Português: Poesia Trovadoresca
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segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Análise de "Sedia la fremosa seu sirgo torcendo"

 
Assunto: esta cantiga coloca-nos perante um cenário doméstico, onde nos é apresentada uma donzela que, enquanto tece, sentada, canta cantigas de amigo. Alguém dialoga com ela, relacionando o seu canto com as mágoas de amor que a jovem sentirá, o que é confirmado pela rapariga.
 
 
Tema: a alegria (motivada pelo amor).
 
 
Estrutura interna
 
1.ª parte (estrofes 1 e 2) – Apresentação de um quadro doméstico medieval, de feição narrativa: uma donzela «fremosa» tece o seu sirgo e canta cantigas de amigo. Como a voz é «manselinha» e o cantar é «fremoso», pode concluir-se que o seu canto não é feito de lágrimas ou de recordações penosas, mas de uma evocação consoladora. A sua saudade é apenas gosto e não “gosto amargo”.
 
2.ª parte (estrofes 3 e 4) – Diálogo: o canto é interrompido por um alvitre de alguém – quem assim canta está, sem dúvida, apaixonado.
 
3.ª parte (finda) – Conclusão: a donzela responde ao seu interlocutor de forma lacónica, confirmando o alvitre dele.
 
 
Caracterização da donzela

▪ formosa

▪ alegre

▪ apaixonada

▪ exultante, radiante

▪ canta doce e harmoniosamente

▪ disfarça o seu amor

▪ saudosa

▪ ansiosa por voltar a ver o amigo

 

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Análise de "Fostes, filha, eno bailar"

 
Assunto: a mãe repreende a donzela por ter rasgado a sua roupa num baile e adverte-a no sentido de ter cuidado com o veado, que se aproxima.

 

 
Comentário
 

            A donzela acabou de chegar do baile e a sua mãe repreende-a por ter rompido a roupa/o manto. Além disso, adverte-a para que tenha cuidado, pois o baile aproxima-se da fonte, onde, aparentemente, o baile teve lugar. Ora, no contexto da cantiga de amigo, a fonte constitui o lugar do encontro erótico e o veado/cervo o símbolo da sexualidade masculina. Por outro lado, a dança/o baile configuram um comportamento de cariz sensual ou erótico, isto é, através do qual a jovem procura seduzir o amigo que a observa.

            As roupas rasgadas (“e rompestes i o brial”) simbolizam a perda da virgindade na poesia trovadoresca. O «brial» era uma peça de vestuário exterior, uma espécie de túnica ou manto, feita de seda ou outro tecido fino.

            O primeiro verso do refrão adverte-a para a aproximação do veado, que vai beber à fonte, a metáfora da virilidade, portanto do amigo, ou seja, a figura materna chama a atenção da filha para a vinda do amigo. Já o verso seguinte do refrão (“esta fonte seguide-a bem”) apresenta dificuldades de interpretação. De facto, interpretá-lo de forma literal parece não fazer sentido, visto que as fontes não se movem. Por outro lado, a mãe também não está a mandar a filha para a fonte. Poder-se-á aindaconsiderar que, neste caso, “seguide-a bem” poderá significar “observar” (“observa-a bem”), indiciando que a progenitora está a alertar a jovem para ter cuidado com algo. Todavia, de acordo com alguns críticos, este significado não foi atestado. A forma «seguir» provém do latim vulvar “sequire”, pelo contrário “sequi” («seguir»), da raiz indo-europeia “sekw”. Assim, «vê», «observa» estão entre as possibilidades decorrentes da raiz e este uso ocorre, efetivamente, em latim. A Eneida, o célebre poema épico de Virgílio, contém o uso da expressão “oculis sequi” com o sentido de «seguir (um objeto que recua) com os olhos”. Assim, neste contexto, a evolução semântica da expressão seria algo como «seguir» > «observar um objeto em movimento» > «observar um objeto». No entanto, se correto, o uso é único.

            A segunda cobla, como é característico das cantigas de amigo paralelísticas perfeitas, repete o conteúdo da primeira, sendo os respetivos versos muito semelhantes, com pequenas variações, mais concretamente das palavras rimantes. Ainda assim, convém deixar uma nota a propósito do termo «loir» (v. 6), cuja origem parece residir no latim «ludere» (via «ludire»). «Loir» talvez não seja um sinónimo exato de «bailar», mas regra geral significa «jogar» ou «brincar».

            O segundo par de coblas insiste na censura da mãe por a filha ter rompido as vestes, acrescentando nova informação – como é hábito no paralelismo perfeito –, neste caso o pesar da progenitora pelo sucedido, o que traduz a sua oposição à situação.

            Em suma, tal como sucede em vários outros cantares de amigo, esta composição é passível de uma dupla leitura. A primeira, singela, coloca-nos perante uma mãe que censura a sua filha por esta ter ido bailar e lá ter rasgado a sua roupa de tecido fino. A segunda, de cariz metafórico, recorda-nos que o baile constitui um momento de sensualidade e sedução do amigo por parte da donzela. Por outro lado, o «brial», que é uma peça fina de vestuário, conota igualmente sensualidade e o seu rompimento simboliza o rompimento do hímen, isto é, a perda da virgindade. Deste modo, estaremos na presença da primeira relação sexual da jovem. Quanto à fonte, geograficamente constitui o local do encontro amoroso, mas simboliza também a figura feminina; já a sua forma, fálica, representa o amigo, que é igualmente representado pela figura do cervo, um animal que, tradicionalmente, metaforiza o homem.

            Deste modo, poderemos concluir que a donzela se foi encontrar com o amigo na fonte, onde se concretizou o ato sexual e a consequente perda da virgindade da menina. A dança representa a sua maturidade sexual; a fonte, o encontro e a concretização do ato; o romper do brial, uma metonímia do rompimento do hímen, da perda da virgindade.

            Tudo isto causa o descontentamento da mãe, que comunica com a filha através de uma espécie de código, ao desvendar o segredo da filha. As duas coblas finais acrescentam uma informação que parece confirmar a ideia segundo a qual a donzela deseja manter ter relações sexuais com o amigo: foi ela quem fez o vestido, sem o consentimento da mãe. Ora, este dado implica que a figura materna se opõe ao relacionamento sexual da filha. Porquê? Provavelmente, porque considera que a jovem não está ainda pronta para dar tal passo, ou porque não tinha boa opinião do amigo.

            Esta cantiga – à semelhança de outras de Pero Meogo – alude à passagem da adolescência à idade adulta por parte da donzela. De facto, as nove cantigas que conhecemos deste trovador constituem um conjunto que conta uma história. Assim, as cantigas I a IV configuram o prelúdio de uma iniciação sexual vivida pela donzela entre a preocupação pelos sentimentos que alberga por ela o amigo, a segurança do namoro dele e a procura dos conselhos da mãe. A cantiga V é o clímax de um encontro amoroso, prolongado na plenitude do poema VI e sistematizado no VII. As cantigas VIII e IX supõem a resposta da mãe à transgressão moral e mostram a sua preocupação ante um abandono por parte do amigo.

            Nestas cantigas, encontramos vários elementos simbólicos, como o cervo, o mar, a fonte, etc. O mar é apresentado como um espaço de morte. A rapariga que penteia os cabelos na fonte relaciona-se com as figuras das «mouras», das «donas», das «lavadeiras» e da própria Morrigana (a deusa da guerra e da morte para os celtas), de grande conotação sexual, geradora de vida e de morte. O cervo é o símbolo da força geradora, da virilidade. A sua origem encontra-se na raiz proto-indoeuropeia *ker, com as variantes *kor e *kr-, que têm o significado de corno. Os cornos do veado são elementos geradores relacionados com uma mística primitiva, na qual se unem as forças masculinas e femininas.

 
 
Classificação
 
            Estamos na presença de uma cantiga de amigo posta na boca da mãe, que é o sujeito de enunciação.
            Por outro lado, tendo em conta que faz referência ao baile, podemos classifica-la como bailia ou bailada.
            No que diz respeito à forma, a cantiga é de refrão e paralelística perfeita com leixa-pren.
 

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Análise da cantiga "Bailemos nós já todas três, ai amigas"

 
Assunto: num ambiente rural e florido, logo convidativo ao amor e à alegria, as donzelas aprestam-se para bailar e dessa forma atraírem os amigos.
 
 
Tema: o convite às amigas para dançar = sedução dos amigos.
 
 
Sujeito poético: a donzela.
 
 
Interlocutor: as amigas.
 
 
Estrutura narrativa da cantiga
 
• Personagens:
▪ três donzelas / amigas
relação de proximidade: «amigas», «irmanas»
simbologia do número 3: a perfeição das donzelas (jovens e belas), a harmonia e a união entre as figuras femininas
 
▪ os amigos: ausentes, mas sempre presentes (no coração e pensamento das donzelas)
 
Relação entre as donzelas e as amigas:
relação muito próxima;
grande cumplicidade (a variação de «amigas» para «irmanas» evidencia essa cumplicidade).
 
• Ação: o baile debaixo das avelaneiras – dança = sedução
a donzela incita as amigas a bailar
consequência as donzelas amigas, belas e apaixonadas, dançarão como ela.
 
• Espaço
campestre e natural (o campo) – ruralismo (característica da cantiga de amigo):
▪ debaixo das avelaneiras
▪ debaixo das avelãs
▪ debaixo do ramo florido
• Tempo: o ambiente primaveril / a primavera (pois é a época em que florescem as avelanei árvores em flor            ras)
analogia entre o aspeto, a natureza primaveril e o estado de alma da donzela (alegria de viver)
 
 
Estado de espírito do sujeito poético
 


 Caracterização das donzelas


Papel das amigas: confidentes – a donzela apela às amigas que bailem, pois será através da dança que conseguirão atrair os namorados.


Recursos poético-estilísticos
 
1. Aspetos fónicos

• Estrofes/coblas/cobras: três sextilhas (4 + 2) heterométricas.

• Métrica: versos decassílabos, alternando com versos tetrassílabos no refrão.

• Rima:

- esquema rimático: aaabab

- emparelhada e cruzada

- rica (“velidas”/”frolidas”) e pobre (“amar”/”bailar”)

- grave (“velidas”/”frolidas”) e aguda (“amar”/”bailar”)

- consoante (“velidas”/”frolidas”)

• Refrão: intercalado, monorrimo; sugere o ritmo do baile a realizar; reitera o convite à dança realizado nas coblas. Introduzindo a condição «se amigo amar».

• Ritmo: mais rápido no refrão, coincidente com a alternância entre versos compridos e mais curtos.

• Transporte: vv. 1-2, 5-6, etc.

  
2. Aspetos morfossintáticos

• Nomes:

- “amigas”: as donzelas das cantigas de amigo;

- “amigo”: o objeto visado pela ação (a dança) das donzelas, isto é, a figura para quem pretendem dançar e, assim, seduzir;

- “avelaneiras”, “ramo”: indiciam o ambiente (espaço e tempo) em que ocorre o baile.

• Pronome «nós»: indicia uma ação coletiva.

• Adjetivos (“velida”, “louçana”): encarecem a beleza física das donzelas, afinal aquilo que, juntamente com a dança, atrairá os amigos.

• Verbos: encontram-se no conjuntivo/imperativo, na 1.ª pessoa do plural, e traduzem o apelo, a exortação à dança coletiva.

• Numeral cardinal três: especifica o número exato de donzelas; simboliza a harmonia e a perfeição.

• Interjeição «ai»: indicia a alegria do convite.

• Vocativo “ai amigas”: identifica as confidentes, o destinatário do convite para bailar.

• Tipos de frases: imperativas – traduzem o apelo/convite da donzela às amigas para dançarem.

• Anáfora: intensifica o apelo à dança.

• Paralelismo semântico (“louçanas”/”velidas”), estrutural e anafórico (“Bailemos”/”Bailemos”):

- salienta o objetivo do convite, evidente na repetição de “Bailemos nós já todas três” (vv. 1 e 7);

- sublinha a relação de proximidade afetiva entre as donzelas pela substituição da palavra “amigas” por “irmanas”;

- evidencia a consciência, por parte da donzela, de que ela e as suas amigas são belas, através da sinonímia entre “velidas” (v. 3) e “louçanas” (v. 9);

- exprime a passagem de uma visão geral do espaço (campo com avelaneiras onde as donzelas bailarão) para uma visão circunscrita (a árvore e o ramo sob o qual decorrerá a dança), através da substituição da expressão “avelaneiras frolidas” (v. 2) por “aqueste ramo destas avelanas” (v. 8);

- contribui para a cadência melódica da cantiga.

 
3. Aspetos semânticos

• Apóstrofe “Ai amigas”: identifica o destinatário do discurso da donzela.

• Comparações: enfatizam a beleza e a formosura das donzelas; incitam ao encontro, à dança e à celebração do amor pelas donzelas enamoradas.

• Metonímia: a alternância entre a árvore e o fruto permite identificar o sujeito poético feminino e plural com as avelaneiras/aveleiras.
  
 
Classificação
 
1. Cantiga de amigo: o sujeito poético é feminino.
 
1.1. Temática: bailia/bailada, pois nela há referências explícitas ao baile. Esta cantiga pode ler-se como um insistente incitamento à dança, impulsionado pela juventude, pelo amor, pela primavera.
 
1.2. Formal: cantiga de refrão e de estrutura paralelística.
 
 
Valor documental
 
            Esta cantiga reflete a existência de determinados festejos populares que se faziam à base de música e de dança; bailava-se em roda, cantava-se, batia-se com os pés e as mãos. Por outro lado, a dança enformava boa parte das cantigas de amigo dos séculos XIII e XIV. Regra geral, o tema tratado é a alegria de viver e amar.
            A descoberta das carjas, em 1948, veio revelar a existência, no território espanhol, de uma primitiva poesia feminina de extração romântica que se insere no lirismo árabe-andaluz. Quer a canção de mulher moçárabe quer a cantiga de amigo galego-portuguesa radicam num velho substrato lírico da Europa ocidental, que subentende um núcleo sagrado em que à mulher cabe uma relevante função sacerdotal. É talvez desses velhos ritos afrodisíacos, circunscritos ao culto maternal da fertilidade, que derivam as choreas psallentium mulierum que se destacam de entre as manifestações festivas que acolhem Afonso VII, aquando da sua entrada em Compostela em 1117. Seja como for, é no Ocidente peninsular que o tema arcaico da canção feminina, comum a uma remota tradição da România, subsiste com maior vigor e fidelidade a um esquema coreográfico que tem como fundamento a dança ritual. É essa a origem das nossas bailias, nas quais perdura o vestígio da árvore ritual, como exemplifica esta cantiga.
            Por outro lado, esta cantiga permite adivinhar a presença de motivos sexuais nestes poemas que depõem contra a moral sexual cristã. De facto, nesta composição não só temos uma mulher ativa como também uma que incita outras à ação de bailar. Esta atividade perfaz-se no encontro com outros homens (amigos/namorados) para a realização do desejo sexual, uma vez que o “ramo destas avelanas” é uma clara referência ao órgão sexual masculino. Dito de outra forma, a donzela convida as amigas a irem até campo de avelaneiras para encontrarem amigos e com eles terem a coita, estendendo essa possibilidade de realização do ato erótico a todas as jovens belas: “e quem for velida, como nós, velidas, / se amigo amar, / sô aquestas avelaneiras frolidas / verrá bailar”. Assim sendo, estes aspetos imprimem à cantiga uma liberdade sexual feminina, referente aos espaços rurais da Galiza da Idade Média. Isto permite olhar para as cantigas de amigo e as suas potencialidades simbólicas numa perspetiva nem moralista nem moralizante que não fecha os olhos à natureza erótica das mesmas. Por outro lado, permite fugir das generalizações acerca de uma cristianização homogénea e de um domínio absoluto da moral cristã no período medieval, bem como reconhecer o papel ativo da mulher durante a Idade Média.
            Em suma, nesta cantiga Aires Nunes recria um espaço medieval da vida coletiva, o baile e as festas populares, que constituíam os locais privilegiados de encontros amorosos.
 
 
Simbologia
 
• Número 3:
a perfeição das donzelas (belas e jovens);
a união e harmonia das donzelas.
 
• Dança / baile:
ritual que celebra a beleza, a juventude e o amor;
forma de exibição da formosura das donzelas e, portanto, da sedução dos amigos;
o amor, a sedução amorosa, fecundidade.
 
• Primavera e dança: tal como a Natureza, também as donzelas se encontram em «flor», isto é, são jovens, belas e estão na idade propícia ao amor.
 
• “Avelaneiras frolidas”:
ambas se caracterizam pela beleza;
remetem para a alegria e o vigor juvenis / primaveris – a alegria da natureza primaveril é associada à alegria dos jovens, expressa pela dança e pelo amor;
simbolizam a feminilidade, a beleza e a delicadeza;
simbolizam ainda a juventude e a fecundidade das donzelas (as flores).
 
• Ramos.
 

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Análise da cantiga "Levantou-s'a velida"

 
Assunto: a donzela levanta-se ao romper da manhã e vai lavar camisas (brancas) a uma nascente. Quando aí chega, o vento começa a soprar e faz voar as camisas, o que deixa a jovem zangada.
 
 
Tema:
a. sentido literal: o aborrecimento da donzela;
b. metafórico: a descrição de uma primeira relação sexual.
 
 
Estrutura interna
 
1.ª parte (1.ª e 2.ª coblas) – Introdução:

- localização espacial: alto mar/rio;

- localização temporal: a madrugada;

- sujeito poético: a donzela;

- ação: lavar camisas.

 
2.ª parte (3.ª e 4.ª coblas) – Desenvolvimento: o vento leva as camisas à donzela.
 
3.ª parte (5.ª e 6.ª coblas) – Desenlace: reação irada da donzela.
 
 
Dupla leitura do poema
 
            De acordo com uma leitura superficial, esta cantiga retrata uma simples situação rural: uma jovem rapariga levanta-se de madrugada e vai lavar camisas que o vento lhe leva e ela, zangada, segue-o.
            Optando por uma outra leitura, de cariz metafórico, o poema descreve uma primeira experiência sexual, marcada por um erotismo sugerido: acordado pela manhã, um casal de namorados, que terão passado a noite juntos, irrita-se com o nascer do dia, que obrigará à sua separação. Neste contexto, a cantiga ilustra a donzela como alguém envolvido ativamente na relação amorosa, já que se submeteu ao lugar alto da nascente de água – onde se encontrava à mercê do vento – colocando-se à prova, oscilando entre o desejo e o receio, algo característico da primeira relação sexual.
            Deste modo, pode compreender-se a ira da jovem ao ver o vento levar-lhe as camisas. Ao perdê-las, perde também a sua virgindade. Por outro lado, de acordo com Hélder Macedo, estamos na presença de uma relação em que a iniciação erótica é «implicitamente rejeitada ao nível da sua vontade, mas simbolicamente requerida pela sua condição biológica e social de núbil».
 
 
Elementos narrativos da cantiga

▪ Personagens: a donzela e o amigo (simbolizado pelo vento).

▪ Espaço: o rio.

▪ Tempo: a madrugada – presente.

▪ Ação: a ida da donzela ao rio para lavar camisas.

 
 
Estrutura formal
• Coblas: seis quintilhas.
• Rima:
- cruzada;
- toante (“velida”/”camisas”);
- pobre (“louçana”/”alva”) e rica (“velida”/”camisas”);
- grave.
• Métrica: versos de 2, 4 e 6 sílabas.
• Ritmo rápido: transmite a forma lesta como a donzela se levanta e encaminha para o rio, a passagem do vento, que lhe leva as camisas, e a imediata ira da jovem.
• Refrão: é ambíguo, devido à presença da palavra «alva».
 
 
Recursos expressivos
• Assonância: repetição insistente das vogais a e i.
• Aliterações:
- em v: sugere o som do vento (= amigo a sua presença constante);
- em l.
• Palavra «alva»:
- enquanto nome: significa «madrugada», isto é, indicia que a donzela se levantou de madrugada;
- enquanto adjetivo significa «branca».
. moça de pele branca;
. simbolismo: o branco é a cor simbólica da pureza, inocência e virgindade, ideia corroborada pelo ato de lavar (tornar limpo algo sujo).
Assim sendo, o vocábulo adquire vários sentidos:
. o amanhecer;
. a água onde lava a roupa;
. a donzela (ainda) pura;
. a necessidade de se «manter pura»;
. ou a necessidade de se «tornar pura», se a intimidade for «manchada».
Como é usada simultaneamente em vários sentidos, esta palavra estabelece uma identidade entre a moça – e por extensão metonímica – a própria água onde ela lava a roupa, para, implicitamente, também a tornar ou manter «alva» (= pura).
• Nomes:
- camisas:
. de linho ou de seda, vestiam-se sobre a pele, quer pelo homem quer pela mulher, correspondendo à atual roupa interior;
. simbolismo: a intimidade da donzela:
- vento:
. traduz o ambiente pouco ameno que, pela agressividade, contrasta com a delicadeza da donzela;
. simbolismo:
- as preocupações e as inquietações que o amigo provoca;
- o tumulto interior da jovem;
- o sopro fálico que pressupõe a relação sexual e a fecundidade a que se vê exposta – as camisas representam o contacto com o corpo nu, ao passo que o vento que as leva, a presença masculina reforçada pela aproximação metonímica entre o facto de transportar o pólen e o papel masculino na relação sexual.
• Expressão «lavar camisas»: como o banho nupcial era um ritual simbólico por parte da noiva, lavar camisas permite associar a água à sensualidade feminina.
• Dois pontos: introduzem um momento de suspense, anterior ao segundo verso do refrão.
• Anáfora: “Levantou-se…”/”levantou-se…”.
• Conjunção coordenativa copulativa «e»: serve de elo de ligação entre a 1.ª e a 2.ª partes.
• Metáforas: giram em torno das conotações que as palavras «alva» e «vento» possuem.
 
 
Classificação
 
1. Cantiga de amigo (?): em termos estritamente formais, o poema não poderá ser classificado exatamente como uma cantiga de amigo, dado que a voz feminina está ausente. Contudo, quer a protagonista, quer o cenário em que se movimenta são claramente característicos da cantiga de amigo, pelo que é neste género que é inserida.
 
1.1. Temática: alva ou alvorada (faz referência à madrugada/ ao amanhecer).
 
1.2. Formal:
- cantiga de refrão;
- cantiga de paralelismo perfeito e «leixa-pren».

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Análise da cantiga "Ai madre, bem vos digo"

 Assunto
 
            A donzela, em ambiente familiar, confidencia à mãe que está zangada com o seu amigo, pois este mentiu-lhe, visto que faltou ao encontro marcado.
 
 
Tema: a desilusão amorosa.
 

 Personagens
 
▪ Sujeito poético: a donzela.
 
▪ Destinatário: a mãe.
 
▪ Papel da mãe: confidente e interlocutora da filha.
 
 

Estado de espírito da donzela













 
Retrato do amigo
▪ mentiroso
▪ falso
▪ incumpridor (v. 7) – não cumpriu o que prometeu
 
 
Estrutura interna
 
1.ª parte (1.ª cobla): Apresentação do espírito da donzela e do motivo que a justifica (a mentira do amigo).
 
2.ª parte (2.ª-4.ª coblas): Reiteração da causa do estado de espírito da donzela – a mentira e a falsidade do amigo –, agravada pelo facto de ter sido intencional.
 
 
Estrutura formal

▪ Quatro coblas constituídas por um dístico e um refrão monóstico.

▪ Rima emparelhada: aaR.

▪ Métrica: versos hexassílabos.

 
 
Classificação
 
Cantiga de amigo: o sujeito poético é feminino, uma donzela, que confidencia à mãe o seu estado de espírito.
 
Cantiga de refrão:
remete para o estado de espírito da donzela;
reforça e intensifica o seu estado emocional (a irritação e a raiva da donzela).
 
Cantiga de atafinda: o sentido de uma cobla prossegue / completa-se na seguinte.
 
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