Português: Resultados da pesquisa para d. joão iii
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domingo, 20 de janeiro de 2013

Génese de 'Os Lusíadas'


            Publicada em 1572, numa altura em que o império português mostrava já sinais claros de crise e ruína próxima, a obra canta a Glória do povo português (“o peito ilustre lusitano”), com incidência no seu período de maior fulgor – a época dos Descobrimentos, representada pela viagem de Vasco da Gama de 1498 – descoberta do caminho marítimo para a Índia.
            Sendo a epopeia considerada a expressão mais alta da literatura, a necessidade do surgimento de uma epopeia portuguesa que glorificasse a gesta heroica do povo lusitano vinha a ser sentida e reclamada desde há muito. A partir do século XV, tinham começado a surgir alguns poemas de conteúdo histórico, mas sem relevância literária. No século XVI, autores como Garcia de Resende, no prólogo do Cancioneiro Geral, João de Barros, Diogo de Teive, Angelo Poliziano e, sobretudo, António Ferreira. Começaram a alertar para a necessidade de se cultivar o género épico, estimulando outros poetas à criação da epopeia portuguesa.
            E Portugal tinha, de facto, todas as condições para a criação de um grande poema épico. Com efeito, as andanças pelo mundo, as descobertas e o heroísmo dos navegantes lusos eram comparáveis às viagens marítimas descritas na Odisseia e na Eneida. Por outro lado, a empresa dos Descobrimentos, para além do interesse nacional, revestia-se de carácter universal. Além disso, o orgulho nacional estimulava a celebração dos feitos portugueses e à corte interessava a apresentação da política de expansão ultramarina como forma de dilatação da fé cristã, na tentativa de contrariar a ideia de que a verdadeira motivação dessa política fosse meramente comercial.
            Em suma, todos tinham consciência clara do caráter épico da história nacional e de que a empresa requeria alguém de génio invulgar. E esse génio será Camões, que responderá ao apelo e realizará a empresa: dotar o mundo moderno com uma réplica dos poemas épicos antigos; conferir aos feitos dos portugueses uma categoria nacional; enobrecer a língua com a realização nela do género literário considerado máximo. O seu génio fá-lo-á adotando com originalidade a estrutura clássica da epopeia a narração da viagem de Vasco da Gama, à volta da qual se inseriu a História de Portugal. Note-se que alguns dos feitos extraordinários dos portugueses ocorreram durante a juventude do escritor, o qual também andou pela Índia (a partir de 1553) e deambulou pelo Oriente durante muitos anos.

            Observemos agora o contexto de produção. A obra demorou, aproximadamente, vinte anos a ser elaborada. Esse espaço de tempo coincidiu com o momento posterior ao auge da expansão, a saber:
. após a fase das descobertas da Índia, do Extremo Oriente e da conquista de Malaca;
. após a fase da consolidação do Império, que ocorre no tempo dos dois primeiros vice-reis da Índia – D. Francisco de Almeida (1505-1509) e Afonso de Albuquerque (1509-1515).
            Em meados do século XVI, ocorre uma série de acontecimentos nefastos para Portugal:
. o abandono de algumas praças do Norte de África que exigiam um enorme esforço financeiro (Sanfim e Azamor em 1541; Arzila em 1549; Alcácer Quibir em 1550) – conservam-se apenas Ceuta, Tânger e Mazagão;
. o ponto anterior enfatiza as dificuldades sentidas pelo reino português para manter um império vasto e disseminado, possuindo o reino um diminuto número de habitantes;
. a morte, em 1554, do princípio D. João, herdeiro da coroa e filho único sobrevivente dos dez que D. João III tivera;
. o nascimento de D. Sebastião, em 1554, em quem são concentradas todas as esperanças da sobrevivência da dinastia;
. a morte, em 1555, do infante D. Luís, irmão do rei, figura culta e estimada que era vista como solução para a sucessão ao trono, morte essa que agravou o sentimento de insegurança nacional quanto ao futuro da independência nacional;
. a morte do rei D. João III em 1557, que deu origem à regência da sua viúva, dada a tenra idade de D. Sebastião;
. a sobreposição da exploração nacional e dos interesses económicos ao espírito de serviço e de dedicação à pátria.

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Análise das Cenas 7 e 8 do Ato III de Frei Luís de Sousa


● D. Madalena, acompanhada de Frei Jorge, deseja entrar no compartimento, pois ouviu vozes conversando dentro e, supondo que uma delas é a de Manuel de Sousa, deseja falar com ele. A sua entrada em cena mostra-nos uma mulher «desgrenhada e fora de si, procurando com os olhos todos os recantos da casa», sinal de que quer desesperadamente encontrar Manuel de Sousa e julga que a estão a impedir. D. Madalena “vive” estas duas cenas desesperada e completamente dominada pelos sentimentos, ao gosto romântico, sem controlo sobre as suas emoções, como se pode comprovar através da didascália “(Entrando desgrenhada e fora de si, procurando, com os olhos, todos os recantos da casa)”.


● D. Madalena deseja falar com ele por um motivo claro: tentar remediar a situação, impedir a tomada de hábito. Para tal, argumenta que talvez estejam a agir de forma precipitada, ao acreditarem nas palavras de “um romeiro, um vagabundo… um homem enfim que ninguém conhece”, mas Manuel de Sousa, tratando-a novamente pelo primeiro nome, contraria-a, jurando-lhe que o amor de ambos é impossível. Ele mostra-se decidido a aceitar o seu destino, chamando a atenção de D. Madalena, na cena 8, para a impossibilidade de o mudarem.


● Esta postura diferente de Manuel e Madalena é facilmente justificável: ele conhece toda a verdade, ou seja, que o Romeiro é D. João de Portugal, ao contrário dela, que ainda ignora este facto, e vê a entrada no convento como a única solução digna para a situação. E critica mesmo a esposa e, num tom ríspido e decidido, despede-se dela.


● O tom inicial com que Manuel de Sousa se dirige à esposa é ríspido e frio, tratando-a, de forma formal, por “senhora”, o que a deixa magoada: “Oh, que ar, que tom, que modo esse com que me falas.”. Comovido (“enternecendo-se”), Manuel trata-a então pelo nome próprio, mas logo cai em si e retoma a formalidade e rispidez iniciais.
De facto, ele dirige-se à esposa usando diferentes formas de tratamento:
. formal (“senhora”): atitude de distanciamento;

. familiar (“querida”): atitude de proximidade, de intimidade.


● Esta oscilação das formas de tratamento traduz o contraste entre o amor que Manuel de Sousa sente por D. Madalena (que lhe corresponde) e a dor de não o poder cultivar e marca a despedida emotiva entre ambos.


● Na parte final da cena 7, Telmo procura falar à parte com Frei Jorge (“Tenho que vos dizer, ouvi.”) e os dois “Conversam ambos à parte.”. Embora não saibamos as palavras que trocaram entre si, é fácil deduzir que o velho aio estará a dar seguimento à solicitação de D. João, tentando convencer o frade de que o Romeiro é um impostor. A finalidade é evitar a destruição da família, nomeadamente de Maria.


● Ao constatar que a sua tentativa fracassou, procura fazer o mesmo junto de D. Madalena, mas sem sucesso, visto que Frei Jorge o impede de falar com ela: “Telmo sai com repugnância, e rodeando para ver se chega ao pé de Madalena. Jorge, que o percebe, faz-lhe um sinal imperioso; ele recua, e finalmente se retira pelo fundo.”.


● Por que razão age Frei Jorge assim?
Contrariamente a D. Madalena, o frade sabe que o Romeiro é D. João de Portugal, por isso, enquanto membro do clero, assume a defesa da verdade dos factos, impedindo Telmo de mentir para salvar Maria. Ele não pode aceitar uma mensagem que iria contra as leis de Deus. Na sua perspetiva de religioso, a única solução para a situação será o ingresso na vida monástica. Pelo contrário, se tivesse aceitado a proposta de D. João via Telmo, estaria a ser conivente com uma relação adúltera e bígama. Estando D. João vivo, ali ou na Palestina, o segundo casamento de D. Madalena com Manuel de Sousa era nulo. Eles viviam em pecado e Maria era uma filha ilegítima. Esta situação, agora que a verdade é conhecida, não pode continuar.


● A cena 8, na sequência da anterior, confirma as atitudes contrastantes de Manuel e de D. Madalena:
- Madalena: crê que é possível recuperar a sua família e que a mensagem do Romeiro não passou de um embuste (cena 7);
- Manuel: não vê salvação e, decidido, enfrenta a vida religiosa.


● As didascálias ajudam a evidenciar o estado de espírito e a postura de Manuel de Sousa [“(Caindo em si e gravemente)”, “(Tomando os hábitos de cima do banco.)”, “(Vai para a abraçar e recua)”, “(Foge precipitadamente pela porta da esquerda)”]: racional e determinado, pega nos hábitos que vai usar juntamente com D. Madalena, recusa abraçá-la e sai rapidamente para evitar mais sofrimento.


● A fala final de Manuel de Sousa da cena 8 está prenhe de expressões que associam a decisão tomada a uma morte simbólica: “Para nós já não há senão estas mortalhas (tomando os hábitos de cima da banca), e a sepultura de um claustro.”. A referência aos condes de Vimioso é significativa neste contexto.

domingo, 13 de novembro de 2011

Contexto histórico e cultural do Barroco

1. O desastre de Alcácer Quibir

         Conta-nos António Sérgio, na Breve Interpretação da História de Portugal, que o «infante D. João, filho de D. João III, morreu em 1554, três anos antes do monarca. Seu filho póstumo, D. Sebastião (o Desejado), sucedeu no trono a D. João III, sob a regência da avó, D. Catarina, que em 1562 se retirou para Espanha, deixando na regência o cardeal D. Henrique. O reizito, em 1568, foi declarado maior pelas Cortes. Este rapazola tresloucado foi convencido por alguns fanáticos a fazer-se paladino da fé católica contra o Protestante e o Maometano. Por isso apercebeu uma armada que fosse em auxílio de Carlos IX quando se preparou, com o cardeal Alexandrino, a matança de S. Bartolomeu; e por isso se abalançou a conquistar Marrocos, contra o conselho sensato dos mais experimentados capitães. Reuniu em Lisboa um exército aparatoso, que acampou em tendas de seda, vestindo luxuosamente, bebendo, cantando, "fazendo desonestidades". Chegado à África, cumulou erro sobre erro, com desespero dos capitães, que pensaram em prender o tonto. No dia da batalha (Alcácer Quibir, 4 de agosto de 1578), mandou que ninguém se mexesse sem ordem sua, mas esqueceu-se de dar a ordem. O exército inimigo, formado em crescente, envolveu a pequena hoste, e submergiu-a. Foi um desastre completo, que, sabido no reino, o aniquilou de espanto e dor» (Sérgio, 1981: 103-104).
            Como D. Sebastião morre sem deixar herdeiro, sobe ao trono o cardeal D. Henrique, seu tio, «caquético de 66 anos, alimentado aos peitos de uma ama; sete pretendentes à sucessão, entre os quais Filipe II de Castela, que tinha a vantagem decisiva da força: a força do ferro e a força do ouro, gasto habilidosamente pelo seu enviado Cristóvão de Moura. Opôs-se-lhe, antes, a eloquência patriótica de Febo Moniz; depois, a audácia de D. António, prior do Crato, proclamado rei em Santarém. O duque de Alba invadiu Portugal pelo Alentejo, ao passo que a esquadra castelhana se dirigia para Lisboa; e perto da cidade, em Alcântara, varreu facilimamente a tropa de D. António. Este fugiu para a França, e Filipe II foi proclamado rei (Agosto de 1580).» (Ibidem)


2. A hegemonia espanhola
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          1580 é muito mais um ponto de chegada do que um ponto de partida: não será excessivo dizer-se que consagra dinasticamente a viragem de estrutura de meados do século. Então, com efeito, os Portugueses abandonaram vários dos presídios-portos marroquinos, o ouro da Mina deixou de dar os lucros que até aí dava, e acentuou-se a recuperação dos tratos levantinos, concorrentes da rota do Cabo; em contrapartida, lançara-se a ascensão do açúcar de S. Tomé e do Brasil, indo este dominar o mercado mundial durante um século. Deste modo, o império, conquanto permaneça oriental, por um lado, torna-se sul-atlântico, por outro, Angola serve, a partir do último quartel de Quinhentos, de reservatório de escravos para as fazendas e engenhos de além-Atlântico. Enquanto o afluxo em massa de prata mexicano-peruana a Sevilha favorece o renovo mediterrâneo e firma a hegemonia espanhola  -  a prata da Europa Central e Oriental entra em declínio  -, a rota do Cabo absorve quantidades crescentes desse metal precioso, quer para a compra da pimenta quer para o comércio da China: o mundo vai ser inundado pelos reales. Assim, a ligação de Lisboa com Antuérpia enfraquece, do mesmo passo que se estreitam os laços com os empórios andaluzes e outros mercados na própria Península.


3. O domínio filipino e as desilusões da nobreza
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          Nos primeiros quarenta anos do domínio filipino, a união das coroas permitiu vencer a crise financeira em que Alcácer Quibir e a conjuntura de então lançara a nobreza portuguesa, pois os Estados reforçaram-se mutuamente quanto a segurança e finanças públicas. Além disso, essa união abria aos fidalgos e a cavaleiros portugueses perspectivas de ascensão e melhoria de estado graças aos campos de serviço em grande parte da Europa - e muitos não deixaram de as aproveitar, mesmo se para final de certo modo compulsoriamente (pretendia Olivares afastá-los da mãe-pátria). Continuarão vários deles, consumado 1640, a servir o monarca espanhol, e mesmo para Espanha fugirão ainda outros nessa altura. Por outro lado, todavia, o prosseguimento do regime filipino não pôde deixar de trazer amargas desilusões a vários nobres: a corte nunca chegou a estanciar duradouramente em Lisboa, e portanto havia que ir a Madrid requerer mercês, buscar desagravos; apoiar pretensões; a ausência da corte régia escamoteava uma boa parte da existência fidalga e cavalheiresca, não permitia participar de perto na condução dos negócios públicos, anulava ensejos de convívio e ostentação, inibia actividades de criação literária, teatral e artística. Como mostrou Oliveira França, a nobreza ruraliza-se, torna-se provincial - e provinciana -, é a época das «cortes na aldeia» (Rodrigues Lobo), e a própria moda da poesia bucólica reflecte e exprime tal configuração geográfico-social. A corte dos Braganças é em Vila Viçosa, nem sequer numa cidade de província. Acanhados em horizontes campestres, fidalgos e cavaleiros sentem-se frustrados, quando muito, rememoram através da poesia épica também em voga as passadas glórias. Para muitos não se rasgam perspectivas, é a frustração e o viver moroso, ou a inquietação insatisfeita mas sem pontos de mira; quantos não se sentem falhados.
          Mentalidade barroca, que anseia pelo fausto e pela exibição, nos círculos nobres como nos religiosos - uma religião de exuberância decorativa, aquietando-se nos ritos de subterrâneas inquietações, satisfazendo-se na exterioridade de uma insatisfeita interioridade. Religião em que a milícia de cruzada - sentido primitivo da companhia - cedeu o passo à sociedade organizada política e economicamente, transformada em potência que trafica na prata do Japão e seda da China e domina vastas áreas da América do Sul, Estado dentro do estado. Ao mesmo tempo, todas as ordens religiosas multiplicam os seus institutos e enriquecem os seus bens, o peso da organização eclesiástica sobre a sociedade civil é cada vez maior.
        Vitorino Magalhães Godinho, Ensaios



4. A repressão do Estado e da Inquisição
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          Dominante, dentro da Península, o grupo senhorial monopoliza inteiramente o Estado, de que faz parte, coisa sua. O rei abandona o seu papel tradicional de árbitro entre as diversas forças nacionais. O Estado torna-se absorvente, destrói as minorias, sejam elas os lavradores vilãos e livres, os hebreus ou os «mouriscos», impõe uma vigorosa disciplina ideológica, esmagando todas as dissidências e oposições e regressando à ideologia tradicional da grande época do feudalismo. Quando estala a grande revolução da Reforma, os dois impérios da Espanha alinham decididamente, passadas as primeiras hesitações, ao lado dos que preconizam a restauração da Igreja medieval, sem compromisso com os reformados. Com o agravamento das suas dificuldades aumenta inevitavelmente a repressão dos grupos dissidentes cujas raízes, todavia, mergulhando nas novas condições económicas, não podiam ser destruídas. (...)
          Tudo quanto constituía apanágio do Humanismo, a humanização da religião, a divulgação directa da palavra evangélica, a reabilitação da natureza, a crítica anticlerical, foi reprimido pela censura inquisitorial portuguesa.
António José Saraiva, A Inquisição Portuguesa



5. A decadência
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          O século XVII foi uma etapa decisiva no caminho do pensamento e da ciência moderna. É o século de Galileu, de Descartes, de Pascal, de Espinosa, de Bacon, de Newton. Foi também um tempo de esplendor para as letras e para as artes; grandes obras-primas foram pintadas ou escritas entre 1600 e 1700: quadros de Rembrandt, Van Dyck, Velázquez, teatro de Shakespeare, Cervantes, Corneille, Molière, Racine. A esse período excepcionalmente criador e brilhante corresponde em Portugal uma época apagada.
          Dentre os maiores nomes europeus, alguns têm relação com Portugal. Espinosa era filho de um judeu português que a Inquisição obrigou a fugir para a Holanda; Velázquez era filho de um homem do Porto que teve de ir procurar trabalho em Sevilha. São meras casualidades, mas que apontam duas das causas fundamentais da decadência: a repressão inquisitorial, com o isolamento e paralisação das iniciativas culturais que provocou, e a crise económica e política que culminou com a perda da independência em 1580 e que conduziu a uma situação de depressão e de desânimo incompatível com o brilho das letras e das artes.


6. O ensino dos Jesuítas
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          A acção dos Jesuítas foi fundamental durante todo o século XVI português. Foram eles que promoveram o ensino e que fomentaram quase toda a actividade cultural quem, apesar de tudo, se verificou. É um dos muitos aspectos que estabelecem contraste entre a obra da Companhia de Jesus e a da Inquisição: esta quis impedir a cultura, aquela tentou fomentá-la. Isso resultava do próprio fim para que tinha sido criada: para combater as ideias da Reforma. Em todos os países em que se instalaram, os Jesuítas chamaram a si o ensino e exerceram-no com grande eficiência. Em Portugal funcionaram colégios em Lisboa (o actual Hospital de S. José funciona no edifício do Colégio de Santo Antão; para esquecer isso, o Marquês de Pombal mudou o nome e escolheu o do rei), Évora, Braga, Bragança, Angra, Funchal, Faro, Portalegre, Ponta Delgada, Santarém, Porto, Elvas, Horta, Setúbal, Portimão, Beja, Pernes, Vila Viçosa, e houve vários outros no Brasil, África e Índia. Foi essa a primeira cobertura geral do território por uma organização de ensino de nível secundário. Os livros de estudo foram cuidadosamente preparados; os mais bem organizados compêndios didáticos até hoje produzidos em Portugal são os grossos in-fólios do Curso Conimbricense. Reunia-se aí todo o saber ortodoxo, isto é, o saber que no ambiente da Contra-Reforma se considerava harmónico com as verdades da fé. Esses livros, redigidos em latim, foram a base do ensino até ao tempo de Pombal, que lhes proibiu o uso.


7. O patriotismo e a História

          Não existia apenas a censura religiosa da Inquisição, mas também a censura política do governo espanhol, que reprimia tudo o que pudesse representar expressão do sentimento patriótico. O patriotismo refugiou-se, então, entre a gente culta, nas letras e, em especial, na história. Uma das formas menos arriscadas de ser patriota era ler Os Lusíadas; o grande poema foi a obra mais lida em todo o século XVII; entre 1580 e 1640 editaram-se vinte e quatro vezes as obras de Camões. O passado servia de compensação ao presente, e verificou-se uma espécie de êxodo para a história. Sem excepção, todos os escritores procuraram temas para a prosa nos tempos passados. O mais importante monumento que ficou desse gosto pela história foi a Monarquia Lusitana, constituída por oito partes, que foram publicadas ao longo de todo o século, entre 1597 e 1729. É a primeira grande História de Portugal, depois da Crónica Geral do Reino que Fernão Lopes compôs na primeira metade do século XV; as partes mais notáveis foram as escritas por Frei António Brandão, que tinha verdadeiro estofo de historiador e a quem se deve boa parte do que hoje se sabe dos primeiros reinados.


8. Templos, talha, azulejo

          As belas-artes foram pobres. A maior parte dos edifícios da  época foi construída pelos Jesuítas, o que já levou a falar-se num estilo jesuítico. O que não há dúvida é que o espírito da Companhia de Jesus marcou grandemente a arquitectura religiosa do século XVII em Portugal.
          A igreja é concebida como um grande auditório, uma enorme sala de aula. A lição é o sermão, e tudo se dispõe de forma que a figura do pregador seja vista e a sua voz ouvida de toda a parte. Desaparecem as colunas interiores, as grandes reentrâncias, e saliências, que, com o seu movimento e força, tinham marcado a arte do período anterior. As fachadas são lisas, altas, lógicas, e fazem pensar no rigor geométrico da dogmática, na proibição da fantasia, na disciplina vertical. O templo resulta assim de uma severidade fria e desinteressante. Mas essa austeridade não tarda a desaparecer sob a decoração impetuosa do azulejo e da talha, que desempenham nas artes uma função que faz lembrar a que o adagiário popular teve nas letras.
          A azulejeria e a talha são as grandes criações da arte portuguesa no século XVII. Aí não tivemos mestres estrangeiros; os ceramistas e entalhadores eram artistas do povo (de pouquíssimos se conservam os nomes) e a evolução desses géneros reflecte a cultura e o gosto populares com a sua devoção festiva e as reminiscências de arte oriental. Foi no génio popular que se encontrou a resposta para as novas condições da vida nacional; o azulejo substituiu nas paredes das igrejas e dos palácios as caras tapeçarias que dantes vinham da Flandres e da Holanda (as panos de rás) e cuja importação se tornara impossível por causa das guerras que os espanhóis ali travaram durante quase todo o século. Os especialistas falam em azulejos de «tipo tapete» e em «tapeçarias cerâmicas», designações bem significativas. A talha substituiu em grande parte a escultura em pedra (a imaginárias seiscentista é quase toda de madeira e a dos períodos anteriores quase toda de pedra) e substituiu também outros materiais muito caros: o ouro e a prata dourada. Muitos objectos de culto (relicários, sacrários, candelabros, castiçais, estantes de altar), anteriormente feitos de metal, passaram a ser feitos de madeira dourada e trabalhada por modo a parecer de metal. O material é barato e a produção destes ourives marceneiros atinge proporções enormes. O interior dos templos torna-se então magnífico e o ouro da talha, combinado com o azul do azulejo, consegue admiráveis efeitos decorativos. Por ser tão popular e tão português, o êxito desta decoração é imenso e duradouro. Prolonga-se por quase todo o século seguinte e, levado pelos emigrantes, enraíza no Brasil. A Baía é, hoje, a capital da talha portuguesa; em muitos casos, a madeira adoptada foi o castanho. No país do jacarandá, os entalhadores portugueses continuaram a recordar os soutos das suas aldeias.

José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal


9. O abismo entre a Nobreza e o Povo
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          O espetro da fome encontrava-se no horizonte visual da grande maioria dos homens de então e condicionava os aspectos fundamentais da vida seiscentista, nas suas faces social, política e cultural: o abismo entre as classes privilegiadas e o povo, a latente revolta popular que se exacerbava em momentos de aperto (fomes e preços elevados), não tanto porventura contra a nobreza (à qual cabia, por imposição de um destino inexorável, não só a posse dos bens terrenos, como as esperanças transcendentes), mas contra a avidez do fisco real e dos seus executores.
          Ao invés do que viria a ocorrer na Holanda, na Inglaterra e na França, a expansão marítima e colonial peninsular reforçou o poderio da classe dos grandes detentores da terra. Quaisquer que venham a ser, em última instância, as causas do facto, é incontrovertível que a nobreza hispânica beneficiou com a empresa marítimo-comercial ultramarina, o que lhe permitiu, mesmo iniciada a decadência da hegemonia peninsular, encasular-se nos seus domínios e preparar-se para durar. No século XVII ela alcança o zénite da sua trajectória histórica moderna, o que se poderá comprovar pela pujança da mundividência barroca  -  na literatura, na arte, no pensamento, assim como na arte de viver e de morrer, que, ao nível do devir das civilizações e da conjuntura, individualiza e define tal centúria. Ora, de um ponto de vista de história social, o barroquismo é sinónimo de mundividência aristocrática ou aristocratizante, aliás contaminada e impregnada, na Península, de influência ideológica clerical.
Joel Serrão, As Alterações de Évora

10. A burguesia dos cristãos-novo
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          Dominando a economia comercial, isto é, a economia mercantil do século XVII a burguesia de cristãos-novos exerce um grande peso na política e na administração. É ela que se ocupa das magistraturas municipais. É ela que elabora com os reis os contratos de arrendamento, contratos de cobrança de impostos, que desempenham um papel essencial na organização de certos tráficos, como, por exemplo, o dos escravos.
          É ela que empresta dinheiro ao rei, quer pela criação de companhias de navegação e de comércio, encarregadas da protecção das colónias contra os ataques holandeses ou ingleses, quer simplesmente pela organização de frotas de guerra destinadas a qualquer expedição contra uma fortaleza ou uma companhia ocupada pelo inimigo.
          É ela que, em grande parte, provém para o dote da rainha de Inglaterra e para a paz com a Holanda. É ela que pelas suas relações com todas as colónias judaicas da diáspora europeia pode encontrar os fundos estrangeiros de que Portugal precisa.
          Mas a burguesia dos cristãos-novos não se interessa somente pela ciência económica. Os Judeus eram depositários da ciência muçulmana, isto é, da ciência grega e oriental transmitida pelos Árabes.
          Portugal não é no século XVII o único país a possuir uma burguesia e um grupo de cristãos-novos. Mas o que faz a sua originalidade é a confusão existente, de facto, entre burguês e cristão-novo. Burguesia judaica logo dominada por algumas famílias de grandes negociantes. Mas precisamente por causa deste carácter religioso, a burguesia não pode, como em França ou na Itália, tomar de assalto os títulos, as terras, os ofícios. Tentou fazê-lo antes da Inquisição. Mas, durante a Inquisição, somente uns três grandes burgueses o conseguiram por meio de falsas genealogias compradas a troco de grandes somas e de pretensiosas demonstrações da sua «limpeza de sangue»  -  e sem dúvida depois de várias gerações de «aristocratização» progressiva. A burguesia portuguesa permaneceu, sem dúvida, durante o século XVII, uma burguesia activa de negócios, muito mais do que as outras burguesias mediterrânicas ou europeias. Ela não caiu naquela «traição» de que fala Fernand Braudel, pelo menos porque Portugal é desde início um país marítimo e o desenvolvimento económico do Brasil foi um estímulo para os negócios. A evolução que sofreu no decurso do século não modificou fundamentalmente esta situação.

Frédéric Mauro, Études économiques sur l’Expansion portugaise


11. A Restauração portuguesa

          Em Portugal, como em Espanha, passa-se quase insensivelmente de um ambiente de incipiente Renascença para um ambiente de Contra-Reforma e para o estilo maneirista. No entanto, certas condições peculiares, nomeadamente um sensível desenvolvimento da burguesia durante o século XVII sob o estímulo da colonização brasileira e um tardio reforço do absolutismo e do feudalismo decadente, graças às minas do Brasil sob D. João V, justificariam que reservássemos a designação de Época Barroca para o período de intensa crise política, social e cultural que se processa entre a Restauração e as reformas de Pombal.
          Embora incluída no sistema do império da Casa da Áustria, a realidade portuguesa apresenta alguns caracteres específicos já antes da Restauração.
          Com efeito, a colonização brasileira, o comércio transatlântico do açúcar, do tabaco, do pau-brasil, além do contrabando da prata peruviana, o asiento (ou tráfico de negros africanos para a América do Sul) e a incrementada exportação do sal, sustentaram e desenvolveram a burguesia comercial, ligada a uma rede mundial de comércio constituída por «cristãos-novos» emigrados. Muitas linhagens fidalgas encontram uma solução para as suas dificuldades no cruzamento matrimonial com famílias de cristãos novos, outras no comércio açucareiro. Nos colégios jesuítas, sobretudo no de Santo Antão em Lisboa e no Colégio das Artes de Coimbra, e depois nas universidades, sobretudo na de Coimbra (que desde D. João III perdeu muitos privilégios a favor da de Évora, inteiramente jesuíta, e do Colégio das Artes), muitos filhos da burguesia, em grande parte cristãos-novos, alcançam o acesso à alta convivência, apesar das terríveis revoadas de repressão inquisitorial.
          Com estas circunstâncias, e também com a resistência popular espontânea à castelhanização forçada, se relaciona a produção, em todo o período filipino, de uma intensa literatura oral ou manuscrita, e por vezes impressa, de oposição antifilipina, desde as sátiras clandestinas atribuíveis aos dois Rodrigues Lobo, até aos pasquins eborenses da sublevação rural e urbana do Sul do País em 1637, assinados com o nome de Manuelinho: são coplas, romances, cartas, diálogos, entremezes, actas supostas de câmaras municipais sertanejas, etc. Este género de literatura prolonga-se para além da Restauração, em denúncias constantes das conspirações de certos altos aristocratas e clérigos contra D. João IV, e intervém mais tarde nas intrigas em torno dos comandos militares, da corrupção burocrática, da questão judaica, do golpe de estado de Castelo Melhor, etc. A obra-prima desta literatura panfletária anónima é a Arte de Furtar. Já muito anteriormente corriam as cópias das Trovas de Bandarra, sapateiro de Trancoso condenado pela Inquisição em 1541, que foram interpretadas em sentido messiânico e especialmente sebastianista e anticastelhano, e pela primeira vez impressas em 1644 em Nantes.
          Há outras manifestações de uma certa ascensão da classe média desde fins do século XVI. A exaltação do idioma e a intensificação do seu estudo gramatical, a multiplicação de compêndios de história nacional, de elogio aos antigos reis portugueses, as reedições sucessivas d’Os Lusíadas e das Rimas de Camões, uma série de comentaristas camonianos e de poemas épicos que sucedem desde D. Sebastião, se por vezes reflectem mais particularmente um patético preconceito da linhagem (caso das epopeias), correspondem em geral a um sentimento nacional de resistência, assente principalmente na burguesia comercial e togada, nos grupos urbanos; a isto acrescem o descontentamento geral (à medida que a crise final do regime filipino intensifica a exploração tributária e a mobilização militar), que atinge artífices e camponeses, as esperanças de tolerância futura para a minoria designada com o nome de «Cristãos-Novos», as preocupações da Companhia de Jesus, atingida na sua expansão ultramarina pela Guerra dos Trinta Anos e consequente expansão à custa das possessões portuguesas, e finalmente a desilusão de uma parte da nobreza, preterida na corte madrilena por estrangeiros ou por funcionários de origem menos ilustre e, por isso, mais submissos aos ministros filipinos.
          O historiador Oliveira Marques conta-nos, no entanto, que em Novembro de 1640 «a conspiração dos aristocratas conseguira finalmente o apoio formal do duque de Bragança. Na manhã do Primeiro de Dezembro, um grupo de nobres atacou o palácio real de Lisboa e prendeu a duquesa de Mântua.» D. João de Bragança é aclamado rei, «entrando em Lisboa alguns dias mais tarde. Por quase todo o Portugal metropolitano e ultramarino as notícias da mudança do regime e do juramento de fidelidade ao Bragança foram bem recebidas e obedecidas sem qualquer dúvida. Apenas Ceuta permaneceu fiel à causa de Filipe IV.» A proclamação da independência «fora assim coisa relativamente fácil. Mais difícil seria agora conseguir mantê-la, o que custou vinte e oito anos de luta e provou ser tarefa muito mais árdua» (Marques, 1980: 440).
          Os Portugueses de 1640, tal como em 1580, estavam longe de ser unidos: «Se as classes inferiores conservavam intacta a fé nacionalista e aderiram a D. João IV sem sombra de dúvida, já a nobreza, muitas vezes com laços familiares em Espanha, hesitou e só parte dela (de onde havia provindo o núcleo revolucionário) alinhou firmemente com o duque de Bragança.» (Ibidem: 441-442). Muitos nobres conservavam-se em posição duvidosa, «outros esperaram algum tempo até se decidirem, outros ainda continuariam a servir Filipe IV, sendo recompensados com títulos e dignidades (três nobres portugueses foram governadores dos Países Baixos e um deles foi vice-rei da Sicília depois de 1640)» (Ibidem: 442). A maior parte dos burocratas apoiou D. João IV, «tornando-se seus secretários e propagandistas. Todavia, alguns escolheram a causa de Espanha e alinharam como conspiradores contra o novo regime. Quanto aos burgueses, a grande maioria não participou no movimento separatista e foi apanhada de surpresa. A sua atitude depois de 1640 mostrou-se, geralmente, de expectativa neutral. Muitos mercadores e capitalistas estavam metidos em negócios em Espanha, possuindo aí, ou no Império Espanhol, boa parte dos seus bens. Outro grupo, porém, com um núcleo importante de cristãos-novos e conexões de relevo fora da Península Ibérica – na Holanda e na Alemanha sobretudo – apoiou a revolução e ajudou a financiá-la. É que os negócios deste grupo dependiam muito mais do tráfico atlântico (Brasil) e do tráfico com a Europa Ocidental e Setentrional» (Ibidem: 442)


12. As minas do Brasil e o apogeu do Barroco em Portugal

          A descoberta do ouro e dos diamantes do Brasil, o incremento das exportações de vinhos (estabilizadas pelo tratado de Methuen em 1703) adiam de novo o problema económico e social, propiciam o prolongamento e reajuste das formas barrocas em Portugal. No tempo de D. João V, com efeito, o ouro brasileiro repete os efeitos das especiarias de Quinhentos: a indústria, ainda mesteiral, definha (excepto em certos ramos sumptuários), no movimento comercial externo destaca-se a exportação visível do ouro, como moeda cunhada ou por interpole (contrabando); emigram massas enormes de artífices e camponeses, sobretudo nortenhos; a burguesia prefere dedicar-se ao contrabando, aos contratos fiscais, ao comércio externo, ao funcionalismo e às profissões liberais; o orgulho de classe da aristocracia exacerba-se, enchendo os conventos de mulheres sem casamento condigno, o que relaxa e mundaniza a disciplina monástica; enchem-se as rodas de «expostos» (enjeitados), e as portarias conventuais ou senhoriais nos dias de esmola ou do caldo; a escolástica jesuíta repele transigências que ainda tinha em 1630 com a mecânica, e torna-se sebenteira.
          Há a orgia do espectaculoso, dos efeitos artísticos redundantes e cumulativos; a ópera de Metastásio, profusa de coros, bastidores e «tramóias»; a arquitectura imponente e recheada inteiramente de talha ou mármores variegados; procissões espaventosas, principalmente as de Corpus Christi, em que figuram inclusivamente alegorias mitológicas; recepções solenes, faustosíssimas, de embaixadores ou de prelados; autos-de-fé copiosos, com a pompa tradicional; touradas intérminas; coches monumentais.
          Publica-se então o mais extenso cancioneiro do barroquismo versejante, a Fénix Renascida, que depois será antologizada e actualizada sob o título de Postilhão de Apolo. Os títulos dos livros são muito longos e pomposos. Em 1720 cria-se a Academia Real das Ciências, que, pelo culto da documentação, progride a historiografia seiscentista, mas reproduz na erudição a mesma ansiedade do monumental que D. João V herdou de Luís XIV.
          Por outro lado, na medicina, na balística, na engenharia, na cartografia, na astronomia, na mineração, na pedagogia, como na arquitectura, na pintura, na música orquestral ou vocal, na cenografia, D. João V precisa de mandar vir estrangeiros, de consultar portugueses estrangeirados (incluindo cristãos-novos), precisa mesmo de enviar portugueses a industriar-se no estrangeiro. Oratorianos e Teatinos, mais condescendes com o espírito científico das sociedades então aburguesadas, quebram o monopólio do ensino jesuíta. Pelas fendas que se abrem nas necessidades mais clamorosas, penetra o ar de uma mentalidade antiescolástica e antibarroca. Põe-se agudamente o problema de como educar de modo mais útil a classe dirigente. A baixa na extracção do ouro e noutros produtos coloniais, que se acentuará na 1.ª metade do século XVIII, torna urgente um programa de fomento mercantilista.
          Alguns homens mais actualizados, como Martinho de Mendonça Pina e Proença, D. Luís da Cunha, Diogo de Mendonça Corte Real, Alexandre de Gusmão, Ribeiro Sanches, Verney e outros, esboçam já no reinado de D. João V o programa que o marquês de Pombal tentará levar a cabo.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Análise de "Meu senhor arcebispo, and'eu escomungado"

Assunto
 
            Esta é uma das três cantigas de que temos conhecimento que se focam na posição adotada pelos alcaides na célebre crise de 1245-1247 que levou à deposição de D. Sancho II.
            No caso vertente, o trovador associa-se àqueles que atribuíam à Igreja um papel determinante no que consideravam ser uma traição coletiva, a saber, a entrega dos castelos ao futuro D. Afonso III, colocando na boca do leal alcaide de Sousa a referência à excomunhão com que este teria sido brindado pelo arcebispo de Braga.
 
 
Tema: a sátira do arrependimento fingido de um ato de lealdade – a entrega do castelo sob ameaça de excomunhão.
 

Estrutura interna
 
1.ª parte (1.ª e 2.ª coblas) – Exposição do facto: a excomunhão do alcaide de Sousa.
 
2.ª parte (3.ª e 4.ª coblas) – Causa da excomunhão: a lealdade do alcaide, que entregou o seu castelo ao verdadeiro dono, D. Sancho II, e então finge-se arrependido do seu ato de lealdade e finge temer vir a morrer excomungado, procurando assim que lhe seja levantada a excomunhão.
 
 
Análise da cantiga
 
            O autor constrói o poema desenhando um caso hipotético em torno do alcaide de Sousa e do seu ato de contrição, onde manifesta o seu suposto arrependimento por se ter mantido leal aio seu soberano. Deste modo, o poeta critica, de forma mordaz, os que quebraram os laços de fidelidade vassálica, apontando o dedo ao clero por ter fomentado e protegido esse ato de traição para com o rei.
            A ironia percorre toda a composição, presente desde logo na súplica contrita e no arrependimento pelo ato de lealdade. É óbvio que só por ironia se pode suplicar absolvição por se ter sido leal. A lealdade constitui um ato de fidelidade aos compromissos assumidos e evidencia o sentido de retidão e de probidade do indivíduo que é leal, configurando um valor ético e um código em trono do qual se unem os elementos dos grupos feudais.
            Ao colocar a sua própria voz na voz do alcaide de Sousa, Diego Pezelho encena um discurso marcadamente sarcástico e impiedoso para todos os que traíram D. Sancho II e cederam às pretensões do Conde de Bolonha, coagidos pela ameaça da excomunhão por parte dos bispos.
            Assim, o sujeito poético da cantiga (o alcaide) dirige-se a um arcebispo (provavelmente o de Braga, D. João Viegas de Portocarreiro, um dos principais responsáveis pela deposição de D. Sancho II, integrando, por exemplo, a comitiva portuguesa que fora enviada a Lyon), pedindo-lhe absolvição, isto é, que lhe retire a excomunhão, por ter sido enganado pelo diabo a praticar um ato de lealdade. Ele tivera um castelo em Sousa, julgara agir corretamente, mantendo a fidelidade ao monarca, mas compreende agora que foi um pecado. No refrão, repetido quatro vezes, o alcaide roga ao bispo que suspenda a excomunhão. Para tal – socorrendo-se, neste ponto, do equivocatio – jurará que foi um traidor: “Soltade-m’, ai, senhor, / e jurarei, mandado, que seja traedor”. Porém, o facto de afirmar que jurará “mandado”, isto é, sob ameaça, livra-o da possível acusação de subserviência e deslealdade. Foi, por isso, que o trovador usou o conjuntivo «seja», em vez do indicativo «sou»: está implícita aí a ideia de subordinação e coação. Em contrapartida, pela expiação do pecado de lealdade e remissão da excomunhão, propõe-se jurar, «mandado», que é um traidor.
            A ironia é evidente: o que é afirmado no primeiro verso (“Meu senhor arcebispo, and’ eu excomungado”) é incongruente com o que surge nos seguintes: ninguém está à espera que alguém seja excomungado por ter sido leal nem que isso fosse um ato diabólico. Além disso, de acordo com o refrão, a absolvição derivaria de um ato de felonia que o alcaide encena ironicamente querer assumir.
            Por outro lado, é clara a intenção de criticar o ato de traição de quem alinhou com o clero e com as pretensões de D. Afonso, porque, ao fazê-lo, estaria a salvo da excomunhão. Neste contexto, assume grande relevância o primeiro verso da segunda estrofe (“Se traiçon fizesse”), que mostra como seria censurável a traição e como o poema se desenvolve em torno do arrependimento fingido do alcaide. Além disso, infere-se que a traição é um ato que se concretiza debaixo de um silêncio indigno e que, por ser tão censurável para quem o pratica, se procura emudecer: “nunca vo-la diria”.
            Nas restantes estrofes, o «eu» continua, irónica e dissimuladamente, a lamentar-se por ter sido excomungado, afirmando que defendeu e entregou o castelo ao seu legítimo «dono», convicto de que estava a fazer o que era correto (“gran cousa”), mas que, afinal, se arrependeu por não ter sido traidor.
            De acordo com Herlânder Gonçalves dos Santos (in D. Sancho II – Da deposição à composição das fontes literárias dos séculos XIII e XIV), «O escárnio explora a ambivalência irónica entre o fazer e o dizer, entre a conduta de um alcaide leal ao seu senhor, que se manteve fiel aos votos de vassalagem, que ignorou as resoluções eclesiásticas que incriminavam pela excomunhão essa fidelidade contrária aos interesses e deliberações da Igreja, e o dizer tão lamentoso quão desdenhoso da sua contrição: “Per meus negros pecados, tive um castelo forte / e dei-o a seu don(o), e ei medo da morte. / Soltade-m’, ai, senhor, / e jurarei, mandado, que seja traedor.” (vv. 13-16).
            Assim sendo, não custa concluir que um dos alvos da cantiga, se não o principal, é o poder eclesiástico, por forçar as consciências, neste caso dos alcaides, a aceitar as pretensões do futuro Afonso III. Note-se, todavia, que na composição não há qualquer referência explícita ao Conde de Bolonha, no entanto o tema e o assunto desenvolvidos focam, inequivocamente, o conflito de 1245 e a entrega dos castelos a D. Afonso, a coberto das deliberações do Concílio de Lyon.
            O outro alvo do poeta é a fidalguia militar que governava os castelos. Mais uma vez, as referências textuais a ela não são explícitas, contudo a referência ao alcaide de Sousa e à sua promessa (fingida e irónica) de traição para se libertar da pena de excomunhão não deixa dúvidas sobre quem está a ser visado: os nobres que se aliaram a D. Afonso e o clero que legitimou a traição a D. Sancho II.
 
 
Caracterização do alcaide
 
            O alcaide de Sousa apresenta-se como uma figura leal a D. Sancho II, recusando traí-lo e entregar o seu castelo a D. Afonso III. Astuto e irónico, finge-se arrependido da sua lealdade, procurando, deste modo, que lhe seja retirada a excomunhão. Ele coloca-se, pois, no papel de vítima, fazendo um discurso de aparente humildade e medo. Este mesmo discurso permite vislumbrar o do arcebispo, certamente autoritário.
            Assim, na sua figura confrontam-se duas situações: uma, de ordem religiosa: o alcaide não quer ser excomungado; outra, de cariz político: permanecer fiel e leal a D. Sancho II.
 
 
Classificação
 
            A composição poética é uma cantiga de escárnio, dado tratar-se de uma sátira direta (o alvo está identificado: o alcaide de Sousa), numa linguagem irónica e humorística, com uma finalidade moralizadora.
 
 
Forma
Estrofes: quatro quintilhas.
Métrica: versos de 12 e 6 (no refrão) sílabas métricas.
Rima:
- esquema rimático: aabb
- emparelhada
- consoante (excomungado”/”pecado”)
- rica (“excomungado”/”pecado”) e pobre (“Sousa”/”cousa”)
- grave (“excomungado”/”pecado”) e aguda (“senhor”/”traedor”)
Refrão: profundamente irónico, é através dele que o alcaide pede que o libertem da excomunhão, em troca de um arrependimento e juramento forçado e fingidos.
 
 
Recurso expressivos
Aliteração em s.
Pronomes e determinantes: sugerem uma reverência profundamente irónica pela autoridade eclesiástica (“Meu senhor arcebispo”).
Interjeição “Ai”: exprime um estado emotivo também ele fingido.
Vírgulas: permitem a bipartição do verso.
Paralelismo semântico e estrutural.
Verbos:
- tempos:
. presente: reflete a excomunhão e o pedido de libertação dela;
. pretérito: apresenta o ato que levou à excomunhão;
- modo: imperativo – traduz o pedido do alcaide no sentido de ser perdoado e libertado da excomunhão.
Ironia: figura predominante na cantiga, traduz o arrependimento fingido do alcaide pelo seu ato de lealdade. A ironia reside, pois, na interpretação às avessas das noções de fidelidade e traição.
Antítese entre lealdade e traição.
Apóstrofe: “Meu senhor arcebispo”.
 
 
Valor documental
 
            Esta cantiga assume grande importância, por causa das referências que contém a aspetos histórico-sociais do século XIII:
a) o ciclo dos castelos: conjunto de sátiras sobre a traição dos alcaides, durante o conflito que opôs D. Sancho a seu irmão, D. Afonso III, sátiras essas que defendem a fidelidade ao monarca deposto;
b) a deposição de D. Sancho II;
c) o poder da Igreja.
            A composição poética baseia-se em acontecimentos político-sociais contemporâneos: as lutas entre D. Sancho II e D. Afonso III. Embora se enchesse de prestígio na luta contra os mouros, D. Sancho II desgostou profundamente os membros do clero e alguns nobres. Em 24 de julho de 1245, o papa Inocêncio IV expendiu uma bula, pela qual o depunha do trono português e o atribuía a seu irmão, D. Afonso III, Conde de Bolonha.
            D. Sancho II lutou ainda durante algum tempo, ajudado por servidores leais, não obstante as excomunhões que contra eles lançaram o Arcebispo de Braga e os bispos de Coimbra e do Porto. No entanto, a maioria dos alcaides entregou-se a D. Afonso III, ato que, junto da opinião pública, foi considerado traição, sobretudo porque tal entrega andou de braço dado com avultadas somas de dinheiro, promessas aliciantes, medo e outros motivos menos dignos.
            A pena e a ironia dos trovadores da época não pouparam a suposta venalidade e cobardia dos alcaides que se entregaram a D. Afonso III. De facto, o trovadorismo nunca se ergueu contra a causa de D. Sancho e a favor do seu irmão. Pelo contrário, todos vituperaram a infame traição dos alcaides que entregaram os castelos do Bolonhês.
            Além disso, os trovadores denunciaram a corrupção do poder eclesiástico e da fidalguia militar, bem como o modo como a poderosa Igreja forçou as consciências esse serviu do seu poder para excomungar todos aqueles que se mantiveram leais ao seu monarca, D. Sancho II.
            Historicamente, a realidade diz-nos que boa parte do clero português, apoiado por nobres e pelo próprio papa, tomou parte na campanha cujo objetivo era a deposição de D. Sancho II. Afonso era, nessa altura, conde de Bolonha (daí o epíteto de o Bolonhês) e juntou-se às fileiras que hostilizaram o legítimo monarca. A 24 de julho de 1245, a bula Grandi non immerito depôs D. Sancho II e estabeleceu o seu irmão como regente do reino. A bula procurou justificar a deposição do monarca pelo caos generalizado em que o reino tinha caído, circunstanciando-se agravos a igrejas, mosteiros e clérigos, denunciando-se desleixo governativo e enfatizando-se resistências de D. Sancho II no que diz respeito a acolher as recomendações que a Cúria Romana lhe tinha feito até então. Assim, perante as infrutíferas tentativas de chamar o monarca à razão no sentido de manter a ordem e a justiça, e perante a sua reiterada negligência, o papa ordenou que o Bolonhês fosse o governador e curador que organizasse o reino.
            Neste contexto, Diego Pezelho coloca-se no lugar de um alcaide que entregou o castelo ao «verdadeiro dono» e, por isso, foi punido com a excomunhão.
 

sábado, 11 de janeiro de 2020

Análise da Cena 1 do Ato III de Frei Luís de Sousa

● Esta primeira cena do terceiro ato liga-se à última do anterior. Essa ligação é estabelecida pela fala inicial de Manuel de Sousa: “Oh minha filha, minha filha!”. Ora, o ato precedente termina com D. Madalena a sair espavorida da sala, gritando por Maria, a principal vítima da desgraça que se abateu sobre a família após a certeza de que D. João de Portugal está vivo.


Assunto

Nesta cena, apresentam-se as decisões tomadas após a descoberta de que D. João de Portugal está vivo (e regressou, embora deste último facto tenham conhecimento unicamente Frei Jorge, Manuel de Sousa e o arcebispo).


Caracterização de Manuel de Sousa Coutinho

▪ Manuel de Sousa sente-se extremamente infeliz e conturbado por causa da ilegitimidade da filha, pela qual se sente responsável. Mais concretamente, a sua preocupação centra-se nos efeitos que os novos desenvolvimentos terão na frágil saúde de Maria e com as consequências sociais da sua ilegitimidade. Ele está convicto que a filha acabará por morrer perante a «afronta» que lhe é feita: a doença vai-a minando e debilitando, o que faz com que a sua resistência aos acontecimentos será muito pouca.

▪ Manuel de Sousa considera que o seu casamento com D. Madalena foi um erro e não um crime (faz tal afirmação, pois casou-se sem uma prova inequívoca da morte de D. João de Portugal, não obstante a esposa o ter procurado durante 7 anos por todo o lado). Porém, não considera o seu casamento um crime, visto que as suas ações foram praticadas sem que tivesse consciência de que estava a incorrer em adultério e bigamia. Dito de outra forma, um crime deve ser punido, enquanto um erro, ainda por cima involuntário, pode ser cometido sem se ter a consciência de que se está a errar, pelo que merecerá uma sanção menos pesada.

▪ Pode ler-se aqui uma crítica velada à sociedade da época, pois condena uma família à destruição, por causa do desaparecimento de alguém ocorrido há mais de vinte anos.

▪ É um homem dominado por um profundo sentimento de culpa: sente-se culpado pela ilegitimidade da filha, pelo mal causado a D. João e pela vergonha com que cobriu o nome da família.

▪ Considera-se mais infeliz do que o Romeiro, pois, além de tudo, carrega a certeza de ser o verdadeiro culpado pela desgraça que recai sobre todos. De facto, Manuel de Sousa considera ter sido ele (1) o causador da destruição de D. João; (2) o causador da sua desonra, da da esposa e da filha; (3) o culpado de toda a desgraça, mas ser a filha inocente a grande vítima da situação.

▪ A situação de Maria leva-o a, por um lado, desejar que ela viva (“Peço-te vida, meu Deus, peço-te vida, vida… vida para ela,”), pois é uma vítima inocente (é o amor de pai a falar), e, por outro, a pedir a sua morte (“meu Deus! eu queria pedir-te que a levasses já”), já que tem consciência das consequências que se irão abater sobre a filha, que será marginalizada pela sociedade (“vai cair toda essa desonra, toda a ignomínia, todo o opróbrio.”). É um pai a sangrar pela desonra que se abateu sobre a filha.

▪ Considera D. Madalena uma «infeliz» e «desgraçada» por ter sido arrastada por ele para a vergonha e para a infâmia.

▪ As atitudes corporais de Manuel de Sousa (os atos de se levantar e de apertar a mão do irmão enquanto fala) demonstram o seu nervosismo e a sua aflição.

▪ O seu discurso reflete a emotividade que o caracteriza ao longo da cena: frases curtas (“Oh, minha filha, minha filha!”), alternando com frases longas de construção erudita (terceira fala de Manuel de Sousa); apóstrofes (“Olha Jorge”); hipérboles (“bebeu até às fezes o cálix das amarguras humanas”; “A lançar sangue?... Se ela deitou o do coração”); metáforas (“para pôr tudo na testa branca e pura de um anjo”); frases de tipo exclamativo e interrogativo. Todos estes recursos conferem ao discurso uma grande intensidade dramática.

▪ Manuel de Sousa está prestes a ingressar no convento e a tornar-se Frei Luís de Sousa.

▪ Note-se o contraste entre o Manuel de Sousa Coutinho que encontramos nos atos I e II e aquele que nos é dado a conhecer nesta cena. De facto, nos atos anteriores, a personagem surgiu em palco como um homem sensato, racional, determinado, pragmático e corajoso, porém, agora, após a chegada do Romeiro e o agravamento do estado da filha, revela-se uma figura dilacerada, profundamente infeliz, desesperado, quer pela doença da filha, quer pela desgraça que está a abater-se sobre a família, quer por se sentir o maior culpado pela infelicidade dos outros.

▪ Nesta mesma cena, é possível observar que a personagem oscila entre a emotividade e a racionalidade. A primeira, bem ao gosto romântico, manifesta-se essencialmente sempre que se refere a Maria, enquanto a racionalidade que o caracterizava anteriormente aflora quando, após analisar a situação em conjunto com Frei Jorge, assume a tomada de hábito como a solução mais adequada para o problema.


Caracterização de Frei Jorge

▪ A principal função de Frei Jorge é ser o confidente e conselheiro do irmão, informando-o (sobre o destino da mulher e da filha), orientando-o e consolando-o, após as terríveis notícias.

▪ Quando Manuel de Sousa se diz o homem mais infeliz na Terra, Frei Jorge recorda-lhe a situação de D. João de Portugal, que perdeu tudo quanto tinha.

▪ Procura consolar o irmão, dizendo-lhe que encontrará a paz e a redenção na religião, mas não deixa de o chamar à razão de forma inflexível, impedindo-se de se deixar cegar pelo seu sofrimento e desespero.

▪ A sua fé e a sua lucidez orientam as ações de Manuel de Sousa, que está incapaz de decidir racionalmente.

▪ Procura manter-se tranquilo e sensato, não se deixando dominar pelos acontecimentos funestos. Ele aceita-os como resultado da vontade divina, que não pode ser contestada.

▪ É um homem prático perante as circunstâncias, por isso prepara a entrada de Manuel de Sousa e de D. Madalena no convento, que considera ser a única possibilidade para o casal remediar a situação.


Informações sobre o passado recente

O diálogo que ocorre nesta cena entre os dois irmãos veicula um conjunto de informações sobre o que se passou no curto espaço de tempo que mediou entre o final do ato anterior e o início deste:
- D. Madalena e Manuel de Sousa decidiram entrar na vida religiosa como solução para o problema;
- o estado de saúde agravou-se desde a chegada a Lisboa;
- somente o arcebispo, Manuel de Sousa e Frei Jorge conhecem a identidade do Romeiro, que chegará ao conhecimento das outras personagens por fases (“Demais, o segredo de seu nome verdadeiro está entre mim e ti, além do arcebispo.”);
- Maria não sabe dos últimos acontecimentos em torno de D. João de Portugal;
- Telmo irá encontrar-se com o Romeiro, a pedido deste.


Linguagem e recursos estilísticos

Metáforas e hipérboles: de caráter religioso, traduzem o sofrimento das personagens e apontam para a ideia de morte:
. “bebeu até às fezes o cálix das amarguras humanas”;
. “cobri-lhas de um véu de infâmia que nem a morte há de levantar, porque lhe fica perpétuo e para sempre lançado sobre o túmulo a cobrir-lhe a memória de sombras… de manchas que se não lavam!”;
. “Já que te não pode apartar o cálix dos beiços”;
. “cubra-me o escárnio do mundo, desonre-me o opróbrio dos homens, tape-me a sepultura uma loisa de ignomínia, um epitáfio que fique a bradar por essas eras desonra e infâmia sobre mim”.


Características românticas:
. forma do texto: escrito em prosa;
. religiosidade: referências ao cristianismo e ao culto religioso – preparação da tomada de hábito;
. o tema da morte, encarada como a melhor solução para os conflitos;
. o individualismo: o confronto entre o indivíduo e a sociedade.


Características trágicas

▪ A hybris de Manuel de Sousa, que chega a desejar a morte da filha face à sua ilegitimidade.

▪ Os indícios de tragédia: quando Manuel de Sousa a designa por «anjo» , prenuncia a sua morte, o seu abandono do mundo terreno, visto que os anjos não pertencem ao mundo físico terreno.

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