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domingo, 11 de julho de 2021

Biografia de Homero

             Quase nada se sabe sobre a figura de Homero, exceto o facto de ele ser o poeta a quem os gregos antigos atribuíam a autoria dos poemas homéricos Ilíada e a sua sequência, a Odisseia. Muito do que se conhece sobre ele provém dos próprios textos.

            Trata-se, muito provavelmente, de um bardo grego que viveu cerca do final do século VIII e início do VII a.C. Há outros autores que apontam para os princípios do século IX ou finais do VIII, na Jónia, uma região da atual Turquia. A partir da descrição de um poeta/canto da Odisseia, que muitos estudiosos consideram um autorretrato, Homero é frequentemente descrito como cego. Note-se, porém, que os gregos dos séculos III e II a.C. começaram a questionar se o poeta teria mesmo existido e se as duas epopeias teriam sido escritas por uma só pessoa.

            Os dois poemas pertencem a uma antiquíssima tradição oral. Histórias sobre uma expedição grega ao Oriente e sobre viagens dos seus líderes de regresso a casa circulavam na Grécia há centenas de anos, antes da Ilíada e da Odisseia terem sido compostas. Contadores de histórias ocasionais e menestréis semiprofissionais foram os responsáveis pela transmissão desses relatos de geração em geração por via oral, através da memorização, sendo que cada «contador» os desenvolvia e afirmava à medida que os contava, normalmente para uma audiência. Assim sendo, é possível um só poeta ou vários poetas trabalhando de forma cooperativa terão finalmente passado essas narrativas à escrita, com cada um fazendo os seus próprios acrescentos e expandindo ou contraindo certos episódios para se adequar ao seu gosto. A inovação de Homero, caso tenha sido mesmo ele a compor as obras, parece ter sido costurar essas histórias, transformando-as num todo complexo e coeso.

            Embora as evidências históricas, arqueológicas e linguísticas sugiram que os dois poemas épicos foram compostos por volta do século VIII a.C., algures entre 750 e 650, a sua ação localiza-se na Grécia micénica do século XII a.C., em plena Idade do Bronze. Segundo as crenças dos gregos, esta era antiga foi uma época de grande glória, quando os deuses ainda pisavam a Terra e os seres humanos com atributos sobre-humanos povoavam a Grécia. As duas obras evocam esse período, num estilo elevado, retratando a vida característica dos grandes reinos da Idade do Bronze. Nesse tempo, os gregos eram chamados de «aqueus», palavra que designava uma grande tribo que viveu na Grécia durante o período do Bronze.

            Por outro lado, na época em que os dois poemas épicos foram redigidos, o alfabeto grego estava em expansão em termos de uso. A versão escrita mais antiga da Ilíada socorre-se precisamente desse alfabeto e contém traços característicos da forma mais antiga de escrita helénica. Continua em aberto a discussão em torno da dúvida se Homero foi somente um poeta oral que ditou a Ilíada a um assistente literário (convém relembrar a possibilidade de o autor ser cego ou ter cegado em determinada fase da sua vida) ou alguém com experiência na tradição oral, mas passado a escrito. Seja como for, os dois poemas foram compostos no dialeto jónico do grego antigo, que era falado nas ilhas do mar Egeu e nas zonas costeiras da Ásia Menor, a atual Turquia. Assim sendo, é possível concluir que Homero será natural de algum lugar da Jónia, mas também existe a hipótese de tenha escolhido o dialeto jónico porque o considerou mais apropriado ao estilo elevado que caracterizava uma epopeia. A análise da literatura grega posterior sugere que os poetas faziam uso de diferentes dialetos nos seus textos, de acordo com os temas abordados, e que podiam escrever até em dialetos que não falavam. Além disso, os textos de Homero são pan-helénicos, isto é, abrangem toda a Grécia, em espírito, e, de facto, usam formas de vários dialetos.

            Por outro lado, apesar de a ação se desenrolar na Idade do Bronze, as duas obras fazem referência a realidades gregas dos séculos VIII e VII a.C., portanto contemporâneas da sua redação. A estrutura social feudal presente na Odisseia assemelha-se mais à da Grécia de Homero do que à de Ulisses. Além disso, o poeta substitui o panteão de divindades da sua própria época por deuses adorados pelos gregos micénicos. Outros anacronismos, como, por exemplo, certas referências a ferramentas de ferro e a tribos que ainda não haviam migrado para a Grécia na Idade do Bronze, sugerem as origens posteriores a essa era do poema.

            Deste modo, pode concluir-se que Homero viveu, provavelmente, no século IX a.C., pelo que não foi testemunha dos factos ocorridos na guerra de Troia, que terá tido lugar entre os séculos XIII e XII a.C. Aproveitando a tradição oral, que nunca esqueceu essa guerra, sem se preocupar com a verdade histórica, Homero transformou a história em poemas épicos. Por outro lado, grande parte dos estudiosos concorda que a Ilíada foi uma obra de juventude do poeta e precedeu a Odisseia, que terá sido redigida na velhice, como complemento da primeira e ampliação da sua perspetiva.

            De acordo com a tradição, Homero, já cego, teria vivido os últimos anos da sua vida errando e cantando os seus versos pelas ruas de Ios, onde faleceu.


segunda-feira, 7 de junho de 2021

Análise de "Todas as cartas de amor são ridículas"

            O poema é constituído por sete estrofes, num total de 28 versos, brancos ou soltos, de métrica irregular. Esta irregularidade formal é um traço modernistas e parece acompanhar o estado emotivo do sujeito poético.

            Ao longo da composição, o «eu» repete uma ideia, como se quisesse provar uma tese: as cartas de amor são ridículas. De facto, de acordo com a estrofe inicial, as cartas de amor são, por natureza, ridículas. Trata-se de um facto, um dado adquirido, algo que é do conhecimento geral.

             Na segunda estrofe, o sujeito poético inclui-se no rol e confessa que, no passado, também escreveu cartas de amor, também elas ridículas, tão ridículas como todas as outras.

            Na terceira, clarifica que, quando há amor verdadeiro e autêntico, as cartas de amor «têm de ser» ridículas, isto é, caracterizadas por um tom exageradamente sentimental. É típico das missivas amorosas repetir clichés e transbordar emoções.

            A quarta estrofe clarifica o sentido do poema. Se, nas anteriores, ressaltava a ideia de que estávamos na presença de uma crítica ao sentimentalismo romântico, nesta o «eu» explica que, na verdade, ridículas são as pessoas que nunca escreveram cartas de amor, isto é, que nunca expressaram os seus sentimentos de forma tão simples, sincera e sem barreiras. Deste modo, a crítica será dirigida àqueles que julgam os outros porque nunca se apaixonaram, pelo menos daquela forma.

            Na quinta, o «eu» assume que sente saudades do passado inocente e esperançoso em que escrevia cartas de amor. Nesse tempo, o sujeito lírico não teria pudor ou consciência de que escrever cartas de amor seria algo ridículo aos olhos de outras pessoas.

            Na penúltima estrofe, encontramos um «eu» maduro e mais cínico que parece sentir vergonha das cartas de amor que escreveu no passado, na sua juventude. Reconhece que aquilo que é realmente ridículo é o modo como recorda esse momento e esse facto. Com o tempo, a forma como encara e vive o sentimento amoroso mudou e ele mesmo foi-se tornando mais fechado e incapaz de se expressar de um mondo tão intenso e genuíno.

            A última estrofe está toda entre parênteses, um sinal de pontuação que exprime, por vezes, uma explicação, o que nos faz considerar que esta parte do texto constitui, de facto, uma explicação da estrofe anterior ou até de todo o poema. Ela sugere que todas as palavras e os sentimentos presentes numa carta de amor são ridículos, o que pode significar que não é a pessoa que está apaixonada que é ridícula, ou as cartas, mas sim as palavras e os sentimentos em si.

            Relativamente à sua estrutura interna, podemos dividir o poema da seguinte forma: o sujeito lírico começa por apresentar uma espécie de tese geral (todas as cartas de amor são ridículas), para, de seguida, particularizar o tema a partir do seu próprio caso; posteriormente, a antítese, iniciada pela conjunção coordenativa adversativa «mas», expõe a amargura do «eu» por causa do seu passado (perdido); por último, na estrofe parentética, encontramos a síntese, uma estrofe de conclusão sobre a vida vivida e sentida pelo sujeito poético.

 

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Episódio de Leonardo

. Paráfrase

Leonardo, soldado bem-disposto, manhoso (= com qualidades), cavaleiro e dado a amores, a quem Amor não dera apenas um desgosto, mas sempre o tratara mal, e que já sabia que não era feliz em amores, porém ainda não perdera a esperança de mudar a sua sorte.
Quis o Destino que Leonardo corresse atrás de Efire, exemplo de beleza, que se mostrava mais esquiva que qualquer uma das outras ninfas. Já cansado, enquanto corria, dizia-lhe: “Ó formosura em quem não fica bem a crueldade, já és dona da minha vida e alma, espera também pelo meu corpo.
Todas se cansam de correr, Ninfa pura, rendendo-se à vontade do inimigo, e só tu foges de mim? Quem te disse que era eu? Se to disse a má sorte que sempre me acompanha, não acredites nela, porque eu fui enganado sempre que nela acreditei.
Não canses, que me cansas! Se foges de mim para que eu te não possa tocar, espera por mim, e verás que, mesmo que esperes, eu nunca te alcançarei. Espera, e vamos ver que subtil forma encontra agora a minha pouca sorte para me escapar. E no fim verás “tra la spica e la man qual muro he messo” (entre a espiga e a mão levanta-se sempre um muro, ou seja, quando parece que está +restes a alcançar-se o que se deseja, surge um obstáculo intransponível).
Não fujas! E também não fuja o breve tempo da tua formosura. Só com abrandar o passo, tu poderás conseguir o que nunca conseguiram imperadores e exércitos: vencer a força dura do Destino, que sempre me perseguiu em tudo o que desejei.
Tomas o partido da minha desgraça? É fraqueza dar ajuda ao mais forte contra o mais fraco. Levas contigo o meu coração? Larga-o e correrás mais depressa. Não te sentes carregado pelo peso desta alma que levas enredada nos teus cabelos de ouro? OU, depois de a prenderes, mudaste-lhe o Destino, que passou a pesar menos?
Nesta única esperança de vou seguindo: ou tu não aguentas o peso da minha alma, ou a força da tua beleza lhe mudará a triste e dura estrela. Se mudar, não fujas mais, porque Amor te ferirá, e então serás tu a esperar-me. E, se me esperas, nada mais espero.”
A linda ninfa fugia, já não tanto para se fazer difícil, como a princípio, mas para ir ouvindo o doce canto e os queixumes apaixonados de Leonardo. E, já toda banhada de riso e de alegria, deixa-se cair aos pés do vencedor, que se desfaz em puro amor.
Toda a floresta ressoa de beijos famintos, de mimoso choro, de zangas depressa convertidas e risinhos. O que mais aconteceu naquela manhã e na sesta, é melhor experimentá-lo do que imaginá-lo, mas imagine-o quem o não pode experimentar.
Desta forma, já juntas as ninfas com os navegantes, enfeitam-nos com coroas de flores, louro e de ouro. Dão-se as mãos como esposas, e com palavras formais e estipulantes, prometeram-se eterna companhia na vida e na morte.

. Localização: canto IX.

. Plano narrativo: plano da viagem e da mitologia..

. Narrador: o Poeta – narrador heterodiegético.

. Contextualização do episódio: após o desembarque dos Portugueses na Ilha dos Amores, um dos marinheiros, Leonardo, persegue uma ninfa, que parece ser mais difícil de apanhar do que as restantes.

. Estrutura interna

. 1.ª parte (IX, est. 75-76, vv. 1-5) – Retrato de Leonardo e Efire:
- soldado destemido, alegre e bem disposto (“soldado bem disposto, / Manhoso, cavaleiro e namorado);
- manhoso, “espertalhão”;
- cavaleiro;
- namorado apaixonado, galante, sempre disponível para o amor apesar de nunca ter tido sorte no mesmo / mas com pouca sorte ao amor (por isso habituado a sofrer, mas com esperança de ver mudada a sua má sorte amorosa) (“com amores mal afortunado”);
- namoradeiro, pois procura insistentemente conquistar a ninfa Efire, que simula furtar-se à sua sedução;
- audacioso, valente e corajoso;
- muito persistente e persuasivo.

Note-se como Leonardo reflete o perfil que Camões apresenta de si mesmo na sua lírica: a disponibilidade para o Amor, a má sorte amorosa, a impossibilidade de ser feliz e a capacidade de manuseamento das palavras.
De facto, Leonardo já contara com várias desilusões amorosas ao longo da sua vida, sendo que cada vez que se apaixonava era abandonado pela sua amada, no entanto jamais perde a esperança de um dia ser correspondido. E, de facto, quando a ninfa se lhe rende, Leonardo vê o seu fado de ser infeliz no amor mudar.

         Efire é uma ninfa muito bela e sedutora que capta a atenção de Leonardo, que a persegue, tal como todos os seus companheiros perseguiam as suas enamoradas.

. 2.ª parte (IX, v. 6 est. 76-81) – Discurso de Leonardo.
         Enquanto persegue a ninfa Efire, Leonardo procura argumentos que a convençam a parar a sua fuga:
(1) Todas as outras ninfas se cansam de correr, só ela resiste.
(2) A ninfa foge porque já deve conhecer a sua fama de infeliz no amor.
(3) A má sorte é tanta que, mesmo que a alcance, alguma coisa o impedirá de a tocar.
(4) A ninfa é a única que poderá mudar a sua má sorte no amor.
(5) É fraqueza colocar-se ao lado da sua infelicidade, já que ela lhe roubou o coração; se quiser fugir, deve devolver-lho, pois ele só pode pesar-lhe.
(6) É a esperança de ela mudar a sua má sorte, amando-o também, que o faz correr.

. 3.ª parte (IX, est. 82) – Retrato de Efire:
                Efire é uma das mais belas ninfas (“exemplo de beleza” – est. 76, v. 2; “bela Ninfa” – est. 82, v. 1), de cabelo louro (“fios de oiro reluzente” – metáfora), formosa (“Ó formosura”) e pura (“Ninfa pura” – apóstrofe – est. 77, v. 1).
                A ninfa finge fugir a Leonardo, mas, após longa perseguição, deixa-se cair “aos pés do vencedor / Que todo se desfaz em puro amor”, conseguindo, assim, mudar o “seu fado” de ser infeliz no amor.

. 4.ª parte (IX, est. 83) – Descrição do enlace amoroso.
                Entre as ninfas e os marinheiros portugueses desenrolam-se jogos amorosos: “famintos beijos na floresta”, “mimoso choro que soava”, “afagos tão suaves”, “risinhos alegres”, “Vénus com prazeres inflamava”.
                Por outro lado, a ligação amorosa entre as ninfas e os portugueses apresenta semelhanças com a união conjugal, o casamento. De facto, entre ambos

. 5.ª parte (IX, est. 84):
. Coroação dos marinheiros como heróis, recebendo ouro e louro;
. Celebração da cerimónia de casamento dos marinheiros com as ninfas, representado pelas coroas de flores, louro e ouro, pelas mãos dadas e pelas juras de amor eterno.



Análise de "Cálice", de Chico Buarque e Gilberto Gil

             O poema que serviu de base ao tema musical foi composto em 1973 pelos compositores e intérpretes brasileiros Chico Buarque e Gilberto Gil, para ser apresentado no programa “Phono 73”, que divulgava os trabalhos, em duplas, dos maiores artistas agregados à editora Phonogram.
 
            A canção, graças ao seu conteúdo profundamente crítico da situação política brasileira da época, acabou por ser lançada apenas em 1978, tornando-se um dos maiores hinos anti-ditadura, inscrevendo-se, portanto, no campo da música de protesto.
 
            O tema do poema é a denúncia da repressão, do autoritarismo e da violência que caracterizaram a ditadura no Brasil.

            A composição abre com uma referência bíblica a São Marcos: “Pai, se queres, afasta de ruim este cálice”. Esta citação bíblica remete-nos para o calvário de Jesus Cristo, marcado pela perseguição, pelo sofrimento e pela traição de que foi vítima. Por outro lado, ela contém um pedido de um filho dirigido ao seu pai: o afastamento de si de um cálice. No entanto, tendo em conta o contexto político brasileiro de então e a semelhança de pronúncia entre o nome «cálice» e a forma verbal «cale-se» (semelhança essa acentuada pela fonética do português do Brasil), é possível fazer outra leitura desta passagem. Assim, o sujeito poético pede ao pai que afaste de si esse «cale-se», isto é, implora-lhe que afaste a censura e a violência, dado que o cálice contém «vinho tinto de sangue». Deste modo, o sujeito lírico estabelece uma analogia entre a paixão (o sofrimento) de Cristo e o do povo brasileiro, sujeito a um regime violento: na Bíblia, o cálice continha o sangue de Jesus; no poema, o sangue é o das vítimas do regime.
            Na primeira estrofe, o «eu» interroga-se como será possível beber essa «bebida amarga», ou seja, como será possível aceitar a amargura, a dor, o trabalho árduo e mal remunerado, como se fossem coisas normais. Além disso, tudo isto é obrigado a aceitar calado, em silêncio, uma referência clara à opressão e à ausência de liberdade de expressão. De acordo com o próprio Chico Buarque, a «bebida amarga» é Fernet, uma bebida alcoólica italiana que o cantor e compositor costumava beber. Resta-lhe o peito, isto é, o que ele sente relativamente à situação e, quiçá, a coragem e determinação para resistir.
            O sujeito poético continua a socorrer-se da linguagem metafórica de cariz religioso, afirmando-se «filho da santa», subentendendo-se que se refere à pátria, entendida pelo regime político como inquestionável, à semelhança de um dogma bíblico. Porém, preferiria ser «filho da outra». Tendo em conta a sequência rimática, pode deduzir-se que o termo a usar seria provavelmente «puta», contudo, por causa da censura, os autores terão optado por uma linguagem mais «suave». O «eu» deseja outra realidade, caracterizada pela inexistência da mentira, de autoritarismo e de violência.
            O início da segunda estrofe alude a um método usado pela polícia militar: invadir, durante a noite, as casas das pessoas, arranca-las das suas camas, prender umas e fazer desaparecer outras. A consciência deste facto dilacera o sujeito poético, por acordar em silêncio tendo consciência da violência que ocorria durante a noite e que, eventualmente, também o atingiria («Se na calada da noite eu me dano»).
            O sujeito lírico deseja soltar um «grito desumano» contra a situação, procurando, assim, ser ouvido e combate-la. O silêncio deixa-o atordoado, impotente, mas, apesar disso, conserva-se atento, pronto para agir se surgir uma oportunidade. Entretanto, mantém-se passivo na arquibancada, esperando que o «monstro da lagoa» surja. A expressão «monstro da lagoa» remete-nos para o imaginário dos contos infantis, simbolizando o mal que nos vem aterrorizar e que devemos temer. Neste sentido, a expressão poderá ser entendida como uma metáfora da ditadura, do poder repressivo que estava escondido, mas pronto para atacar a qualquer momento. Por outro lado, ela designava também os corpos de pessoas desaparecidas que apareciam, ocasionalmente, a boiar nas águas de um rio ou do mar, vítimas do regime ditatorial.
            A terceira estrofe abre com nova metáfora – a da «porca gorda» –, que representa o governo ditatorial e corrupto, que «já não anda», isto é, não funciona mais. A gordura remete para o pecado da gula, ou seja, para a ganância que dominava a «porca», o governo, que, de tão gorda(o), já não se consegue mexer. A «faca», nova metáfora, que simboliza a violência e a brutalidade, já não «corta» por ter sido tão usada, ou seja, está a perder força, eficácia. A alusão ao facto de ter sido muito usada sugere o grau de violência que tem sido praticada sobre as vítimas pelas entidades governamentais e policiais.
            A referência à dificuldade de abrir a porta representa o desejo de liberdade do «eu», que permanece silenciado, com «essa palavra presa na garganta». De seguida, questiona-se de que adianta «ter boa vontade», numa referência à passagem bíblica «Paz na terra aos homens de boa vontade», sugerindo que não tem paz. De que adianta ter boa vontade para com o governo se a paz não vem? Daí vem o «pileque homérico»: tudo estava tão fora do lugar que é como se o mundo estivesse todo bêbedo.
            Perante a impotência e a repressão, mantém-se, no entanto, o pensamento crítico, mesmo que calado, representado pela «cuca / Dos bêbedos do centro da cidade», isto é, as pessoas rebeldes e desajustadas que procuram sobreviver e continuam a desejar e a lutar por uma vida melhor.
            A estrofe seguinte contrasta com as anteriores, porque introduz a ideia da esperança, através da possibilidade de o mundo não ser pequeno, ou seja, de o mundo não se limitar àquilo que o sujeito poético conhece. Além disso, talvez a vida não seja um facto consumado, isto é, talvez não tenha de ser tão dolorosa e a ditadura não seja uma circunstância irremediável, eterna.
            Numa atitude de rebeldia, o «eu» reclama o direito a ser dono da sua vida e a escolher o que fazer com ela, de acordo com os seus desejos e regras, sem ter de obedecer a ordens e regras de outrem. É isso que significam os versos «Quero inventar o meu próprio pecado / Quero morrer do meu próprio veneno». Para que tal se concretize, é necessário «perder de vez tua cabeça», ou seja, é necessário derrubar o poder opressivo e ditatorial. O sujeito poético deseja ser livre e reprogramar-se de tudo aquilo que a sociedade conservadora lhe inculcou e deixar de estar subjugado a ela. «perder teu juízo».
            Os dois versos finais fazem referência a métodos de tortura comuns na época: a inalação de óleo diesel por parte das pessoas que eram presas. Além disso, apontam para uma tática de resistência: fingir perder os sentidos, para que a tortura fosse interrompida.
 

Análise de "Eu cantei já, e agora vou chorando"

 
Introdução:
                O soneto é da autoria de Luís de Camões, poeta renascentista português que viveu, provavelmente, entre 1524 ou 1525 e 1580, sendo um dos cânones da literatura portuguesa e insigne na cultura universal. Este poema insere-se na chamada corrente renascentista, visto assumir a forma de um soneto, composição poética importada de Itália por Sá de Miranda, após a sua passagem pelo país. É, portanto, um exemplo da chamada medida nova.
 
Desenvolvimento:
. Tema
 
. Assunto
 
 
 
. Estrutura externa
 
 
 
 
 
 

 

 

. Estrutura interna

– 1.ª parte

 
– 2.ª parte
 
 
 
. Contraste passado / presente
 
 
. Estado de espírito do sujeito e suas causas
 
. Recursos expressivos
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 














 
Conclusão

 

                Neste texto, é abordado o tema do infortúnio e o assunto compreende a saudade por um tempo passado que, comparativamente ao presente, embora enganador, era preferível à desolação que o rodeia e à implacabilidade e inexorabilidade do destino.

                O poema é constituído por duas quadras e dois tercetos (um soneto), num total de catorze versos decassilábicos heroicos, visto que são acentuados na sexta e décima sílabas (Eu/can/tei/já/e a/go/ra/vou/cho/ran), com rima interpolada e emparelhada, de acordo com o seguinte esquema rimático: ABBA / ABBA / CDE / CDE. Em todos os versos encontra-se rima grave ou feminina (“chorando”/”confiando”), consoante e incompleta (“confiado”/”passado”), à exceção dos versos 9 e 12, que possuem rima completa. Nos grupos de versos 1 e 4, 2 e 3, 10 e 13, 11 e 14, a rima é pobre, dado que as palavras rimantes pertencem à mesma classe gramatical (“chorando”/”criando”), enquanto que nos restantes é rica, pois rimam palavras de classes diferentes (“quando”/”julgando”). Por outro lado, nos versos 11 e 14 existe rima imperfeita.

                O soneto pode dividir-se em duas partes. Na primeira, correspondente às duas quadras e ao primeiro terceto, o sujeito lírico lamenta o passado ilusório e enganador que o destino o obrigou a viver, o que acentua a precariedade do momento presente. No último terceto, a segunda parte, o sujeito poético, através do recurso a duas interrogações retóricas nos versos 12 e 14, responsabiliza o destino que, sendo inimigo e implacável, se sobrepõe aos erros de uns e/ou à falsidade de outros, tornando inútil qualquer esperança.

                O sujeito poético começa por estabelecer uma relação antitética entre o passado e o presente, salientando a alegria experimentada em contraste com a tristeza do presente (“Eu cantei já e agora vou chorando” – v. 1). Note-se a abundância de vocábulos de cariz negativo, tais como “chorando” (v. 1), “lágrimas” (v. 4), “fui enganado” (v. 6), “triste” (v. 7), “som de ferros” (v. 11), “mente” (v. 12, “culpa” (v. 13), “injusta”, “erros” (v. 14), que exprimem a sua dor e desalento presentes. Por outro lado, as diversas antíteses (“cantei”/”vou chorando” – v. 1; “canto”/”lágrimas” – vv. 3 e 4; “triste (…) presente” – v. 7 / “passado (…) ledo” – v. 8) confirmam o contraste existente entre a felicidade passada e a tristeza presente vivido pelo sujeito lírico. Este chega mesmo a revelar a consciencialização do fator que contribuiu para o seu desencanto e a sua desilusão: a traição de que foi vítima por parte de alguém, como se pode comprovar pelas expressões seguintes: “(…) fui nisso enganado” – v. 6; “Fizeram-me cantar, manhosamente” – v. 9; “(…) tudo mente” – v. 12. Ao tomar consciência disto, o sujeito põe em causa a aparente felicidade anterior, considerando-a um prenúncio da desgraça que está a viver (“Parecer que no canto já passado / Se estavam minhas lágrimas criando” – vv. 3-4), acentuando, deste modo, o momento presente como muito negativo e infeliz (“É tão triste este meu presente estado” – v. 7). O eu diz-se vítima da alegria tranquila e ilusória que conheceu [“(…) cantei tão confiado” – v. 2; “Fizeram-me cantar (…) / confianças” – vv. 9-10] de ter , a qual não era senão um esboço, um indício do seu destino de desventura, que metaforicamente identifica com prisão, com sofrimento, já que foi esse o resultado que obteve: “Cantava, mas já era ao som dos ferros” – v. 11.

                O sujeito, tal como foi anteriormente referido, realça o tempo passado, predominando as formas verbais no pretérito perfeito (vv. 1, 2, 5, 6, 9) e imperfeito (vv. 4 e 11), o advérbio de tempo “já” (vv. 1, 3, 11), a forma verbal repetida “cantei” (vv. 1, 2, 5), bem como outras formas do mesmo verbo (vv. 9, 11) e outros vocábulos pertencentes ao mesmo campo semântico (“canto” – v. 3), de modo a salientar a existência de uma situação calma e tranquila que foi alterada contra a sua vontade. Deste modo, o sujeito sente-se objeto de manipulação de uma entidade superior [“(…) a Fortuna injusta (…)” – v. 14], que, para além de ter modificado a sua vida e o seu estado de espírito, atuou de forma camuflada, deixando-o viver na ilusão, até que fez desmoronar a encenação e contribuiu para o estado presente do eu. Note-se a importância da conjunção coordenativa adversativa “mas” (vv. 5, 10, 11), com o intuito de reforçar o contraste entre o comportamento que o eu assumia e as suas causas reais: não sabe concretizar a real época da sua felicidade, desconhecia a presença nefasta do destino nos seus atos. É de salientar igualmente que o tempo passado, a felicidade, ocorreu num momento pontual, concreto, definido, para o que contribui o pretérito perfeito, reforçando o seu caráter efémero, enquanto que o presente, marcado pelo sofrimento e pela dor, se reveste de um cariz durativo, que é conseguido através da conjugação perifrástica, fazendo pressupor que a infelicidade, a tristeza são sentidas com maior intensidade: “vou chorando” (v. 1); “estavam (…) criando” (v. 4); “estou julgando” (v. 8). O pessimismo e o dramatismo do momento presente vivido pelo sujeito, resultado de um passado fictício, encontram-se sintetizados no verso 12 quando o eu afirma ”(…) tudo mente”, o que vem corroborara existência de uma ilusão, de um engano vividos, fruto da atuação de uma força superior, manipuladora.

                Temas como este, onde sobressaem a fatalidade, a desgraça, a infelicidade, a desilusão, são frequentes na lírica camoniana, quer se refiram à força do Destino sobre o próprio sujeito poético, quer à influência exercida pela mulher amada.

 

 

O mito de Orfeu e Eurídice - Brendan Pelsue

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Análise da esparsa "Os bons vi sempre passar"


Assunto: para o sujeito poético, não existe justiça humana e os valores éticos e morais estão invertidos, pois os maus recém prémios e galardões diversos, enquanto os bons são severamente castigados. Ao dar-se conta dessa injustiça, o sujeito faz-se mau, na esperança de também ser premiado, de obter as vantagens e benefícios que observou nos outros, porém para ele logo a justiça funcionou e foi castigado.
 
 
Tema: o desconcerto / as injustiças sociais (abordado de forma jocosa).
 
 
Estrutura interna
 
1.ª hipótese
 
1.ª parte (5 versos iniciais) – Observação: o «eu» foi observando («vi»), ao longo do tempo («sempre»), que os bons eram castigados e os maus premiados.
 
2.ª parte (vv. 6-8) – Estratégia e consequências: como resultado da sua observação e perante a inversão de valores e os exemplos de injustiça, o «eu» decide ser mau, porque entende ser a melhor forma de alcançar «o bem tão mal ordenado», mas acaba por ser castigado.
 
3.ª parte (vv. 9-10) – Conclusão: o «eu» conclui, de forma irónica, que, afinal, só para si «anda o mundo concertado», dado que só ele foi castigado quando foi mau.
 
 
2.ª hipótese
 
1.ª parte (vv. 1-5) – Situação genérica: o «eu» constata a injustiça no mundo, pois os maus são premiados e os bons são castigados.
 
2.ª parte (vv. 6-10) – Situação pessoal: o «eu» confessa que decidiu mudar o seu comportamento e tornar-se mau, no entanto foi castigado, já que para si o mundo está «concertado».
 
▪ Em jeito de conclusão, podemos afirmar que o sujeito poético acaba por não saber como se conduzir, dada a injustiça e a arbitrariedade que reinam no mundo: se for bom, arrisca-se a passar «graves tormentos»; se for mau, será castigado. Assim, estará sempre à mercê dos caprichos da desordem de um mundo que parece persegui-lo pessoalmente.
 
▪ O poema procura denunciar a inversão de valores que caracteriza a sociedade: os bons são castigados e os maus são recompensados, como se o mundo andasse às avessas.
 
▪ O tema mantém-se atual, visto que ainda hoje deparamos com situações que exemplificam que nem sempre quem tem mérito é recompensado, muito pelo contrário.
 
 
Retrato / Caracterização do sujeito poético
 
            Perante o desconcerto e a injustiça que caracterizam o mundo, o sujeito poético mostra-se admirado e espantado com o que observa. Por outro lado, manifesta toda a sua desilusão, desencanto e tristeza com a injustiça e a arbitrariedade, quando verifica que, quer seja bom, quer seja mau, o mundo castiga-o sempre, o que gera nele pessimismo, frustração e impotência para alterar o estado de coisas e a sua vida.
            Além disso, o «eu» lírico apresenta-se como uma exceção, visto que apenas para si «anda o mundo concertado», ou seja, só ele foi castigado quando praticou o mal. A sua observação das coisas, a sua experiência de vida levou-o a acreditar que deveria ser premiado (como os demais que praticaram o mal), no entanto não foi isso que sucedeu.
 

Intertextualidade
 
• Esta esparsa aborda a questão do desconcerto do mundo, um tema que atravessa a literatura de forma transversal.
 
• Assim, pode relacionar com a cantiga de amigo, nomeadamente com o exemplo da donzela que ama sinceramente o seu amigo, mas não é correspondido.
 
• Por outro lado, pode associar-se também à cantiga de escárnio e maldizer, havendo diversos textos que abordam o tema de forma idêntica, como, por exemplo, aqueles que denunciam os elogios exagerados e artificiais da figura da mulher.
 
 
Análise formal
 
Classificação: esparsa.
O poema é constituído por uma única estrofe de 10 versos, sendo designado, por isso, décima. De facto, a esparsa é uma composição poética de uma só estrofe na qual, de forma breve, se apresenta um pensamento artisticamente construído. Foi um tipo de poema muito cultivado na segunda metade do século XV e no século XVI, tanto em Portugal como em Espanha.
 
Métrica: todos os versos têm 7 sílabas métricas – redondilha maior.
 
Rima:
» esquema rimático: abaabcddcd
» rima cruzada, emparelhada e interpolada
» consoante (“passar”/“espantar”)
» pobre (“passar”/”espantar”) e rica (“assim”/”mim”)
» aguda (“passar”/”espantar”) e grave (“tormentos”/”contentamentos”)
A palavra rimante «tormentos» associa-se ao verbo «passar» e ao adjetivo «graves», todos com conotações negativas e referentes aos bons. Por outro lado, «tormentos» relaciona-se com o verbo «nadar» e com o nome «mar», que sugerem a felicidade, a descontração e a liberdade que esperam os maus.
 
 
Recursos expressivos
 
Antíteses (bem/mal; bons/maus; graves tormentos/mar de contentamentos): os «bons» passam «graves tormentos», enquanto os «maus» vivem num «mar de contentamentos», ou seja, o mundo está desconcertado e dividido em dois grandes grupos, é injusto, dado que os bons sofrem e são punidos e os maus são premiados, por isso vivem felizes e tranquilos. Estas antíteses, por outro lado, realçam os contrastes existentes no poema, nomeadamente entre as consequências dos atos dos bons (penalização) e dos maus (recompensa) em termos gerais e entre as consequências dos maus atos do sujeito poético (penalização) e as dos atos dos outros (recompensa).
 
Repetição da expressão «vi sempre»: traduz a ideia de que o sujeito poético observou, pessoalmente, os acontecimentos ao longo do tempo, isto é, é testemunha da situação. Por outro lado, a repetição sublinha a recorrência desse facto.
 
Metáfora «nadar em mar de contentamentos»: exprime a felicidade e a despreocupação dos «maus» através da ideia de grandeza associada ao mar, bem como a enormidade das vantagens de que beneficiam, e acentua o espanto e a estranheza do sujeito poético perante a injustiça que grassa no mundo.
 
Aliteração, por exemplo, em /s/ (verso 1).
 
Ironia presente nos dois versos finais do poema: traduz a constatação de que o mundo só anda concertado para si.
 
Forma verbal «anda», no presente do indicativo, sugere a intemporalidade da inversão de valores que caracteriza o mundo e da arbitrariedade de que é vítima.
 
Conectores:
▪ a conjunção coordenativa adversativa «mas» (v. 8) marca a oposição entre o castigo do sujeito poético e a impunidade dos outros;
▪ a locução «Assi que» introduz a conclusão do sujeito poético: apenas para si existe justiça e ética no mundo.
 

segunda-feira, 19 de abril de 2021

O mito de Prometeu - Iseult Gillespie

Análise do poema "Erros meus, má fortuna, amor ardente"

 Assunto: balanço/reflexão do sujeito poético da/sobre a sua vida, dominada pela conjura dos erros, da fortuna e do amor, que o tornaram infeliz.
 
 
Tema: o desespero do sujeito poético.
 
 
Estrutura interna
 
1.ª parte (vv. 1-12) – Num discurso autobiográfico, o sujeito poético confessa que viveu uma vida marcada pelo sofrimento, devido aos erros cometidos, à falta de sorte / ao destino e ao Amor.
 
2.ª parte (vv. 13-14) – Conclusão do balanço de vida, numa expressão de raiva e desespero intensificados pelo desejo de vingança.
 
 
Desenvolvimento do tema
 
▪ O «eu» começa por identificar os fatores responsáveis pela sua perdição, pela vida infeliz e pelo sofrimento: os erros próprios, a má fortuna e o amor ardente.
 
▪ Os versos 3 e 4 clarificam quem os erros cometidos pelo «eu» e a «má fortuna» foram seus inimigos ao longo da vida e conjuraram/conspiraram contra si, impedindo-o de ser feliz. Por outro lado, acrescenta que o Amor era suficiente para provocar a sua perdição, para o fazer infeliz – constituindo, pois, o principal responsável.
 
▪ Na segunda estrofe, o sujeito lírico esclarece que o passado interfere e condiciona o modo como o presente é vivido. Assim, os momentos difíceis, as “cousas que passaram”, provocaram tão grande sofrimento que ainda estão bem presentes no seu espírito. Por isso, o passado ensinou-lhe uma lição: aprendeu a não desejar ser feliz, desistiu de procurar ser feliz (“Que já as magoadas iras me ensinaram / A não querer já nunca ser contente.” – vv. 7-8), a fim de evitar mais sofrimento. Assim, no presente sente-se condicionado pelas memórias tristes do passado, que impedem a felicidade e o sossego no presente.
 
▪ No primeiro terceto, de forma amargurada, o «eu» confessa que também é culpado pelo seu infortúnio, pelos sucessivos erros que cometeu, daí que a sorte o não tenha bafejado. Por isso, foi castigado pela Fortuna / Destino, provocando-lhe grandes desilusões (“As minhas mal fundadas esperanças.”). Assim sendo, a sua infelicidade foi resultado dos seus erros sucessivos e das punições do Destino, de quem foi vítima.
 
▪ No verso 12, considera que o Amor lhe provocou “breves enganos”: as suas experiências amorosas constituíram breves ilusões (experiências amorosas curtas e enganadoras) e nunca foram a verdadeira vivência do amor.
 
▪ Nos dois versos finais, o sujeito poético manifesta um desejo impossível de realizar: ver alguém puni-lo por toda a culpa que teve na sua vida infeliz. O «eu» sente-se vítima e deseja vingar-se. Trata-se de mais um momento de hipertrofia do «eu», de excessivo egocentrismo.


Estado de espírito do sujeito poético
 
            O estado de espírito do sujeito poético é marcado por diversos sentimentos, tendo em conta o seu percurso de vida:
▪ amargura (v. 1);
▪ perseguição (v. 2);
▪ dor (v. 6);
▪ exasperação e revolta (vv. 7-8);
▪ mágoa (v. 7);
▪ desilusão e sem esperança (v. 8);
▪ desencanto (v. 8);
▪ amargura (vv. 8-9);
▪ culpa (vv. 9-10);
▪ frustração (v. 12);
▪ cólera (v. 12);
▪ desejo de vingança (vv. 13-14).
 
 
Tom do poema
 
            No poema, predomina o tom confessional, melancólico e de ira.
            Este tom adequa-se a este soneto, no qual o «eu» reflete sobre a sua existência, marcada pelo sofrimento e pela infelicidade, e exprime toda a sua revolta perante o que lhe sucedeu.
 
 

Recursos expressivos
 
Interjeição + exclamação “Oh!” (v. 13): enfatiza o tom emotivo com que o sujeito poético manifesta o seu desespero.

Personificações:
. vv. 1-2: identifica as causas da perdição do sujeito poético (os erros próprios, a “má fortuna” e o amor ardente, que se conjuraram para o perder).
 
• Predomínio da 1.ª pessoa: uso das formas verbais (“passei”), dos pronomes pessoais (“mim”), dos determinantes possessivos (“meus”) de 1.ª pessoa determinam o caráter autobiográfico do soneto, que consiste numa reflexão do sujeito poético sobre o seu percurso de vida.
 
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