D. Pedro de Alcântara era, como
filho primogénito, o legítimo herdeiro de D. João VI, monarca que o reconhecera
assim ao dar-lhe o tratamento de imperador do Brasil e príncipe real de Portugal
e dos Algarves. Mas D. João VI temia intrigas e complicações por parte dos seus
familiares, principalmente de sua esposa e de seu filho D. Miguel que se
encontrava em Viena, no exílio. Morto D. João VI, D. Pedro via-se na posse de
duas coroas: a de Portugal e a do Brasil. Qual dos tronos devia abandonar?
Abdicou, então, da coroa portuguesa em sua filha mais velha, D. Maria da
Glória, captando assim as simpatias dos portugueses aos quais outorgaria uma Carta
Constitucional pela qual realizava a promessa liberal que seu pai não tivera
oportunidade de cumprir. Uma das cláusulas da sua abdicação era o casamento da
jovem rainha com o seu tio, o infante D. Miguel, irmão de D. Pedro em quem este
depositava, na altura, bastante confiança, tanto mais que seu irmão se
prontificara a jurar a Constituição e a declarar obediência. D. Miguel entra,
desta forma, para o exercício do poder constitucional conforme acordo familiar,
que o próprio D. Pedro arquitectara. Mas o procedimento de D. Miguel e dos seus
partidários tornam a situação tão nebulosa que será preciso esclarecer definitivamente:
o País teria de escolher entre os dois irmãos e o que eles representavam.
Fazendo-se aclamar rei absoluto pelas cortes convocadas à moda antiga, D.
Miguel alcançava o poder supremo e quebrava todas as ligações com a Carta.
Tinha esse poder de facto e por usurpação, diziam os liberais; tinha-o de facto
e de direito, diziam os absolutistas. Senhores do Poder, os imperialistas estabelecem
a repressão integral como o melhor processo de se firmarem e, ao mesmo tempo,
de reduzir à impotência os simpatizantes liberais. A resposta destes é a
revolta militar que, dentro em pouco, domina o território português.
terça-feira, 19 de novembro de 2019
As guerras liberais
Labels:
11.º Ano
,
Almeida Garrett
,
Contexto
,
Frei Luís de Sousa
O Absolutismo e o Movimento Liberal
O regime absoluto, em Portugal, teve
uma vida longa e segura. Os reis gozavam de uma autoridade firme, uma vez que
nunca se criaram, ao seu lado, corpos políticos organizados a que tivessem de
fazer frente. O poder soberano vinha-lhes de Deus. Sofre, é certo, alterações
no tempo do Marquês de Pombal, cujo regime teve o grande mérito de
(involuntariamente) preparar o País para a revolução liberal do século XIX.
Tanto a Igreja como a nobreza sofreram um golpe mortal de que nunca conseguiram
recompor-se. Ao mesmo tempo foi dado à burguesia (homens de negócio e
burocratas) o poder de que necessitava para tomar conta da administração e do
domínio económico do País. Ao nivelar todas as classes, leis e instituições
ante o despotismo único do rei, Pombal preparou a revolução da igualdade social
e o fim dos privilégios feudais; ao mesmo tempo que, reforçando a máquina
repressiva estadual e rejeitando toda e qualquer interferência da Igreja,
preparou a rebelião contra a opressão laica e, portanto, a revolução da
liberdade.
A estrutura absolutista portuguesa
entrou em crise no segundo quartel do século XIX sob a acção de múltiplos e
poderosos golpes, entre os quais se destacam as invasões francesas, as grandes
transformações técnicas, a independência do Brasil, etc... E, ao fim de quase
vinte anos de lutas, a monarquia absoluta baquearia em 1834.
Efetivamente, Portugal, após a
explosão revolucionária francesa, iniciaria, com alguma continuidade, a sua hesitante
e sinuosa experiência liberal. Isolado do torvelinho europeu, não só pela geografia,
mas sobretudo pelo seu atraso no tocante à evolução económica, técnica, social
e mental, o País, empedernido em rotinas ancestrais, resistiu, naturalmente, à
onda de inovação. 1808 é a data da primeira tentativa liberal de
consciencialização política dos problemas nacionais. Mas será à guarnição
militar do Porto que caberá a tarefa de, em 24 de agosto de 1820, desembainhar
as suas espadas para proclamar extinto o regime absolutista e abrir as vias à
regeneração da Pátria, humilhada e desmembrada.
A situação portuguesa era, em 1820,
de crise em todos os planos da vida nacional: crise política, causada pela
ausência do rei e dos órgãos do Governo no Brasil; crise ideológica, nascida da
progressiva difusão, nas cidades, de ideias políticas que consideravam a
monarquia absoluta um regime opressivo e obsoleto; crise económica, resultante
da emancipação económica do Brasil; crise militar, originada pela presença dos
oficiais ingleses nos altos postos do exército e pela emulação dos oficiais
portugueses, que se viam preteridos nas promoções.
A estes factores internos de
inquietação somava-se a situação política da Espanha. Durante o período das
lutas napoleónicas, os resistentes espanhóis tinham aprovado uma Constituição
(Constituição de Cádis, 1812) que estava em vigor quando, após a queda de
Napoleão, o rei Fernando VII pôde regressar a Espanha; suspensa então a
Constituição, Fernando VII governou como rei absoluto, mas em 1820 um
pronunciamento militar em Cádis, rapidamente secundado por muitas províncias,
obrigou o rei a voltar ao regime constitucional (março de 1820).
Foi nesta conjuntura que surgiu a
revolução de 1820. A iniciativa partiu de um pequeno grupo de burgueses
portuenses, homens politicamente doutrinados, que haviam, em 1818, formado uma
tertúlia política, o Sinédrio, cujo objetivo era manter o contacto e
discutir a evolução da situação em Portugal e em Espanha.
Os intelectuais do Sinédrio não
tiveram dificuldade em obter a adesão de muitos militares das guarnições do
Norte. Em 24 de agosto de 1820, um regimento de artilharia saiu do seu quartel,
ouviu missa campal debaixo da formatura e, com uma salva de vinte e um tiros,
anunciou que estava feita a revolução. Um dos coronéis leu uma proclamação onde
se dizia: «Vamos com os nossos irmãos de armas
organizar um Governo provisional que chame as Cortes a fazerem uma
Constituição, cuja falta é a origem de todos os nossos males.»
Iniciaram-se
os preparativos para uma marcha sobre Lisboa, onde entretanto a regência reunia
forças para se opor à revolução do Porto. Mas em 15 de setembro as tropas de
Lisboa revoltaram-se também aderindo ao movimento.
A revolução não encontrou qualquer
resistência e despertou um enorme entusiasmo. Acreditava-se que se entrara numa
era nova da história e via-se na futura Constituição a solução miraculosa de
todos os problemas portugueses. Num dos numerosos folhetos que, em prosa e
verso, saudaram a revolução, dizia-se que se estavam vivendo “dias cheios de sucesso tão gloriosos para a nação portuguesa que a sua
narração será difícil de acreditar-se em épocas futuras, pois a nós mesmos, que
os presenciamos, parecem mais sonhos que realidades. Dias que nos abrem a
estrada de um porvir radioso, qual vem a ser o que nos prometem sábias leis.”
Foi também com entusiasmo que a
revolução foi recebida no Brasil, mas aí por outros motivos. Os naturais viam
na gente da corte uma presença incómoda e forasteira. Muitos comerciantes eram
portugueses e viam na revolução a oportunidade de restabelecer os antigos
privilégios do comércio português, sem os quais aguentavam mal a concorrência
das firmas estrangeiras, instaladas a partir de 1808 em grande número.
Brasileiros e portugueses acharam-se assim reunidos no apoio à revolução
liberal. Eclodiram revoltas liberais no Pará, na Baía e no Rio de Janeiro. Esta
última partiu da guarnição militar portuguesa. O príncipe herdeiro D. Pedro
serviu de interlocutor entre o rei e as tropas revoltadas e o rei acabou por
jurar que aceitaria a Constituição que as Cortes de Lisboa viessem a decretar,
qualquer que ela fosse (24 de fevereiro de 1821). A partir de então, o príncipe
D. Pedro passou a ter papel de grande relevo nos movimentos políticos
brasileiros, já todos orientados para a independência política. O rei iniciou
preparativos para regressar a Portugal, acatando as exigências das cortes de
Lisboa e as insistentes recomendações dois ingleses, que viam no vácuo deixado
pela saída da corte um factor favorável à expansão dos seus próprios interesses.
A maior parte dos homens que
formavam o Sinédrio tinha ligações com o comércio. Isto levou muitos escritores
a classificar a revolução de 1820 como uma revolução burguesa. É uma afirmação
só verdadeira em certo sentido. Sabe-se que foi a força ascendente das
burguesias que provocou os grandes movimentos liberais europeus: tendo nas mãos
o poder económico, os burgueses lançaram-se à conquista do poder político. Nada
de semelhante ocorreu em Portugal em 1820: a burguesia estava em declínio; a
classe média era formada principalmente por proprietários rurais, uns nobres e
outros que aspiravam a viver como se o fossem e não estavam interessados numa
revolução que de qualquer modo pudesse lembrar a Revolução Francesa. De facto,
se alguns membros do Sinédrio eram comerciantes, outros eram proprietários e
outros ainda militares nobres; o que havia de comum entre todos era serem
pessoas cultas. O seu liberalismo tinha na base não uma situação económica, mas
a leitura de livros estrangeiros, as ideias bebidas no convívio universitário e
nas lojas maçónicas. É nesse sentido que se pode dizer que a revolução de 1820
foi burguesa: foi a revolução da ilustração, numa época em que a ilustração era
característica quase exclusiva da gente burguesa.
Esse carácter doutrinário veio a ter
consequências importantes. Foi uma revolução nascida de teorias, não de factos;
a política foi desde então muitas vezes uma polémica teórica, uma política de
argumentos e não de procura de soluções directas. Isso viria a fazer surgir a
oposição entre dois tipos de acção política: a que pensa mas não resolve, a que
se justifica de não pensar como resolver. O cabralismo foi a primeira fase de
triunfo desta segunda linha. Outro resultado do doutrinarismo foi o adiamento
da adesão das camadas populares, sobretudo da província, ao estado liberal.
Este explicava-se não em propostas concretas de solução de problemas, mas em apologias
de novos valores de cultura política, que o povo não tinha sido preparado para
entender. O povo rural era, na sua quase totalidade, analfabeto e estava
impregnado de uma cultura de tipo tradicional e religioso. A única organização
que enquadrava a totalidade da população e mantinha com ela permanente contacto
era o clero. Ora o doutrinarismo dos liberais de 1820 era anticlerical e isso
desencadeou desde o princípio uma situação de conflito, que levou o clero a
declarar a revolução «inimiga do trono e do altar».
José
Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal
O processo liberal assentou em dados
económicos, sociais e mentais. Basta, para compreender este arrazoado,
determo-nos um pouco no estudo das bases para a Constituição de 1822. «Eis tais bases pela ordem por que foram enunciadas: Secção 1, Dos
Direitos Individuais do Cidadão: liberdade, segurança e direito de
propriedade; liberdade individual, que consiste em “fazer tudo o que a lei não
proíbe”, em não ser preso sem culpa formada nem julgado senão de acordo com as
leis, na disposição da sua propriedade, na comunicação do pensamento, “sem
dependência de censura prévia”; tribunal especial para “proteger a liberdade de
imprensa e coibir os delitos resultantes do seu abuso”; quanto às “matérias
religiosas, fica salva aos bispos a censura dos escritos publicados obre dogma
e moral”; igualdade da lei para todos; abolição da “confiscação dos bens, da
infâmia, dos açoutes, do baraço e pregão, da marca de ferro quente, da
tortura”; direito geral de concorrer aos lugares públicos; direito de
reclamação, queixa ou petição; inviolabilidade da correspondência. Secção II,
Da Nação Portuguesa, Sua Religião, Governo e Dinastia: “a Nação portuguesa é a
união de todos os portugueses de ambos os hemisférios”; “a sua religião é a
católica apostólica romana”; o governo será a monarquia constitucional hereditária;
“a soberania reside essencialmente em a Nação”, que “é livre e independente, e
não pode ser património de ninguém”; só a Nação, representada pelas Cortes,
pode fazer a Constituição; só passados quatro anos poderá esta ser alterada; divisão
dos poderes – legislativo, executivo e judiciário; “a lei é a vontade dos
cidadãos declarada pelos seus representantes juntos em Cortes”; só estas detêm
a iniciativa das leis; as Cortes reunir-se-iam, anualmente, durante três meses,
sem que o rei pudesse prorrogá-las ou dissolvê-las; a inviolabilidade e
irresponsabilidade dos deputados pelas suas opiniões; às Cortes competiria
nomear regências, aprovar os tratados, admitir tropas estrangeiras no
território nacional, “determinar o valor, peso, lei e tipo das moedas”; a convocação
extraordinária das Cortes seria feita por uma “junta de sete indivíduos”, que
permaneceria na capital; a inviolabilidade do rei, responsabilidade dos
ministros; as Cortes arbitrariam “uma dotação conveniente” ao rei e à família
real; criação do Conselho de estado; caberia às Cortes a imposição e a
distribuição de tributos, dos quais não seria isenta “pessoa ou corporação
alguma”; reconhecimento da dívida pública e criação dos meios para o seu
pagamento; força militar permanente de terra e mar; “as Cortes farão e dotarão
estabelecimentos de caridade e instrução pública.”.
Labels:
11.º Ano
,
Almeida Garrett
,
Contexto
,
Frei Luís de Sousa
Romantismo: correntes que marcaram o pensamento europeu
▪
Idealismo alemão (Hegel, Fichte, Schelling):
.
Hegel ® o conhecimento
humano baseia-se na IDEIA (fusão de natureza e espírito);
®
a História é o desenvolvimento contínuo da ideia absoluta por meio de um processo dialéctico (tese, antítese, síntese).
. Fichte é o filósofo
da infinitude do EU, da sua absoluta actividade e espontaneidade e da sua liberdade.
O EU é uma imagem de Deus.
A forma política será o estado
monárquico de direito.
▪ Racionalismo: consequência da revolução
liberal francesa que se espalha por toda a Europa ¾®
identifica-se o indivíduo com a sua sociedade, exaltam-se os valores populares
e procuram-se os elementos do espírito novo (língua, raças, costumes).
▪ Liberalismo: o homem dotado de
razão é um ser superior que necessita de liberdade. Para evitar abusos do
poder, preconiza a divisão do poder legislativo, executivo e judicial.
▪ Socialismo utópico: defende o
proletariado, na sequência da miséria causada pelo desemprego provocado pelas
máquinas e pela exploração do trabalho infantil.
Labels:
11.º Ano
,
Almeida Garrett
,
Contexto
,
Frei Luís de Sousa
Balizas histórico-culturais do Romantismo
O
Romantismo anunciava-se na Europa desde meados do século XVIII:
– 1742: Pensamentos
Nocturnos, de Young;
– 1751: Elegia num
cemitério de aldeia, de Gray;
– 1774: Werther, Goethe;
–
1776: Sturm und Drang (Alarme e Luta), de Von Klinger, peça cujo
título alemão designa um movimento ligado ao aparecimento do Romantismo na Alemanha;
–
1810: publicação de De l’Allemagne, de Mme de Stäel, onde faz a
distinção entre literaturas do Norte – nomeadamente a alemã – de valores já
românticos, e meridionais.
Origem do Romantismo
. Inglaterra
e Escócia, países pouco permeáveis ao Classicismo.
. Alemanha:
reacção do espírito nacional à tentativa de hegemonia do poder napoleónico.
. França:
foi tardio, porque o Classicismo estava muito implantado.
. Portugal:
implantação tardia (1825, com a publicação de Camões, de Almeida Garrett).
segunda-feira, 18 de novembro de 2019
Origem e evolução do conceito de Romantismo
A palavra romantismo,
tal como o adjetivo «romântico», é usado habitualmente para designar um tipo de
sensibilidade. Quando se afirma que determinada pessoa é «romântica»,
queremos dizer que é sentimental, idealista, propensa ao devaneio, revelando
por vezes um sentido pouco prático da realidade. O mesmo se diz de um local ou
de uma cena que leva ao despertar do sonho, do sentimento, da emoção.
Neste caso concreto, estamos a falar
de um período literário e artístico que se iniciou nos finais do século XVIII,
em oposição ao Classicismo, e constitui uma viragem na conceção de arte de da
própria vida.
O vocábulo "romântico",
tal como "barroco" ou "clássico", apresenta uma história
complexa. Do advérbio latino romanice,
que significava «à maneira dos romanos», derivou em francês o vocábulo romanz, que evoluiu para a forma rommant depois do século XII e roman a partir do século XVII. A palavra rommant
designou primeiramente a língua vulgar, por oposição ao latim, tendo vindo
depois a designar também uma certa espécie de composição literária escrita em
língua vulgar, em verso ou em prosa, cujos temas consistiam em complicadas
aventuras heróicas ou corteses.
No século XVII, surgiu o adjectivo
inglês romantic a significar «como os
antigos romances», podendo qualificar uma paisagem, uma cena ou um monumento,
ou podendo oferecer um significado estético-literário.
Não admira que na atmosfera
racionalista que envolve a cultura europeia desde os finais do século XVII, o
vocábulo romantic passe a significar quimérico, ridículo, absurdo –
qualidades (ou defeitos) que se atribuíram precisamente aos romances e poemas
romanescos, quer na literatura medieval, quer de Ariosto (poeta italiano –
1474-1533 –, autor de Orlando Furioso), de Boiardo (poeta italiano –
1441-1494), etc. Tal como "gótico", romântico designa, na
época do Iluminismo, tudo o
que é produzido pela imaginação desordenada, aquilo que é inacreditável e que
reflecte um gosto artístico irregular e mal esclarecido.
No entanto, a par deste significado
pejorativo, a palavra oferece no século XVIII um outro sentido: à medida que a
imaginação adquire importância e à medida que se desenvolvem formas novas de
sensibilidade, romantic passa a designar o que agrada à imaginação,
o que desperta o sonho e a comoção da alma, aplicando-se às
montanhas, às florestas, aos castelos, etc. Nesta acepção – que, como foi dito
acima, já remonta ao século XVII –, foi-se desvanecendo a afinidade do vocábulo
com o género literário do romance, tendo vindo romantic a
exprimir sobretudo os aspectos melancólicos e selvagens da natureza.
O vocábulo inglês romantic era
vertido para francês ora por romanesque,
ora por pittoresque. Em 1776, porém,
Letourneur, no prefácio da sua tradução da obra de Shakespeare, distingue romantique
de romanesque e de pitoresque, analisando os respectivos matizes
semânticos e expondo os motivos que levaram a preferir romantique,
«palavra inglesa»: o vocábulo, segundo Letourneur, «encerra a ideia dos
elementos associados de uma maneira nova e variada, própria para espantar os
sentidos», evocando, além disso, o sentimento de terna emoção que se apodera da
alma perante uma paisagem, um monumento, uma cena, etc. Em 1777, o marquês de
Girardin, na sua obra De la composition des paysages, usa igualmente o
adjectivo romantique, mas a palavra
adquire definitivamente direito de cidadania na língua francesa, quando
Rousseau, num passo famoso das suas Rêveries d'un promeneur solitaire,
escreve que «as margens do lago de Bienne são mais selvagens e românticas do
que as do lago de Genebra»; ou seja, estabelece a distinção entre “romantique”
(romântico) e “romanesque” (romance). Através do francês, o vocábulo
penetrou depois noutras línguas, como o espanhol e o português.
Voltemos, todavia, ao significado
literário da palavra romântico, que, como ficou acima exposto, está já
documentado no século XVII. O vocábulo romantic reaparece, com um
sentido similar ao que apresenta no texto já mencionado de Rymer, na History
of english poetry (1774) de Thomas Warton, cuja introdução se intitula «The
origin of romantic fiction in Europe». Para Warton, o termo romantic
designa a literatura medieval e parte da literatura que se afasta da literatura
renascentista (Ariosto, Tasso, Spenser), isto é, uma literatura que se afasta
das normas e convenções vigentes na literatura greco-latina e no neoclassicismo.
A par deste conceito, aparece
também, no início do século XIX, um conceito tipológico de romantismo,
corporizado principalmente na oposição clássico-romântico. Goethe
reivindicou a paternidade desta famigerada distinção, mas foi indubitavelmente
August Wilhelm Schlegel quem, inspirando-se em boa parte na oposição
estabelecida por Schiller entre poesia ingénua e poesia sentimental,
elaborou a mais sistemática e mais influente exposição sobre as diferenças
existentes entre a arte clássica e a arte romântica. Na décima terceira lição
do seu Curso de literatura dramática, Schlegel caracteriza a arte
clássica como uma arte que exclui todas as antinomias, ao contrário da arte
romântica, que se compraz na simbiose dos géneros e dos elementos heterogéneos:
natureza e arte, poesia e prosa, ideias abstractas e sensações concretas, terrestre
e divino, etc.; a arte antiga é uma espécie de «nomos rítmico, uma
revelação harmoniosa e regular da legislação – fixada para sempre – de um mundo
ideal em que se reflectem os arquétipos eternos das coisas», ao passo que a poesia
romântica «é expressão de uma misteriosa e secreta aspiração pelo Caos
incessantemente agitado a fim de gerar novas e maravilhosas coisas»; a
inspiração da arte clássica era simples e clara, diferentemente do génio
romântico que, «apesar do seu aspecto fragmentário e da sua desordem aparente,
está contudo mais perto do mistério do universo, porque, se a inteligência
jamais pode apreender em cada coisa isolada senão uma parte da verdade, o
sentimento, em contrapartida, ao abranger todas as coisas, compreende tudo e em
tudo penetra». De igual modo, ainda durante o séc. XIX, Mme de Stäel (autora
alemã, casada com um cidadão francês) estabelece semelhante distinção entre “Romântico”
e “Clássico”.
Nas literaturas espanhola e
portuguesa, aparecem os primeiros grupos românticos durante a terceira década
do século XIX (Garrett, Herculano, etc.), concomitantemente com a instauração
de regimes liberais nos dois países da
Península Ibérica e com o regresso de exilados
que, na França e na Inglaterra, haviam conhecido as novas tendências estético-literárias.
Aguiar e Silva, Vítor Manuel de, TEORIA
DA LITERATURA, 4.ª edição, Coimbra, Livraria Almedina, 1982
segunda-feira, 11 de novembro de 2019
Carta a Adolfo Casais Monteiro sobre a génese dos heterónimos
Carta a Adolfo Casais Monteiro
1. A partir da
leitura da carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro, complete o
esquema apresentado.
Heterónimos
|
Fernando
Pessoa
|
Alberto
Caeiro
|
Ricardo
Reis
|
Álvaro
de Campos
|
Nascimento
(local
e data)
|
. 1888
. Lisboa
|
.
.
. morreu em
|
.
.
|
.
.
|
Formação
académica
|
. Durban High
School
. Frequência do
Curso Superior de Letras de Lisboa
|
.
|
.
.
.
|
.
.
|
Profissão
|
. Tradutor
. Escritor
|
.
|
.
|
.
|
Características
físicas
|
. Estatura média
. Cabelo preto
. Bigode
. 1, 73 m (mede
menos 2 cm do que Álvaro de Campos)
|
.
.
.
.
.
|
.
.
.
.
|
.
.
.
.
.
.
.
.
|
Características
da escrita
|
. Escreve bem o
inglês e o português
|
.
|
.
|
.
|
Obra
|
. Mensagem
. Escritos diversos
|
.
|
.
|
.
|
Surgimento
|
. Poesia e escritos
diversos
|
.
|
.
|
.
|
2. Assinale as opções
verdadeiras (V) ou falsas, de acordo com o texto.
a) Fernando Pessoa
afirma na carta que a tendência para criar seres imaginários começou na infância.
_____
b) O mundo ficcionado
é radicalmente diferente do mundo real. _____
c) Com o passar do
tempo, os amigos inventados desapareceram todos da memória do seu criador.
_____
d) Pessoa não tem a
certeza absoluta de que foi em 1912 que esboçou Ricardo Reis. _____
e) Na noite em que
afirma ter criado os três heterónimos, Pessoa não conseguiu escrever em seu
próprio nome. _____
f) Os heterónimos
foram criados em relação uns com os outros. _____
g) Alberto Caeiro
impôs-se naturalmente como Mestre do seu criador. _____
h) Álvaro de Campos
foi uma criação inspirada em Ricardo Reis. _____
i) Segundo Fernando
Pessoa, ainda prevalece a sensação de autonomização dos heterónimos que sentiu
quando os criou. _____
j) Fernando Pessoa
inventou uma fisionomia e uma biografia para cada um dos heterónimos. _____
k) Fernando Pessoa
explica ser sempre racional a vontade que o leva a escrever em nome de um ou outro
heterónimo. _____
l) Bernardo Soares é
um semi-heterónimo que, segundo Pessoa, tem semelhanças com Alberto Caeiro e
com o próprio Pessoa. _____
m) Pessoa afirma que
lhe é mais fácil escrever poesia do que prosa, em nome dos heterónimos. _____
2.1. Corrija as afirmações
falsas.
Labels:
12.º Ano
,
Exercícios
,
Fernando Pessoa
,
Fichas
,
Heterónimos
sábado, 9 de novembro de 2019
Os vícios dos peixes em particular
Capítulo V
Peixe
|
Roncador
|
Repreensões
|
. É pequeno, mas
quer parecer grande, por isso ronca muito.
|
Argumentação
|
.
Quer
parecer maior e mais importante do que aquilo que é;
. quando tem de
agir, acobarda-se.
|
Exemplos - Confirmação
|
. S. Pedro:
afirmou estar disposto a morrer por Cristo, mas negou-o; prometeu ficar acordado
e vigilante, mas adormeceu durante a vigia;
. Golias:
soldado gigante filisteu, que muito se gabava da sua invencibilidade, mas foi
vencido por um pequeno pastor, David, com um cajado e uma funda;
. Caifás:
roncava de saber;
. Pilatos: roncava de poder.
|
Castigo
|
. Deus abate e
humilha os que roncam.
|
Alegoria
|
.
Presunção,
arrogância, soberba e orgulho.
|
Provérbio
|
. “Presunção e
água benta, cada um toma a que quer.”
. “As obras
falam, as palavras calam.”
|
Atualidade/
Anacronismo
|
. Atualidade:
figuras públicas, políticos…
|
Contraste com S. António
|
. “o verdadeiro
conselho é calar, e imitar a S. António”;
. tinha muito saber
e poder, mas não se vangloriava disso.
|
Peixe
|
Pegador
|
Repreensões
|
. Pequeno,
pega-se ao maior;
. vive do maior
de forma parasitária.
|
Argumentação
|
.
Vive
como parasita, alimentando-se e fazendo-se carregar pelo peixe maior;
. se algum dos
peixes maiores morre, o pegador morre com ele.
|
Semelhanças com os homens
|
. Aprendeu o seu
estilo de vida com os homens, nomeadamente os portugueses;
. os mais
inteligentes despegam-se dos peixes maiores e continuam a sua vida; os mais
ignorantes têm o mesmo fim dos maiores.
|
Exemplos - Confirmação
|
. Bajuladores
dos poderosos, como o vice-rei ou o governador;
. Herodes:
quando morreu, morreram com ele todos os seus pegadores;
. Tubarão: tem
os seus pegadores que, quando morre, morrem com ele;
. Pegadores de
Deus (David e S. António);
. Adão e Eva:
comeram o fruto proibido e conduziram todos os humanos à mortalidade.
|
Alegoria
|
.
Parasitismo,
oportunismo e preguiça.
|
Provérbio
|
. “Anda meio
mundo a enganar outro.”
. “Amigo disfarçado,
amigo dobrado.”
|
Atualidade/
Anacronismo
|
. Atualidade:
comitivas políticas; “amigos interesseiros; cargos políticos ou
administrativos…
|
Contraste com S. António
|
. “António também
se fez Menor, para se pegar mais a Deus” = Santo António “pegou-se” a Cristo,
seguindo as suas palavras, a sua doutrina.
|
Peixe
|
Voador
|
Repreensões
|
. Usa os seus
dotes naturais para se exibir;
. é peixe, mas também
quer ser ave;
. possui grandes
barbatanas e salta para fora da água como se voasse.
|
Argumentação
|
.
Sendo
peixe, quer ser ave;
. por isso,
sofre os perigos dos dois elementos, o que o leva à morte.
|
Exemplos - Confirmação
|
. Simão Mago:
ambicionava subir ao céu, fingindo ser filho de Deus, avisou toda a gente de
Roma para que o admirassem e voou muito alto, mas caiu e morreu perante o
olhar de todos;
. Ícaro: voou
com asas de cera, mas foi demasiadamente ambicioso e aproximou-se do Sol; a
cera derreteu e ele caiu no mar, morrendo.
|
Alegoria
|
.
Ambição,
vaidade, ostentação, presunção.
|
Provérbio
|
. “Quem tudo
quer tudo perde”.
. “Quanto mais
alto se sobe, maior é a queda.”
|
Atualidade/
Anacronismo
|
. Atualidade: pessoas
que não olham a meios para atingir os fins; pessoas que vivem acima das suas
posses…
|
Contraste com S. António
|
. “Não estendeu
as asas para subir, encolheu-as para descer.”
. Foram-lhe
dadas duas asas (a sabedoria natural e o poder da palavra), mas ele usou-as
com humildade e comedimento e não com vaidade e ambição.
|
Peixe
|
Polvo
|
Repreensões
|
. Usa as suas
defesas para trair as suas presas.
|
Argumentação
|
.
Parece
brando inofensivo;
. no entanto,
ataca as suas vítimas de forma traiçoeira e sem escrúpulos.
|
Exemplos - Confirmação
|
. Judas, o
símbolo da traição entre os homens, é menos traidor do que o polvo;
. Camaleão: muda
de cor por «gala», por solenidade; é um artifício de defesa;
. Proteu: metamorfoseia-se
por defesa, para escapar dos que o perseguem
|
Alegoria
|
.
Traição,
falsidade.
|
Provérbio
|
. “Trair e comer
é só começar.”
. “Obra de
vilão, deitar pedra e esconder a mão.”
|
Atualidade/
Anacronismo
|
. Todos os que
parecem honestos e de confiança, mas são falsos.
|
Contraste com S. António
|
. “Mas ponde os
olhos em António vosso Pregador, e vereis nele o mais puro exemplar da
candura, da sinceridade, e da verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou
engano.”
|
Subscrever:
Mensagens
(
Atom
)