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terça-feira, 5 de setembro de 2023

Processos de caracterização das personagens de "O Tesouro"

    No conto, predomina o processo de caracterização direta, dado que a maior parte das informações relativas às personagens nos são fornecidas pelo narrador. No entanto, os traços de traição e premeditação de Rui e Guanes são deduzidos pelo leitor a partir do seu comportamento, o que significa que, neste caso, estamos parenta caracterização indireta.

    As personagens começam por ser apresentadas coletivamente (“Os três irmãos de Medranhos…”), mas, à medida que a ação progride, a sua caracterização vai-se individualizando, como que sublinhando o predomínio do egoísmo individual sobre a aparente fraternidade.

Notas sobre as personagens de "O Tesouro"


 
    1) O conto narra a evolução das personagens para uma decadência moral completa, que levará à sua própria destruição.

    2) É curiosa a apresentação dos nomes: o último nome, Rostabal, é o do irmão mais velho.

    3) Ao nível dos sons que predominam nos nomes dos três irmãos, são de assinalar:
- som agudo /ui/, no nome de Rui, que remete para a sua finura de espírito;
- a vogal aberta /a/, na segunda sílaba do nome de Guanes, que denota o equilíbrio entre a razão e o instinto;
- a vogal aberta  /a/  na palavra Rostabal, na última sílaba, que se associa ao predomínio do instinto sobre a razão.
 
    4) As personagens são, frequentemente, tomadas de uma forma coletiva (por exemplo, quando o narrador define o perfil social das personagens ou quando os descreve fisicamente pela primeira vez).

    5) O homem aparece como um produto do meio. E a sua corrupção moral opõe-se à pureza que reveste a natureza: "Depois de encontrarem o ouro, os três irmãos estalaram a rir, num riso de tão larga rajada, que as folhas tenras dos olmos em roda tremiam."

    6) A cantiga de Guanes é também um elemento caracterizador: ele canta a sua canção favorita, saboreando antecipadamente o momento de se sentir o único dono do tesouro.

O novo programa de diversidade

Bill Abbott

Caracterização de Rostabal


 
. caracterização física:
® muito alto;
® cabelos longos;
® barba comprida;
® olhos raiados de sangue;
® o mais forte e o mais destro;
 
. caracterização social:
® fidalgo arruinado;
® faminto;
® pobre;
® miserável;
 
. caracterização psicológica:
® bravio;
® ingénuo;
® dominado pelo instinto, que prevalece sobre a razão  -  instintivo e animalesco (só pensa no dinheiro, quando o conduzem a isso);
® desconfiado dos irmãos;
® cruel;
® ambicioso;
® amoral: para ele, os valores Bem e Mal não existem.
 

Caracterização de Guanes


 
. caracterização física:
® o mais leve / magro;
® pele negra;
® pescoço de grou;
® enrugado;
® doente: escarra sangue;
 
. caracterização social:
® fidalgo arruinado;
® faminto;
® pobre;
® miserável;

. caracterização psicológica:
® bravio;
® desconfiado;
® calculista;
® leva uma vida de dissipação (ex.: joga aos dados, bebe);
® sôfrego;
® ambicioso;
® forreta;
® traiçoeiro.
 

Caracterização de Rui


 
. caracterização física:
® gordo;
® ruivo;
® pescoço peludo;
 
. caracterização social:
® fidalgo arruinado;
® faminto;
® pobre;
® miserável;
 
. caracterização psicológica:
® bravio;
® o mais avisado dos três;
® fala avisada e mansa;
® desconfiado dos irmãos;
® funciona como árbitro relativamente à divisão do tesouro;
® astuto e calculista, leva Rostabal a assassinar Guanes com uma série de argumentos;
® cruel;
® traiçoeiro;
® ambicioso;
® ansioso por levar consigo e esconder o tesouro.
 

O espaço físico do conto "O Tesouro"


    A ação do conto decorre nas Astúrias. A parte inicial localiza-se nos Paços de Medranhos, enquanto a central na mata de Roquelanes. Por seu turno, o episódio do envenenamento através do vinho é situado num local mais longínquo: a vila de Retortilho.
    Os Paços de Medranhos são descritos de forma negativa e evidenciam a miséria que rodeia os três irmãos: “… a que o vento da serra levara vidraça e telha…”; a cozinha não tem lume nem comida, e eles dormem na estrebaria, “para aproveitar o calor das três éguas lazarentas”.
    Os três fidalgos circulam exatamente apenas entre a cozinha e a estrebaria, os locais menos nobres de um palácio, o que evidencia bem o grau de decadência económica em que vivem. Essa miséria é acompanhada pela degradação moral: “E a miséria tornara estes senhores mais bravios que lobos.”
    De modo semelhante, o espaço exterior, a mata de Roquelanes não é um simples cenário onde a ação decorre. De facto, as descrições da natureza são bastante simbólicas. Assim, a “relva nova de abril”, que constitui a manifestação visível do renascimento da natureza, sugere o renascimento espiritual que os protagonistas não são capazes de concretizar. A “moita de espinheiros” e a “cova de rocha” simbolizam as dificuldades, os sacrifícios, que é necessário enfrentar para alcançar o que se pretende.
    A natureza, calma e pacífica, renascente (“… um fio de água, brotando entre as rochas, caía sobre uma vasta laje escavada, onde fazia como um tanque, claro e quieto, antes de se escoar para as relvas altas.”), contrasta com o interior das personagens, que facilmente imaginamos inquietas, agitadas e perturbadas pela visão do ouro e, em simultâneo, ansiosas por dele se apoderarem de modo exclusivo. Ao mesmo tempo, as “duas éguas retouçavam a boa era pintada de papoulas e botões-de-ouro”. Ora, é evidente um contraste entre humanos e animais, que já havia sido destacado depois de os três irmãos terem contemplado o ouro: “… estalaram a rir, num riso de tão larga rajada que as folhas tenras dos olmos, em roda, tremiam…”. Quando Rui e Rostabal aguardavam, emboscados, o irmão Guanes, “um vento leve arrepiou na encosta as folhas dos álamos”, como se a natureza sentisse o horror do crime que estava prestes a ser cometido. Depois de o assassinar, os dois regressam à “clareira onde o sol já não dourava as folhas”.



domingo, 3 de setembro de 2023

Delimitação da ação de "O Tesouro"


. Fechada, no que se refere à histórias dos três irmãos, pois todos morrem.
 
. Aberta, no que diz respeito ao tesouro, que lá continua intacto e por descobrir.
 

Sequências narrativas de "O Tesouro"


    Segundo João A. F. Guerra e José A. S. Vieira, é possível dividir este conto em três sequências:
 
® sequência inicial:
a) os três irmãos encontram um cofre;
b) mergulham as mãos no ouro;
c) cada um cerra a sua fechadura;
 
® sequência intermédia:
a) Rui e Rostabal emboscam-se;
b) Rostabal assassina Guanes;
c) Rui assassina Rostabal;
 
® sequência final:
a) Rui abre as três fechaduras;
b) Rui bebe o vinho envenenado;
c) Rui oscila e morre.
 
5.1. Processo de articulação das sequências narrativas
 
    As ações articulam-se por encadeamento.

Estrutura da ação de "O Tesouro"


Introdução (2 primeiros parágrafos):
 
apresentação das personagens
▪ localização da ação no tempo e no espaço
 
Desenvolvimento (até ao penúltimo parágrafo):
funções cardinais:
1.ª) a descoberta de um cofre;
2.ª) a decisão da partilha;
3.ª) a distribuição das chaves pelos três;
4.ª) o fechamento do cofre;
5.ª) a partida de Guanes para Retortilho;
6.ª) os argumentos de Rui:
=> o irmão dissiparia a sua parte rapidamente com más companhias, no jogo e no vinho;
=> a avareza de Guanes:
. se ele tivesse achado o tesouro sozinho, não o dividiria com eles;
. a recordação de velhas questiúnculas com Rotabal: a recusa do empréstimo de três ducados;
=> a iminência da morte de Guanes;
=> com a parte dele, poderão compor a casa e Rostabal obter ginetes, armas, trajes nobres e o seu terço de solarengos;
=> Guanes tratava, publicamente, Rostabal por «cerdo» e «torpe».
7.ª) a condenação de Guanes;
8.ª) a chegada de Guanes;
9.ª) o assassínio de Guanes;
10.ª) Rostabal lava-se;
11.ª) o assassínio de Rostabal;
12.ª) os preparativos para comer;
13.ª) Rui bebe;
14.ª) Rui oscila / sente um fogo interior que o devora.
catálises:
2.ª) a espera de Guanes;
3.ª) a descrição do assassínio;
4.ª) as reflexões sobre a posse do ouro;
5.ª) as reflexões do marrador.
 
Conclusão (dois últimos parágrafos):
função cardinal:
15.ª) a morte de Rui.
catálise:
6.ª) conclusões e descrição do cenário.
 

Resumo do conto "O Tesouro"


    Três irmãos esfomeados  Rui, Guanes e Rostabal –  , que viviam em Paços de Medranhos, no reino das Astúrias, encontram na mata um grande cofre de ferro, repleto de dobrões de ouro.
    Desconfiados uns dos outros e para não despertar as atenções, decidem transportar o tesouro para Medranhos de noite e que Guanes, por ser o mais magro, iria à povoação mais próxima comprar comida para eles e para as éguas e uns sacos de couro. Cada vez mais desconfiados, cada um fica com uma chave e fecha a sua fechadura do cofre.
    Acicatado por Rui, Rostabal aceita a ideia de assassinar o irmão e, quando Guanes regressa, assim procedem.
    De regresso ao local do tesouro, enquanto Rostabal lava os braços, a cara e as barbas salpicadas de sangue do irmão, Rui, serenamente, enterra uma navalha nas suas costas. De imediato, tira-lhe também a chave e deixa-o escorregar na borda do riacho.
    Cheio de fome e sede, bebe uma garrafa de vinho. Descansa, de seguida, um pouco e prepara-se para regressar a Medranhos, quando sente uma espécie de lume que o devora por dentro e que nenhuma água consegue apagar. Compreende então que Guanes tinha envenenado o vinho que os irmãos iriam beber. Horas depois jaz também junto aos outros com a face negra.

Tema e assunto de "O Tesouro"

Tema: a ambição desmedida.
 
Assunto: três fidalgos arruinados que viviam completamente na miséria e que a ambição de recuperar um passado glorioso (após a descoberta de um tesouro) conduziu à sua aniquilação total.

Análise do conto "O Tesouro", de Eça de Queirós

 I. Ação

    1. Tema

    2. Assunto

    3. Resumo

    4. Estrutura, funções cardinais e catálises

    5. Sequências narrativas

    6. Delimitação da ação


II. Personagens

    1. Caracterização

        a) Rui

        b) Guanes

        c) Rostabal

        1.1. Notas sobre as personagens

    2. Processo de caracterização

    3. Funções das personagens

    4. Papel ou relevo

    5. Composição


III. Espaço

    1. Espaço físico ou geográfico

    2. Espaço social

    3. Espaço psicológico


IV. Tempo

    1. Tempo histórico

    2. Tempo da história

    3. Tempo do discurso

    4. Tempo psicológico


V. Narrador


VI. Modos de apresentação e expressão


VII. Indícios trágicos


VIII. Linguagem


IX. Simbologia


X. Moral do conto

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