Português: O espaço físico do conto "O Tesouro"

terça-feira, 5 de setembro de 2023

O espaço físico do conto "O Tesouro"


    A ação do conto decorre nas Astúrias. A parte inicial localiza-se nos Paços de Medranhos, enquanto a central na mata de Roquelanes. Por seu turno, o episódio do envenenamento através do vinho é situado num local mais longínquo: a vila de Retortilho.
    Os Paços de Medranhos são descritos de forma negativa e evidenciam a miséria que rodeia os três irmãos: “… a que o vento da serra levara vidraça e telha…”; a cozinha não tem lume nem comida, e eles dormem na estrebaria, “para aproveitar o calor das três éguas lazarentas”.
    Os três fidalgos circulam exatamente apenas entre a cozinha e a estrebaria, os locais menos nobres de um palácio, o que evidencia bem o grau de decadência económica em que vivem. Essa miséria é acompanhada pela degradação moral: “E a miséria tornara estes senhores mais bravios que lobos.”
    De modo semelhante, o espaço exterior, a mata de Roquelanes não é um simples cenário onde a ação decorre. De facto, as descrições da natureza são bastante simbólicas. Assim, a “relva nova de abril”, que constitui a manifestação visível do renascimento da natureza, sugere o renascimento espiritual que os protagonistas não são capazes de concretizar. A “moita de espinheiros” e a “cova de rocha” simbolizam as dificuldades, os sacrifícios, que é necessário enfrentar para alcançar o que se pretende.
    A natureza, calma e pacífica, renascente (“… um fio de água, brotando entre as rochas, caía sobre uma vasta laje escavada, onde fazia como um tanque, claro e quieto, antes de se escoar para as relvas altas.”), contrasta com o interior das personagens, que facilmente imaginamos inquietas, agitadas e perturbadas pela visão do ouro e, em simultâneo, ansiosas por dele se apoderarem de modo exclusivo. Ao mesmo tempo, as “duas éguas retouçavam a boa era pintada de papoulas e botões-de-ouro”. Ora, é evidente um contraste entre humanos e animais, que já havia sido destacado depois de os três irmãos terem contemplado o ouro: “… estalaram a rir, num riso de tão larga rajada que as folhas tenras dos olmos, em roda, tremiam…”. Quando Rui e Rostabal aguardavam, emboscados, o irmão Guanes, “um vento leve arrepiou na encosta as folhas dos álamos”, como se a natureza sentisse o horror do crime que estava prestes a ser cometido. Depois de o assassinar, os dois regressam à “clareira onde o sol já não dourava as folhas”.



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