A donzela acabou de chegar do baile
e a sua mãe repreende-a por ter rompido a roupa/o manto. Além disso, adverte-a
para que tenha cuidado, pois o baile aproxima-se da fonte, onde, aparentemente,
o baile teve lugar. Ora, no contexto da cantiga de amigo, a fonte constitui o
lugar do encontro erótico e o veado/cervo o símbolo da sexualidade masculina.
Por outro lado, a dança/o baile configuram um comportamento de cariz sensual ou
erótico, isto é, através do qual a jovem procura seduzir o amigo que a observa.
As roupas rasgadas (“e rompestes i o
brial”) simbolizam a perda da virgindade na poesia trovadoresca. O «brial» era
uma peça de vestuário exterior, uma espécie de túnica ou manto, feita de seda
ou outro tecido fino.
O primeiro verso do refrão adverte-a
para a aproximação do veado, que vai beber à fonte, a metáfora da virilidade,
portanto do amigo, ou seja, a figura materna chama a atenção da filha para a
vinda do amigo. Já o verso seguinte do refrão (“esta fonte seguide-a bem”)
apresenta dificuldades de interpretação. De facto, interpretá-lo de forma
literal parece não fazer sentido, visto que as fontes não se movem. Por outro
lado, a mãe também não está a mandar a filha para a fonte. Poder-se-á
aindaconsiderar que, neste caso, “seguide-a bem” poderá significar “observar” (“observa-a
bem”), indiciando que a progenitora está a alertar a jovem para ter cuidado com
algo. Todavia, de acordo com alguns críticos, este significado não foi
atestado. A forma «seguir» provém do latim vulvar “sequire”, pelo contrário “sequi”
(«seguir»), da raiz indo-europeia “sekw”. Assim, «vê», «observa» estão entre as
possibilidades decorrentes da raiz e este uso ocorre, efetivamente, em latim. A
Eneida, o célebre poema épico de Virgílio, contém o uso da expressão “oculis
sequi” com o sentido de «seguir (um objeto que recua) com os olhos”. Assim,
neste contexto, a evolução semântica da expressão seria algo como «seguir» >
«observar um objeto em movimento» > «observar um objeto». No entanto, se
correto, o uso é único.
A segunda cobla, como é
característico das cantigas de amigo paralelísticas perfeitas, repete o
conteúdo da primeira, sendo os respetivos versos muito semelhantes, com pequenas
variações, mais concretamente das palavras rimantes. Ainda assim, convém deixar
uma nota a propósito do termo «loir» (v. 6), cuja origem parece residir no
latim «ludere» (via «ludire»). «Loir» talvez não seja um sinónimo exato de
«bailar», mas regra geral significa «jogar» ou «brincar».
O segundo par de coblas insiste na
censura da mãe por a filha ter rompido as vestes, acrescentando nova informação
– como é hábito no paralelismo perfeito –, neste caso o pesar da progenitora
pelo sucedido, o que traduz a sua oposição à situação.
Em suma, tal como sucede em vários
outros cantares de amigo, esta composição é passível de uma dupla leitura. A
primeira, singela, coloca-nos perante uma mãe que censura a sua filha por esta ter
ido bailar e lá ter rasgado a sua roupa de tecido fino. A segunda, de cariz
metafórico, recorda-nos que o baile constitui um momento de sensualidade e
sedução do amigo por parte da donzela. Por outro lado, o «brial», que é uma
peça fina de vestuário, conota igualmente sensualidade e o seu rompimento
simboliza o rompimento do hímen, isto é, a perda da virgindade. Deste modo, estaremos
na presença da primeira relação sexual da jovem. Quanto à fonte,
geograficamente constitui o local do encontro amoroso, mas simboliza também a
figura feminina; já a sua forma, fálica, representa o amigo, que é igualmente
representado pela figura do cervo, um animal que, tradicionalmente, metaforiza
o homem.
Deste modo, poderemos concluir que a
donzela se foi encontrar com o amigo na fonte, onde se concretizou o ato sexual
e a consequente perda da virgindade da menina. A dança representa a sua
maturidade sexual; a fonte, o encontro e a concretização do ato; o romper do
brial, uma metonímia do rompimento do hímen, da perda da virgindade.
Tudo isto causa o descontentamento
da mãe, que comunica com a filha através de uma espécie de código, ao desvendar
o segredo da filha. As duas coblas finais acrescentam uma informação que parece
confirmar a ideia segundo a qual a donzela deseja manter ter relações sexuais
com o amigo: foi ela quem fez o vestido, sem o consentimento da mãe. Ora, este
dado implica que a figura materna se opõe ao relacionamento sexual da filha.
Porquê? Provavelmente, porque considera que a jovem não está ainda pronta para
dar tal passo, ou porque não tinha boa opinião do amigo.
Esta cantiga – à semelhança de
outras de Pero Meogo – alude à passagem da adolescência à idade adulta por
parte da donzela. De facto, as nove cantigas que conhecemos deste trovador
constituem um conjunto que conta uma história. Assim, as cantigas I a IV
configuram o prelúdio de uma iniciação sexual vivida pela donzela entre a preocupação
pelos sentimentos que alberga por ela o amigo, a segurança do namoro dele e a
procura dos conselhos da mãe. A cantiga V é o clímax de um encontro amoroso,
prolongado na plenitude do poema VI e sistematizado no VII. As cantigas VIII e
IX supõem a resposta da mãe à transgressão moral e mostram a sua preocupação
ante um abandono por parte do amigo.
Nestas cantigas, encontramos vários
elementos simbólicos, como o cervo, o mar, a fonte, etc. O mar é apresentado
como um espaço de morte. A rapariga que penteia os cabelos na fonte
relaciona-se com as figuras das «mouras», das «donas», das «lavadeiras» e da
própria Morrigana (a deusa da guerra e da morte para os celtas), de grande
conotação sexual, geradora de vida e de morte. O cervo é o símbolo da força
geradora, da virilidade. A sua origem encontra-se na raiz proto-indoeuropeia *ker,
com as variantes *kor e *kr-, que têm o significado de corno. Os
cornos do veado são elementos geradores relacionados com uma mística primitiva,
na qual se unem as forças masculinas e femininas.
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