num plano temporal que é impossível concretizar: ser criança e ser adulto, numa simbiose entre o passado e o presente. O «eu» lírico exprime o desejo de regressar ao passado, conotado com a felicidade que enraíza no tempo mítico de uma infância imaginada, mas questiona-se também se terá, efetivamente, vivido esse tempo de alegria, ou se esta será apenas produto da sua imaginação.
 
O paradoxo do verso 12 procura responder à dúvida: “Fui-o [feliz] outrora agora”. Apesar da incerteza de ter vivido uma infância feliz (“E eu era feliz?”) (devido à memória vaga desse tempo e, possivelmente, por essa felicidade ser apenas imaginada), o som da música tem o condão de o fazer feliz, no presente: “Fui-o outrora agora”. Da associação entre o «outrora» e o «agora», vivenciados em simultâneo, resulta a expressão da felicidade possível: a que permanece na memória e é presentificada através da música. Essa felicidade, portanto, acontece apenas no pensamento, no instante em que uma música motiva a memória do tempo da imaginação, da inocência e da inconsciência.
 
 
Síntese do poema

A nostalgia da infância é desencadeada pela audição da música (v. 1).

A música no passado é diferente da que recorda no presente (vv. 5-8) – a perceção de dois modos de ouvir.

O passado é lembrado de forma vaga / difusa e duvidosa (vv. 6, 11-12).

A felicidade na infância é construída no presente, através da memória, da recordação (vv. 10-12).

O passado e o presente fundem-se, sendo vividos em simultâneo (v. 12).

 
 
Retrato do sujeito poético

Ao longo de todo o poema, o sujeito poético revela grande dúvida e incerteza acerca das razões da sua emoção (“Não sei por que agrado” – v. 2) e da realidade / veracidade dessa felicidade na infância (“E eu era feliz? Não sei…” – v. 11).

Situado no presente, o «eu» deseja retornar à infância, o tempo da inocência, da inconsciência e da ausência da dor de pensar (vv. 9-10).

O sujeito poético sente-se triste e irritado por a infância ser um tempo perdido e irrecuperável (“Com que ânsia tão raiva / Quero aquele outrora!” – vv. 9-10).

O sujeito poético, de «olhar parado», chora, cheio de dor, sendo as suas lágrimas causadas pelo sentimento de perda inexorável e de infelicidade que o dominam no presente.

O sujeito poético sente saudade, angústia e nostalgia da infância, época que deseja recuperar: quando ouve a música, lembra-se do passado em que também a ouvia, e chora com saudades desse tempo.

Presentemente, revela abulia, inércia, perda da vontade, que se traduzem na dor de pensar (“Enche-se de lágrimas / Meu olhar parado.” – vv. 3-4).

O «eu» lírico sente uma permanente incapacidade de ser feliz (“E eu era feliz? Não sei”).

 
 
Estrutura formal

• Estrofes: 3 quadras.

• Rima:

- esquema rimático: ABCB

- versos brancos alternados com versos rimados cruzados

• Métrica: redondilha menor.

 
 
A temática da infância
 
A nostalgia da infância é um dos temas fundamentais de Fernando Pessoa ortónimo, partilhado por Álvaro de Campos.
Para Pessoa, a infância é um tempo passado irrecuperável perdido, o tempo longínquo em que era feliz sem saber que o era, o tempo em que ainda não tinha iniciado a procura de si mesmo e, por isso, não se tinha fragmentado.
Em Pessoa, a passagem da infância à idade adulta não é um processo evolutivo e tranquilamente natural; pelo contrário, é um processo de rutura. Passado e presente não se completam, antes se opõem; não há uma continuidade entre eles. Aquele é um tempo de felicidade, alegria inconsciente, enquanto o presente é nostalgia, ânsia, desconhecimento de si mesmo e do futuro.
A infância funciona como uma espécie de refúgio, tendo como motivações a insatisfação com o presente e a incapacidade de o viver em plenitude.
Por outro lado, a infância é sentida como uma cadeia de instantes que se vão sucedendo, sem qualquer relação entre eles, provocando no «eu» poético a sensação de fragmentação e de ausência de identidade.
Estes dados geram em si uma visão bastante negativa e pessimista da existência, que o futuro tenderá a aprofundar, visto que é o resultado de sucessivos presentes carregados de negatividade.
 

sábado, 7 de novembro de 2020

Análise de "Ó sino da minha aldeia"

      Este poema foi publicado, inicialmente, em 1914, no número único da revista “A Renascença”, e, em 1925, no terceiro número de “Athena”, datado de 1924, com ligeiras diferenças de pontuação e ortografia entre ambas as publicações. O manuscrito mais antigo do texto integral do poema data de 8 de abril de 1911, mas, na realidade, nasceu um pouco antes.
O poema corresponde ao primeiro de uma série de dois poemas antecedidos pelo título “Impressões do Crepúsculo”, com os quais Pessoa estreou a sua publicação ortónima em poesia portuguesa após o seu retorno da África do Sul.
 
Em 11 de dezembro de 1931, Fernando Pessoa escreveu uma carta a João Gaspar Simões onde, em dado passo, afirma o seguinte: “Nunca senti saudades da infância; nunca senti, em verdade, saudades de nada. Sou, por índole, e no sentido direto da palavra, futurista. Não sei ter pessimismo, nem olhar para trás”. O poeta admite ter saudades apenas das pessoas a quem amou e que queria ainda vivas, mas no dia de hoje, com as idades que teriam agora. Mais à frente acrescenta que as saudades expressas nas suas obras eram “atitudes literárias”, sentidas intensamente por instinto dramático, tendo dado como exemplo deste fenómeno o poema “Ó sino da minha aldeia”.
Em rigor, este poema, longe de ser inspirado na infância de Pessoa, tem a sua raiz em composições dos poetas novecentistas Luís Palmeirim e João de Lemos. De facto, Pessoa inspirou-se nesses poetas menores portugueses. Uma versão inicial do poema, constituída então apenas pelo primeiro verso e pela última estrofe, tem uma dedicatória: “A João de Lemos, mas escrito por Fernando Pessoa”. Vários poemas de Lemos e Palmeirim denunciam essa influência exercida junto do autor de Mensagem na composição de “Ó sino da minha aldeia”.
 
 
Tema: a nostalgia da infância.
 
 
Assunto: o sujeito poético, ser errante, recorda o passado, tempo de felicidade, como um bem perdido e irreparável, encontrando apenas conforto e sentido para a vida no período da infância.
 
 
Estrutura interna
 
1.ª parte (1.ª quadra): Apresentação do tema do poema.
 
2.ª parte (2.ª e 3.ª quadras): Descrição dos efeitos do toque do sino no sujeito poético.
 
3.ª parte (4.ª quadra): Conclusão do poema – associação do som do sino à saudade e ao passado do sujeito poético.
 
 
Desenvolvimento do tema
 
▪ O sujeito dirige-se, no primeiro verso, ao sino, através de uma apóstrofe e da sua personificação (dado que lhe confidencia os seus sentimentos), interpelando-o. Ao longo do poema, diversos elementos deíticos sugerem a existência de um diálogo entre ambos: os pronomes pessoais de 1.ª pessoa (“me”, “mim”), os determinantes possessivos de 2.ª pessoa (“tua”, “teu”) e as formas verbais na 2.ª pessoa (“tanjas”, “soas”).
 
▪ A presença do nome «aldeia» logo no verso 1 é bastante significativa. De facto, ele poderá simbolizar o espaço da infância, um espaço de intimidade, metáfora da interioridade do sujeito poético.
 
▪ Note-se a presença da hipálage nos dois versos iniciais (“Ó sino da minha aldeia / Dolente […]”), visto que o adjetivo «dolente» se refere ao sujeito poético, que, de facto, sofre, e não ao sino. Este recurso expressivo sugere a intimidade de uma memória que se reativa e que está na origem da saudade.
 
▪ O toque do sino, como se verá na terceira e na quarta estrofes, tem efeitos no sujeito poético, não lhe sendo de forma alguma indiferente. Pelo contrário, atinge-o no âmago: “Cada tua badalada / Soa dentro da minha alma.”. O sino toca dentro da alma do sujeito poético, lembra-o de memórias de infância. Quer isto dizer que cada badalada desperta no «eu» reminiscências e nostalgia de um passado distante – real ou imaginário: “Sinto mais longe o passado, / Sinto a saudade mais perto”.
 
▪ À medida que o sino toca, acentua-se essa nostalgia do passado e a primeira pancada tem o som de repetida, visto que soa na alma do sujeito poético (vv. 3-4). A aldeia é uma metáfora da interioridade do «eu»: “Cada tua badalada [espaço exterior] / Soa dentro da minha alma” [espaço interior] – traduz uma interação entre a alma e o tempo, que metaforicamente sugere a união do espaço exterior com o interior.
 
▪ O toque do sino estimula a memória do sujeito poético (v. 4), pois fá-lo recordar a sua infância, o passado distante que se associa a um sonho (vv. 11-12). É um eco do passado que, longe de alegrar o «eu», suscita nele a saudade da infância, uma época dourada mas irrecuperável (vv. 15-16). Os adjetivos “dolente” e “calma” (v. 2), que caracterizam respetivamente o toque do sino e a tarde em que o sujeito o escuta, remetem para a durabilidade do som, que não se apaga da sua memória.
 
▪ Na segunda estrofe, o sujeito poético mostra o efeito que o sino, símbolo da dolorosa passagem do tempo, tem em si. Assim, começa por afirmar que as memórias de um passado saudoso assolam a sua alma tão lentamente como a tristeza da vida (versos 5 e 6), comparando, deste modo, a lentidão do soar do sino com o seu próprio estado de espírito caracterizado pela nostalgia. Além disso, à medida que o sino toca, acentua-se no sujeito poético a saudade de tempos passados e “[…] a primeira pancada / Tem o som de repetida”, pois soa tanto no espaço exterior como no interior, isto é, na alma do «eu». Esse seu ecoar instaura nele uma certa melancolia e tristeza.
 
▪ A comparação dos versos 5 e 6 [e a elipse (omissão do adjetivo «lento»)] entre o soar do sino e a caracterização da vida sugere que ambos se pautam pela lentidão, o que indiciará que o tempo pode custar a passar para o sujeito poético, associando-se, assim, à nostalgia, à tristeza e à melancolia.
 
▪ O poeta identifica o toque do sino com o sujeito poético. De facto, a caracterização que é feita daquele corresponde ao seu estado de espírito, daí a tal identificação entre ambos. Assim, tal como o toque do sino, o sujeito lírico sente-se dolente e triste. Por outro lado, o som do toque do sino é-lhe tão familiar que “a primeira pancada / Tem um som de repetida”, ou seja, a primeira pancada tem o som de repetida porque o «eu» já a tinha ouvido no passado. Ao escutá-la, lembra-se do som que ouvia na sua infância, por isso era como se fosse repetida.
 
▪ Na 3.ª estrofe, o sujeito poético compara o sino a um sonho: “És para mim como um sonho”. O toque do sino remete o sujeito poético para um passado distante, o qual não voltará, fazendo, assim, com que essas memórias pareçam um sonho, despertando nele a nostalgia de uma infância perdida; o toque é como um sonho, porque transporta o «eu» para o passado, fazendo parecer aquilo um sonho. O toque ele não ouve não é o físico, mas o do seu sonho.
 
▪ No verso 3 da terceira estrofe, o sujeito poético revela algum inconformismo, devido à constante procura do «eu». O adjetivo «errante» significa sem destino, sem esperança, remete para alguém que vagueia sem rumo ou sem sentido, reforçando a ideia de que só na infância encontra o conforto e o sentido para a vida. Neste caso, o sujeito poético considera-se errante, pois vive numa constante procura do «eu», sofrendo assim de solidão e ansiedade, que deixa transparecer o conformismo e a incapacidade de se encontrar e aceitar algo, sendo feliz.
 
▪ Na 4.ª e última estrofe, o sujeito poético recorre à anáfora e à antítese (bem como à aliteração em /s/) “Sinto mais longe o passado, / Sinto a saudade mais perto”, ganhando consciência de que a inconsciência e a felicidade que experimentou na infância não poderão ser revividas.
 
▪ Isto gera a saudade e a nostalgia de um tempo passado perdido, do único momento de felicidade plena: a infância. A anáfora da forma verbal «Sinto» (vv. 15-16) concorre para enfatizar a frustração e a nostalgia do sujeito poético.
 
 
Retrato do sujeito poético
 
O estado de espírito do sujeito poético é caracterizado pela solidão, pela ansiedade e pela nostalgia do passado da infância, traços sugeridos pelos adjetivos «dolente», «lento», «triste» e «distante», pelos advérbios «longe» e «perto», pelo nome «saudade», pelo campo lexical da tristeza («dolente», «triste», «errante») e da saudade («sonho», «distante», «passado»). Algumas destas características são comuns ao sino, que é dolente, lento, triste e vibrante.
 
 
Formalmente, o poema é constituído por quatro quadras em redondilha maior. O tempo verbal predominante é o presente do indicativo (o tempo encontra-se fragmentado e o presente remete para a vivência passiva do momento, pela recordação saudosista do passado), na 1.ª pessoa (3.ª estrofe, vv. 1-4), que traduz a identificação do poeta com o sujeito poético.
 

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Análise do poema "A lavadeira no tanque"

          Este poema é constituído por três quintilhas em versos de redondilha maior, com rima emparelhada, interpolada e cruzada (imperfeita), de acordo com o esquema rimático abaab.
         O tema da composição é a dor de pensar.
         Na 1.ª estrofe, são-nos apresentados a lavadeira e o seu canto. A mulher está a lavar roupa num tanque, batendo com ela na pedra para que fique bem lavada, bem limpa.
         Em simultâneo, canta, o que revela a sua alegria e felicidade. Contudo, na visão do sujeito poético, ela “Canta porque canta”, ou seja, canta mas não tem razões para o fazer. Por outro lado, “canta porque existe”, quer dizer, canta porque não pensa, não reflete sobre a sua vida nem sobre as razões por que canta, visto que é inconsciente.
         O facto de ser inconsciente faz com que, para o sujeito poético, a lavadeira seja triste. Dado que não tem consciência das coisas, da sua vida, ela é triste (“canta porque existe”). Isto significa que, na perspetiva do «eu», as pessoas que não pensam são seres inferiores aos racionais e, na realidade, não são felizes. Porquê? Para ele, como a lavadeira é inconsciente, é incapaz de ter consciência da sua pretensa felicidade, pelo que não é verdadeiramente feliz.
         Paradoxalmente, o sujeito afirma, porém, que a lavadeira é, ao mesmo tempo, triste e alegre, dado que a sua inconsciência lhe permite libertar-se da dor de pensar que o atormenta. Ou seja, a lavadeira é alegre e feliz, porque é inconsciente e, assim, não é atormentada pela dor de pensar; pelo contrário, deduz-se que o «eu» é infeliz, porque consciente. O paradoxo reside aqui: a felicidade supõe consciência (para ser feliz, o sujeito necessita de ter consciência de que o é), contudo a consciência anula a felicidade.
         Na segunda estrofe, a contemplação da lavadeira leva o sujeito poético a desejar lavar os seus versos (metáfora), à semelhança do que ela faz com a roupa. Neste contexto, “lavar os versos” significa libertá-los (= libertar-se a si próprio) da dor de pensar e da angústia que dela decorre.
         Deste modo, se o desejo do «eu» se concretizasse, tal faria com que o sujeito lírico perdesse os seus “destinos diversos”, ou seja, a fragmentação que o caracteriza. Dito de outra forma, o objetivo último desse desejo seria alcançar a unidade e deixar de ser/se sentir fragmentado.
         Na terceira e última quintilha, o sujeito poético clarifica a unidade a que se refere: a ausência de fragmentação da lavadeira, que advém da sua inconsciência. De facto, a mulher realiza uma atividade mecânica (bater / lavar a roupa no tanque), a qual não implica qualquer tipo de reflexão, o que lhe permite viver na realidade, isto é, ela não reflete sobre a existência em geral nem tem consciência de si própria. Se é verdade que a sua inconsciência, a ausência de racionalidade a torna, aos olhos do sujeito poético, um ser inferior, não o é menos que essa inconsciência lhe permite ser una (vv. 11 a 14).
         De facto, apesar de o sujeito poético se considerar superior à lavadeira ‑ porque é um ser racional e consciente, ao contrário dela, que é inconsciente ‑, a verdade é que a omnipresença da razão o impede de ser uno e, pelo contrário, o fragmenta.
         O verso 15, com que finaliza o poema, em forma de interrogação retórica, evidencia o desejo de o sujeito poético se libertar de um ato reflexivo que lhe causa grande dor e sofrimento. Pelo contrário, ele deixaria de intelectualizar as suas emoções e de se fragmentar permanentemente: “Quem me lava o coração?” (v. 15).
 

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

A Geração de Orpheu

 1. Cronologia
 
O grupo de jovens que ficaria conhecido como «Geração de Orpheu» começou a reunir-se por volta de 1912, nos cafés da Baixa de Lisboa.
 
Em 1912, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro conhecem-se e criam o Paulismo, o Interseccionismo e o Sensacionismo.
 
Em 1913, Mário de Sá-Carneiro começa a escrever poesia e Fernando Pessoa escreve o primeiro texto que integrará o Livro do Desassossego, da autoria de Bernardo Soares.
 
Em 1914, Fernando Pessoa cria os heterónimos.
 
Ainda em 1914, regressam de Pais Santa-Rita Pintor, Amadeo de Sousa Cardoso e o próprio Sá-Carneiro. Por sua vez, do Brasil chega Luís de Montalvor.
 
A ideia da criação de uma revista literária de Vanguarda vai crescendo, incentivada, sobretudo, por Pessoa e Sá-Carneiro.
 
Em 1915, é publicado o n.º 1 da revista Orpheu, o órgão do Primeiro Modernismo, a 15 de março, com capa de José Pacheco e direção de Luís de Montalvor e do brasileiro Ronald de Carvalho.
 
Vários autores colaboram neste número: Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Alfredo Pedro Guisado, Armando Côrtes-Rodrigues, José Pacheco, Luís de Montalvor, Ronald de Carvalho.
 
Esse número 1 inclui textos que foram determinantes para o Modernismo português:
- “Ode Triunfal”, de Álvaro de Campos;
- “O Marinheiro”, de Fernando Pessoa;
- poemas para Índices de Ouro, de Sá-Carneiro;
- “Frisos”, de Almada Negreiros.
 
Como seria de esperar numa sociedade conservadora, como a portuguesa era, a publicação da revista causou grande escândalo na imprensa e os jovens escritores foram considerados loucos e provocadores, mas a verdade é que esgotou. No entanto, a reação da imprensa e do público serviu perfeitamente os interesses dos jovens poetas de Orpheu, visto que o escândalo era também uma forma de divulgação.
 
Assumindo um carácter irreverente e descomprometido, cosmopolita e simultaneamente nacionalista, o Orpheu apresenta práticas de escrita e correntes artísticas vanguardistas – Paulismo, Interseccionismo, Futurismo, Sensacionismo ‑, embora surjam ainda, na revista, leituras e práticas simbolistas e decadentistas.
 
O número 2 de Orpheu, correspondente ao segundo trimestre de 1915, saiu a 28 de junho, com capa de Almada Negreiros e direção de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa.
 
Vários autores colaboraram neste número: Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Ângelo de Lima, Raul Leal, Violante de Cysneiros, Luís de Montalvor, Eduardo Guimarães.
 
Ele incluía textos muito significativos: “Ode Marítima”, de Álvaro de Campos; “Chuva Oblíqua”, de Fernando Pessoa; poemas de Sá-Carneiro; poemas de Ângelo de Lima; Atelier, de Raul Leal; desenhos de Santa-Rita Pintor.
 
A revista vendeu 600 exemplares.
 
O n.º 3 da revista não chegou a sair, apesar de estar esboçado e com matéria para publicação. Apenas seria publicado em 1984, compilado por Arnaldo Saraiva.
 
Em setembro, Mário de Sá-Carneiro escreve a Pessoa, avisando-o de que o seu pai não continuaria a financiar a revista, inviabilizando a publicação. Coloca-se a possibilidade de financiamento de Orpheu por parte de Santa-Rita Pintor, no entanto, temendo que este futurista desse uma orientação pessoal à revista, o projeto caiu por terra.
 
Inconformado, Pessoa escreve a Sá-Carneiro o seguinte: “De resto, Orpheu não acabou. Orpheu não pode acabar.”. Sá-Carneiro responde: “Você tem mil razões: o Orpheu não acabou. De qualquer maneira, em qualquer «tempo» há de continuar. O que é preciso é termos «vontade».”.
 
A revista reage contra o tradicionalismo, rompe com o passado e cria um espírito de vanguarda, tendo uma preocupação com o futuro e com a euforia do moderno, apresentando um programa literário inovador. Sob a influência das correntes estéticas e filosóficas europeias, Pessoa, Sá-Carneiro e Almada, entre outros, que se iniciaram no Saudosismo, transitaram para o Modernismo.
 
A geração de Orpheu faz a releitura crítica da tradição e dos movimentos literários vigentes (Decadentismo, Simbolismo e Saudosismo) de forma paródica e irónica, através da qual se instaura uma rutura aberta face aos cânones instituídos, postulando-se o primado da poesia, a autenticidade da busca experimentalizante, a originalidade e a liberdade criativa.
 
Orpheu constitui um “balão de ensaio de múltiplas experiências poéticas novas” (Clara Crabbé Rocha), atesta uma estética plural e até eclética onde se combinam processos de escrita em continuidade com a estética finissecular (cf. números 1 e 3 da revista) e outros que reivindicam a rutura: Paulismo, Intersecionismo, Sensacionismo, Futurismo e Simultaneísmo.
 
O Primeiro Modernismo português vê a sua ação prosseguida e esclarecida pelo grupo da Presença, Segundo Modernismo, com José Régio, Casais Monteiro, Miguel Torga, entre outros.
 
Depois de Orpheu, outras revistas literárias deram voz à vanguarda modernista: Exílio e Centauro, em 1916; Portugal Futurista, em 1917; Contemporânea, em 1922-1926; e Atena, em 1924-1926.
 
 
2. Origem do nome
 
     A revista adotou o nome da figura mitológica que traduz o desejo mais recôndito do ser humano: encontrar na realidade percetível aquilo que é invisível – a sua descida aos infernos para ir buscar Eurídice significa o conhecimento de algo que estava vedado ao Homem: aquilo que está para além da vida. Simbolicamente, Eurídice, a amada de Orfeu, é a sua metade, a sabedoria que essa descida lhe proporcionaria. De facto, os artistas que colaboraram na revista aspiravam a alcançar um conhecimento das coisas que o distanciava dos seus compatriotas e que constituía uma outra visão do mundo.
     O mito original remete-nos para os Trácios, um povo grego que se dedicava à música. A figura de Orfeu não tinha rival no mundo, com exceção dos deuses. De facto, a sua arte de tocar e de dançar era ilimitada e nada nem ninguém lhe podia resistir. Tudo o que era animado e inanimado o seguia; Orfeu fazia mover os rochedos dos montes e mudar o curso dos rios.
     Não se conhece o local onde encontrou Eurídice pela primeira vez e como lhe fez a corte, mas a verdade é que se apaixonou por ela, a qual, dados os talentos dele, seria incapaz de resistir ao fascínio da sua música. Orfeu e Eurídice casaram, mas a sua felicidade foi de curta duração, pois, logo após o casamento, quando a jovem esposa caminhava pelo campo com as suas amigas, foi mordida por uma víbora e morreu pouco depois. A dor de Orfeu foi tão grande que decidiu descer aos Infernos na tentativa de a recuperar. Através do seu talento musical, conseguiu convencer os deuses infernais a devolverem-lhe a esposa, mas com uma condição: não poderia voltar-se para trás para a ver, até atingirem a superfície terrestre. Quando estavam prestes a abandonar os limites do Inferno, Orfeu voltou-se, mas nesse instante Eurídice desapareceu. Desesperado, tentou correr atrás dela, mas tal não lhe era permitido, pois os deuses não consentiam que entrasse no reino dos mortos duas vezes enquanto estivesse vivo. Assim, Orfeu teve de regressar à Terra, só, absolutamente devastado.
 
3. Objetivos:
▪ Reagir contra o tradicionalismo e o academismo oficial.
▪ Romper com o passado.
▪ Ser porta-voz dos ideais e das produções vanguardistas,
 
 
4. Influências:
▪ Correntes modernas europeias (estéticas e filosóficas).
 
 
5. Características
▪ A irreverência.
▪ O descomprometimento.
▪ O caráter simultaneamente cosmopolita e nacionalista.
 
 
6. Protagonistas: Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Luís de Montalvor.
 
 
7. Valores e atitudes fundamentais da geração do Orpheu
 
▪ O desejo de universalidade, de “[…] ter um pouco de Europa na alma” (F. Pessoa), que passava por uma perspetivação europeia do “modo de ser literário” português. Tratava-se de efetuar uma profunda e radical revisão de toda a literatura nacional através de um novo espírito, liberto dos «fantasmas» do servilismo e de qualquer sentimento de inferioridade face ao estrangeiro.
 
▪ O desejo de rutura com a literatura do passado, que passava por uma viragem renovadora e agressiva rumo ao futuro, orientando-se para a descoberta de novas expressões da sensibilidade, e despertava o fascínio por tudo quanto fosse novo.
 
▪ A exigência de absoluta originalidade e novidade.
 
▪ A exigência de pleno cosmopolitismo, misturado com um patriotismo muito especial.
 
▪ A abolição do tradicionalismo e a atenuação do provincianismo tipicamente portugueses, tendo como alternativa a instauração de uma nova “visão do mundo” capaz de revolucionar e reformar totalmente a mentalidade cultural nacional. Para isso, era necessária uma abertura e apropriação criativa aos valores europeus.
 
▪ Estética aberta, expansiva, eclética e disponível a tudo quanto fosse diferente, estranho, exótico. Dela fariam parte uma extrema plasticidade e versatilidade, características positivas da alma portuguesa que seriam assim renovadas e multiplicadas pelos poetas órficos, através de uma tendência para a diversificação estética expressa pelo delírio sensacionista do “ser tudo de todas as maneiras”. Esta experiência de pluralidade implicava uma dispersão e um desdobramento sistemático em todas as práticas culturais e potencialidades civilizacionais possíveis.
 
▪ A implicação entre a arte e a vida: criava-se civilização fazendo arte e fazia-se arte em função de uma busca libertação dela mesma e do ser-artista.
 
▪ A procura de novos padrões de toda a civilização ocidental: o seu «sê plural como o universo» reflete a fragilidade e o niilismo de toda a consciência moderna, uma «consciência infeliz» ao descobrir a absoluta imprevisibilidade essencial de tudo, bem como o sentimento de incerteza infinita que a possibilidade – cada vez mais precária – de pensar a divindade ou qualquer unidade provoca.
 
▪ A criação de diversos «ismos».
 
▪ Esta geração caracterizou-se por um modo de ser onde se salientavam as sensibilidades superiormente requintadas e fortemente individualistas, determinadamente antissociais e antissociáveis, que cultivam a diferença e a exceção e professam um arrogante e assumido aristocracismo de tonalidade vincadamente decadente e elitista.
 
▪ Valorização do raro e do insólito, fazendo uso e abuso de toda a espécie de blagues.
 
 
8. Princípios / Características
 
▪ Os artistas produzem obras cheias de sarcasmo, ironia e alguma provocação, enveredando por um caminho de rutura com a tradição, adotando uma atitude radicalmente subversiva, pondo em causa padrões morais, políticos, artísticos e religiosos dominantes há séculos.
 
▪ Recusam-se os velhos temas, as estruturas poéticas, dramáticas e narrativas já gastas e sobretudo a linguagem poética tradicional.
 
▪ As personagens da literatura modernista são, frequentemente, seres vulgares, sem nada de excecional que as distinga dos demais (ex.: simples funcionários que sofrem a pesada máquina social, burocrática e quotidiana – Ulisses, de James Joyce; O Processo, de Kafka; O Livro do Desassossego, de Bernardo Soares).
 
▪ Esse esbatimento da força do indivíduo traduz-se, por vezes, na perda da identidade, da unidade do «eu», chegando mesmo ao desdobramento da personalidade (ex.: Fernando Pessoa).
 
▪ A criação de uma linguagem original, criativa, que recorre até à desarticulação da própria linguagem e ao uso novo e inesperado da metáfora
 
▪ A reinvenção das formas nas artes visuais e o uso de técnicas como a colagem, paralelamente à reinvenção da linguagem ao nível da forma da expressão, que se traduz num certo experimentalismo, de que são exemplos a poesia caligramática (por exemplo, Apollinaire), a linguagem da publicidade, a linguagem da imprensa, etc.
 
▪ A desconstrução da linguagem verbal.
 
▪ A diversidade e a pluralidade.
 
▪ A associação da literatura às artes plásticas.
 
▪ A interação de linguagens, em que as artes plásticas (por exemplo, o Cubismo), a literatura, a arquitetura, as artes gráficas, a publicidade, o cinema (o filme Tempos Modernos, de Chaplin, reflete a pequenez do Homem, triturado pelas engrenagens de uma produção industrial desenfreada), etc., interagem estreitamente e se complementam;
 
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