Português

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Obras de Fernão Lopes

            . Crónica de El-Rei D. Pedro.
            . Crónica de El-Rei D. Fernando.
. Crónica de El-Rei D. João, dividida em duas partes: a primeira trata do interregno entre a morte de D. Fernando e a aclamação de D. João rei de Portugal; e a segunda parte abrange o reinado de D. João I até à paz com Castela em 1411.
. Crónicas dos reis de Portugal, desaparecidas e provavelmente inacabadas, abrangem o governo do conde D. Henrique até ao reinado de D. Afonso IV, inclusive.


Vida de Fernão Lopes

            Fernão Lopes deverá ter nascido, em lugar desconhecido, entre 1380 e 1390, aproximadamente, visto que em 1418 já ocupava funções públicas de responsabilidade. Pertence, portanto, à geração seguinte àquela que se bateu no cerco de Lisboa e em Aljubarrota. A guerra com Castela só acabou em 1411. Fernão Lopes pôde ainda acompanhar a sua última fase e conhecer pessoalmente alguns dos seus protagonistas, como D. João I, Nuno Álvares Pereira, os cidadãos de Lisboa que se rebelaram contra D. Leonor Teles e elegeram o Mestre seu defensor em comício popular, alguns dos procuradores às Cortes de Coimbra de 1385 que, apoiando o Dr. João das Regras, declararam o trono vago e, chamando a si a soberania, elegeram um novo rei e fundaram uma nova dinastia.
            Profissionalmente, Fernão Lopes era tabelião, com certeza de origem viloa, talvez mesteiral, porque contava um sapateiro na família da mulher. Foi empregado da família real e da corte, escrivão de D. Duarte, ainda infante, do rei D. João I, e do infante D. Fernando, em cuja casa serviu de "escrivão da puridade" e cujo testamento lavrou. A partir de 1418 aparece a desempenhar as funções de guarda-mor da Torre do Tombo, ou seja, de chefe dos arquivos do Estado, lugar de confiança da corte. Como prémio pelos seus serviços como cronista recebeu, em 1434,  além de uma tença anual pecuniária,  o título de Vassalo de El-rei, carta de nobreza atribuída então com certa liberalidade a membros das classes não nobres. Em 1454 foi reformado do cargo de guarda-mor da Torre do Tombo devido à sua idade, segundo reza o documento respectivo. Ainda vivia em 1459.
            A carreira de F. Lopes como cronista começa, segundo parece, em 1419 ou antes, pois nesse ano colaborava com o então infante D. Duarte na compilação e redacção de uma crónica geral do reino de Portugal. Só em 1434, porém, aparece referência oficial ao cargo para que o nomeou o rei D. Duarte de "pôr em crónica as histórias dos reis que antigamente foram em Portugal" e os feitos do rei D. João I, pelo qual é remunerado com a tença já referida. Após a morte deste rei, o regente D. Pedro, em nome de Afonso V, confirma F. Lopes na mesmo incumbência, mantendo-lhe a tença. Com o fim do governo do Regente, viu chegar Fernão Lopes o fim do seu cargo de cronista da corte. Em 1449, pouco antes da batalha de Alfarrobeira, ainda recebe uma tença de D. Afonso V pelos seus trabalhos literários, mas já nessa época entrava em actividade um outro cronista, Gomes Eanes de Zurara. A última obra em que F. Lopes trabalhou, a terceira parte da Crónica de D. João I, ficou incompleta e foi continuada por Zurara.
            Como resultado desta longa actividade, chegaram até nós: Crónica de El-Rei D. Pedro, Crónica de El-Rei D. Fernando, Crónica de El-Rei D. João, 1ª parte (que trata do interregno entre a morte de D. Fernando e a eleição de D. João), a Crónica de El--Rei D. João, 2ª parte (que abrange o reinado de D. João I até à paz com Castela em 1411), e ainda, provavelmente, inacabadas, as crónicas dos reis de Portugal, desde o governo do conde D. Henrique, até D. Afonso IV, inclusive.
            Estas crónicas dos reis de Portugal têm como fundo principal a parte da Crónica Geral de 1344 referente aos respectivos reis; mas o seu redactor completou-as com documentos autênticos, tais como inscrições epigráficas e documentos de chancelaria, que decerto encontrou na Torre do Tombo.

                                                                       In História da Literatura Portuguesa (pp. 119-120)


Historiografia anterior a Fernão Lopes

            1. Hagiografias (vidas de santos)


            2. Cronicões:
                        . Crónica Breve do Arquivo Nacional.
                        . Quatro Crónicas Breves de Santa Cruz de Coimbra.
                        . Crónica da Fundação do Mosteiro de S. Vicente.
                        . Crónica da Conquista do Algarve.
                        . Crónica Geral de Espanha, em galego-português, de 1344.
                        . Crónica Portuguesa de Espanha e Portugal (c. 1342).
                        . Crónica galego-portuguesa (1404).
                        . Segunda versão da Crónica Geral de 1344, redigida em 1400.
                        . Crónica do Mouro Rasis.
                        . Relação da Vida da Rainha Santa Isabel.
. Crónica de como D. Paio Correia tomou este reino do Algarve aos Mouros.
                        . O Livro da Noa.
                        . Crónica da Ordem dos Frades Menores (franciscanos).



            3. Livros de Linhagens ou Nobiliários, em número de quatro.




Os géneros da poesia trovadores - esquema-síntese


Valor documental da cantiga de escárnio e maldizer

            . Artístico: decoração, iluminuras.

. Histórico e social:       - a entrega dos castelos ao conde de Bolonha;
- a cruzada da Balteira;
- o escândalo das amas tecedeiras;
- as ambições dos pobres jograis, que até podiam ter talento para trovar, mas que os trovadores não permitiam e gozavam;
- a traição dos cavaleiros na guerra de Granada;
- a corrupção do clero (abades, bispos, papas);
- as soldadeiras;
- o amor cortês;
- o uso do latim macarrónico pelos padres;
- as relações entre fidalgos e plebeus;
- as disputas entre trovadores e jograis.
            Em suma, o que esta poesia retrata é a decadência da sociedade em geral.

            De facto, as cantigas de escárnio e maldizer têm um enorme valor documental, na medida em que constituem um vasto panorama crítico da sociedade medieval portuguesa nos aspectos político-religioso, social e cultural.
            Assim, no domínio político-religioso, assume especial relevo a denúncia da condenável actuação das autoridades eclesiásticas, que excomungam os alcaides que se mantêm fiéis à palavra dada, aquando da deposição de D. Sancho II por D. Afonso III. É a célebre questão da "entrega dos Castelos ao conde de Bolonha", que alguns alcaides recusaram terminantemente, por se sentirem vinculados pelo juramento de fidelidade e dever de vassalagem a D. Sancho II, enquanto este vivesse. Trata este tema a conhecida cantiga "Meu senhor arcebispo, and'eu escomungado", de Diego Pezelho.
            É, talvez, no aspecto social que a nossa sátira medieval é mais rica. Denuncia-se nela o eterno problema do "desconcerto" do mundo, em que a falsidade, a mentira e, de um modo geral, a injustiça parecem triunfar, tal é a "desordem" em que a sociedade se atolou. A cantiga "Vej' eu as gentes andar revolvendo", de Pero Mafaldo, é um bom exemplo da inversão de valores a que se tinha chegado: os mentirosos e desleais viam a sua reputação aumentar e, pelo contrário, os honestos e cumpridores apenas somavam fracassos. Então, ironicamente, o sujeito conclui que a melhor maneira de triunfar na vida é passar a mentir a toda a gente, "ao amigo e ao senhor".
            Também o "cavaleiro famélico" da cantiga "Quem a sesta quiser dormir", de Pero da Ponte, denuncia a grave crise por que passavam os infanções, em resultado das transformações sociais e políticas da época, que favoreciam a burguesia em detrimento da nobreza, sobretudo depois da conquista definitiva do Algarve, no reinado de D. Afonso III.
            No aspecto cultural, é sobejamente conhecida a ridicularização do convencionalismo do amor cortês, na conhecida cantiga "Roi Queimado morreu com amor", de Pero Garcia Burgalês, em que se critica o fingimento da morte de amor "por ua dona". Também na cantiga "Ai! dona fea, fostes-vos queixar", Joam Garcia de Guilhade elogia uma "dona fea, velha e sandia", ridicularizando deste modo o lugar-comum da beleza etérea da mulher amada, a "sem par", que os trovadores sempre idolatravam nas suas cantigas de amor.
            Podemos, então, concluir que, para além do seu inegável valor literário, as cantigas de escárnio e maldizer têm um enorme valor documental. Através da crítica, da ironia e do tom pejorativo, elas constituem um vasto e variado panorama dos males da nossa sociedade medieval: os escândalos sociais (as amas e tecedeiras), a  cultura (a ridicularização do amor cortês e da imagem da mulher ideal), a cumplicidade entre a política e a religião (a entrega dos castelos ao conde de Bolonha), a decadência da nobreza, o desconcerto do mundo, o privilégio da aparência, a imoralidade e a dificuldade em cumprir projectos ou promessas (a cruzada da Balteira), a covardia (a traição dos cavaleiros na Guerra de Granada), etc. Estas cantigas constituem, realmente, as raízes de um dos mais ricos filões do nosso oiro literário, que terá continuadores tão ilustres como Gil Vicente, Camões ("Esparsa ao desconcerto do mundo" e alguns passos d' Os Lusíadas), António José da Silva, o Judeu, e Nicolau Tolentino (no século XVIII), Guerra Junqueiro e Gomes Leal (no século XIX) e, no século XX, Alexandre O'Neill, entre outros.

Características das cantigas de escárnio e maldizer

            A sátira do período trovadoresco reveste-se das seguintes características:
1ª) é concreta e particular: são raras as cantigas que visam defeitos de carácter geral e dum modo abstracto (mentira, cobardia, luxúria, insinceridade, avareza); atacam os viciosos em concreto, isto é, pessoas mentirosas, por exemplo, e não o vício em si;
2ª) tem carácter social: os trovadores satirizavam tipos sociais, tal como Gil Vicente o fará mais tarde:
. membros do clero com costumes pouco edificantes;
. os nobres (cobardes, pobres, mentirosos);
. ofícios vários (jograis, militares);
. os vilãos;

3ª) é, em parte, muito obscena (ex.: as composições que se referem à Balteira).

Variedades da cantiga de escárnio e maldizer

            Consoante a temática ou a forma, as cantigas satíricas trovadorescas recebem as seguintes designações:
            a) joguete de arteiro: composição de escárnio propriamente dita;
b) risadilha: composição que provoca o riso, mas pouco fina, quase sempre obscena;
c) cantiga de seguir: composição parodiada de outra poesia, da qual adopta a música e a rima;
            d) tenção: composição dialogada entre dois trovadores que se contradizem.


Tipos de sátira

                        . Pessoal.
                        . Social (moral e religiosa).

                        . Política.

Temas da cantiga de escárnio e maldizer

                        1. Sátira política e religiosa

            * A cobardia dos cavaleiros (guerra de Granada).
            * A corrupção e os desmandos do clero.
            * O ciclo dos castelos  -  a traição dos alcaides (deposição de D. Sancho II).


              2. Sátira social e moral

* A decadência da nobreza: a ambição e pelintrice dos infanções.
* O escudeiro famélico, pelintra, mas fanfarrão e pretensioso.
* Crítica contra as mulheres.
* A imoralidade feminina: a cruzada da Balteira.
* Os amores duvidosos entre fidalgos e plebeias.
* A ridicularização dos maus trovadores.
* As polémicas entre trovadores e jograis.
* O desconcerto do mundo – a decadência da sociedade.
* Reflexões sobre a moral e os bons costumes.


Cantigas de maldizer

            As cantigas de maldizer são aquelas em que a pessoa satirizada é nomeada. Não velavam o ataque sob formas ambíguas, como acontecia nas de escárnio. Estas ferem directamente, sem subterfúgios; o sujeito diz o que tem a dizer, com uma linguagem baixa, vil e bruta.

Cantigas de escárnio

            As cantigas de escárnio são as que satirizam, atacam directamente, a descoberto, escarnecem de alguém com palavras de dois sentidos, sob formas ambíguas, "per palavras cubertas que hajam dous entendimentos", ou seja, feriam delicadamente.
            Eram impessoais, de crítica velada e indirecta.

            O recurso estilístico predominante é a ironia.

(Sub)géneros da poesia satírica portuguesa


O sirventês provençal e a sátira trovadoresca

            A sátira trovadoresca vestiu-se muito cedo pelo figurino da literatura provençal, que explorava o género em grande escala. As composições satíricas cultivadas na Provença tinham o nome de sirventês, cantiga satírica provençal de alcance moral ou social.

            Havia três espécies:
1ª) o sirventês moral ou religioso: ridicularizava a decadência do ideal da cavalaria e a rudeza dos barões, as leviandades das mulheres, os costumes duvidosos, a corrupção e os desmandos do clero;

2ª) o sirventês político: explorava e ridicularizava os sucessos da época, sobretudo a luta dos reis ingleses com os senhores feudais da França, as guerras civis, a cruzada dos Albigenses;

3ª) o sirventês pessoal: ridicularizava determinados aspectos da vida íntima ou profissional dos indivíduos, mormente a variedade ridícula e as pretensões dos jograis ("sirventês joglaresc").


            Ao contactar com a estética provençal, os nossos poetas começaram a satirizar os mesmos tipos e pelos mesmos processos. É às produções desta espécie que chamamos cantigas de escárnio e maldizer.

Artifícios poéticos da cantiga de amor de influência provençal

            * Coblas: segundo a "Arte de Trovar", as estrofes tinham o nome de coblas ou cobras e o seu número ficava ao sabor do trovador.
            As estrofes podem classificar-se como:
                        - uníssonas: têm a mesma rima;
                        - singulares: apresentam rimas diferentes;
                        - doblas ou pareadas: cada grupo de duas coblas tem a mesma rima.
            As cantigas galaico-portuguesas têm, regra geral, três ou quatro coblas, com excepção das paralelísticas. Cada copla pode apresentar número variável de versos. Em todas se encontra o isossilabismo, o mesmo número de sílabas, reforçado pelo princípio da isometria, a mesma medida, dentro de cada composição.
            Pode ter um predomínio de quatro versos na cantiga de refrão e de sete na cantiga de mestria.
            O número máximo de versos numa copla era de dez e o número mínimo de dois (paralelísticas).

            * Refrão: é o estribilho, ao qual regressava o coro ou o solista entre a execução de duas coplas. Podia estar ligado ao corpo da copla pelo sentido, ou ser independente dela.
            Surge nas paralelísticas e, em geral, nas cantigas de amigo, mas não aparece nas de mestria.

            * Finda: é uma copla de menor extensão, de um a quatro versos, que encerra a cantiga em jeito de conclusão.
            A "arte de Trovar" define-a como "acabamento de rrazon", "versos-remate".
            Nas cantigas de mestria, rima, geralmente, com a segunda parte da última estrofe; nas de refrão, a rima faz-se, regra geral, com o refrão.
            Uma cantiga pode possuir mais do que uma finda.

            * Atafinda: é um processo de ligação de coplas, feita pela continuação do último verso de uma estrofe na copla seguinte. Essa ligação faz-se através de partículas como "e", "ca", "pois", "quando", "pero", "que", etc.
            Ocorre tanto nas cantigas de mestria como nas de refrão.

            * Verso / palavra perduda: verso/palavra sem correspondência temática/rimática que aparece no meio, início ou fim da copla e deve repetir-se no mesmo lugar.

            * Enjambement / transporte / encavalgamento: consiste em completar o sentido de um verso no verso seguinte. D. Dinis chegou até a dividir a palavra.
            Este processo é uma constante na poesia de todas as épocas.

            * Dobre: repetição da mesma palavra de rima duas ou mais vezes em lugares simétricos da estrofe, de preferência no primeiro e no último verso.


            * Mordobre / mozdobre: repetição da mesma palavra em lugares simétricos, porém jogando com as suas várias flexões.

Características e estética da cantiga de amor

            . Análise profunda da interioridade dos que amam, sendo surpreendente uma certa racionalização dos efeitos do amor sobre o sujeito, à maneira de Camões.

            . A idolatração da mulher amada, a atitude de veneração, de submissão perante ela, recorda-nos Petrarca.

            . O sujeito sente que não é senhor do seu coração. Este enganou-o, fê-lo apaixonar-se por uns olhos verdes, temática que nos remete para a lírica camoniana, tal como acontece com a confissão do poeta de ser "sandeu", "já o sen non á", tudo por causa de uns olhos verdes.

            . A simbologia dos olhos.

            . O amor espiritual conduz a um aperfeiçoamento através da aspiração ao objecto amado. A mulher é a ponte para a plenitude, para o infinito, nela se realiza e por ela se esquece de si próprio, para pensar só no ben da dama (conferir a cantiga "Desej' eu ben de mha senhor" com o soneto "Transforma-se o amador na cousa amada").
            Mas o trovador sofre imenso, desespera e chega a desejar vingar-se da "senhor", mas tudo não passa de um desejo, porque não consegue deixar de a amar, não pode enganar o seu coração (é a temática do poder cruel do amor que novamente nos recorda Camões).

            . Os trovadores valorizam sobretudo as qualidades morais da mulher, qualificando-a através de expressões convencionais: "tan comprida de todo o ben", "a que prez nem fermosura non fal", "Deus fez sabedor de todo ben", "mui comunal", "Deus deu-lhe bon sen / e falar mui ben e rir melhor", "é leal muit", "olhos verdes", "ben talhada", "tan poderosa", "boõ semelhar", Deus fê-la "das melhores melhor", "ben talhada", "de muito ben saber".
            Muitas destas qualidades da "senhor" serão mais tarde recuperadas pelos petrarquistas.

            . Refletindo a profunda religiosidade do ser medieval, Deus está sempre presente, quase como um confidente. O trovador desabafa com Ele e pede-Lhe até conselho.

            . A simbologia da luz, com o seu poder de fogo.


            . O amor do trovador pela mulher é um amor idólatra, absorvente, torturado, saudoso, de um fatalismo passional.
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