A dor de pensar
. O
pensamento permite ao homem ter consciência da sua existência (logo, na
perspetiva de Fernando Pessoa ortónimo, aqueles que pensam são superiores aos
inconscientes).
.
Contudo, o pensamento sistemático, a razão omnipresente provoca a dor de pensar
no eu, dor essa que decorre de uma tendência permanente para
refletir sobre a realidade e para intelectualizar as suas emoções
(terá sido mero acaso o facto de Pessoa, em “Autopsicografia”, ter selecionado
a dor como exemplo da sua teoria poética?).
. O
poeta tem consciência de que existe um enorme fosso entre aquilo que sente e o
que pensa que sente, ou seja, está consciente de que não consegue exprimir o
que realmente sente, o que gera nele angústia. Esta constatação leva-o a
desejar não pensar.
. A
dor de pensar – de ser lúcido – é a consequência da constante racionalização
das emoções, da análise, da abstração. A intelectualização excessiva causa
sofrimento, dor, angústia e frustração. De facto, o poeta sofre, porque é
incapaz de se libertar da razão / do pensamento permanente e omnipresente, que
o leva sistematicamente a refletir sobre a realidade e a intelectualizar as
suas emoções. Assim sendo, torna-se impossível desfrutar da sua vida e
vivências.
. O
poeta apresenta-se angustiado e abúlico, centrado sobre si mesmo, sofrendo a
dor de pensar, a distância entre o sonho e a realidade e, sobretudo,
dividido entre a inconsciência e a consciência, entre o sentir e o pensar, numa
tentativa de ultrapassar a infelicidade e a angústia geradas pelo pensamento.
. Para
ultrapassar a dor de pensar, o poeta deseja ser inconsciente e apenas sentir.
É o que sucede nos poemas “Ela canta, pobre ceifeira” e “Gato que brincas na
rua”, bem como em “A lavadeira no tanque”, nos quais ele exprime o desejo de
ser inconsciente como a ceifeira ou irracional como o gato, para, assim,
fugir à dor de pensar e ser feliz.
. No
entanto, o eu acredita que aquele que não pensa, que é
inconsciente, não pode ser verdadeiramente feliz, visto que não tem
consciência da sua suposta felicidade. Assim sendo, a tentativa do poeta de ser
libertar da dor de pensar acaba por redundar em fracasso.
. Em
“Ela canta, pobre ceifeira”, manifesta, de facto, o desejo de ser inconsciente
(como o gatou ou a ceifeira), mas tendo consciência disso. Porém, este desejo é
um paradoxo, é impossível de concretizar, o que mostra que é impossível libertar-se
da dor de pensar e, consequentemente, que a tentativa de alcançar a
felicidade é igualmente impossível de se concretizar. Com efeito, o poeta
aspira à vida instintiva e dirige-se à ceifeira, encantado pelo seu cantar,
exprimindo a aspiração impossível de ser conscientemente inconsciente.
. A
ceifeira e o gato são felizes, porque não pensam, enquanto o poeta não alcança
a felicidade porque é racional.
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