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quinta-feira, 11 de abril de 2013

Análise do poema "O Quinto Império"

         Na 1.ª estrofe, o sujeito poético lamenta a sorte daqueles que vivem felizes. Ela inicia-se com a oposição «triste» / «contente»: na perspetiva do sujeito poético, a alegria do conformista é triste para ele mesmo, já que ignora o prazer que a aventura que se segue ao sonho lhe pode proporcionar em termos pessoais, e é triste para a sociedade de que faz parte pela razão de que sem ideais e sonhos e sem a ousadia de os tentar concretizar, a sociedade não evolui, estagna e torna-se decadente.
         O ato de sonhar acordado leva quem sonha a agir no sentido de buscar outra realidade através da libertação daquela (a rotineira e banal) que conhece, tal como aconteceu com Ícaro, que quis libertar-se da ilha de Creta, onde se encontrava prisioneiro, voando com as asas de penas e cera que os eu pai, Dédalo, construiu para ele. Foi o sonho que impulsionou Ícaro a voar, daí a referência ao «erguer da asa» no verso 3. O mito grego exemplifica o sonhador que ousa pôr em prática os sonhos, chegando a morrer por eles, como Ícaro.
         A referência à lareira onde arde «mais rubra a brasa» relaciona-se com antigos costumes romanos, já que era costume, sempre que os romanos mudavam de cidade, levar parte das brasas que ardiam nas lareiras das suas antigas casas para as novas, para manter viva a ligação à respetiva terra de origem. Assim, a brasa que arde mais intensamente («mais rubra») é um sinal de partida recusado por aquele que está «Contente com o seu lar» e que, portanto, não deseja a mudança.
         O oximoro que inicia a segunda estrofe retoma a ideia que inicia o poema, agora através de uma frase exclamativa que expressa o desdém do sujeito poético face à aceitação da rotina como se de uma atitude positiva se tratasse; deste modo, o sujeito poético desmistifica o conceito de «felicidade» aceite pela sociedade em geral e que assenta na valorização da vida ao nível mais rudimentar ‑ a vida instintiva ou «a lição da raiz». A lição que podemos retirar da raiz é simples: quem vive apenas por viver, sem sonhos e ideais («porque a vida dura» ‑ v. 7) é semelhante a uma raiz: vive como se estivesse sepultado. Os nomes «raiz« e «sepultura» associam-se ao imobilismo e à ausência de vida e de sonho. Por outro lado, a forma verbal «dura» (v. 7) remete para a existência enquanto mero passar do tempo. Assim, quem «Vive porque a vida dura» não a aproveita e limita-se a existir, a sobreviver. Esta aceitação da vida segundo os instintos conduz à morte do indivíduo porque a vida digna de ser vivida é a que é orientada pelos mitos, pelo sonho, pela loucura de sinal positivo (vide poema “D. Sebastião”), pela partida em direção a horizontes desconhecidos, pela vitória sobre o Mostrengo «porque quem passar além do Bojador / Tem que passar além da dor» (“Mar Português”), pela vontade de chegar «lá» custe o que custar, animado pela fé em Deus («Cheio de Deus, não temo o que virá» ‑ “D. Fernando”). O apego ao conforto do lar, ao espaço familiar, o medo do desconhecido, a fraqueza anímica conduzem à «sepultura», pois só a busca da plenitude confere imortalidade.
         Em suma, estamos perante duas posturas do ser humano, pautadas por traços diferenciados:
                   . mediocridade                          . movido pelo sonho, única forma de atingir
                   . conformismo                             a grandeza de alma («erguer da asa»)
                   . rotina                                     . insatisfação permanente
                   . banalidade                              . inquietação
                   . comodismo                              . visão para lá dos limites da condição /
                   . sem sonhos, projetos, ideais        / finitude humana
                   . apatia                                    . a vida só vale a pena ser vivida se
                   . vida sem sobressaltos                  seguirmos os nossos sonhos

         O tempo não pára e as «eras» ou tempos passados «somem», desaparecem e são substituídos por novos tempos, novas eras.
         No terceiro verso da terceira estrofe, um aforismo defende a insatisfação porque ela é o motor da mudança; quem se contenta com o que tem não sente necessidade de mudar, mas esses não são verdadeiramente «homens», porque o que distingue o ser humano dos outros seres é precisamente a capacidade de imaginar, sonhar, lutar por objetivos e ideais. Deste modo, o mundo avança com os descontentes e não com os acomodados. Note-se que este verso é chave, que ocupa a posição de centralidade (12 versos antes e 12 depois) e que remete para uma condição inerente ao próprio homem: o descontentamento. É esta insatisfação constante que faz o progresso, é o seu agente impulsionador. Nos dois versos finais desta estrofe, o sujeito poético deseja que a grandeza de alma domine / cale as «forças cegas» ou forças da natureza (aquilo que nos prende à terra, ao mundo da matéria), de modo a que o homem se liberte da prisão terrena e se vire para uma dimensão transcendente em busca da plenitude existencial.
         Na penúltima estrofe, o sujeito poético alude aos quatro impérios do «ser que sonhou» (Grécia, Roma, Cristandade, Europa), o qual assistirá ao renascimento da idade do ouro, mito grego segundo o qual a humanidade regressará a um tempo de pureza e de imortalidade que a chegada do Quinto Império vai proporcionar. Assim, «A terra será teatro / Do dia claro, que no atro / Da erma noite começou» (vv. 18 a 20), isto é, das trevas da noite deserta e esta escuridão dará lugar à luz ou verdade ou Quinto Império, que resplandecerá de paz e harmonia. Observe-se a antítese presente nos versos 19 e 20, que coloca em confronto o tempo passado e presente («… atro / Da erma noite…») e o tempo futuro («dia claro»), que se anuncia sob a égide espiritual dos portugueses. Depois dos «quatro / Tempos» (vv. 16-17), os quatro impérios considerados por Pessoa, chegará o Quinto Império. Observe-se igualmente a metáfora aí presente, que transmite a profecia de que o mundo assistirá («será teatro») ao nascimento de um novo império («Do dia claro»).
         Os quatro impérios anteriores morreram. Agora, é tempo de ser descontente do presente e perseguir o sonho de construção futura do Quinto Império, o império espiritual que nascerá da procura da verdade. É neste contexto que o sujeito poético interroga: «Quem vem viver a verdade / Que morreu D. Sebastião?». Esta interrogação anuncia o Quinto Império que, sucedendo-se aos quatro anteriores, deles diferirá pela natureza: será o império da «verdade», nascida com a morte de D. Sebastião.

         Relativamente à estrutura interna, sugerem-se duas divisões diferentes do poema:

. 1.ª parte (estrofes 1 e 2) ‑ O sujeito poético lamenta a sorte daqueles que vivem felizes com a mediocridade e faz a apologia do sonho como única forma de aceder a grandes feitos.

. 2.ª parte (estrofe 3) ‑ Reflexão sobre a passagem do tempo e sobre a condição indispensável para ser homem ‑ a insatisfação.

. 3.ª parte (estrofes 4 e 5) ‑ O sujeito poético anuncia, profeticamente, a chegada do Quinto Império.


. 1.ª parte (estrofes 1 a 3) ‑ Reflexão acerca da vivência humana e da importância do sonho.

. 2.ª parte (estrofes 4 e 5) ‑ Anúncio de uma nova época, de um novo império.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Análise do poema "O Infante"

         Este é o primeiro poema da segunda parte de Mensagem, o que faz todo o sentido se tivermos em conta que o Infante D. Henrique foi o impulsionador dos Descobrimentos, por exemplo ao fundar a Escola de Sagres. Daí o título do texto: embora nele se refira a aventura marítima levada a cabo pelos portugueses, foi o Infante quem desempenhou um papel crucial nessa aventura, o de protagonista, de impulsionador, o de símbolo do início da construção do império. Daí que lhe caiba o papel de protagonista da «Possessio Maris» (Posse do Mar), dedicada à gesta dos Descobrimentos. Segundo António Quadros, o Infante foi o “descobridor da ideia de descoberta”.

         O Infante D. Henrique (1394 ‑ 1460) foi o quinto filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre e é geralmente considerado o homem que mais decisivamente contribuiu para o impulso que levou à expansão ultramarina portuguesa. Por outro lado, ele é também, frequentemente, apresentado como símbolo das vontades e dos esforços anónimos de navegadores, cosmógrafos, mercadores e aventureiros que ajudaram o homem moderno a construir novas dimensões para a perspetiva do mundo.


Estrutura interna

. 1.ª parte (1.º verso) ‑ As três etapas que presidem à construção da obra humana, traduzidas pelo mote / aforismo «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce».
. Duas ações ‑‑‑ a vontade divina;
‑‑‑ o sonho do homem;
efeito: o nascimento / a concretização da obra.
. Os três «sujeitos» dependem mutuamente, numa relação de causa efeito: sem a vontade do primeiro, o segundo não sonharia e a obra não poderia nascer.
. O verso, constituído por três orações assindéticas justapostas (assíndeto e gradação), organiza-se em torno de formas verbais no presente do indicativo, de aspeto durativo, exprimindo realidade, atualidade, valor de lei, uma verdade universal.

. 2.ª parte (versos 2 a 8) ‑ Desenvolvimento do primeiro verso:

1) . Desejo de Deus (agente da vontade):
. a unidade da terra, através do mar, de forma a servir de elemento de união entre os continentes e os povos, daí a existência de um conjunto de palavras e expressões que sugerem a ideia de unidade: «uma», «unisse», «não separasse», «inteira»;
. o caráter navegável do mar, para que o ser humano tivesse acesso ao conhecimento da Terra.
. A colocação das formas verbais predominantemente no pretérito perfeito do indicativo sugere que o princípio em causa foi respeitado e se concretizou.

2) . A sagração do Infante: para o cumprimento dessa missão, Deus sagrou o Infante (a decisão de se aventurar no mar tem origem divina e não num qualquer capricho humano)), isto é, predestinou-o para os grandes feitos das descobertas («… em ti nos deu sinal.» ‑ v. 10). Foi, portanto, Deus (cuja vontade é impreterível) quem quis que o Infante (= os portugueses) sonhasse dominar os mares, desvendar o desconhecido e estabelecer a comunicação entre os povos e os continentes, a nível matéria e espiritual / cultural, isto é, que desse sonho nascesse a obra dos Descobrimentos.
           Assim, o Infante é o símbolo do herói, o agente por vontade divina, destinado a criar uma obra superior.
. A forma verbal «Sagrou» encerra grande expressividade:
‑contém conotações religiosas;
‑ evoca o nome próprio «Sagres», a escola de navegação fundada pelo Infante, símbolo do início da construção do império português;
‑ remete para o caráter mítico e predestinado do Infante, o escolhido por Deus para a execução da obra, daí que possamos também falar na sua divinização;
‑ traduz o caráter providencial e iniciático das Descobertas.
. O complexo verbal «foste desvendando» (v. 4) apresenta a ação como uma continuidade, como algo que se concretizou de modo progressivo; a forma verbal «desvendando» (desvendar = revelar, descobrir, mostrar), por outro lado, remete para a ideia de revelação de algo desconhecido.
. O sujeito poético dirige-se ao Infante na segunda pessoa do singular («Sagrou-te, e foste…» ‑ v. 4); «Quem te sagrou criou-te» ‑ v. 9; «Do mar e nós em ti…» ‑ v. 10), o que traduz uma relação de proximidade e de cumplicidade.

3) . A realização da obra, a sagração:
→ o início da navegação: «foste desvendando»;
→ a descoberta das ilhas da Madeira e dos Açores até à costa africana: «E a orla branca foi de ilha em continente»;
→ a passagem do Cabo das Tormentas: «até ao fim do mundo»;
→ o mar desconhecido a partir da zona do Cabo das Tormentas: «do azul profundo»;
→ a concretização:
. a união da terra: «E viu-se a terra inteira»;
. o seu caráter súbito: «de repente»;
. o aparecimento: «Surgir»;
. a ideia de origem, de profundidade; «azul profundo»;
. a presença do sinal (já na 3.ª estrofe).
. O percurso da obra:
a unificação do mundo alicerçou-se no mar (na «orla branca»);
por mar, atingiu-se uma ilha e depois um continente;
da escuridão se fez luz («clareou»), ou seja, da ignorância se passou ao conhecimento, a civilização ocidental encontrou-se com a oriental;
e assim se atingiu, «correndo», «o fim do mundo», assim se eliminaram as barreiras e os limites;
deste modo, do mar (do «azul profundo»), «de repente», irrompeu a unificação do mundo.
. A realização da obra é sugerida por Pessoa através do recurso a diversos recursos poético estilísticos:
. a gradação: começou por desvendar «ilha(s)» e «continente(s)», chegando ao «fim do mundo» e dando assim a conhecer «a terra inteira»;
. as metáforas e as sinédoques: «desvendando a espuma», «orla branca», «clareou, correndo»;
. a perifrástica «foste desvendando»;
. o gerúndio «correndo»;
. a locução adverbial «de repente»;
. as sugestões cromáticas e luminosas;
. a aliteração do /r/;
. o verbo «desvendar», que remete para a ideia de revelação;
. os adjetivos «inteira» e «redonda» aponta para a unificação da terra, concretizando-se assim o desejo expresso no verso 2. Por outro lado, «redonda» aponta para a «esfera», o símbolo da unidade e da perfeição cósmica.

3.ª parte (3.ª estrofe) – Conclusão:
. a transposição da glória do Infante para o povo português:
‑ Deus sagrou o Infante e criou-o português;
‑ enquanto tal, simboliza o povo a que pertence, o que significa que também ele foi assinalado, predestinado, escolhido por Deus para desvendar o mar desconhecido;
. o sonho cumpriu-se: o desvendar e a unificação dos mares e a criação do império (sonho simultaneamente nacionalista e universal);
. o sonho desfez-se: o império (do Oriente) desfez-se, pertence a outro tempo;
. a pátria, presentemente, não tem desígnio;
. o apelo ao cumprimento do destino mítico de Portugal: uma nova e espiritual missão («Senhor, falta cumprir-se Portugal!» ‑ v. 12). Trata-se do apelo a um novo sonho, de cariz espiritual, visto que a dimensão material do império já foi conseguida, ou seja, falta que Portugal se cumpra como pátria e entidade nacional (notar o uso do presente do indicativo para exprimir urgência). De notar que o sujeito poético se dirige agora diretamente a Deus, apontando para o desencadear de um novo ciclo que, no fundo, constitui o regresso ao início do poema: uma nova vontade divina, um novo sonho do homem e uma nova ação / obra.

         Mas, afinal, o que falhou em todo o processo? Porque se desfez o império? Deus quis, o homem sonhou e a obra nasceu, mas uma obra efémera, perecível, como tudo o que é material e humano. A culpa não é de Deus, já que ele sagrou e destinou o Infante e o povo português ao cometimento de feitos muito acima da sua condição de mortais. Mas como ser humano limitado, não houve continuidade para o império, que se desfez, daí que Pessoa aponte para a necessidade de Portugal se cumprir integralmente, de complementar com a dimensão espiritual a materialidade do império passado, novamente sob a predestinação divina.


A ação do Infante:
‑ representa o povo português («… e nós em ti nos deu sinal.» ‑ v. 10) e «foi desvendando [descobrindo, revelando] o mar», ultrapassando dificuldades;
‑ os seus esforços foram coroados de êxito («Cumpriu-se o Mar» ‑ v. 11); fisicamente, o mundo tornou-se um, a terra tornou-se una, os povos e continentes unificaram-se;
‑ o Infante é o herói que obtém a imortalidade através do cumprimento de um dever individual e pátrio;
‑ é também o herói que busca a universalidade, daí a utilização do artigo definido no título («O Infante») e em «o homem» (verso 1) com um valor universalizante;
‑ possui um caráter divino, dado que foi o eleito, o predestinado por Deus para o cumprimento desta missão; por extensão, como é português e representa o seu povo, a sua sagração significa a divinização do homem português;
‑ a sua sagração, a sua obra, tem como consequência o acesso ao conhecimento: dos limites geográficos do planeta, do mar, de outros povos, de outras culturas.


. Tom dramático do poema:
‑ a tensão emocional resultante da visão da terra redonda surgindo magicamente das profundezas do mar;
‑ as três personagens:
. o sujeito poético, que se dirige ao Infante e interpela Deus, significando este facto a existência de um diálogo (implícito), o que está de acordo com o caráter misterioso e messiânico do poema;
. Deus;
. o Infante.


Recursos poético-estilísticos

1. Nível fónico
. Estrofes: três quadras.
. Métrica: versos decassilábicos heróicos, acentuados nas 6.ª e 10.ª sílabas.
. Ritmo predominantemente ternário, alternando com o ritmo binário.
. Rima:
. esquema rimático: abab / cdcd / efef;
. cruzada;
. consoante;
. grave e aguda;
. pobre e rica.
         A rima permite que certas palavras-chave se encontrem em posições de destaque: «nasce», «uma», «mundo», «português», «sinal», «Portugal».
. Transporte: vv. 7-8.

2. Nível morfossintático
. Verbos:
‑ presente: discurso aforístico do primeiro verso;
‑ pretérito perfeito: narração de acontecimentos passados;
‑ regresso ao presente («Falta cumprir-se Portugal») a sugerir urgência, necessidade.
         Esta sucessão presente / passado / presente sugere a dialética hegeliana tese, antítese, síntese e seu retorno.
. Adjetivos: «redonda», «inteira» ‑ designam um mundo circular, fechado, uno, todo.
. Frases curtas, correspondendo seis a um verso.
. Assíndeto: «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce».

3. Nível semântico
. Vocabulário de conotações simbólicas:
‑ «sagrou-te»: talvez ligada à palavra «Sagres», sugere a escolha do Infante para uma missão divina («Deus quer»);
‑ o uso de maiúsculas (Mar, Império);
‑ «mar»: simboliza o desconhecido, o mistério, daí as expressões «desvendar a espuma», isto é, desfazer o mistério, descobrir, ultrapassando as dificuldades que se lhe deparam; é, pois, o traço de união de ilhas e continentes (vv. 2-3); «nos deu sinal», ou seja, dar a chave para decifrar o mistério;
‑ «espuma» (branca), «orla branca» (é o sulco de espuma deixado pelos navios portugueses; simboliza o longo percurso que tiveram de percorrer para que a empresa dos Descobrimentos se concretizasse), «clareou», «surgir» (sair das sombras, revelar-se, conhecer), «do azul profundo» (do mar imenso e profundo, é o símbolo do desconhecido, em oposição ao «clarear», que é o revelado): estas expressões sugerem a passagem do mistério para a descoberta, para o conhecimento, passagem caracterizada como repentina, espetacular, miraculosa; assim o sugere a expressão «E viu-se a terra inteira, de repente, / Surgir redonda…»;
‑ a visão da «terra redonda», surgida repentinamente, sugere a ideia de que a obra dos portugueses é a realização de um plano divino. O redondo, a esfera. É o símbolo da perfeição cósmica, da unidade (do mundo), da obra completa e perfeita que Deus quis: «Deus quer… / Deus quis que a terra fosse toda uma…»;
‑ as cores:
. azul: ligada ao mistério, ao desconhecido (o mar);
. branco da espuma vem clarear e revelar a «terra inteira, de repente»;
‑ o Infante: representa o povo português, mas também surge como o símbolo do homem universal, o herói que realizou um sonho que era vontade de Deus.
. Imagem e personificação: «E a orla branca (…) correndo, até ao fim do mundo», a sugerir a rapidez imparável das Descobertas.
. Gradação: «Deus quer, o homem sonha, a obra nasce», para explicar a lógica da relação Deus / Homem / obra. De acordo com as segunda e terceira estrofes, a obra nasceu, o mar passou a unir em vez de separar, o império cumpriu-se e desfez-se.
. Apóstrofe: «Senhor».

Análise de "D. Sebastião"

1. A figura de D. Sebastião

         No século XVI, o príncipe D. João, herdeiro do trono português, casou-se com D. Joana de Áustria, irmão de D. Filipe II de Espanha. Deste matrimónio nasceu um único filho, D. Sebastião, que nasceu a 2 de janeiro de 1554, dezoito dias após a morte de seu pai, o príncipe D. João.
         O rei D. João III, avô de D. Sebastião, faleceu em 1557, quando o neto tinha três anos de idade. A criança recebeu de imediato a coroa e a sua avó passou a regente do reino. Assim, D. Catarina governou de 1557 a 1562, seguindo-se-lhe o seu tio-avô D. Henrique, cardeal-arcebispo de Lisboa e inquisidor-mor, de 1562 a 1568.
         Aos 14 anos de idade, D. Sebastião tomou conta do governo. Enfermo no corpo e no espírito, importava-se pouco com a governação, perdido antes em sonhos de conquista e de expansão da Fé. Conquistar Marrocos era a sua ambição número um, mas outros projetos de imperialismo em terras pagãs preenchiam-lhe a imaginação. Ousado até aos limites da loucura, o novo rei não atribuía grande importância ao planeamento cuidadoso, à estratégia ou à retirada, considerando essas preocupações medo ou cobardia. Desprezava os velhos, os prudentes, os sábios e os experientes, preferindo rodear-se de um grupo de jovens aristocratas, quase tão loucos e pouco maduros como ele próprio. Além disso, não aceitava palavras de aviso nem encarava a realidade e a verdade como eram.
         Por outro lado, o jovem monarca dividia o seu tempo por caçadas, exercícios religiosos e leitura de livros de História. Adorava desafiar o perigo. Em dias de temporal, embarcava nas galés para fora da barra e contemplar o mar enfurecido. De acordo com o escritor Fernando Dacosta, «Era um pouco louco; tinha dificuldade em separar a ficção da realidade». Porém, quando Lisboa foi assolada pela peste de 1569, abandonou a cidade, facto que parece comprovar que a sua coragem era apenas temperamental e não um valor consciente e assumido.
         Relativamente à sua vida íntima, nunca casou, não obstante a insistência da corte para que escolhesse uma noiva entre as casas reais europeias e desse um sucessor à coroa. Em determinada altura, negociou casamento com Margarida de Valois e com a arquiduquesa Isabel de Áustria, que acabou por desposar Filipe II. O despeito pelo episódio, provavelmente artificial, serviu de pretexto para que recusasse a encetar novas negociações, o que lhe permitia estar completamente livre para se dedicar àquilo que mais o fascinava: a guerra.
         A pedido do cardeal Alexandrino, enviado pelo Papa, esteve para participar numa cruzada contra os Turcos, mas, na impossibilidade de levar avante a ideia, projetou uma incursão na Índia. Dissuadido pelos conselheiros, decidiu, enfim, concentrar os seus esforços em África, chegando a navegar em segredo até Tânger em 1574. Provavelmente, terá sido por essa altura que começou a desenhar-se no seu espírito o desejo de invadir Marrocos a fim de reconquistar as terras, outrora portuguesas, devolvidas aos mouros por D. João III.
         Segundo um dos seus mais recentes biógrafos, o espanhol Baños-García, «D. Sebastião acreditava ser um capitão às ordens de Deus e da Igreja, montando a invasão de Marrocos para se tornar numa lenda vitoriosa.». Muitos tentaram demovê-lo, sobretudo os espanhóis D. Catarina e Filipe II, mas o soberano português tinha vestido a pele da luta pela independência nacional. Nada o faria mudar de ideias.
         Em 25 de Junho de 1578, após ter praticamente esvaziado os cofres do Estado, D. Sebastião partiu com uma armada de 800 velas e 18 mil homens ‑ a maioria mercenários estrangeiros e camponeses portugueses, incluindo um pequeno corpo de voluntários nobres bem treinados.


2. Análise do poema

         Num discurso de 1.ª pessoa, D. Sebastião autocaracteriza-se como louco, assumindo orgulhosamente essa loucura (atentar na reiteração do adjetivo “louco”, enfatizada pela presença do advérbio de afirmação “sim”). Notar que, no poema, «loucura» significa «sonho», «ideal», «utopia».
         A causa dessa loucura é o desejo de grandeza (o ideal, a utopia, o sonho), que o sujeito poético assume, como acima referido, com orgulho, a qual não é trazida pela «Sorte», mas conquistada com esforço, coragem e determinação. Porém, o desejo de grandeza teve um preço: a morte do «louco», do sonhador, isto é, de D. Sebastião (vv. 4 e 5), que se deixou morrer, portanto, pelo seu ideal no areal de AlcácerQuibir, no norte de África. E a razão desse sacrifício reside no facto de o rei não ter sido capaz de realizar essa tarefa, que era superior às suas capacidades: «Não coube em mim minha certeza» (v. 3).
         Porém, no areal, ficou apenas o que nele havia de mortal, o ser físico, o corpo («Ficou meu ser que houve»), tendo sobrevivido o ser que há, que permanece, que é imortal, isto é,a alma, o sonho, o ideal («o que há») ‑ loucura ‑, de querer grandeza, de devolver a glória à Pátria, que continua vivo e por concretizar, daí o apelo que faz na segunda estrofe. Recorde-se que o sonho «original» do rei consistia no engrandecimento de Portugal através da conquista de terras aos mouros no norte de África e da expansão da fé de Cristo.
         Além disso, nestes versos finais da primeira estrofe, Pessoa faz conjugar, na figura de D. Sebastião, história e mito. De facto, historicamente, o rei pereceu no areal de Alcácer Quibir (o «ser que houve» ficou «onde o areal está»), mas o que tem primazia para Pessoa é o mito («o que há»).
         No início da segunda estrofe, o sujeito poético apela a «outros» que tomem e prossigam a sua loucura, o seu sonho, isto é, que concretizem, no presente / futuro, aquilo que ele sonhou e idealizou no passado, o seu grande projeto nacional.
         A interrogação retórica final é muito significativa:
. faz referência à loucura enquanto energia criativa que poderá ser canalizada para a reconstrução nacional;
. a loucura ‑ o sonho ‑ é essencial ao homem e é o que o distingue do animal: Pessoa compara o homem que não sonha com um animal que se limita a procriar; sem possuir a capacidade de sonhar, sem possuir um ideal a cumprir, o ser humano fica reduzido à condição de animal irracional (nasce, procria e morre) e está condenado à morte e ao esquecimento; assim, a existência humana não tem sentido nem valor;
. através da loucura, o ser humano projeta-se no futuro e, por isso, não morre (com efeito, perante o sonho / a loucura, a morte não passa de contingência física que não pode impedir que aquele(a) prossiga noutras mãos);
. é a loucura que leva o homem a partir em busca de grandes realizações (como  fizeram os Argonautas e Vasco da Gama, para quem «Navegar é preciso / Viver não é preciso») ‑ e, de facto, foi a louca temeridade de D. Sebastião que esteve na origem do desastre de Alcácer Quibir, mas também serviu de exemplo aos vindouros.

         Nota-se, ao longo do poema, uma viva admiração de Pessoa pela loucura de D. Sebastião e um claro desprezo pelo homem «besta sadia», que vive sem ideais, sem grandes sonhos ou projetos, contentando-se com a mediocridade e com o «gozo materialista».
         Por outro lado, Pessoa associa a loucura ao génio. Na verdade, o louco é também o símbolo da inspiração, do poeta, de todo aquele que está para além do comum da sociedade.


3. Estrutura interna

         Relativamente à estrutura interna do poema, este pode dividir-se em dois momentos:
. 1.ºmomento (1.ª estrofe) ‑ O sujeito poético (o Rei):
- autocaracteriza-se como louco;
- explicita a razão da sua loucura: a busca de grandeza / glória;
- e as consequências / o preço da mesma: a morte.
. 2.º momento (2.ª estrofe) ‑ O sujeito poético:
- faz o elogio da loucura, traço que distingue o homem do animal irracional;
- exorta a que outros deem continuidade ao seu sonho.

         O poema insere-se na 1.ª parte de Mensagem, «Brasão», uma vez que esta compreende os antepassados fundadores da nacionalidade. Por outro lado, a inserção nas Quinas prende-se com o facto de D. Sebastião ter perdido a vida no contexto do cumprimento de uma tarefa para que foi escolhido por Deus.


4. Valor simbólico de D. Sebastião

         Atente-se nas palavras dos autores do manual Expressões ‑ 12.º ano sobre o valor simbólico do rei D. Sebastião na obra de Fernando Pessoa: “D. Sebastião adquire em Mensagem um valor simbólico que ultrapassa a sua figura histórica. São os valores da determinação e da coragem que ele corporiza que funcionam como mito inspirador e, nessa aceção, «fecundam a realidade»: «É Esse que regressarei.» O Sebastianismo em Mensagem não se liga, pois, ao caso específico e concreto de D. Sebastião, que não poderá, obviamente, voltar, mas à ideologia que lhe está subjacente. Depois de «ser que houve» e que ficou no «areal» com a «morte», regressará a força inspiradora de D. Sebastião necessária ao ressurgimento anímico da nação. O próprio Pessoa refere: «No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião e que só voltará a tê-la com o regresso dele, regresso simbólico (…)».”


5. Intertextualidade

         Comparemos, por último, a forma como a figura de D. Sebastião é tratada em Os Lusíadas e na Mensagem:
. Os Lusíadas:
‑ Camões dedica-lhe o seu poema épico (Canto I);
‑ Retrato: traça um retrato histórico do soberano, com referências à situação de Portugal e à atuação do rei;
‑ Valores: representa a segurança, a liberdade e a esperança do povo português no sentido de fazer ressurgir a Pátria da apatia e decadência do presente, continuando a tradição dos antigos heróis nacionais, dilatando a fé e afirmando o império.
. Mensagem:
‑ é o mito organizador e articulador da obra, já que representa o sonho que presidirá ao ressurgimento de Portugal da crise em que se encontra mergulhado;
‑ Retrato: o seu retrato é mítico, assente sobretudo no seu traço de «loucura» criadora e inspiradora;
‑ Valores: D. Sebastião representa o mito regenerador e metáfora da «loucura», do sonho.

Análise de "Mar Português"

. Título: no título, constituído por duas palavras, há a destacar o adjetivo «português», que remete para a conquista e o domínio dos mares pelos Portugueses, que os ligaram e fizeram com que existisse apenas o «mar» conhecido. Essa união foi o resultado do sofrimento e da coragem dos lusitanos; daí o mar ser «português». Por outro lado, apesar de os Portugueses já não cruzarem o mar no presente, o título deixa entender que ele será sempre lusitano.


. Tema: o mar, glória e desgraça do povo português.


. Estrutura interna

. 1.ª parte (1.ª estrofe) – Interpelação do sujeito poético ao mar, a que, relembra o preço (os sacrifícios) pago pelos Portugueses para conquistarem o mar.



         Os sacrifícios necessários para que os Portugueses conquistassem o mar traduzem-se na morte de muitos dos que partiram e no sofrimento dos que ficaram em terra, daí que o poeta dê realce, através do uso de uma linguagem emotiva (marcada pelas exclamações e pelo uso da 2.ª pessoa, que estabelece uma relação afetiva com o mar) e do campo lexical de sofrimento («lágrimas», «choraram», «rezaram»), ao amor familiar: o amor maternal («quantas mães choraram»), o amor filial (as orações dos filhos) e o amor das noivas que ficaram por casar (notar a construção em anáfora dos versos 3, 4 e 5 e o uso de quantificadores ‑ «quantas mães», «Quantos filhos», «Quantas noivas» ‑, que aumentam o dramatismo das situações evocadas, pondo em desta       que o número de vidas perdidas). Deste modo, realça-se o facto de o sacrifício afetar as famílias já constituídas e as que o seriam, mas não o serão mais, em razão da morte dos «noivos». Observe-se, por outro lado, as potencialidades da forma verbal «cruzarmos»: (1) sugere a causa da dor (a conquista do mar); (2) tem na sua composição a palavra «cruz», símbolo do sacrifício e da morte.
         Outra ideia que ressalta da 1.ª estrofe é a de que o mar é português, tão alto foi o custo que a sua conquista implicou. E notemos que é o mar, não os mares, o que traduz a ideia de unificação do mar, a qual se ficou a dever ao empenhamento lusitano. Outra forma de mitificação de Portugal operada nesta estrofe consiste na atribuição ao sal do mar de uma origem portuguesa, mitificando-se a dor lusa.
         O sofrimento pertence ao passado, daí as formas verbais no pretérito perfeito do indicativo, mas também o infinitivo pessoal «cruzarmos» (v. 3), exprimindo determinação continuada, persistência. Porém, o facto de isso se ter verificado no passado e de os Portugueses já não cruzarem o mar não significa que ele tenha deixado de ser português. De facto, os laços estabelecidos foram tão fortes, revestiram de tanta dor e sofrimento, o sal que o mar comporta é em tal quantidade, oriundo das lágrimas derramadas pelos Portugueses (v. 2), que ele será sempre português.
         Em síntese, as consequências da saga das descobertas são a dor, o sofrimento (consequências emocionais), o desamparo das famílias (consequências sociais e económicas), o despovoamento do reino (consequências políticas).
         Por outro lado, esta estrofe assume um claro cariz épico, uma vez que nela predomina a valorização do sofrimento e do espírito de sacrifício dos Portugueses, capazes de superar provações extremas e de, desse modo, provar a sua grandeza espiritual. Tudo começa e acaba no mar.

. 2.ª parte (2.ª estrofe) ‑ Balanço / justificação dos sacrifícios: os grandes feitos (a conquista e o domínio do mar) pressupõem sofrimento, mas todo o esforço e dor arrastam consigo alguma compensação, daí que o esforço e o sacrifício dos Portugueses não tenham sido em vão.

         Esta segunda estrofe assenta na apresentação da resposta, através de três frases declarativas, à interrogação inicial que introduz a reflexão:

. «Valeu a pena?», isto é, valeu a pena, justificou-se tanto sacrifício?

. «Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena»: todos os sacrifícios são justificáveis se o objetivo que estiver na sua base for nobre e se se agir com ousadia, coragem, determinação e abnegação; tudo vale e pena para atingir o ideal sonhado, a heroicidade.

. «Quem quer passar além do Bojador(1) / Tem que passar além da dor»: quem quer alcançar o objetivo desejado tem de superar os obstáculos que se lhe depararem e a própria dor, indo além dela (notar que o Bojador é, aqui, a metáfora dos objetivos a alcançar e simboliza o ultrapassar do medo, do desconhecido, o primeiro passo para o conhecimento). É necessário superar os limites da frágil condição humana.

. «Deus ao mar o perigo e o abismo deu, / Mas nele é que espelhou o céu»: quem superar, sofrendo, os perigos do mar, alcançará a glória suprema, que é o mesmo que dizer que tudo o que é verdadeiramente custoso tem o seu preço (1.ª estrofe) e a sua compensação (último verso). O «mar» é símbolo de sofrimento e morte («perigo» e «abismo»), mas também símbolo de realização do sonho, de glória e imortalidade, já que foi nele que deus fez «espelhar» o céu. Quem conquistar o mar ascenderá ao plano divino. Se, na 1.ª estrofe, se lamentou o preço pago pela conquista do mar, na segunda, anuncia-se o prémio.

         Nestas três frases, estão compreendidos os elementos atitéticos fundamentai para a compreensão do poema: o negativo (pena, dor, perigo) e o positivo (céu). Quer isto dizer que a dor é sempre o preço da glória.
         Nesta segunda estrofe, o tempo verbal predominante é o presente do indicativo, que está de acordo com a dimensão axiomática das afirmações. Excetuam-se os dois últimos versos, que se encontram no pretérito perfeito do indicativo, para recuperar a ideia de ultrapassagem das adversidades como forma de alcançar a imortalidade.


. Tom dramático do poema

. As duas faces dos Descobrimentos: a tragédia ‑ os aspetos desastrosos (1.ª estrofe) ‑ e a glória (2.ª estrofe, embora também haja nela uma referência ao lado trágico).

. A apóstrofe inicial e a do 6.º verso, que confere uma certa circularidade à estrofe.

. A interrogação retórica da segunda estrofe.


. Caráter épico-lírico do poema

. Vertente lírica: a expressão comovida dos sentimentos do sujeito poético (o lamento do lado negativo das Descobertas) e a descrição da dor e do sofrimento dos que viveram a saga das descobertas (vv. 2, 3, 4 e 5).

. Vertente épica: a valorização e o entusiasmo que anima a alma humana para concretizar os seus sonhos, ideais elevados e com isso ascender ao patamar da divindade e da imortalidade.
         A coexistência dos dois planos justifica-se pelo misto de epopeia e de lirismo que se encontra no poema. «Para realizar a glorificação da Pátria, os Portugueses tiveram de sofrer a dor e as privações, o preço a pagar pelos feitos sublimes que praticaram


. Intertextualidade com o episódio do Velho do Restelo

Velho do Restelo

“Mar Português”
. Referência à «dura inquietação d’alma».

. «Se a alma não é pequena».
. O choro das mães, esposas e filhos.

. O choro das mães, a reza dos filhos, as noivas que ficaram por casar.
. A consciência do perigo: o ambiente de dor e pessimismo provocado pela antecipação dos perigos que os que vão embarcar enfrentarão.

. A consciência do perigo, causadora igualmente de dor e sofrimento, mas com traços de otimismo: a dor é encarada como um meio necessário para alcançar o sonho e a glória.
. O sofrimento é necessário para a realização de grandes feitos.

. Idem.
. Reflexo da mentalidade renascentista, o episódio é crítico dos Descobrimentos.

. O poema é, essencialmente, laudatório.
. O herói é mais humano e terreno.

. O herói é mítico e lendário.


. Linguagem e recursos poético-estilísticos

1. Nível fónico
. Estrofes: duas sextilhas, o que se adapta á contraposição dos aspetos desagradáveis (1.ª estrofe) e agradáveis (2.ª estrofe).
. Métrica: alternância de versos decassílabos e octossílabos, com alguma irregularidade.
. Rima:
‑ esquema rimático: aabbcc;
‑ emparelhada;
‑ aguda e grave;
‑ consoante;
‑ pobre e rica;
‑ as palavras rimantes são, na maior parte, palavras-chave do poema: sal, Portugal, choraram, rezaram, Bojador, dor, céu, realçando-se, com a posição em final de verso, a sua expressividade.
. Ritmo: binário, largo, típico da meditação lírica.
. Assonância: predomínio da vogal áspera ou forte /a/ (1.ª estrofe).
. Alternância de sons fechados (ê, ô) e sons abertos (á, é).
. Transporte: vv. 1-2, 5-6, 7-8, 9-10.

2. Nível morfossintático
. Verbos:
‑ pretérito perfeito: evoca os acontecimentos trágicos e os sofrimentos do passado;
‑ presente: remete para os valores intemporais como a bravura, a tenacidade, a coragem o espírito de luta, o desejo de vencer, isto é, os valores que fazem os heróis;
‑ infinitivo pessoal «cruzarmos» exprime determinação e persistência.
. Pobreza de adjetivos, apenas dois: «salgado» e «pequena».
. Predominância de verbos e substantivos, como convém às características do tema desenvolvido:
‑ «mar», «Bojador»: as dificuldades, os perigos enfrentados pelos Portugueses para alcançarem a glória;
‑ «sal»: símbolo do sofrimento, das tragédias provocadas pelo mar;
‑ «lágrimas»: vide 1.ª estrofe;
‑ « céu»: é o símbolo do sonho realizado, da glória, da recompensa que espera o homem que supera os maiores perigos e sofrimentos e conquista o seu sonho; é o símbolo do prémio supremo do herói: a imortalidade.
. Anáfora e quantificadores: «Quantos filhos», «Quantas noivas» ‑ realçam o número de vidas afetas pelas desgraças causadas pelo domínio do mar.
. Função emotiva, traduzida pelas exclamações.
. As três frases declarativas.

3. Nível semântico
. Apóstrofe e personificação do «mar», tratado na 2.ª pessoa e responsável por todo o drama e sofrimento, mas também proporcionador da glória.
. Metáfora e hipérbole: «Ó mar salgado, quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal», uma síntese das desgraças que o mar causou.
. Reiteração:
‑ dos quantificadores (vide);
‑ da forma verbal «passar» (versos 9 e 10): realça a relação necessária entre a dor e o heroísmo.
. Exclamações (1.ª estrofe): servem o tom épico-dramático do poema e exprimem o que há de mais sagrado nas relações humanas: o amor familiar, isto é, o sofrimento que custou a conquista do mar.
. Interrogação «Valeu a pena?»: chama a atenção para as contrapartidas que o destino reserva aos navegadores e inicia o balanço ou a reflexão sobre a utilidade dos sacrifícios.
. Caráter aforístico dos versos 7-8, 9-10.
. O sentido metafórico de alguns vocábulos e expressões: «cruzarmos», «Bojador», «espelhou», «céu» (é o símbolo do sonho realizado, da glória; se o mar é o local de todos os perigos e medos, também é o espelho do céu, uma vez conquistado).
. A antítese entre o lado trágico e o glorioso dos Descobrimentos.
. Os dois primeiros versos resumem a história passada e presente do povo português e, consequentemente, exemplificam a capacidade de síntese e aproveitamento das potencialidades expressivas das palavras mais banais, processo característico de Fernando Pessoa.



            (1) O Bojador, cabo de difícil acesso situado na costa ocidental africana, terá sido dobrado por Gil Eanes, em 1434, depois de numerosas (fala-se em cerca de 15) tentativas anteriores. Tal dobragem significou um importante passo em frente nos descobrimentos portugueses, já que esse cabo simbolizou, durante muito tempo, o limite do conhecido, e a sul havia muitas riquezas à espera.
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