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quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Análise de "O Crepúsculo dos Deuses"

 
Assunto: o percurso do Homem, desde o momento em que “o mundo era mais nosso cada dia” até ao momento em que “se apagaram os deuses”, isto é, desde a primitiva cultura grega, considerada perfeita, até à sua destruição, possivelmente pelo império romano na fase mais decadente ou, de uma maneira mais geral, desde a idade de ouro até aos nossos dias.
 
 
Tema: o apelo para a recuperação da cultura grega ou do seu espírito.
 
 
Estrutura interna
 
1.ª parte (vv. 1-6) – A vitória da luz sobre as trevas.
 
            A conquista da liberdade e o fim da dominação persa deu aos gregos a alegria e o reencontro da luz. A vitória contra o império opressor restituiu a pureza da cidade. Nas ilhas e no mar Egeu reapareceu o sorriso, a claridade e a alegria.
            Homero (símbolo da poesia) fez florir sobre o mar o roxo, cor que simboliza o equilíbrio entre a terra e o céu, os sentidos e o espírito, o amor e a sabedoria, enquanto Kouros avançou um passo, símbolo do avanço da perfeição da humanidade; por seu lado, a palidez de Atena, deusa do pensamento, das artes, das ciências e das indústrias, “cintilou”.
            A isto acresce que os deuses venceram os monstros e os persas foram derrotados. Todos estes dados, nomeadamente este da vitória sobre os monstros, simbolizam o banimento da ignorância, da cegueira e da violência. Alegoricamente, a vitória dos deuses significa que o ser humano encontrou a sua verdadeira dimensão, conquistando o espírito olímpico da harmonia e da estética.
 
 
2.ª parte (vv. 7-15) – O canto da vitória da luz sobre as trevas.
 
            A treva foi sacrificada em grandes pátios brancos. A luz simboliza o fim das trevas, a harmonia e o caos, o encontro do mundo “mais nosso cada dia”. A este domínio da cor branca, símbolo da perfeição divina e da criação, junta-se o coro das vozes da vitória que purificou a cidade e a nudez do corpo, símbolo de uma nova criação, que permite encontrar a “medida exacta”, pois o nu traduz, não só a beleza artística, mas a verdadeira, a autêntica e objectiva dimensão do ser humano e a proporção dos seus membros. Esta estrofe (quarta) mostra como a alegria foi contagiante e como a claridade, o encontro do cosmos, trouxe a “medida exacta” do ser humano.
            Os resultados práticos dessa transformação encontram-se tipificados nas colunas de Sunion e passam pela união dos homens e das coisas. Ora, as colunas de Sunion – templo de Posídon, deus grego do mar – são o primeiro sinal de terra firme quando os nautas se aproximam do continente grego a partir das ilhas do mar Egeu; além disso, como em todos os templos da Grécia clássica, exprimem o equilíbrio e a perfeição.
 
 
3.ª parte (vv. 16-23) – A derrota dos deuses.
 
            Os “antigos deuses sol interior das coisas” apagaram-se e as trevas dominaram novamente. Os deuses abandonaram, de novo, o homem e ele perdeu a sua luz interior. A cultura clássica antiga apagou-se e o vazio instalou-se entre os homens e as coisas e gerou a separação. A Sibila profetizou, então, aos mensageiros de Juliano (Flávio Cláudio Juliano, o Apóstata, imperador romano entre 361 e 363, tentou restaurar o paganismo, mas morreu numa campanha contra os persas, o que foi interpretado como castigo de Deus) que as trevas e a destruição voltariam, pois Febo (Apolo, entre os romanos, deus do sol, da luz, das artes, da música e da poesia) deixaria o templo, desapareceriam as profecias e a melodia das fontes e da água. Ou seja: já não há lugar para Apolo, que é o mesmo que dizer poesia, música, arte... Por outro lado, a água da fonte Hipocrene calou-se, isto é, acabou a vida, o mundo corrompeu-se. O silêncio da água prenuncia o silêncio do mundo. Alegoricamente, a água acompanha as atividades do ser humano e surge como alfa e omega, ou seja, princípio e fim da existência; é símbolo de Deus; a sua essência recusa a divisão. Ao dizer que a água se “calou”, Sophia pode querer simbolizar o fim de uma realidade vivida. Tudo vem da água e tudo a ela regressa. O silêncio da água prenuncia o silêncio do mundo.
 
            Esta narração da conquista da luz e da sua perda constitui, numa segunda reflexão, a alegoria da conduta do homem em geral e a denúncia, pela ironia, do obscurantismo que afligia o País na época em que o poema foi escrito. Sophia, dentro da dialética caos-cosmos, procura, de certa forma, mostrar que a passagem das trevas para a luz não é mais do que o encontro do equilíbrio e da ordem, pois isso é que constitui a verdadeira claridade. A imagem da Grécia antiga a que recorre, na luta contra o império persa, remete para a ideia de unidade alcançada no cosmos. Mas Febo, deus da claridade e da música, deixa a sua cabana, como se de novo regressasse a confusão, o conflito, a violência que marcam o caos. A profecia da Sibila a Juliano remete para a possibilidade da repentina destruição da obra harmoniosa e geométrica que é o cosmos.
            Nestas duas estrofes finais, iniciadas pela adversativa mas, verifica-se que de novo as trevas surgem como ameaça, pois o homem caminha para a perdição. A alegoria do caos, da ruína, para caracterizar o tempo de ameaça onde falta a liberdade é, frequentemente, utilizado por Sophia. As duas faces – caos e cosmos – só permitem a beleza quando se verifica a união entre o limitado e os ilimitados, entre a treva e a claridade, entre a confusão e a ordem. A dialética caos-cosmos é a alegoria da própria criação da vida e da morte, da transformação da matéria confusa, violenta e em conflito do caos na organização e harmonia do cosmos.
            Há neste diálogo com o mundo antigo uma aproximação à filosofia de Nietzsche e de Heidegger. Como este último pensador humanista, Sophia compreende, muitas vezes, que a realidade pode levar o ser humano à angústia como “sentimento da situação”, pois “o ser-no-mundo é sempre já decaído”. E na esteira niilista de Nietzsche, percebe que depois do clarão de alegria onde a esperança ganha alento, se exprime “o mundo dilacerado, destroçado em indivíduos”, como em Dionísio, a figura trágica do palco helénico. Ao falar do mito apolíneo e dionisíaco, o filósofo afirma que “do sorriso de Dionísio nasceram os deuses olímpicos, de suas lágrimas os homens”. Em Sophia, o apolíneo brota “de um fundo dionisíaco”. A beleza e harmonia não foi dada ao homem, mas conquistada. Por isso, no fim, através da ironia, acomoda as ruínas do palácio, de Febo, da fonte e da água para melhor lutar pela pureza e pela liberdade, antes representada na alegoria do corpo nu, privilegiado mundo da beleza, criador e inventor do mundo mais exato e perfeito.
            “O nosso corpo estava nu porque encontrara / Sua medida exata”. A nudez do corpo sugere, por alegoria, que um certo sabor do encantamento provocado por Eros se misture com a sublimidade da verdadeira Beleza. A nudez do corpo, que surge em muitos outros poemas da autora, concilia uma certa euforia sensorial com a perseguição com a perseguição do sagrado, que constitui a arte como lugar de união entre o limitado e o infinito, ou a arte “que lhe descobre o santuário onde arde numa única chama, numa união eterna e original, o que está na vida e na ação, logo no pensamento também”. O corpo desnudo permite mais facilmente ler em cada parte as expressões mais específicas do sentir e até do pensar.
 
            A aliança do homem com o mundo natural, o encontro da harmonia, do equilíbrio, da justa medida, para Sophia, tem como paradigma a arte grega e a verdade dos seus deuses. A atração pela arte e a nostalgia dessa civilização levam-na a recriar as imagens do mundo grego, sem, no entanto, deixar de se afirmar uma humanista cristã. Na lição da Grécia antiga procurou a consciência da justiça e do humanismo. “Em Homero reconheci essa felicidade nua e inteira, esse esplendor da presença das coisas” (Arte Poética – III). A Poetisa afirma que a “Grécia é um ponto de partida a que justamente é preciso regressar porque então o homem tentou partir da imanência, partir do seu estar na terra...”.
            Sophia busca a perfeição e a harmonia de um ser humano que saiba erguer-se a partir das suas limitações e imperfeições. Não celebra os deuses para que os homens sejam como eles, mas celebra os deuses para tornar os homens mais divinos, mais capazes de avançar para a margem do Bem e da Verdade. O mundo antigo, a que recorre a Poetisa, simboliza não só as origens, mas também a perfeição e a unidade ou o tempo absoluto que procura. Os gregos deixaram ao mundo ocidental o ideal estético, o espírito olímpico. Sophia, fascinada pelos valores e cultura clássicos, falam-nos da arte grega, dos deuses mitológicos e da harmonia e equilíbrio alcançados. Os antigos deuses surgem a traduzir as forças interiores de cada ser humano que, embora muitas vezes inexplicáveis, lhes dão a força para vencer e encontrar o cosmos. Mas apesar dos vários símbolos da perfeição que recorda do mundo antigo e que pretende alcançar, observa que o homem continua a caminhar para o caos.
            As imagens da Grécia antiga trazem a Sophia a alegre esperança da renovação do homem, que, de repente, dá lugar à visão do mundo perfeitamente perturbado e pessimista. É isso que encontramos neste poema: depois de encontrar a pureza, a liberdade, a beleza, o mundo mais exato e perfeito, o homem permite o triunfo das forças das trevas sobre a claridade.
            Com “Crepúsculo dos Deuses”, Sophia mostra-nos o percurso do ser humano ao longo da sua caminhada pelo mundo e põe em destaque a perda com o momento em que “se apagaram os antigos deuses”, que constituíram o “sol interior das coisas”. O corpo que “estava nu porque encontrara / Sua medida exata” distancia-se desse mundo que “era mais nosso cada dia”. Há aqui uma alegoria a tentar recuperar os signos da ruína, conseguindo assim que o símbolo se temporalize no presente. Este poema, como em geral toda a poética de Sophia, mostra-nos um compromisso com a realidade, quer através destas alegorias que convocam a perda, o “vazio” e a “ausência”, quer pela grande ironia que percorre toda a composição. “Crepúsculo dos Deuses” começa por nos mostrar a conquista do Homem que celebra a vitória; mas quando este encontra a “sua medida exacta” percebe “que se abriu o vazio que nos separa das coisas”. Recordando o pensamento socrático, Sophia vê, ironicamente, que o mistério permanece, mesmo na perda. Por isso, não dá a resposta, antes destrói a certeza com a resposta enigmática da Sibila. Comprometida com a realidade, confronta a beleza e esplendor da claridade e da alegria com a privação da luz, a ruína e a ausência. É a alegoria do tempo dividido, associado ao comportamento humano, por oposição ao tempo absoluto, transcendente, da unidade da vida, mas que, por ironia, os deuses dominam com a claridade que vence “os monstros nos frontões de todos os templos” ou com a “ausência” e com a nudez da “água que fala”.
 
 
A mitologia
 
            Dada a proximidade de Sophia à cultura grega e os seus constantes apelos para a recuperação dessa mesma cultura e do seu espírito, não é de estranhar que a mitologia esteja presente nos seus poemas, sobretudo a que se liga à cultura.
 
Kouros é um servidor de um deus, figura escultórica que representa um jovem nu (VII a. C.), símbolo da força e da perfeição.
 
Atena é a deusa grega do pensamento, das artes, das ciências e das indústrias, filha de Zeus, divindade epónima de Atenas, assimilada a Minerva pelos Romanos.
 
Sunion é o templo de Posídon, deus grego do mar, equivalente ao deus Neptuno dos Romanos, templo situado no promontório da Grécia antiga, que forma a extremidade sudeste de África.
 
Sibila ou Sibilas eram sacerdotisas lendárias de Apolo, às quais atribuíam o dom de profecia e diversos oráculos. A mais célebre é a de Cumas.
 
Febo = Apolo, filho de Zeus e irmão gémeo de Diana, Estabeleceu-se em Delfos, centro do mundo, na encosta do Parnaso depois de matar a serpente Píton. Aí dava os seus oráculos, por intermédio da Pitonisa. Era o músico do Olimpo, o deus da verdade e da luz, curava as doenças e ensinou aos homens a arte da Medicina. Morava com as Musas. De uma delas, Calíope, teve Orfeu. Várias pessoas que amou ou que o amaram transformaram-se em árvores ou flores. Dafne, para lhe escapar, transformou-se em loureiro; Apolo, inconsolável, fez para si, com um ramo deste arbusto, uma coroa que se tornou a coroa dos poetas.
 
Hipocrene era uma fonte favorita dos poetas, no monte Hélicon, onde habitavam as Musas, que eram filhas de Júpiter e da Memória. Esta fonte terá brotado duma patada dada pelo cavalo alado Pégaso: as águas teriam a virtude de dar inspiração poética a quem dela bebesse.
 
▪ Embora não pertença à mitologia, convém, no entanto, destacar a figura de Juliano, imperador romano, sobrinho de Constantino, que reinou de 361 a 363. Tendo abandonado o Cristianismo, tentou restaurar o paganismo.
 
 
Símbolos
 
. O mundo antigo a que recorre Sophia simboliza a perfeição e a unidade ou tempo absoluto que procura. Os Gregos deixaram ao mundo ocidental o ideal estético, o espírito olímpico.
 
. A nudez do corpo permite encontrar a “medida exata”, pois o nu traduz não só a beleza artística, mas a verdadeira, autêntica e objetiva dimensão do ser humano e a proporção dos seus membros.
 
. As colunas de Sunion são o primeiro sinal de terra firma quando os marinheiros se aproximam do continente grego a partir das ilhas do Egeu; além disso, como em todos os templos da Grécia clássica, exprimem o equilíbrio e a perfeição.
 
. A luz simboliza o fim das trevas, a harmonia e o caos, o encontro do mundo “mais nosso cada dia”.
 
. Os antigos deuses traduzem as forças interiores de cada ser humano, sendo embora muitas vezes inexplicáveis, dando-lhe a força para vencer e encontrar o cosmos.
 
. O silêncio da água prenuncia o silêncio do mundo. Alegoricamente, a água acompanha as atividades do ser humano e surge como alfa e ómega, ou seja, princípio e fim da existência; é símbolo de Deus, a sua essência recusa a divisão.
 
 
Intertextualidade
 
▪ Sophia faz uma leitura do mito das três idades, da idade de ouro, do relato bíblico cosmogónico e aponta o nosso tempo como distante da perfeição grega; lança um apelo a uma renovação pagã no sentido da valorização do ser humano, na sua total dimensão.
 
▪ Sophia e Alberto Caeiro:
– o amor à Natureza e o desnudamento da sua beleza;
– a visão simples das coisas;
– a presença do real.
 
▪ Sophia e Ricardo Reis:
– o amor à cultura clássica;
– a medida e o rigor da construção dos versos;
– as referências à cultura clássica;
– reconhece a beleza do efémero, mas, diferentemente de Reis, não renuncia às paixões, antes as quer mesmo que a oprimam;
– revela-se pagão (recorre com frequência à mitologia), sem deixar de ser católica.
            O seu paganismo assume-se positivo, encontrando no retrato dos deuses uma ética e uma estética. O que pretende é uma relação justa com o real e uma relação justa com o homem. O mundo dos deuses do paganismo serve-lhe de modelo axiológico da inteireza, da verdade e da justiça. Procurando essa relação justa com as coisas, com a Natureza, com os homens e com o divino, a sua poesia reflete um grande humanismo.
 
▪ Sophia e Álvaro de Campos: o canto livre e aberto, expansivo e algo sensacionista.
 
▪ Sophia e F. Pessoa: a exatidão, o brilho e música do discurso, acreditando como ele que a arte deve criar um todo parecido com os todos que há na Natureza – isto é, um todo em que haja a precisa harmonia entre o todo e as partes componentes, não harmonia feita e exterior, mas harmonia interna e orgânica.
 
▪ Sophia aceita o princípio de Aristóteles de que um poema é um “animal”.
 

Autárquicas 2021: o sósia de António Costa


 

Capítulo XIX de A Sibila

 1. Germa, herdeira universal da Vessada
 
            O testamento de Quina (um testamento é um desejo / uma forma de domínio para além da morte) é feito em favor de Germa: “O testamento indicou Germa como herdeira absoluta, com exceção do usufruto de duas propriedades adquiridas depois da morte de Maria, e que se destinava a Custódio.” (pág. 238). É, pois, um ser feminino que assume “um nome”, “uma raça”, “um empréstimo”. Recorde-se que Germa é filha de Abel, o filho de F. Teixeira e Maria da Encarnação que foi registado com o sobrenome materno, facto que reforça a continuidade pelo feminino.
            Germa não é só a dona do domínio físico da propriedade, mas herdeira de um discurso de impulso, curiosidade, alegria, impressão.
 
 
2. A morte de Estina e o casamento de Inácio Lucas com “uma velha parenta sua” (p. 241).
 
 
3. Desenlace trágico de Custódio, vítima da sua demência (pp. 244-245).
 
 
4. Fim da analepse: a evocação de Quina.
 
 
5. Quina, paradigma do ser humano: “Ela era, de resto, a mais profunda e inegável expressão do humano. A vocação para ultrapassar o humano está em todos nós, assim como a tentação para o medíocre.” (p. 246).
 
 
6. Quina e Germa apresentadas em paralelismo (antepenúltimo e penúltimo parágrafos). De Quina, que viveu “equilibrando-se” a Germa, que tem “o génio do equilíbrio”, transmite-se a “vez” e o “tempo” de “traduzir a voz da sua sibila”, mas pressente-se aqui a dívida sobre a capacidade dessa tradução por causa da “degenerescência dos tempos” ou por outras razões informuladas e infinitas: o modo finalizante, “porque… porque…”, deixa o romance aberto.
 

Capítulo XVIII de A Sibila

             Tema: a morte de Quina.
 
1. A mudança operada em Custódio: comparação organizada em função da relação entre dois eixos temporais:

 

ANTES

 

DEPOIS
 
. Ausências de casa.

. Membro de bandos.

. Noitadas.

. Relação crispada com Libória.

 

. Indiferença pelo trabalho.

. Inoperante.

. Inconsciência pelos valores materiais.

quadro de anormalidade

 

 
. Discurso de reiterada presença no quarto de Quina ou noutro lugar da casa.

. Permissibilidade manhosa.

. Cúmplices jogos de cartas.

. Zeloso administrador.

. Multiplicação do pequeno trabalho.

. Consciência da propriedade.

 

quadro de repentina lucidez
 
 
2. Pressão de Custódio sobre Quina, condicionado pela noção de perda:
. sucessão de elocuções:
- “Gosta de mim?”;
- “Ajude-me”;
- “Esta casa, esta casa”;
- “Vossemecê não me deixa tudo?”;
- “Deixe-me tudo”;
- “É a minha mãezinha, a minha pomba branca, e vai-me vender ao mundo. Tenha dó de mim.”
 
            As falas de Custódio em discurso direto exteriorizam uma linha de patético que o desregrado dos gestos ilustra e sublinha.
 
 
3. Noção de propriedade (pág. 220) – ver definição de outros capítulos: “… aquela casa não era sequer a ela, Quina, que pertencia. Era a um nome, a uma raça…” (pág. 230).
 
 
4. Morte de Quina ao amanhecer.
 

Capítulo XVII de A Sibila

 1. O tempo cronológico inscrito no corpo de Quina: "Ainda todo o mês ela andou a pé" "recolheu ao leito" "sentiu-se repentinamente mal" "começou a agonia".
 
 
2. A recordação do passado – o tempo, uma medida inversa
 
            A memória percorre as partes vividas, confluentes numa espécie de cristalização das pequenas coisas do afeto integrador de retratos, locuções, pequenos gestos, peças de vestuário, objetos, passos, sons, atmosferas – recordar coincidente da memória de Quina e da memória do texto.
            O processo de recordação é uma espécie de alucinação sensual que a linguagem modalizante, dada através da expressão como se e do imperfeito do conjuntivo, estrutura.
 
            2.1. A mãe:
- irónica;
- narrando as proezas do seu Chico e desculpabilizando-o: "não tivera culpa de ser bonito".
 
            2.2. Abílio: era como se fosse repetida a morte de Abílio (cap. III).
 
            2.3. Estina (cap. III, no depois do adeus de Luís Romão):
- rosto impenetrável;
- intratável;
- dura.
 
            2.4. Narcisa Soqueira (cap. II):
- imunda;
- a sua pitoresca viagem (cap. III);
- a bronquice da filha (cap. IV).
 
            2.5. João (cap. IV):
- adolescente;
- os perdigueiros mosqueados.
 
            2.6. O retrato de Abílio parecido com o pai:
- orelhas acabanadas;
- pescoço alto;
- pomo de Adão saliente;
- olhos vítreos;
- mãos ossudas e longas.
 
            2.7. Pai: "Toda a casa, para Quina, era a doce evocação do pai":
- a voz quente e paciente, "um tanto trocista";
- pequeno, seco e ágil;
- felino;
- astuto;
- ternurento e generoso;
- presença calma e indolente;
- inconstante, pródigo, vulnerável aos vícios;
- causador da ruína da casa;
- terno e terrível, prudente e astuto, sarcástico.
 
                        2.7.1. A influência do pai:
- na mãe:
- "O génio justiceiro e prudente de Maria obscurecia-se";
- "os seus ralhos perdiam a autoridade";
- a relação com Quina:
. "não o encarava nunca";
. "O seu amor por ele era feito de temor e duma ousadia infinita e secreta...";
- a compreensão do pai;
- "o galanteio, o consolo, a exortação e a incomensurável ternura". (Note-se a erótica cumplicidade.)
 
 
3. Novo retrato de Custódio
. depravado;
. marcado por taras;
. brutal;
. criminoso;
. melindroso: "Gostava de petiscos, que exigia a diário, e sem os quais se enfurecia e chegava a chorar de despeito";
. 24 anos;
. alto;
. vigoroso;
. cuidava-se como uma mulher;
. a beleza estava em declínio;
. desdenhava os amores;
. vida pimpona, vadia e melancólica;
. não se divertia;
. era cruel – o episódio das rãs;
. não tinha amigos, depois do Morte;
. perturbado, face ao tipo de relação mantida com Libória, que lhe explora a avidez e lhe descreve uma galeria de tipos aldeãos e anormais que usa como expressão de superioridade à situação em que ficará depois da morte de Quina.

Autárquicas 2021: estou cá com um Fundão!


 

Capítulo XVI de A Sibila

 1. Visita de Quina à cidade
 
            - Casa de Abel
 
1.1. Ar de viagem casual, de romagem pretexto para regressar depressa.
 
1.2. Quina e o espaço citadino:
 
1.3. Caracterização de Germa
- trinta e três anos
- afastamento da mentalidade burguesa citadina/dos valores do pai;
- intelectual inativa:
. a ociosidade;
. o tédio;
. a recusa dos visíveis facilmente trocados ou mercadejáveis;
. o desejo da paz da obscuridade (p. 198);
. a reflexão sobre a infância;
. a revisitação à infância;
- traços de hereditariedade das mulheres da casa da Vessada: "Ela possuía, em parte, o temperamento de Estina e se sua avó...";
- aristocrata de espírito;
- as semelhanças com Quina:
. as contradições;
. a impertinência;
. o individualismo
 
1.4. Quina interesseira: "O plano dela para conseguir a quinta de Augusto não é duma pessoa que se sente morrer." (p. 191) – a compra dos campos de Augusto.
 
1.5. Augúrio: "A solução destas vidas é sempre uma herança" (p. 193).
 
 
            - Casa de João
 
1.6. Sentimentos de Quina
 
1.7. Caracterização da mãe de Germa
- orgulhosa
- "afogada no romantismo"
- resignada
- insensível
- religiosa
- teimosa
- praticante profusamente da caridade, da justiça
 
1.8. Observações
 
            . Pela primeira vez na obra, Quina sai completamente para fora do universo rural: vai à cidade.
 
            . Na 1ª parte do capítulo, é desenvolvido um conjunto de pares comparativos:
- casa de João/casa de Abel (cap. anterior);
- mulher de João/mulher de Abel.
            Quina funciona como terceiro termo nesta comparação, funcionando como elemento que observa e sofre os efeitos dos outros termos: constrangimento em casa de Abel, superioridade em casa de João.
            No segundo caso, as caracterizações de ambas as mulheres estão de acordo com os cenários em que se movimentam. Também aqui o segundo termo leva vantagem relativamente ao terceiro, visto que para Quina o importante é o cunho humano da mulher de João e não a falta de "adesão humana" da mulher de Abel.
 
            . A ausência da referência do nome das cunhadas de Quina é símbolo de exclusão, de um clã que se define pelo fechamento.
 
 
2. Retorno à casa da Vessada
 
            2.1. Presságio: "Pela primeira vez, Quina via aquela casa fechada e vazia, como amarrotada entre a treva e já feita ruína, recordação, passado. E teve a impressão de estar a assistir a alguma coisa irremediavelmente acontecida e afastando-se dela..." (p. 200) última desorbitação de Quina.
 
            2.2. Sentimentos de Quina
- a alegria;
- a felicidade;
- a observação familiar de pessoas, objetos, gestos, sons, cheiros, ventos;
- a ternura para com Custódio.
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