Português

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Dâmaso Salcede

     Dâmaso é retratado em termos disfóricos desde o primeiro momento em que surge nas páginas do romance: gordo e baixo («um rapaz baixote» - notar o diminutivo depreciativo), de mau gosto, o tipo do novo rico, de aspeto ridículo e maneira de vestir pretensiosa: frisado como um noivo de província, de camélia ao peito e plastrão azul-celeste.
      Movido provavelmente por um complexo de inferioridade, faz tudo para se elevar ao nível de Carlos da Maia, procurando atrair, a propósito e a despropósito, a sua benevolência de admiração: «O senhor Dâmaso Salcede, que não despegava os olhos de Carlos...».
     Gabarola e estúpido, declara-se sabedor da vida dos Castro Gomes e de ter um tio em Paris, mas não capta a ironia de Ega: «E que tio! (...) O tio do Dâmaso governa a França, menino!»; pelo contrário, «Dâmaso, escarlate, estoirava de gozo...». Tem a mania do chique («Uma gente muito chique (...) chique a valer!»), mas o ridículo que o envolve desmente essa pretensão de requinte:
  • os seus critérios para avaliar o chiquismo são ridículos: «... criado de quarto, governanta inglesa para a filhita, femme de chambre, mais de vinte malas...»;
  • à pergunta se queria vermute, responde: «Sim, uma gotinha para o apetite...»;
  • caricata é ainda a forma como enaltece Paris: «Aquilo é que é terra! Isto aqui é um chiqueiro. (...) Aquele boulevarzinho, hem! Ai, eu gozo aquilo... E sei gozar, sei gozar, que eu conheço aquilo a palmo...»;
  • tem um discurso profuso e deselegante, pontuado de calão de baixo nível.
     Surgindo os dois retratos de forma consecutiva, é evidente o intuito do narrador fazer contrastá-los. Este facto explica-se pela imagem de dignidade que se pretende dar dela e por ser uma personagem de tragédia e, como tal, teria de ser nobre de caráter. Dâmaso, por seu turno, está marcado para figurante da crónica de costumes. É, portanto, uma personagem plana, uma caricatura, um tipo social, o representante do novo rico.

Episódio do Jantar no Hotel Central

     Este episódio surge no capítulo VI do romance e integra a chamada crónica de costumes. Estamos perante um acontecimento eminentemente mundano, integrado na crónica de costumes (recordar o subtítulo «Episódios da Vida Romântica»), cujo objetivo central é homenagear o banqueiro Cohen, de cuja mulher Ega (o promotor da homenagem) é amante.

1. Objetivos
  • Homenagear o banqueiro Jacob Cohen, uma iniciativa de João da Ega («... o Ega, alargando pouco a pouco a ideia, convertera-o agora numa festa de cerimónia em honra do Cohen...»).
  • Retratar a sociedade lisboeta.
  • Proporcionar a Carlos da Maia o primeiro contacto com o meio social lisboeta.
  • Apresentar a visão crítica de alguns problemas.
  • A nível da ação central: proporcionar a Carlos o primeiro encontro com Maria Eduarda.

2. Intervenientes

          . João da Ega

     Promotor do jantar, uma homenagem ao banqueiro Jacob Cohen, marido da «divina Raquel», com quem mantém uma relação adúltera, João da Ega defende o Realismo / Naturalismo. Ao assumir esta posição, acaba  por convocar o poeta Tomás de Alencar, representante do Ultrarromantismo, e criar uma enorme discussão. A sua postura ao longo do jantar assemelha-se à adotada pelos jovens escritores da Geração de 70, profundamente revolucionários, o que o leva, por vezes, a recorrer a argumentos exagerados para sustentar as suas ideias.

          . Jacob Cohen

     É o homenageado durante o jantar, o marido da «divina Raquel», diretor do Banco Nacional, por isso o representante das Finanças na obra.

          . Tomás de Alencar

     Representante do Ultrarromantismo, é confrontado com os princípios naturalistas / realistas defendidos por Ega.

          . Dâmaso Salcede

     É o tipo do novo rico burguês e a súmula dos defeitos da sociedade: provincianismo, vaidade, futilidade e oportunismo (repare-se como louva Carlos da Maia com o intuito de assumir uma posição mais preponderante na sociedade.

          . Carlos da Maia

     O episódio proporciona-lhe o primeiro contacto com a sociedade, mantendo, durante o evento, uma posição relativamente discreta.

          . Craft

     Representante da cultura artística e britânica, Craft tem uma participação pouco relevante neste episódio.


3. Temas discutidos durante o jantar


          1. Literatura
  • Tomás de Alencar:
  • defensor do Ultrarromantismo;
  • opositor do Realismo / Naturalismo, que qualifica depreciativamente como «pústula», «pus», «literatura latrinária», «o excremento»;
  • incoerente: condena no presente o que cantara no passado: o estudo dos vícios da sociedade;
  • falso moralista: refugia-se na moral por não ter outra arma de defesa, outros argumentos - considera o Realismo / Naturalismo imoral;
  • vive desfasado do seu tempo: «... escreveu dois folhetins cruéis; ninguém os leu...»;
  • crítico do poeta Craveiro (Antero de Quental?), o «paladino do Realismo» e da «Ideia Nova»;
  • defensor da crítica literária de natureza académica:
  • feita de ataques pessoais e de calúnias;
  • preocupada com aspetos formais em detrimento dos aspetos temáticos («... dois erros de gramática, um verso errado...»);
  • obcecada com o plágio («... uma imagem roubada a Baudelaire...»).
  • João da Ega:
  • defensor do Realismo / Naturalismo;
  • distorce e exagera as teses realistas / naturalistas (agnosticismo, positivismo, dependência das anomalias sociais de fatores como a educação, o meio, a hereditariedade, a raça...);
  • defensor do cientificismo na literatura;
  • não distingue Ciência e  Literatura.
  • Carlos:
  • recusa o ultrarromantismo de Alencar;
  • defende o romance como análise social: «Esse mundo de fadistas, de faias, parecia a Carlos merecer um estudo, um romance...»;
  • considera intoleráveis os ares científicos do Realismo: «... o mais intolerável no realismo eram os seus grandes ares científicos (...) e a invocação de Claude Bernard, do experimentalismo, do positivismo, de Stuart Mill e de Darwin, a propósito de uma lavadeira que dorme com um carpinteiro!»;
  • defende que os carateres só se manifestam pela ação;
  • recusa os exageros do Ega. 
  • Craft:
  • recusa o Ultrarromantismo de Alencar;
  • defende a arte como idealização do que de melhor há na natureza;
  • defende o conceito parnasiano da arte pela arte: «E a obra de arte (...) vive apenas pela forma...».
  • Narrador:
  • recusa o Ultrarromantismo de Alencar;
  • recusa a distorção do Naturalismo contida nas afirmações de Ega;
  • defende uma estética próxima da de Craft: «... estilos novos, tão preciosos e tão dúcteis...» - tendência parnasiana.
     Atente-se na proximidade das teses defendidas por Carlos, Craft e pelo narrador das sustentadas por Eça de Queirós, que advoga uma nova forma para a literatura.


          2. Finanças
  • o país tem absoluta necessidade dos empréstimos ao estrangeiro;
  • a ocupação dos ministérios é «cobrar o imposto» e «fazer o empréstimo» (tal como hoje, Portugal vivia de empréstimos ao estrangeiro e da cobrança de impostos);
  • Cohen representa a posição oficial: é calculista e cínico, pois, tendo responsabilidades em razão do cargo que desempenha (Diretor do Banco Nacional), lava as mãos do assunto e aceita "alegremente" que o país vai direito para a bancarrota (120 anos depois, o país enfrenta uma situação semelhante);
  • Ega representa a posição prenunciadora da ideologia anarco-republicana, vendo na bancarrota a oportunidade ideal para levar a cabo uma revolução: «À bancarrota seguia-se uma revolução, evidentemente. Um país que vive da inscrição, em não lha pagando, agarra no cacete. [...] E, passada a crise, Portugal, livre da velha dívida, da velha gente, dessa coleção grotesca de bestas...».

          3. A história política
  • Ega:
  • aplaude as afirmações do Cohen e delira com a bancarrota como determinante da agitação revolucionária;
  • defende o afastamento violento da Monarquia;
  • defende a invasão espanhola como forma de arrasar, enterrar o velho Portugal e construir um Portugal novo, «sério e inteligente, forte e decente, estudando, pensando, fazendo civilização como outrora... Meninos, nada regenera uma nação como uma medonha tareia...»;
  • aplaude a instauração da República;
  • enumera as consequências do Constitucionalismo:
  • falta de educação e de higiene («... piolhice dos liceus...»);
  • doença e devassidão («... roída de sífilis...»);
  • passividade e inércia («... apodrecida no bolor das secretarias...»);
  • comportamentos rotineiros («... arejada apenas ao domingo...»);
  • perda da coragem e da dignidade («... perderam o músculo...»; «... perderam o caráter...»);
  • centralismo («Lisboa é Portugal! Fora de Lisboa não há nada.»);
  • fraqueza física e moral («... a raça mais fraca e mais cobarde...»).
  • Alencar:
  • opõe-se à invasão espanhola, pois considera-a um perigo para a independência nacional, e dispõe-se a despertar o patriotismo do país com os seus poemas;
  • defende o romantismo político: 
  • uma democracia humanitária (de 1848);
  • uma república governada por génios;
  • a fraternidade entre os povos, «os Estados Unidos da Europa»; 
  • repudia o talento dos seus conterrâneos, despeitado com o desprezo «desses politicotes», seus companheiros de farra antes de cumprirem as suas ambições;
  • protesta contra a alegre fantasia dos companheiros afirmando exaltadamente o amor pela pátria.
  • Cohen:
  • defende a existência de gente séria e honesta nas camadas políticas dirigentes;
  • condescende na necessidade de reformas no país;
  • considera Ega e Alencar uns exagerados;
  • em caso de invasão, participaria com o financiamento (as armas e a artilharia comprar-se-iam na América);
  • juntamente com Ega, organizaria a guerrilha.
  • Dâmaso:
  • exemplo de covardia:
  • se se desse a invasão espanhola, «raspava-se» imediatamente para Paris;
  • considera ainda que toda a gente fugiria como uma lebre. 
  • revela grande reverência relativamente a Carlos.


4. Fim do jantar - resolução da disputa
  • Ega e Alencar insultam-se mutuamente;
  • fazem uso de uma linguagem escabrosa e ofensiva;
  • envolvem-se numa zaragata que quase termina numa sessão de pugilato;
  • acabam por fazer as «pazes à portuguesa»: reconciliação e mostras de arrependimento, com abraços e protestos de amizade;
  • ou seja, esgotados os argumentos, passa-se à pessoalização das questões (= Questão Coimbrã, após as primeiras intervenções críticas; o desafio para um duelo entre Antero de Quental e Ramalho Ortigão).


5. Conclusões - o modo de ser português


     1. A falta de personalidade:
  • Alencar muda de opinião quando Cohen assim o pretende;
  • Ega muda também de opinião quando Cohen o pretende;
  • Dâmaso, cuja divisa é «Sou forte», aponta o caminho covarde da fuga.
     2. A disputa Ultrarromantismo / Naturalismo, reflexo da Questão Coimbrã.

     3. A falta de coragem / a covardia domina a sociedade, «... desde el-rei nosso senhor até aos cretinos de secretaria!...».

     4. A falta de cultura e civismo domina as classes mais destacadas, com exceção de Carlos e de Craft.

     5. O exército:

  • em caso de invasão, teriam de se alugar os generais para defesa da pátria;
  • a falta de disciplina dos soldados, não obstante serem «teso(s)»;
  • a fraqueza física e moral («Um regimento, depois de dois dias de marcha, dava entrada em massa no hospital!»; o episódio do marujo sueco).

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Semana Académica - Porto 2012 - Cartaz


"Escolas escondem crimes das autoridades"

     «Quatro anos depois de o procurador-geral da República, Pinto Monteiro, ter eleito o combate à violência em meio escolar como prioridade e apelado às escolas para participarem os casos, os estabelecimentos de ensino continuam a esconder das autoridades os crimes cometidos no seu interior.

     O alerta foi feito esta quarta-feira por Celso Manata, coordenador dos procuradores do Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores de Lisboa. "A atitude paternalista das escolas, típica dos países do sul da Europa, desculpando muitas situações, acaba por prejudicar os miúdos, porque passa uma ideia de impunidade e depois quando os casos nos chegam a nós já as coisas são mais graves", disse Celso Manata, no seminário Segurança em Ambiente Escolar, organizado pela PSP, que se realizou ontem no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa.

     O procurador admite as dificuldades sentidas por professores, funcionários e órgãos de gestão das escolas e apela à sua coragem. "Eu sei que muitas vezes é difícil participar as ocorrências porque os miúdos e as famílias não são fáceis, mas há que ter coragem para informar as autoridades", afirmou.
     Os últimos números conhecidos apontam contudo para um aumento de 22 por cento nas ocorrências em contexto escolar participadas às forças de segurança. De acordo, com o Relatório Anual de Segurança Interna, a PSP e a GNR receberam no ano lectivo 2010/2011, no âmbito do Programa Escola Segura, 5762 ocorrências, das quais 4284 foram de natureza criminal.»
(c) Correio da Manhã

A «soirée» dos Gouvarinhos

     O encontro de algumas das personagens do «nosso» romance em casa dos Condes de Gouvarinho é um dos momentos da crónica de costumes.
     Nela há a destacar a fraca afluência, reveladora do desinteresse pelo evento, e o ambiente de dormêwncia, de tédio: «Enfim, secara-se.».
     Por outro lado, o narrador destaca as conversas balofas e entediantes do conde e as conversas ocas da condessa, representativas da sua falta de cultura e ignorância: «Imaginava que a Inglaterra é um país sem poetas, sem artistas, sem ideias, ocupando-se só de amontoar libras...». Como consequência, o interesse de Carlos da Maia por ela transforma-se num grande tédio, à semelhança, no fundo, do que acontecera com todas as suas paixões.

Vila Balzac

1. Origem do nome

     O nome da habitação está relacionado com o escritor francês Balzac. A escolha de Ega reflete a sua dualidade literária e a sua personalidade contraditória, pois Balzac foi um escritor francês realista que, tal como Ega, se dividiu entre o Romantismo e o Realismo.


2. Localização:
  • na Penha de França, algures na Graça;
  • local isolado e solitário, propício ao estudo, «às horas de arte e ideal», escolhido «Porque ia fechar-se lá, como num claustro de letras, a findar as «Memórias de um Átomo».


3. Descrição

     Após a leitura do início do capítulo VI, facilmente se conclui que a Vila Balzac é o reflexo de João da Ega. Carlos rapidamente o verifica, pois, quando certo dia vai visitar o amigo, depara com uma «casota de paredes enxovalhadas», imagem bem diferente das descrições idealizadas que Ega lhe fizera.


     3.1. A sala:
  • predomínio da cor verde;
  • ausência de decoração: tratando-se do espaço de um «intelectual» que se alimenta de uma «côdea de Ideal» e de «duas garfadas de filosofia», marca a oposição entre os ideais que apregoa e aquilo que é, de facto, pois a sua sensualidade sobrepõe-se à sua faceta intelectual.

     3.2. O quarto:
  • predomínio do vermelho: simbolicamente ligado à vida e à morte, esta ambivalência representa o ardor amoroso e carnal de um Eros triunfante que convida à transgressão (a relação adúltera de Ega com Raquel Cohen), mas, de tal modo exagerado, que se reveste de um caráter infernal e descontrolado que leva Ega a mascarar-se de Mefistófeles, assumindo, assim, a sua condição de amante cego e infernal;
  • o leito enorme «enchia, esmagava tudo. (...) o centro da Vila Balzac...";
  • o luxo e os ornatos espaventosos;
  • o aparato de tabernáculo: traduz a sordidez da relação;
  • o espelho, como num lupanar:
  • o caráter narcisista e ocioso de Ega;
  • a sordidez, a sensualidade e a vida dissoluta de Ega e dos amores adúlteros com Raquel Cohen;
  • o «olhar silencioso e doce» que Ega lança ao leito e o gesto de «passar uma pontinha da língua sobre o beiço»;
  • a mesinha de cabeceira repleta de livros de Spencer, Baudelaire e Stuart Mill;
  • a garrafa de champanhe e os copos sobre a cómoda;
  • o toucador em desordem;
  • os ganchos do cabelo e os ferros de frisar.

     3.3. A sala de jantar:
  • a eloquência chocarreira do Ega: «- A sr.ª Josefa, solteira, de temperamento sanguíneo (...)»; «E, como quando eu recolher, talvez a sr.ª Josefa esteja entregue ao sono da inocência, ou à vigília da devassidão...»;
  • os olhares trocados e os subentendidos: «A moça sorria, sem embaraço, habituada decerto a estas familiaridades boémias.»; «E subitamente, numa outra vez, com um olhar que ela devia perceber...».


4. Conclusão

     Em jeito de conclusão, podemos afirmar que, afinal, o recanto de estudo de João da Ega não passa de uma sórdida alcova de furtivos amores ilícitos.
     Por outro lado, a Vila Balzac configura um espaço de contraste entre o ser (a realidade:a imundície, a sensualidade, a sordidez, a familiaridade pouco digna com os empregados, o refúgio de amores ilícitos) e o parecer (o idealizado, a partir das descrições de Ega: o falso requinte).

terça-feira, 17 de abril de 2012

Padre António Vieira


O espaço social de OS MAIAS - Introdução

     «Os Maias são, superficialmente, um fresco caricatural da sociedade portuguesa do século XIX em forma de crónica de costumes, com fortes caraterísticas de romance folhetinesco.» (Machado da Rosa, Eça, discípulo de Machado?).

     O romance realista visava a crítica social que espelha determinados vícios / defeitos de caráter e de personalidade do Homem, explicados / analisados segundo uma perspetiva determinista.
     É para aí que aponta o subtítulo do romance - Episódios da Vida Romântica -, isto é, para «a pintura detalhada de uma sociedade" de uma determinada época - a da Regeneração - e de um meio - o da alta sociedade lisboeta. Esta radiografia é feita à custa de dois recursos específicos: as personagens-tipo, isto é, personagens figurantes que tipificam um determinado grupo social, caraterizando-o, e a representação de ambientes, a partir de episódios.

     De acordo com Carlos Reis (Introdução à leitura de Os Maias), estes dados permitem-nos integrar o romance «no estatuto do roman-fleuve, também chamado romance-fresco; estreitamente ligado à problemática (...) do romance de família, o romance-fresco é aquele que "através da aventura de um indivíduo, de uma família, de um clã, aspira a captar um momento histórico numa sociedade. Deseja também, como o romance histórico ou o romance rural, representar a cor exata de uma época e de um meio"».

Questionário - Texto introdutório

1. A nota apresentada no início do sermão fornece alguns dados pertinentes sobre o contexto extralinguístico em que foi proferido e sobre o próprio texto.

1.1. Indique o lugar e a data em que foi proferido o Sermão.

1.2. Recorde as informações que recolheu sobre a vida e a obra do Padre António Vieira e indique o motivo por que se encontrava nesse local nessa data.

1.3. De acordo com a nota, qual era a reação à «doutrina» que o Padre António Vieira pregava?

1.3.1. Os ensinamentos da referida doutrina eram relevantes em duas vertentes da vida do homem. Identifique-as.

1.4. Transcreva o adjetivo usado para qualificar o Sermão e mencione a sua subclasse.

1.4.1. O adjetivo referido remete para a figura de retórica «alegoria». Apresente uma definição deste recurso estilístico e um exemplo.

Sermão de Santo António aos Peixes: texto introdutório

Pregado na Cidade de S. Luís do Maranhão, ano de 1654

     Este Sermão (que todo é alegórico) pregou o Autor três dias antes de se embarcar ocultamente para o Reino, a procurar o remédio da salvação dos índios, pelas causas que se apontam no I. Sermão do I. Tomo. E nele tocou todos os pontos de doutrina (posto que perseguida) que mais necessários eram ao bem espiritual, e temporal daquela terra, como facilmente se pode entender das mesmas alegorias.


                                                                  Vos estis sal terrae.
                                                                          Matth. 5

Sermão de Santo António aos Peixes

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Rever nota de exame subiu de 15 para 25 euros

     «Mais dez euros é quanto vai custar aos alunos que realizem exames o pedido de revisão da nota, caso não estejam satisfeitos com a avaliação atribuída.»

domingo, 15 de abril de 2012

"Tira o dedo do nariz"

Por vezes a distração
não permite que repares
no que fazes de errado
se estás em certos lugares.

Anda a mão a passear
sem ouvir o que se diz
e de repente está o dedo
enfiado no nariz.

Esse gesto, além de feio,
nada tem de asseado;
seja qual for o dedo,
é melhor estar sossegado.

O nariz não é abrigo
em que o dedo deva estar
e se fores meu amigo
bem o deves controlar.

E para veres a figura
que às vezes estás a fazer
repara nos condutores
que modos não sabem ter.

Lá estão eles nos sinais
à espera que o verde caia,
à procura de um "presente"
que do seu nariz lhes saia.

                          José Jorge Letria, Porta-te bem!

Aumento da idade de reforma


(c) Henricartoon

sábado, 14 de abril de 2012

Vida e Obra Vieira

Padre António Vieira - sua vida e suas lutas



(c) SCML


quinta-feira, 12 de abril de 2012

Processos irregulares de formação de palavras

     Além da derivação e da composição, existem outros processos de introduzir palavras numa dada língua.
     Com efeito, as línguas são organismos vivos que permanentemente se enriquecem com a criação de novas palavras ou expressões (neologismos), ao nível da forma e / ou do significado), denotando novas realidades.

1. Sigla: palavra que resulta da redução de um grupo de palavras às suas iniciais, pronunciando-se letra a letra.
          . AVC (Acidente Vascular Cerebral)
          . GNR (Guarda Nacional Republicana)
          . SLB (Sport Lisboa e Benfica)
          . TSF (Telefonia Sem Fios)

2. Acrónimo: palavra que resulta da junção de letras ou sílabas iniciais de um grupo de palavras, sendo pronunciada como uma palavra corrente, ao contrário da sigla, que é soletrada.
          . INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica)
          . IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado)

3. Truncação: criação de uma palavra a partir do apagamento de parte da palavra de que deriva.
          . Otorrino (otorrinolaringologista)
          . Metro (metropolitano)
          . Mini (minissaia)
          . Pneu (pneumático)

4. Amálgama: palavra que resulta da junção de partes de duas ou mais palavras.
          . Portunhol (português + espanhol)

5. Empréstimo: palavra estrangeira adotada por uma língua.
          . Hambúrguer
          . Outdoor
          . Ranking
          . Robô

6. Extensão semântica: uma palavra (já existente) adquire um novo significado.
          . Leitor (informática)

7. Onomatopeia: palavra que imita o som produzido por objetos, animais, fenómenos naturais...
          . Ão-ão (latido de um cão)
          . Bang (tiro)
          . Atchim (espirro)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

A revisão do Acordo Ortográfico

     «Com data de 29.3.2012, podemos ler no Blog da Casa Civil do Presidente da República de Angola (http://www.casacivilpr.com/ pt/noticias/2012/03/29/angola-protela-adopcao-do-acordo-ortografico/) que Angola protela a adopção do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, porque pretende estudar e avaliar uma série de aspectos de conteúdo, no sentido de acautelar as implicações no sistema educativo nacional. O AO continua a ser avaliado, para que "no caso de ser ratificado" (note-se bem: no caso de...), "o mesmo não cause dificuldades ao sistema educativo em vigor no país". E aponta-se a falta de preparação dos alunos, professores e as implicações que têm a ver com a produção de materiais didácticos, como alguns factores que condicionam a adesão de Angola ao novo acordo.
     Acresce um ponto verdadeiramente enigmático na declaração final do encontro: o reconhecimento da "necessidade de se estabelecer formas de cooperação entre a Língua Portuguesa e as demais línguas em convívio nos Estados Membros". O que é que isto quer dizer? O que é cooperação entre línguas? Quais são as línguas em questão? O francês na África Ocidental? O inglês na África Austral? As várias línguas nativas a leste e a oeste?
     O significado profundo desta coisa traduz provavelmente a confissão envergonhada, por parte do neocolonialismo luso-brasileiro, de que o AO não dispõe absolutamente nada para a grafia de vocábulos das línguas nativas que tenham sido incorporados no português. Se é este o sentido útil desse ponto, isto significa o reconhecimento, por todos os governos, de que, também por esta razão, o AO não pode ser aplicado enquanto não for alterado!
     Por outro lado, a declaração reconhece a inexistência de vários vocabulários ortográficos nacionais e, ipso facto, a inexistência do vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa exigido pelo AO, o qual deveria arrancar daqueles e ser elaborado com a participação de todos os estados membros.
     Fala-se depois na necessidade de desencadear acções que diagnostiquem os tais constrangimentos e estrangulamentos na aplicação do AO (volto a perguntar o que será um estrangulamento na aplicação do dito?) e redundem numa "proposta de ajustamento" do mesmo AO.
     Se se pretende uma proposta de ajustamento, aceita-se o princípio de uma revisão, que terá de ser objecto de tratado internacional e posterior ratificação para ser válida. Ou seja, a declaração final reconhece implicitamente que não tem pés nem cabeça o que se afirma, quanto ao vocabulário ortográfico do ILTEC e quanto ao segundo protocolo modificativo, nas letras gordas da leviana resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, do Governo Sócrates: nenhum vocabulário ortográfico nacional pode substituir o vocabulário ortográfico comum que o AO exige e o tal protocolo nunca entrou em vigor.
     De resto, o melhor reconhecimento de que essa resolução 8/2011 vale zero vírgula zero, resulta, desde logo, de não haver sombras do AO na ortografia da declaração final. Ninguém, nem mesmo o Governo português, a quis aplicar...
     Tudo isto significa que Portugal assentou oficialmente na necessidade de revisão do AO. E isso deveria levar à suspensão dele, por não fazer sentido que, enquanto tais acções de revisão e correcção estiverem em curso, se aplique entre nós o que, além de não estar em vigor, ainda não se sabe se vai ser aplicado, nem quando, nem onde, nem em que termos; nem se, afinal, é para todos, ou para ninguém.»
Vasco Graça Moura, Diário de Notícias

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Sporting - Benfica on-line

     Aqui »»»

Miguel Araújo: «Os Maridos das Outras»



     «Os Maridos das Outras» (2012) é o single de apresentação do primeiro álbum a solo de Miguel Araújo, mais conhecido por integrar o grupo Os Azeitonas, onde assina sob o nome Miguel AJ, e a dupla Mendes e João Só (é o primeiro).

My name is Weiss, Peter Weiss

     «Quanto ao aumento do desemprego, que atingiu os 15% e superou as previsões da própria “troika”, a explicação [de Peter Weiss, o chefe adjunto da missão da “troika”] é, no mínimo, peculiar: “Pode até acontecer a pedido dos trabalhadores, que é claro que estão interessados em ter uma maior duração do subsídio de desemprego, que pedem ‘em vez de me despedir em Abril, despeça-me em Março’ - pode ser isso. Isto está sempre a acontecer: quando se aumenta os impostos sobre o tabaco, as pessoas começam a comprar cigarros. Isto é um comportamento normal. Não temos quaisquer provas disso, mas avancei isso como uma das razões, porque, como eu disse, nós não entendemos completamente os números”.»

Ler mais AQUI.

domingo, 8 de abril de 2012

"Yes", Tim Moore


     Voz de Tim Moore, que canta «Yes», balada típica dos anos 80 (fez parte do álbum «Flash Forward», de 1985), neste vídeo a ilustrar cenas da telenovela «Selva de Pedra», de 1986.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

O suicídio grego


     No passado dia 4, um pensionista de 77 anos suicidou-se a tiro na praça Sintagma, em Atenas, Grécia, o berço da civilização europeia.
     A nota de suicídio que deixou para trás rezava o seguinte e dispensa comentários:
     «O governo de ocupação aniquilou-me literalmente qualquer possibilidade de sobrevivência, dado que o meu rendimento era inteiramente proveniente de uma pensão que eu, sem qualquer suporte de ninguém nem do Estado, financiei durante 35 anos.
     Porque a minha idade me impede de assumir uma ação radical (se não fosse isso, se um cidadão decidisse lutar com uma Kalashnikov, eu seria o primeiro a segui-lo), não me resta nenhuma solução exceto colocar um fim decente à minha vida antes de ser forçado a procurar comida nos caixotes do lixo e de ser um peso para os meus filhos.
     Eu acredito que a juventude sem futuro brevemente empunhará armas e enforcará todos os traidores nacionais de cima abaixo, como os italianos fizeram a Mussolini em 1945.»

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Exames Nacionais - Mensagem n.º 6

João da Ega

     João da Ega é o amigo inseparável de Carlos da Maia. Travam conhecimento e amizade em Coimbra, enquanto estudantes universitários.
     O primeiro retrato que nos é fornecido pelo narrador é elucidativo quanto à personalidade e caráter da personagem;
  • irreligioso e erético: «... o maior ateu, o maior demagogo...»;
  • irreverente, «espantava pela audácia e pelos ditos»;
  • exuberante, «exagerou o seu ódio à Divindade, e a toda a Ordem social...»;
  • revolucionário, «queria o massacre das classes médias, o amor livre das ficções do matrimónio, a repartição das terras...»;
  • satânico, defende o culto de Satanás;
  • magro: «... figura esgrouviada e seca...» - traço comum a Eça de Queirós, de quem constituirá o alter-ego;
  • usa bigode;
  • nariz adunco;
  • boémio: «... renovara as tradições da antiga boémia...»;
  • romântico e muito sentimental: «... enleado sempre em amores por meninas de quinze anos, filhas de empregados...».
     João da Ega representa o Naturalismo, daí que se oponha a Alencar, poeta ultrarromântico. Representa também o intelectual dos grandes ideais, das revoluções facínoras, das grandes alterações sociais, no entanto nada faz para a sua concretização, vivendo num amplo parasitismo, refugiando-se por detrás da figura de Carlos e à custa da fortuna da mãe.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Semana Académica - Viseu 2012 - Cartaz


     A serenata, no adro da Sé, terá novamente a presença do grupo Toada Coimbrã. Eis um dos temas (O TEMA) interpretados em 2011: «Balada do 5.º Ano Jurídico».

A Educação n'«Os Maias»

     Uma das temáticas centrais do romance de Eça é, inequivocamente, a educação.
     Este facto compreende-se porque a problemática, de acordo com a estética naturalista, é fundamental na caraterização das personagens e porque assume, nas obras do escritor, uma representatividade considerável.
     O quadro a seguir apresentado sintetiza a forma como a temática é abordado em Os Maias:


     Esta temática surge outras vezes aflorada ao longo do romance, essencialmente para, através dela, delinear uma imagem das conceções que sobre o assunto eram desposadas pela alta sociedade lisboeta.
     Um desses momentos é representado por uma das senhoras do círculo dos Gouvarinhos, que expressa a opinião de que «não havia verdadeiramente senão uma coisa digna de se estudar, eram as línguas», pois tudo o mais eram «coisas inúteis na sociedade» (p. 294). O próprio conde de Gouvarinho, raciocinando com base em esquemas mentais idênticos, insurge-se contra a ginástica nos colégios; e pergunta ao deputado Torres «se, na sua ideia, os nosso filhos, os herdeiros das nossas casas, estavam destinados para palhaços!...» (p. 298).

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Outras ações secundárias

     Além da intriga secundária - os amores de Pedro e Maria Monforte -, Os Maias possuem outras ações secundárias:
  • a história dos amores de João da Ega e Raquel Cohen;
  • o romance de Carlos com a Gouvarinho, que, pelo seu caráter adúltero, sensual e burlesco, contribui para realçar a dignidade dos amores de Carlos e Maria Eduarda;
  • a tramóia de Dâmaso, Eusebiozinho e Palma Cavalão.

domingo, 1 de abril de 2012

Maria Eduarda da Maia

     Maria Eduarda é uma personagem, como convém à intriga, de quem se conhecem pouquíssimos - para não dizer nenhuns - dados. De facto, sabemos apenas que é a primogénita de Pedro da Maia e Maria Monforte, «uma linda bebé, muito gorda, loura e cor-de-rosa, com os belos olhos negros dos Maias». E é tudo.
     Após a fuga de Maria Monforte com Tancredo e do suicídio de Pedro, Afonso da Maia procurou-a, mas ninguém conseguiu descortinar o seu paradeiro. Vilaça crê que morreu, caso contrário a mãe, na situação de extrema pobreza em que vivia, já teria reclamado a parte que cabia à filha na herança do pai. Não obstante, o avô escreveu a um primo, no sentido da Monforte lhe entregar a criança em troca de dinheiro, ao que Vilaça se opõe, argumentando que a menina deveria ter certa de 13 anos e um caráter definido, não falaria português e teria saudades da mãe. Porém, Afonso não se deixa demover e contrapõe que a mãe «é uma prostituta, e a pequena é do meu sangue» (pág. 82). Posteriormente, por intermédio de Alencar, chegam a Santa Olávia notícias da morte de Maria Eduarda e da vida desregrada de sua mãe. E, assim, para todos a neta de Afonso da Maia está morta. Note-se como esta morte aparente da filha de Pedro e da Monforte nos traz à memória a figura trágica de Édipo, cuja morte fora ordenada por seus pais Jocasta e Laio para evitarem o destino que lhes estava predito e a qual, cumprido o destino, se verificou não se ter concretizado.
     Dela só voltamos a ter notícias no início do capítulo VI, à entrada do Hotel Central, quando Carlos e Craft assistem à chegada de uma mulher desconhecida, posteriormente conhecida pelo nome de Castro Gomes. O narrador aproveita a ocasião para traçar um breve retrato físico:
          - muito distinta;
          - alta e loira («cabelos de oiro»);
          - esplendorosa na «sua carnação ebúrnea»;
          - «com um passo de deusa»;
          - «maravilhosamente bem feita»;
          - elegante e bem vestida: «um casaco colante de veludo branco»;
          - brilhando com «o verniz das suas botinas».
Há, neste retrato, a distinção e o aprumo harmoniosos da mulher clássica. Há também uma entourage de harmonia com a elegância de Maria Eduarda: «um esplêndido preto»; «uma deliciosa cadelinha escocesa». Ora, tratando-se de um retrato euforizante, ultrapassa a distanciação seca do Naturalismo.
     O diálogo que se segue à sua primeira visão comporta uma série de informações adicionais sobre os Castro Gomes, logo sobre a «deusa»:
          - têm uma filha;
          - trata-se de «Uma gente chique»: possuem criado de quarto, governante inglesa para
             a filha, viajam com mais de vinte malas;
          - vivem em Paris;
          - são brasileiros, embora a senhora não tenha sotaque.

Eusebiozinho

     Os primeiros traços desta personagem são-nos apresentados nas páginas 68 e 69 do romance:
  • é mais velho do que Carlos (p. 78);
  • é fisicamente débil, conforme o atesta o uso abundante de diminutivos na sua caraterização (Eusebiozinho, craniozinho, crescidinho, perninhas, linguazinha, etc.) e pela sova que Carlos lhe dá, não obstante ser mais novo que o primo;
  • melancólico, mole / molengão, pasmado, sisudo e tristonho;
  • «facezinha trombuda» e amarelidão de manteiga»;
  • «olhinhos vagos e azulados, sem pestanas»;
  • pernas flácidas, enfezado e estiolado.
     A educação a que é sujeito - semelhante à de Pedro da Maia - em nada contribui para formar uma personalidade forte. Os traços essenciais são os seguintes:
  • contacto com velhos livros: «... alfarrábios e(...) todas as coisas do saber...»;
  • permanência em casa, em constante isolamento e imobilidade;
  • superproteção (por parte da mãe e da titi):
  • é transportado ao colo;
  • anda sempre abafado em roupas;
  • dorme no choco com as criadas;
  • não toma banho para não se constipar;
  • «Passava os dias nas saias da titi a decorar versos, páginas inteiras do "Catecismo de Perseverança"»;
  • valorização da memorização, exemplificada pela memorização do poema, que traduz o papel (des)educativo da poesia:
  • a deformação da vontade própria, através do suborno, traduzido na promessa da mãe que «se dissesse os versinhos, dormia essa noite com ela»;
  • a imersão na atmosfera doentia e melancólica do Romantismo decadente (o poema que Eusebiozinho declama é a «Lua de Londres», de João de Lemos, uma das mais soturnas composições do Ultrarromantismo português);
  • o recurso à memorização, isto é, a um atributo que implica a desvalorização da criatividade e do juízo crítico;
  • o isolamento da natureza e do mundo: «... abriu a boca, e como de uma torneira lassa veio de lá escorrendo, num fio de voz, um recitativo lento e babujado...» - este excerto mostra, com clareza, como não existe aqui qualquer traço de pensamento, raciocínio, apenas memorização e recitação mecânica de um texto;
  • aprendizagem de línguas mortas (o latim);
  • estudo da Cartilha, a base deste tipo de educação, com noções erradas: «Passava os dias nas saias da titi a decorar versos, páginas inteiras do "Catecismo de Perseverança". Ele por curiosidade um dia abrira este livreco e vira lá "que o Sol é que anda em volta da Terra (como antes de Galileu), e que Nosso Senhor todas as manhãs...».
     Deste caldinho só poderia resultar uma alma doente em corpo doente.

A intriga secundária


     N'Os Maias distinguem-se duas intrigas - a intriga secundária, narrada retrospetivamente, corresponde à paixão trágica de Pedro da Maia e condiciona decisivamente o desenvolvimento e o desenlace da intriga principal, cujo protagonista é Carlos da Maia, filho de Pedro.

     A intriga secundária está estruturada em cinco momentos:
          1.º) Pedro vê Maria Monforte.
          2.º) Pedro namora Maria Monforte.
          3.º) Pedro casa com Maria Monforte.
          4.º) Maria Monforte foge com Tancredo, levando a filha.
          5.º) Pedro suicida-se.

     Observemos, agora, em detalhe, algumas das suas caraterísticas principais.

     Desde logo, a paixão de Pedro por Maria é aquilo que poderíamos designar por romântica. Por um lado, Maria surge envolta num ambiente de mistério (a sua origem) e marcada pelos traços da beleza física e da transgressão («toilettes excessivas e teatrais»). Por outro lado, trata-se de uma paixão súbita / à primeira vista (uma paixão fatal), seguida de um namoro "à antiga", com a escrita diária de duas cartas febris de seis folhas de papel (de Pedro para Maria) e a oferta de ramos das mais belas camélias dos jardins de Benfica. Em terceiro lugar, não poderia faltar a oposição paterna a este romance, resultante do conhecimento dos pormenores hediondos sobre a família de Maria por parte de Afonso.Por último são inúmeros os presságios disfóricos que marcam as personagens e a paixão em si.

     À paixão segue-se o casamento. A lua-de-mel, inicialmente, é apresentada como uma «felicidade de novela». Passa por Itália e Paris, havendo a destacar a vida faustosa e luxuosa de Maria, os ciúmes causados em Pedro e a primeira gravidez. De regresso a Lisboa, instado pela esposa, ele escreve ao pai tentando a reconciliação, recusada por Afonso. Segue-se a descrição das soirées mais alegres de Lisboa, em Arroios, num ambiente festivamente romântico, até que tudo muda após a chegada do misterioso Tancredo, por quem Maria se apaixona e com quem foge.

     E tudo culmina com o desenlace trágico da intriga secundária.
     O adultério e a fuga de Maria (com a filha) encontram as suas causas, por um  lado, na ociosidade de Maria, uma personagem dominada pelo luxo, pela ostentação, sem uma ocupação que lhe preencha utilmente a vida, daí que se entregue aos prazeres e caia no adultério, e, por outro, na literatura romântica, uma literatura idealista e desvinculada da vida real que origina condutas anómalas e desvarios no leitor: a fuga de Maria com Tancredo tem o caráter de um episódio de novela romântica.
     O suicídio de Pedro, por sua vez, constitui o desenlace típico do romance naturalista, reflexo do(a)


     Com efeito, o percurso amoroso e biográfico de Pedro só é explicável à luz de fatores naturalistas: a raça / hereditariedade, a educação e o meio social. Quanto à hereditariedade, o romance salienta o paralelismo de identidade entre a mãe e o filho (cap. I, p. 20); relativamente à educação, recebe a que a mãe escolhe, tendo o padre Vasques por orientador, uma educação que impede o desenvolvimento físico, moral e intelectual, tornando-o «um fraco em tudo»; quanto ao meio, Pedro, após a morte da mãe, frequentou um ambiente moralmente baixo. Eis, pois, Pedro lançado no trilho que o levará inexoravelmente à destruição. Ficava provada a tese de que o ser humano é um produto desses fatores naturalistas, que o condicionam irrefreavelmente. Pedro torna-se, em suma, um herói romântico, sem heroísmo, com uma solução romântica.

     Por último, refira-se que a intriga secundária se carateriza por um ritmo rápido de novela e é narrada por um narrador omnisciente. As duas personagens centrais têm como função maior (além da demonstração das teses atrás enunciadas) evidenciar os paralelismos de comportamento de Carlos e Maria Eduarda (vide intriga principal).

XXVIII Semana Académica de Viseu - 2012

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