Português: Análise de "Eu cantei já, e agora vou chorando"

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Análise de "Eu cantei já, e agora vou chorando"

 
Introdução:
                O soneto é da autoria de Luís de Camões, poeta renascentista português que viveu, provavelmente, entre 1524 ou 1525 e 1580, sendo um dos cânones da literatura portuguesa e insigne na cultura universal. Este poema insere-se na chamada corrente renascentista, visto assumir a forma de um soneto, composição poética importada de Itália por Sá de Miranda, após a sua passagem pelo país. É, portanto, um exemplo da chamada medida nova.
 
Desenvolvimento:
. Tema
 
. Assunto
 
 
 
. Estrutura externa
 
 
 
 
 
 

 

 

. Estrutura interna

– 1.ª parte

 
– 2.ª parte
 
 
 
. Contraste passado / presente
 
 
. Estado de espírito do sujeito e suas causas
 
. Recursos expressivos
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 














 
Conclusão

 

                Neste texto, é abordado o tema do infortúnio e o assunto compreende a saudade por um tempo passado que, comparativamente ao presente, embora enganador, era preferível à desolação que o rodeia e à implacabilidade e inexorabilidade do destino.

                O poema é constituído por duas quadras e dois tercetos (um soneto), num total de catorze versos decassilábicos heroicos, visto que são acentuados na sexta e décima sílabas (Eu/can/tei/já/e a/go/ra/vou/cho/ran), com rima interpolada e emparelhada, de acordo com o seguinte esquema rimático: ABBA / ABBA / CDE / CDE. Em todos os versos encontra-se rima grave ou feminina (“chorando”/”confiando”), consoante e incompleta (“confiado”/”passado”), à exceção dos versos 9 e 12, que possuem rima completa. Nos grupos de versos 1 e 4, 2 e 3, 10 e 13, 11 e 14, a rima é pobre, dado que as palavras rimantes pertencem à mesma classe gramatical (“chorando”/”criando”), enquanto que nos restantes é rica, pois rimam palavras de classes diferentes (“quando”/”julgando”). Por outro lado, nos versos 11 e 14 existe rima imperfeita.

                O soneto pode dividir-se em duas partes. Na primeira, correspondente às duas quadras e ao primeiro terceto, o sujeito lírico lamenta o passado ilusório e enganador que o destino o obrigou a viver, o que acentua a precariedade do momento presente. No último terceto, a segunda parte, o sujeito poético, através do recurso a duas interrogações retóricas nos versos 12 e 14, responsabiliza o destino que, sendo inimigo e implacável, se sobrepõe aos erros de uns e/ou à falsidade de outros, tornando inútil qualquer esperança.

                O sujeito poético começa por estabelecer uma relação antitética entre o passado e o presente, salientando a alegria experimentada em contraste com a tristeza do presente (“Eu cantei já e agora vou chorando” – v. 1). Note-se a abundância de vocábulos de cariz negativo, tais como “chorando” (v. 1), “lágrimas” (v. 4), “fui enganado” (v. 6), “triste” (v. 7), “som de ferros” (v. 11), “mente” (v. 12, “culpa” (v. 13), “injusta”, “erros” (v. 14), que exprimem a sua dor e desalento presentes. Por outro lado, as diversas antíteses (“cantei”/”vou chorando” – v. 1; “canto”/”lágrimas” – vv. 3 e 4; “triste (…) presente” – v. 7 / “passado (…) ledo” – v. 8) confirmam o contraste existente entre a felicidade passada e a tristeza presente vivido pelo sujeito lírico. Este chega mesmo a revelar a consciencialização do fator que contribuiu para o seu desencanto e a sua desilusão: a traição de que foi vítima por parte de alguém, como se pode comprovar pelas expressões seguintes: “(…) fui nisso enganado” – v. 6; “Fizeram-me cantar, manhosamente” – v. 9; “(…) tudo mente” – v. 12. Ao tomar consciência disto, o sujeito põe em causa a aparente felicidade anterior, considerando-a um prenúncio da desgraça que está a viver (“Parecer que no canto já passado / Se estavam minhas lágrimas criando” – vv. 3-4), acentuando, deste modo, o momento presente como muito negativo e infeliz (“É tão triste este meu presente estado” – v. 7). O eu diz-se vítima da alegria tranquila e ilusória que conheceu [“(…) cantei tão confiado” – v. 2; “Fizeram-me cantar (…) / confianças” – vv. 9-10] de ter , a qual não era senão um esboço, um indício do seu destino de desventura, que metaforicamente identifica com prisão, com sofrimento, já que foi esse o resultado que obteve: “Cantava, mas já era ao som dos ferros” – v. 11.

                O sujeito, tal como foi anteriormente referido, realça o tempo passado, predominando as formas verbais no pretérito perfeito (vv. 1, 2, 5, 6, 9) e imperfeito (vv. 4 e 11), o advérbio de tempo “já” (vv. 1, 3, 11), a forma verbal repetida “cantei” (vv. 1, 2, 5), bem como outras formas do mesmo verbo (vv. 9, 11) e outros vocábulos pertencentes ao mesmo campo semântico (“canto” – v. 3), de modo a salientar a existência de uma situação calma e tranquila que foi alterada contra a sua vontade. Deste modo, o sujeito sente-se objeto de manipulação de uma entidade superior [“(…) a Fortuna injusta (…)” – v. 14], que, para além de ter modificado a sua vida e o seu estado de espírito, atuou de forma camuflada, deixando-o viver na ilusão, até que fez desmoronar a encenação e contribuiu para o estado presente do eu. Note-se a importância da conjunção coordenativa adversativa “mas” (vv. 5, 10, 11), com o intuito de reforçar o contraste entre o comportamento que o eu assumia e as suas causas reais: não sabe concretizar a real época da sua felicidade, desconhecia a presença nefasta do destino nos seus atos. É de salientar igualmente que o tempo passado, a felicidade, ocorreu num momento pontual, concreto, definido, para o que contribui o pretérito perfeito, reforçando o seu caráter efémero, enquanto que o presente, marcado pelo sofrimento e pela dor, se reveste de um cariz durativo, que é conseguido através da conjugação perifrástica, fazendo pressupor que a infelicidade, a tristeza são sentidas com maior intensidade: “vou chorando” (v. 1); “estavam (…) criando” (v. 4); “estou julgando” (v. 8). O pessimismo e o dramatismo do momento presente vivido pelo sujeito, resultado de um passado fictício, encontram-se sintetizados no verso 12 quando o eu afirma ”(…) tudo mente”, o que vem corroborara existência de uma ilusão, de um engano vividos, fruto da atuação de uma força superior, manipuladora.

                Temas como este, onde sobressaem a fatalidade, a desgraça, a infelicidade, a desilusão, são frequentes na lírica camoniana, quer se refiram à força do Destino sobre o próprio sujeito poético, quer à influência exercida pela mulher amada.

 

 

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