Este poema foi publicado, inicialmente, em 1914, no número único
da revista “A Renascença”, e, em 1925, no terceiro número de “Athena”, datado
de 1924, com ligeiras diferenças de pontuação e ortografia entre ambas as
publicações. O manuscrito mais antigo do texto integral do poema data de 8 de
abril de 1911, mas, na realidade, nasceu um pouco antes.
O poema corresponde ao primeiro de uma série de dois poemas
antecedidos pelo título “Impressões do Crepúsculo”, com os quais Pessoa estreou
a sua publicação ortónima em poesia portuguesa após o seu retorno da África do
Sul.
Em 11 de dezembro de 1931, Fernando Pessoa escreveu uma carta
a João Gaspar Simões onde, em dado passo, afirma o seguinte: “Nunca senti
saudades da infância; nunca senti, em verdade, saudades de nada. Sou, por
índole, e no sentido direto da palavra, futurista. Não sei ter pessimismo, nem
olhar para trás”. O poeta admite ter saudades apenas das pessoas a quem amou e
que queria ainda vivas, mas no dia de hoje, com as idades que teriam agora.
Mais à frente acrescenta que as saudades expressas nas suas obras eram
“atitudes literárias”, sentidas intensamente por instinto dramático, tendo dado
como exemplo deste fenómeno o poema “Ó sino da minha aldeia”.
Em rigor, este poema, longe de ser inspirado na infância de
Pessoa, tem a sua raiz em composições dos poetas novecentistas Luís Palmeirim e
João de Lemos. De facto, Pessoa inspirou-se nesses poetas menores portugueses.
Uma versão inicial do poema, constituída então apenas pelo primeiro verso e
pela última estrofe, tem uma dedicatória: “A João de Lemos, mas escrito por
Fernando Pessoa”. Vários poemas de Lemos e Palmeirim denunciam essa influência
exercida junto do autor de Mensagem na composição de “Ó sino da minha
aldeia”.
● Tema: a nostalgia da infância.
● Assunto: o sujeito poético, ser errante, recorda o passado, tempo de
felicidade, como um bem perdido e irreparável, encontrando apenas conforto e
sentido para a vida no período da infância.
● Estrutura interna
▪ 1.ª parte (1.ª quadra):
Apresentação do tema do poema.
▪ 2.ª parte (2.ª e 3.ª
quadras): Descrição dos efeitos do toque do sino no sujeito poético.
▪ 3.ª parte (4.ª quadra):
Conclusão do poema – associação do som do sino à saudade e ao passado do
sujeito poético.
● Desenvolvimento do tema
▪ O sujeito dirige-se, no primeiro
verso, ao sino, através de uma apóstrofe e da sua personificação (dado
que lhe confidencia os seus sentimentos), interpelando-o. Ao longo do poema,
diversos elementos deíticos sugerem a existência de um diálogo entre ambos: os
pronomes pessoais de 1.ª pessoa (“me”, “mim”), os determinantes possessivos de
2.ª pessoa (“tua”, “teu”) e as formas verbais na 2.ª pessoa (“tanjas”, “soas”).
▪ A presença do nome «aldeia»
logo no verso 1 é bastante significativa. De facto, ele poderá simbolizar o
espaço da infância, um espaço de intimidade, metáfora da interioridade do
sujeito poético.
▪ Note-se a presença da hipálage
nos dois versos iniciais (“Ó sino da minha aldeia / Dolente […]”), visto que o
adjetivo «dolente» se refere ao sujeito poético, que, de facto, sofre, e não ao
sino. Este recurso expressivo sugere a intimidade de uma memória que se reativa
e que está na origem da saudade.
▪ O toque do sino, como se verá na
terceira e na quarta estrofes, tem efeitos no sujeito poético, não lhe sendo de
forma alguma indiferente. Pelo contrário, atinge-o no âmago: “Cada tua badalada
/ Soa dentro da minha alma.”. O sino toca dentro da alma do sujeito poético,
lembra-o de memórias de infância. Quer isto dizer que cada badalada desperta no
«eu» reminiscências e nostalgia de um passado distante – real ou imaginário:
“Sinto mais longe o passado, / Sinto a saudade mais perto”.
▪ À medida que o sino toca,
acentua-se essa nostalgia do passado e a primeira pancada tem o som de
repetida, visto que soa na alma do sujeito poético (vv. 3-4). A aldeia é uma
metáfora da interioridade do «eu»: “Cada tua badalada [espaço exterior]
/ Soa dentro da minha alma” [espaço interior] – traduz uma interação
entre a alma e o tempo, que metaforicamente sugere a união do espaço exterior
com o interior.
▪ O toque do sino estimula a memória
do sujeito poético (v. 4), pois fá-lo recordar a sua infância, o passado
distante que se associa a um sonho (vv. 11-12). É um eco do passado que, longe
de alegrar o «eu», suscita nele a saudade da infância, uma época dourada mas
irrecuperável (vv. 15-16). Os adjetivos “dolente” e “calma” (v. 2), que
caracterizam respetivamente o toque do sino e a tarde em que o sujeito o
escuta, remetem para a durabilidade do som, que não se apaga da sua memória.
▪ Na segunda estrofe, o sujeito
poético mostra o efeito que o sino, símbolo da dolorosa passagem do tempo, tem
em si. Assim, começa por afirmar que as memórias de um passado saudoso assolam
a sua alma tão lentamente como a tristeza da vida (versos 5 e 6), comparando,
deste modo, a lentidão do soar do sino com o seu próprio estado de espírito
caracterizado pela nostalgia. Além disso, à medida que o sino toca, acentua-se
no sujeito poético a saudade de tempos passados e “[…] a primeira pancada / Tem
o som de repetida”, pois soa tanto no espaço exterior como no interior, isto é,
na alma do «eu». Esse seu ecoar instaura nele uma certa melancolia e tristeza.
▪ A comparação dos versos 5 e
6 [e a elipse (omissão do adjetivo «lento»)] entre o soar do sino
e a caracterização da vida sugere que ambos se pautam pela lentidão, o que
indiciará que o tempo pode custar a passar para o sujeito poético,
associando-se, assim, à nostalgia, à tristeza e à melancolia.
▪ O poeta identifica o toque do sino
com o sujeito poético. De facto, a caracterização que é feita daquele
corresponde ao seu estado de espírito, daí a tal identificação entre ambos.
Assim, tal como o toque do sino, o sujeito lírico sente-se dolente e triste.
Por outro lado, o som do toque do sino é-lhe tão familiar que “a primeira
pancada / Tem um som de repetida”, ou seja, a primeira pancada tem o som de
repetida porque o «eu» já a tinha ouvido no passado. Ao escutá-la, lembra-se do
som que ouvia na sua infância, por isso era como se fosse repetida.
▪ Na 3.ª estrofe, o sujeito poético compara
o sino a um sonho: “És para mim como um sonho”. O toque do sino remete o
sujeito poético para um passado distante, o qual não voltará, fazendo, assim,
com que essas memórias pareçam um sonho, despertando nele a nostalgia de uma
infância perdida; o toque é como um sonho, porque transporta o «eu» para o
passado, fazendo parecer aquilo um sonho. O toque ele não ouve não é o físico,
mas o do seu sonho.
▪ No verso 3 da terceira estrofe, o
sujeito poético revela algum inconformismo, devido à constante procura do «eu».
O adjetivo «errante» significa sem destino, sem esperança, remete para
alguém que vagueia sem rumo ou sem sentido, reforçando a ideia de que só na
infância encontra o conforto e o sentido para a vida. Neste caso, o sujeito
poético considera-se errante, pois vive numa constante procura do «eu»,
sofrendo assim de solidão e ansiedade, que deixa transparecer o conformismo e a
incapacidade de se encontrar e aceitar algo, sendo feliz.
▪ Na 4.ª e última estrofe, o sujeito
poético recorre à anáfora e à antítese (bem como à aliteração
em /s/) “Sinto mais longe o passado, / Sinto a saudade mais perto”,
ganhando consciência de que a inconsciência e a felicidade que experimentou na
infância não poderão ser revividas.
▪ Isto gera a saudade e a nostalgia
de um tempo passado perdido, do único momento de felicidade plena: a infância.
A anáfora da forma verbal «Sinto» (vv. 15-16) concorre para
enfatizar a frustração e a nostalgia do sujeito poético.
● Retrato do sujeito poético
O estado de espírito do sujeito poético é caracterizado pela
solidão, pela ansiedade e pela nostalgia do passado da infância, traços
sugeridos pelos adjetivos «dolente», «lento», «triste» e «distante»,
pelos advérbios «longe» e «perto», pelo nome «saudade», pelo campo
lexical da tristeza («dolente», «triste», «errante») e da saudade
(«sonho», «distante», «passado»). Algumas destas características são comuns ao
sino, que é dolente, lento, triste e vibrante.
Formalmente, o poema é constituído por quatro quadras em redondilha
maior. O tempo verbal predominante é o presente do indicativo (o tempo
encontra-se fragmentado e o presente remete para a vivência passiva do momento,
pela recordação saudosista do passado), na 1.ª pessoa (3.ª estrofe, vv.
1-4), que traduz a identificação do poeta com o sujeito poético.
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