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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Análise de "O dos Castelos"

         Neste poema, o primeiro de Mensagem, Pessoa antepõe os Castelos às Quinas (lendariamente concedidas por Cristo ao primeiro rei de Portugal, mas provavelmente só integradas no brasão por D. Sancho I), porém aqueles apenas foram adicionados ao brasão português durante o reinado de D. Afonso III.
         O seu número definitivo (7) só se fixou no início do século XVI e refere-se aos sete castelos que foram conquistados aos mouros para garantir a demarcação do território nacional.
         Por outro lado, o título do poema é uma perífrase de Portugal: «O [país] dos castelos», isto é, Portugal.
         A Europa é personificada por Pessoa, descrita e caracterizada no poema como se de uma figura feminina se tratasse. Ela surge deitada (“jaz” ‑ vv. 1 e 2) e apoiada nos cotovelos, sustentado o rosto na mão direita, (v. 1), com “cabelos românticos” a toldar o rosto e “olhos gregos”. O olhar é “esfíngico e fatal” e o rosto, que fita o Ocidente, é Portugal. De facto, se observarmos um mapa da Europa, constataremos que é possível imaginá-la como uma mulher reclinada, correspondendo os cotovelos à Itália e à Inglaterra.
         O início da descrição apresenta a Europa, simbolicamente, como um espaço decadente e sem vigor. De facto, a repetição de formas verbais pertencentes aos verbos «jazer» e «fitar» sugerem a imagem de decadência que marca a descrição do velho continente. O verbo «jazer», que significa “estar deitado” e “estar morto ou como morto”, destaca a imobilidade e a letargia em que a Europa se encontra. Por outro lado, o verbo «fitar» remete para um estado de imobilidade, de ausência de vitalidade e de estatismo do olhar. Assim sendo, é necessário que a Europa desperte desse estatismo, dessa atitude meramente contemplativa e “adormecida”. Ela parece estar à espera de um novo impulso vital, que o seu olhar procura na distância, no desconhecido, no sentido de construir um novo império espiritual, cujo guia será Portugal.
         Por outro lado, os cabelos são caracterizados como «românticos» (v. 3), sonhadores, toldam o rosto, adensando o mistério que envolve a figura, enquanto os olhos são «gregos». Estas metáforas sugerem as raízes culturais que constituem a identidade europeia: o Norte (a referência aos “românticos cabelos”) e o Sul (a referência aos “olhos gregos”).
         Os cotovelos estão estrategicamente colocados em Itália e na Inglaterra, o que constitui uma nova referência às raízes culturais europeias: o Norte e o Sul, isto é, a cultura romântica e a cultura clássica. Estas referências geográficas são claras: a Inglaterra é referida pela sua ligação ao Romantismo, corrente artística que valorizava imenso o passado, enquanto a Itália e a Grécia são evocadas por terem sido essenciais para a civilização e cultura europeias.
         A mão direita sustenta o rosto, que corresponde a Portugal. Ora, ao apresentar Portugal como o rosto da Europa, Pessoa atribui-lhe um estatuto de superioridade relativamente às restantes nações europeias. Esse rosto fita fixamente o Ocidente com um “olhar esfíngico e fatal” (v. 10), ou seja, um olhar enigmático que antecipa um renascimento de que apenas ele será capaz. O adjetivo “esfíngico” (notam-se no mapa europeu algumas semelhanças com a esfinge egípcia, monstro fabuloso com rosto humano e corpo de leão, que devorava quem não conseguisse decifrar os enigmas que ela propunha) sugere a atitude expectante e contemplativa, enigmática e misteriosa, com que a Europa fita o Ocidente, que representa a sua vocação histórica, o “futuro” que o continente já desvendou no passado e que se apresenta, agora, como nova promessa de renascimento. Por outro lado, o adjetivo “fatal” aponta para a missão predestinada que cabe a Portugal de construção do futuro. Em suma, o olhar é indagador do desconhecido que a Europa contempla e fatal, pois a procura desse desconhecido é motivada pelo Fatum, pelo Destino.
         Portugal parece, pois, ter sido tocado pelo destino, reunindo todas as condições para “comandar” a Europa na reconquista de um passado cultural perdido (paradoxo do verso 10). Enquanto rosto da Europa, «fita» (atente-se na sua repetição por três vezes, como se de uma verdadeira obsessão europeia e portuguesa se tratasse) o mar ocidental, seu destino, seu futuro. Pessoa considera, assim, que a missão de Portugal é ligar o Oriente ao Ocidente (“De Oriente a Ocidente jaz, fitando”), quer geográfica quer espiritualmente, sendo que reúne características indicados para essa missão: a sua situação geográfica privilegiada e a sua vocação marítima, já com provas dadas.
         No poema, destacam-se dois símbolos: o olhar e o rosto. O primeiro tem um poder mágico, misterioso, e, segundo o Islamismo, o olhar do Criador e da criatura constituem o próprio processo de criação. Atraem-se um ao outro. E sem esta atração recíproca, a Criação perde toda a razão de ser. Dentro desta perspetiva, a moral é a ciência do olhar: saber olhar significa descobrir o próprio olhar do Criador, isto é, tirar o véu que cobre a realidade. O rosto é, igualmente, um símbolo de mistério.
         Neste poema, à semelhança do que Camões fez nas estâncias 6 a 21 do canto III de Os Lusíadas, Pessoa procura apresenta Portugal, inserindo-o como cabeça da Europa, uma figura feminina deitada e fitando “com olhar esfíngico e fatal”, em posição de expectativa, o Ocidente, sua vocação histórica.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Quinto Império

          O mito do Quinto Império tem origens na Bíblia e foi submetido a diversas interpretações ao longo dos tempos.

          De acordo com os textos bíblicos, nomeadamente o Livro de Daniel, Nabucodonosor, rei da Babilónia (604 - 562 a.C.), teve um sonho estranho e quis que os sábios o interpretassem. Esse sonho dizia respeito a uma enorme estátua com cabeça de ouro fino, o peito e os braços de prata, o ventre e as ancas de bronze, as pernas de ferro e os pés de ferro e barro, destruída por uma pedra que se desprendeu da montanha, transformando-se novamente numa alta montanha enchendo toda a Terra.
          Acabou por ser o profeta Daniel quem lho revelou e decifrou do seguinte modo: "Tu é que és a cabeça de ouro. Depois de ti surgirá um outro reino menor do que o teu; e depois um terceiro reino, o de bronze, que dominará toda a terra. Um quarto reino será forte como o ferro, vindo a esmagar todos os outros, mas sendo de ferro e de argila não se aguentará para sempre. A pedra que destrói os quatro metais ou quatro reinos simboliza o reino que o Deus do Céu fará aparecer, um reino que jamais será destruído e cuja soberania nunca passará a outro povo." (Daniel, 2, 24-45)
          De acordo com esta interpretação, estaríamos na presença de quatro impérios: 1.º) o da Babilónia; 2.º) o Medo-Persa; 3.º) o da Grécia; 4.º) o de Roma. O quinto império, segundo ainda o profeta Daniel, seria o de Israel. Noutras versões, seria o de Inglaterra.
          Em Portugal, o Bandarra (1500 - 1556), o Padre António Vieira (1608 - 1697) e Fernando Pessoa (1888 - 1935) reformularam este mito.

          Para Pessoa, o «esquema» dos impérios é outro: o primeiro foi o da Grécia; o segundo, o de Roma; o terceiro, o da Cristandade; o quarto, o da Europa e o quinto será o de Portugal. E que império será esse? Será, antes de mais, não um império material como os anteriores, nomeadamente o dos Descobrimentos, mas um império universal (desde logo, porque o Poeta sonha o «homem lusitano à medida do mundo»); será um império civilizacional e espiritual, baseado numa identidade cultural e na paz universal. Este império, por outro lado, pressupõe o regresso de um Messias redentor, concretamente D. Sebastião tornado símbolo, que, com o seu regresso, será o mensageiro da paz universal, o portador da «Eucaristia Nova», que há-de, qual Galaaz (lendas do rei Artur), "ao mundo dividido revelar o Santo Graal", isto é, o sentido perdido da verdade de ser português.

          Em suma, o Quinto Império será um império de fraternidade universal a ser vivido na Terra. Enraizado no mito do Paraíso Perdido, o espaço edénico onde reinava a perfeição, o mito do Quinto Império preconiza o renascimento humano numa era futura, ligada à simbologia solar - a estrutura da Mensagem divide-se em três partes, que correspondem a três fases da existência: o nascimento ("Brasão", símbolo da formação do reino), o percurso, que corresponde à duração, à vida ("Mar Português", manifestação da acção humana) e a morte ("O Encoberto"), após a qual terá lugar o renascimento, numa espécie de regresso ao Paraíso Perdido.


          Sintetizando:

     1.º) Designou-se Quinto Império o sonho mítico do Padre António Vieira, segundo o qual Portugal consumaria a realização do reino universal de Cristo através da acção do rei D. João IV.

     2.º) O Quinto Império seguir-se-ia aos quatro impérios antigos: Grécia, Roma, Cristandade e Europa.

     3.º) O Quinto Império será um império espiritual, um "imperialismo andrógino" segundo Fernando Pessoa. Ora, o andrógino representava, na filosofia grega, um ser circular, que era, simultaneamente, masculino e feminino, por isso simbolizava a unidade e a perfeição. Assim, o Quinto Império constituirá uma hipótese de transformação e de purificação da Humanidade, que conduzirá a uma relação harmoniosa entre o Homem e as coisas, entre o Homem e Deus.

     4.º) O Quinto Império permitirá ao Homem alcançar um grau de perfeição máxima e entrará em comunhão com o divino, tendo acesso ao conhecimento e implantando a paz e a fraternidade no mundo, criando uma imagem especular do éden primordial.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O mito sebastianista

1. Um mito de origem complexa

          O Sebastianismo, também designado mito sebástico ou mito do «Encoberto», é um mito messiânico cuja origem radica no desaparecimento do rei D. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir, a 4 de Agosto de 1578.
          No entanto, o mito tem raízes mais profundas, desde as lendas arturianas até aos mitos peninsulares em torno da figura do Encubierto, passando pelas Trovas do Bandarra, profecias da autoria de Gonçalo Antes de Bandarra, um célebre sapateiro de Trancoso, anterior a D. Sebastião, posteriormente adaptadas à figura do rei.


2. A figura de D. Sebastião

          D. Sebastião nasceu em Lisboa a 20 de Janeiro de 1554 e era filho do príncipe D. João e de D. Joana de Áustria. Faleceu a 4 de Agosto de 1578 na batalha de Alcácer Quibir, no Norte de África. Foi o 16.º rei de Portugal, ficando conhecido para a posteridade pelo cognome de «O Desejado» pelas circunstâncias que rodearam a sua ascensão ao trono, o seu desaparecimento e as consequências que daí advieram.
          D. Sebastião herdou o trono do avô, D. João III, em 1557, portanto com três anos de idade. Como era menor, sua avó, D. Catarina de Portugal, ficou no seu lugar enquanto regente do reino. Desde muito cedo, sentiu a necessidade de readquirir a glória recente do país e prosseguir a cruzada dos Descobrimentos e da expansão da fé cristã. Deste modo, quando atingiu os catorze anos, reorganizou o seu exército e preparou-se para a guerra no Norte de África.
          Com o seu desaparecimento e a posterior anexação de Portugal pela Espanha, em 1580, dado o rei não ter deixado descendência que assegurasse a ocupação do trono,o país entra num dos períodos mais negros da sua história à espera de um messias, de um heróico rei salvador. Da relutância em acreditar que a pátria tinha ficado órfã e que, com a morte de D. Sebastião, a velha pátria morria também, nasce o mito do sebastianismo. Assim, este mito sustenta a esperança messiânica e a crença de um povo no regresso do rei desaparecido, que viria vencer a opressão, a tirania, a humilhação, o sofrimento e a miséria em que vivia, devolvendo ao país a glória e a honra passadas e entretanto perdidas.


3. O mito em Bandarra

          António Gonçalo Anes, mais conhecido por Bandarra, foi um sapateiro e poeta nascido por volta de 1500 em Trancoso e falecido, provavelmente, em 1556.
          A sua obra, de cariz messiânico, conhecida por Trovas ou Profecias de Bandarra, foi composta entre 1530 e 1540 e publicada apenas em 1603, em Paris, graças a D. João de Castro. Foi dedicada a D. João de Portugal, bispo da Guarda, mas nem este gesto evitou a perseguição de que foi alvo pelo Santo Ofício, tendo acabado por ser acusado de judaísmo (de facto, as Trovas parecem ter despertado grande interesse junto da comunidade de Cristãos-Novos), julgado e condenado. A sua condenação forçou-o a participar numa procissão de um auto-de-fé, a nunca mais interpretar a Bíblia ou a escrever sobre assuntos teológicos.
          De acordo com alguns estudiosos da obra, as Trovas constituíram o ponto de partida para a criação do mito sebastianista. De facto, foram interpretadas, na época, como uma profecia do regresso de D. Sebastião, após o desastre de Alcácer Quibir. Ao longo dos séculos, foram sendo republicadas e acabaram por influenciar autores como o padre António Vieira e Fernando Pessoa.
          Quando Bandarra foi interrogado pela Inquisição, afirmou que tinha lido a Bíblia e que determinadas passagens o tinham marcado, nomeadamente passagens dos livros de Daniel, Isaías, Jeremias e Esdras, nos quais é profetizada a vinda de um rei que traria, finalmente, a paz e a justiça a todos os povos da terra:

                         «Augurai, gentes vindouras,
                         Que o Rei que daqui há-de-ir,
                         Vos há-de tornar a vir
                         Passadas trinta tesouras.
                         Dará fruto em tudo santo,
                         Ninguém ousará negá-lo;
                         O choro será regalo
                         E será gostoso o pranto.»

                                                  Trovas do Bandarra (XI e XXXIV)

          Entretanto, em Espanha, a partir de 1520 começaram a circular algumas profecias referentes a um suposto Messias, que foi logo baptizado de Encoberto, dado não se saber a sua identidade e origem.

          Em Portugal, numa primeira fase, a figura do Messias foi associada à figura de D. Sebastião; posteriormente de D. João IV (1604-1656), D. João V (1689-1750), Sidónio Pais (1872-1918) e até António de Oliveira Salazar (1889-1970).


4. O mito em Mensagem

          O tempo de Pessoa é marcado por uma série de acontecimentos que mergulham o país na crise e no descrédito: o descrédito do governo monárquico, a implantação da República, o desencanto após os primeiros instantes de euforia e, sobretudo, o Ultimatum inglês (1891), que deixou o país sangrando de humilhação.
          Perante este quadro, Pessoa sente a necessidade de revitalizar a Pátria. E procura fazê-lo através da recriação e revitalização do mito, personificado em D. Sebastião, que o poeta considerava um «louco», mas não no sentido negativo que comummente se lhe atribui, antes numa acepção de sonho, de ideal, de alguém que «quis grandeza / Qual a sorte não dá», isto é, o mito sebastianista assume-se como o arquétipo do português ambicioso que quer conquistar novas terras para engrandecer a Pátria.
          Procurando traçar com rigor os contornos do mito, Pessoa procede a uma análise do papel do rei do
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