domingo, 8 de março de 2020
sábado, 7 de março de 2020
Tema do conto George
O
conto centra-se nas três idades da vida: a juventude, a maturidade e a velhice.
As
três idades não são, porém, apresentadas no texto de forma linear, antes de
acordo com a «viagem» empreendida com o narrador, a partir da sua memória.
Síntese das categorias da narrativa do conto George
“George”
|
|
A intriga
|
▪
Intriga focalizada cinematograficamente, valorizando pormenores.
▪ Regresso de uma artista de renome à vila do
interior, onde nasceu, depois de 23 anos de ausência.
▪ Diálogo de mulheres que se cruzam:
» Confronto com a juventude: Gi e
George.
» Confronto com a velhice: George e
Georgina.
▪ Partida de George no comboio que a
levará para longe da vila onde nasceu.
|
O tempo e a personagem
principal
|
▪
Fusão de três tempos: as três idades da vida
»
O presente – George: a pintora bem-sucedida de 45 anos.
»
O passado – Gi: “a jovem frágil de dezoito anos”.
»
O futuro – Georgina: “a velha” de 70 anos com os “cabelos pintados de acaju”.
▪
Afastamento progressivo da infância e aproximação da velhice:
»
A infância está presente, no primeiro encontro (entre Gi e George).
»
George e Gi movem-se lentamente, como a simbolizar a impossibilidade de
George de ressuscitar o passado e de se despedir dele.
»
O segundo encontro (entre George e Georgina) é marcado pela velocidade do
comboio e pela sua marcha sem retorno, simbolizando a morte definitiva do
passado e a aceleração da marcha do Tempo em direção à velhice.
|
O espaço
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▪
Vila parada do interior Regresso
ao passado
»
Casa da infância
»
Ponto de confluência de lugares e de tempos
▪
Locais de passagem: Visão
de futuro
»
Viagem de comboio
»
As várias casas alugadas
»
Amesterdão
»
Estados Unidos
|
A protagonista
|
▪
George:
»
Pintora consagrada de 45 anos, bem-sucedida num universo dominado pelo
masculino.
– Características da personagem:
. Protótipo da mulher independente,
profissionalmente realizada.
. Crença no poder imortalizador da arte.
. Acentuado egocentrismo.
. Consciência plena do envelhecimento e
da solidão.
. Solidão combatida pela presença do
dinheiro acumulado.
»
O nome inusitado de uma figura feminina
– Abreviatura possível de Georgina
– Pseudónimo literário de duas conhecidas
romancistas do século XIX
. Escritoras profissionais que viviam da
escrita
. Pseudónimos masculinos, visando a
aceitação da obra
>
A francesa George Sand (1804-1880)
>
A inglesa George Eliot (1819-1880)
– Evocação de uma elite intelectual e artística
. Escândalo das ligações sentimentais à
margem das convenções
>
Hábito de fumar em público
>
Uso frequente de indumentária masculina
>
Extravagantes cores dos cabelos de George
|
O narrador
|
▪
Focaliza, na terceira pessoa, os acontecimentos, conhece o passado e o mundo
interior das personagens.
▪
Mistura a sua voz com os pensamentos da personagem principal e com as suas
falhas de memória.
▪
Apresenta uma visão crítica e desprovida de autopiedade que a protagonista
tem de si própria.
▪
Reproduz as «falas» de Gi e de Georgina em itálico.
|
A atualidade do conto
|
▪
A condição feminina:
»
A situação (e o sucesso) profissional
»
A independência económica
»
O amor
▪
Reflexão sobre a Morte e sobre o Tempo.
▪
Mundividência invulgar e sensibilidade artística:
»
Reflexão sobre a complexidade da natureza humana
»
Reflexão sobre a constante (re)definição da complexidade humana
▪
Fusão da arte narrativa com diversas formas de arte
»
Pintura
. Modigliani (1884-1920): pintor
italiano
. Edvard Munch (1863-1944): pintor
norueguês
»
Cinema
»
Fotografia
|
Manual Palavras 12
A complexidade da natureza humana no conto George
Este conto constitui uma profunda
reflexão sobre a complexidade da natureza humana, centrada na figura de George:
(sobre) o fracasso do amor, a separação, a dificuldade de atingir a realização
profissional, a condição feminina, a efemérida da vida, a solidão, o vazio e a
morte. Por outro lado, o conto compreende uma reflexão sobre a intemporalidade
da arte e a imortalização do artista.
Através do desdobramento da
protagonista, bem como pela duplicidade do seu nome (entre feminino e
masculino), o conto possibilita uma reflexão sobre as diferentes fases da vida
e sobre os caminhos que o ser humano trilha, uma vez por opção, outras por
imposição das circunstâncias que o rodeiam.
Quando jovem, vivia inconformada
com as limitações da conceção de vida que a família e a sociedade local lhe
ofereciam, por isso decidiu partir, sozinha, para uma cidade e um país
desconhecidos. O seu enorme desejo de liberdade e de independência, bem como a
vontade de diversificar ao máximo as suas experiências de vida, levaram-na a
alterar constantemente o seu aspeto físico, a viver os afetos e o amor com
grande desprendimento e até superficialidade e a mudar frequentemente de local
de residência. Além disso, vivia sempre em quartos alugados ou casas arrendadas
mobiladas para que não se apegasse aos objetos. O desejo de ser livre e
independente predominava. Apesar de conservar uma fotografia sua da juventude
(de quando era Gi), prefere o esquecimento e não chora pelo passado.
Em suma, George tornou-se uma
pintora de sucesso, famosa e rica. Perante a imagem (antecipada) da sua velhice
e da solidão que a espera, mostra-se incomodada e arrogante, preferindo os
pensamentos agradáveis e confiante de que o dinheiro constituirá a sua tábua de
salvação.
Relacionado com esta questão estão
os nomes da protagonista. De facto, a evolução da sua vida reflete a
complexidade humana, também espelhada no nome. Assim, a abreviatura Gi, que
constituía o tratamento carinhoso que lhe foi dado durante a infância e a
juventude, está associada a uma fase de submissão aos ditames familiares e
sociais. Já George, o nome correspondente ao presente, à vida adulta da
protagonista, representa a rutura que ela pretendia, marcada pelo desejo de
liberdade e independência. Note-se que o nome não é português, o que evidencia
o cosmopolitismo que tanto procurava e sugere alguma ambiguidade relativa ao
género (o nome é masculino), indiciado também pelo facto de o narrador se
referir ao(s) seu(s) amor(es), sem especificar se se trata do género masculino
ou feminino (excluindo a figura do primeiro namorado, Carlos). Georgina é o
nome de registo da personagem, assumido pelo narrador quando ela imagina como
será a sua velhice, numa atitude aparente de resignação, de assunção de uma identidade
inteira e final.
Uma terceira questão respeitante
ao problema da complexidade da natureza humana neste conto tem a ver com a
falta de amor, tema recorrente na obra de Maria Judite de Carvalho.
No texto, por exemplo, George, em
vez de amor, tem amores, isto é, relações frágeis e efémeras, passageiras,
todas provisórias, como provisórias são as casas e as cidades onde mora.
Essa ausência de afeto e a solidão
que afeta as personagens da obra da escritora – tanto homens como mulheres –
têm como consequência, se não a morte, uma espécie de morte em vida, «uma
existência desprovida de sentido que, ao longo dos anos que nas suas memórias
se vão confundindo, se arrasta e pesa mais do que a própria morte.».
A vida, metaforicamente vista como
uma viagem, é complexa, tanto na juventude como na velhice. Famosa
além-fronteiras, George configura o protótipo da mulher independente e
profissionalmente realizada, aparente sem razões para lamentar o passado e,
ainda medos, recear o futuro. No entanto, esse medo assalta-a de forma
imprevista e cruel no momento em que regressa à sua terra natal e que vai
suscitar um confronto quer com o passado quer com o futuro.
quinta-feira, 5 de março de 2020
Símbolos do conto "George"
▪ A vila: o passado e o retorno à infância.
▪ A fotografia:
→ ligação ao passado;
→ fixação da juventude perdida;
→ imagem
ideal da juventude intocada e dos sonhos por cumprir.
▪ O comboio: a
marcha rápida para a velhice, a viagem do passado para o futuro.
▪ Os quadros de
George: autorretratos; o sucesso profissional e financeiro.
▪ O pincel, as
telas, as tintas: a máquina fotográfica e a fixação do momento.
segunda-feira, 2 de março de 2020
Análise do capítulo XX de Viagens na Minha Terra
●
Estrutura do capítulo
▪ 1.ª parte (do início até “à
menina do seu nome”): Apresentação de um quadro idílico: Joaninha, adormecida,
no meio da natureza.
▪ 2.ª parte (de “Com o aproximar
dos soldados” até “há dois anos?”): Caracterização de Carlos.
▪ 3.ª parte (de “Dizendo
isto” até “Agora vamos, Carlos”): Encontro e conversa entre Carlos e Joaninha.
▪ 4.ª parte (de “E falando
assim” até ao fim do texto): As personagens dirigem-se para o vale de Santarém.
●
Retrato de Joaninha
▪ Joaninha é uma jovem campestre,
simples e de sentimentos e intenções puros, e revela-se espontânea na forma de
agir, bem como terna e afetuosa.
▪ Fisicamente, possui um corpo
esbelto (“formas graciosas”) e o rosto “expressivo”.
▪ Joaninha representa a pureza, a
autenticidade e a simplicidade da Natureza. Por essa razão, Garrett mostra
grande cuidado na descrição do cenário que a envolve, onde predomina a verdura.
▪ Joaninha, adormecida, surge como
um elemento indissociável (isto é, enquadrado) do espaço em que se encontra; personagem
e espaço parecem fundir-se num todo, iluminadas pela luz do crepúsculo, de modo
que é difícil distinguir os limites de uma dos da outra. Este enquadramento da
personagem na natureza serve para estabelecer uma relação de afinidade e
sintonia entre ambas, de perfeita harmonia e sintonia, que permite sugerir que
Joaninha é natural, autêntica (sem o artifício de outras mulheres) e simples.
▪
De facto, a sua apresentação de Joaninha é associada a um quadro de
naturalidade. Desde logo, é apresentada como alguém com quem o narrador se
deparou por acaso e é descrita exatamente dessa forma: adormecida, nem sentada
nem deitada, num tufo de erva, com as formas do corpo realçadas pelo assento
natural em que se encontra. Além disso, a expressão «sem arte nem estudo»
sugere exatamente essa naturalidade do quadro de Joaninha adormecida.
▪
Joaninha tem os olhos verdes, o que constitui uma alusão à esperança e à
fecundidade da terra verdejante. No fundo, representa a própria terra-mãe, ao
mesmo tempo que evoca um passado que constitui uma espécie de paraíso perdido:
«Sobre uma espécie de banco rústico de verdura, tapeçado de gramas e de macela
brava, Joaninha, meio recostada, meio deitada, dormia profundamente”.
▪ O rouxinol:
a)
Simboliza o sentimento amoroso: Joaninha, adormecida, era embalada pelo canto
harmonioso do rouxinol, que a acompanhava. O barulho dos soldados silenciou-o,
mas a chegada do misterioso oficial inspirou-lhe o canto, que se tornou um
prelúdio do amor. Símbolo, como Joaninha, da pureza do Vale, o rouxinol faz-se
aqui eco do sentimento a despertar nela.
b)
Representa a graciosidade e o caráter natural de Joaninha; surge como o
prolongamento metonímico da natureza e da personagem que se lhe associa. A
“torrente de melodias, vagas e ondulantes como a selva com o vento, fortes,
bravas, e admiráveis de irregularidade e invenção, como as bárbaras endeixas de
um poeta selvagem das montanhas” não constitui uma mera função de enquadramento
decorativo: essas melodias trazem consigo os sentidos da espontaneidade, da
naturalidade e da criatividade anticonvencional que se concentram nos olhos
verdes de Joaninha.
c)
Serve para preparar o encontro amoroso entre Joaninha e Carlos.
▪ Características românticas:
» Joaninha representa
a mulher-anjo;
» a paisagem serve de
enquadramento ao reencontro de Carlos e Joaninha;
» o
rouxinol: inspira premonições como o sofrimento, a desilusão amorosa, a morte (Menina
e Moça).
●
Retrato de Carlos
▪
Num segundo momento, verifica-se a entrada em cena de uma nova personagem (um
oficial), procedendo o narrador, de seguida, à elaboração do seu retrato,
enquanto Joaninha permanece adormecida.
▪
Antes de introduzir Carlos, o narrador dirige-se familiarmente, num registo
coloquial, às «amáveis leitoras» (narratário), pois serão as que maior
interesse terão em conhecer o oficial. Por um lado, mais uma vez a mulher é
«chamada» quando se vão tratar questões do foro amoroso; por outro, o narrador
consegue interessar quem o lê na história, quase levando a que sejam também
parte dos acontecimentos.
▪ A
utilização da expressão «entrada em cena de um novo ator» reflete a novidade da
escrita das Viagens, visto que o narrador interpela constantemente o
leitor, optando por uma escrita de caráter conversacional e informal. Por outro
lado, a forma como a novela é introduzida no relato da viagem, o predomínio do
diálogo e a constante interação com o leitor assemelham a obra a um texto
dramático, acentuando o seu hibridismo.
▪ Este retrato é feito a partir do
aspeto físico para o espiritual.
▪ O narrador apresenta a personagem
envolta em grande anonimato e mistério, designando-o meramente por “O oficial”,
estratégia que favorece a curiosidade das “amáveis leitoras”.
▪ Idade: menos der 30 anos.
▪ Fisicamente:
» é
um jovem militar, mas já com feições de homem feito/aspeto de adulto e um rosto
marcado pela vida e pelas preocupações;
» é
magro, mas de peito largo e forte;
» é
de estatura mediana;
»
tem barba e cabelos pretos;
»
tez / pele clara;
»
os olhos são vivos, pardos e não muito grandes, mas eloquentes;
» a
boca é pequena;
» a
testa é alta;
»
tem um busto clássico;
»
está vestido com uma farda militar.
▪ Psicologicamente:
» é gentil e
determinado;
» é elegante e de
passo enérgico;
» a
compleição e os olhos pardos e grandes indiciavam que se tratava de um homem de
talento e com a nobreza de um «caráter franco, leal e generoso», isto é,
inteligência, talento e alguma irreflexão;
»
tem uma personalidade «pouco vulgar»;
» é
impulsivo, arrebatado e orgulhoso, ora sério, ora alegre.
▪ A componente física do retrato
serve como veículo de acesso às características psicológicas e emocionais.
▪ A
descrição de Carlos é feita de forma gradual e entremeada de divagações. O
narrador começa pela sua estatura, o vestuário, os olhos, a boca, o rosto, o
cabelo, o busto e termina com
uma síntese que remete para a excecionalidade da personagem: «Daquele
busto clássico e verdadeiramente moldado pelos tipos da arte antiga, podia o
estatutário fazer um filósofo, um poeta, um homem d’estado, ou um homem do
mundo, segundo as leves inflexões d’expressão que lhe desse». As divagações que
acompanham a descrição acentuam-lhe os traços românticos.
▪ O
narrador foca especialmente os olhos e o olhar de Carlos: «Os olhos pardos e
não muito grandes». Ora, o olhar do homem romântico vê coisas que os outros não
podem/conseguem ver e transcende a realidade comum. Daí que os olhos da
personagem se caracterizem por «uma luz e viveza imensa, [que] denunciava o
talento, a mobilidade do espírito».
▪ Por outro lado, o narrador
valoriza em especial certos pontos estratégicos da fisionomia, em grande parte
coincidentes com o que em Joaninha é também descrito: os olhos, lugar
preferencial de projeção do temperamento e das emoções, a boca e o rosto.
▪ A
comparação «mas o peito largo e forte como precisa um coração de homem para
pulsar livre» destaca a importância que o coração assume para o homem
romântico. Por outro lado, a antítese entre o «corpo delgado» e o «peito largo»
da personagem realça a valorização dos sentimentos, associada à ideia de um
coração grande e generoso.
▪ A fisionomia revela uma
personagem marcada por traços de excecionalidade bem típicos do herói
romântico:
» a
superioridade e impulsividade;
» o
viver pelo sentimento;
» a
luta por causas;
»
as antinomias (“fácil na ira, fácil no perdão, etc., mas sobretudo a oscilação
entre os polos da mobilidade e da gravidade);
» o
pendor da marginalidade e para o isolamento existencial que se adivinham no
“caráter pouco vulgar e dificilmente bem entendido”;
»
ser incompreendido e com características de uma certa genialidade.
▪ Estes factos são confirmados pela
trajetória biográfica de Carlos: ao contrário de Joaninha, ele é dominado por
uma sistemática tendência para a mudança – a partida do vale de
Santarém, a experiência no exílio, o regresso ao vale, seguido de nova partida
(definitiva), as mudanças no campo amoroso e, por fim, no campo social.
▪ Crítica: o retrato é
interrompido pelo narrador para criticar o desprezo a que foi votado o uniforme
militar nacional (patriotismo romântico): “Uniforme tão militar, tão nacional,
tão caro a nossas recordações…”.
●
Encontro entre Carlos e Joaninha
▪ Joaninha acorda e não quer crer
que é Carlos quem está à sua frente, porque tinha sonhado que ele morrera, tal
como a avó (presságio de tragédia), daí a grande emoção que evidencia,
traduzida pelas pausas no seu discurso, marcadas pelas reticências, pelas
exclamações e pelas repetições de palavras ou expressões.
▪ É revelado o parentesco entre as
duas personagens: são primos (“– Carlos, meu primo…”) e de algo que ultrapassa
o mero parentesco familiar entre primos (“… sonhava com aquilo em que só penso…
em ti.”; “e abraçaram-se num longo, longo abraço – com um longo, interminável
beijo…”).
▪ As duas personagens começam por
se tratar por «prima(o)» e «irmã(o)» e por exprimir a saudade que sentiam um do
outro, mas acabam por manifestar o amor que nutrem mutuamente, selado por um
beijo.
▪ Os sentimentos expressos por
Carlos e Joaninha estão em consonância com o espaço em que se reencontram – o
ambiente natural do vale. Assim, é com naturalidade e espontaneidade que
manifestam os sentimentos puros que nutrem um pelo outro.
▪ São também bem visíveis os
preconceitos sociais que os envolvem: a preocupação com a honra (“E sós,
sozinhos aqui a esta hora! (…) E que dirão? (…) Mas quem não souber, pode
dizer…”).
▪ A felicidade absoluta e perfeita
das duas personagens não pode continuar, porque tudo é efémero. Se assim não
fosse, «os anjos» trocariam o céu pelo paraíso que seria a terra: «Senão…
invejariam os anjos a vida na terra”.
▪ Um outro facto relevante consiste
na revelação a Carlos da cegueira da avó.
●
Informações sobre a família
▪ Introdução de duas novas
personagens: Frei Dinis e a avó, cega.
▪ Joaninha e Carlos são primos.
▪ A cegueira da avó tem uma causa triste,
não revelada ainda.
▪ Carlos desconhece coisas, que Joaninha
contará mais tarde.
▪ Joaninha e a avó pensavam que
Carlos tinha morrido.
●
Linguagem e recurso expressivos
▪
Sinédoque: “o trato das armas” – é uma sinédoque da vida militar, visto que se
associa a parte (as armas) ao seu todo (o exército, a carreira militar, na qual
as armas são elemento essencial).
▪
Estrangeirismos: demi-jour, coquette, boudoir, great coat.
▪
Metáforas:
-
«quando pinto, quando vou riscando e colorindo as minhas figuras»: designa o
ato da escrita.
▪
Comparação:
-
com «pintores da Idade Média», que escreviam uma espécie de legendas por baixo
das pinturas que pintavam, para que estas fossem mais bem compreendidas – o
narrador faz o mesmo e as suas divagações correspondem às suas legendas.
▪ Tom coloquial: «Voltemos ao nosso
retrato».
▪ Caracterização pela negativa: «Os olhos
pardos e não muito grandes…».
▪ Frases curtas.
▪ Pontuação expressiva:
» frases exclamativas: «Carlos, meu
primo… meu irmão!»;
» frases interrogativas: «Pois tu
sonhavas?»;
» frases interrompidas pelo uso de
reticências: «Tu não morreste…».
▪ Vocativos: «Carlos, Carlos!».
Os últimos recursos
referidos estão presentes, neste capítulo, de forma a recriar a linguagem
oral e, simultaneamente, sugerir o estado de espírito de Joaninha, colhida
de surpresa pelo inesperado encontro com o primo.
▪ Mistura da cultura erudita e popular:
por um lado, faz-se uso de formas de relacionamento informal com o interlocutor
e, por outro, recorre a referências artísticas que só o leitor culto acompanha:
o teatro, a pintura, a escultura.
▪ Digressão: «Uniforme tão militar, tão
nacional, tão caro a nossas recordações – que essas gentes, prostituidoras de
quanto havia nobre, popular e respeitado nesta terra, proscreveram do exército…
por muito português de mais talvez! deram-lhe baixa para os beleguins da
alfândega, reformaram-no em uniforme da bicha!».
▪ Coloquialidade: «Não pude resistir a
esta reflexão: as amáveis leitoras me perdoem por interromper com ela o meu
retrato».
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Viagens na Minha Terra
sábado, 29 de fevereiro de 2020
Análise do capítulo X de Viagens na Minha Terra
● Funcionalidade do capítulo: introdução à novela da Menina dos
Rouxinóis.
● Sumário
O sumário deste capítulo revela a
grande variedade de assuntos abordados no capítulo, cumprindo assim Garrett o
projeto de fazer múltiplas «viagens».
● Localização espacial da viagem
O espaço compreende a distância
que vai desde o Terreiro do Paço (Lisboa) até Santarém, com referências
concretas a Vila Nova (cap. II), Azambuja (cap. V), ao café do Cartaxo (cap.
VI), à Charneca (cap. VIII) e, finalmente, ao Vale de Santarém (cap. X).
● Localização temporal: fim da tarde.
● Estrutura interna do capítulo
▪ 1.ª parte: Descrição do Vale de
Santarém.
▪ 2.ª parte: Reflexões a propósito
de uma janela.
▪
3.ª parte: Reprodução de um diálogo entre o narrador e um companheiro de
viagem.
▪ 4.ª parte: Preâmbulo a uma
história que o narrador irá reproduzir.
● Descrição (romântica) do vale
▪
Simbolismo: o vale é descrito como um lugar ameno e deleitoso, com uma
vegetação frondosa, uma harmonia suavíssima, uma simetria de cores, um sítio simples,
sereno e harmonioso habitado pela paz, pela saúde, pelo sossego de espírito,
pelo repouso de coração, pelo amor, pela benevolência e pela inocência, isto é,
propício ao desenvolvimento de estados de espírito e de caracteres bons,
serenos, saudáveis. É o locus amoenus clássico.
▪ O
vale é associado a um Éden, a um Paraíso, isto é, um local idílico e aprazível,
símbolo de harmonia, que influencia e transforma quem ali vive: “As paixões
más, os pensamentos mesquinhos, os pesares e as vilezas da vida não podem senão
fugir para longe.”. Essa associação justifica-se por haver nele uma pureza
original e um estado de perfeição e de bondade paradisíacas que a sociedade
perdeu. É o paraíso puro, ainda livre de todo o mal que a sociedade gera (mito
do bom selvagem, de Rousseau).
▪ A
paisagem está em harmonia com o estado de alma: “… tudo está numa harmonia
suavíssima e perfeita (…) não parece senão que a paz, a saúde, o sossego do
espírito e o repouso do coração devem viver ali…”.
▪ A
paisagem descrita é claramente romântica, sendo marcada pela harmonia, pela
suavidade, pela simetria de cores, pela paz, pela saúde, pela perfeição, traços
que se adequam a Joaninha.
▪ O
cenário adquire, assim, um estatuto alegórico intemporal, acentuando o caráter
mítico do cenário onde a novela se vai desenrolar.
▪ O
objetivo da descrição é colocar, neste cenário, Joaninha, bem como a
avó, personagens que partilham esse estado de pureza original e se harmonizam
com este ambiente idílico, pois são espontâneas, boas e naturais como aquele
espaço.
▪ A
descrição é feita do geral para o particular.
▪ Na
descrição são usados diversos recursos estilísticos:
- Valorização do
indefinido: um, tudo, nada.
- Nomes abstratos: suavidade,
harmonia, beleza, …
- Personificação: “A
faia, o freixo, o álamo entrelaçam os ramos amigos” (sugere a proximidade dos
ramos das árvores, que formam espécies de tetos).
- Enumeração: “As
paixões más, os pensamentos mesquinhos, os pesares e as vilezas da vida não
podem senão fugir para longe” (sugere a grande variedade de árvores, arbustos e
plantas menores).
- Metáfora: “a
congossa, os fetos, a malva-rosa do valado vestem e alcatifam o chão” (sugere a
suavidade e a delicadeza da cobertura de ervas).
- Interrogação
retórica: “Quem terá o bom gosto e a fortuna de morar ali?”.
- Comparação:
“Encantava-me, tinha-me ali como num feitiço”.
- Sinédoque: “Parei e
pus-me a namorar a janela”.
- Metonímia:
“Imagina-se por aqui o Éden que o primeiro homem habitou com a sua inocência e
com a virgindade do seu coração”.
● Prólogo da história da “Menina dos
Rouxinóis”
▪ O
narrador começa por falar de uma habitação antiga, situada no meio de uma
paisagem paradisíaca, e, em seguida, de uma janela entreaberta e, finalmente,
de um vulto. É a partir deste que um companheiro de viagem lhe fala na história
da Menina dos Rouxinóis. Quem lhe conta a história é, de facto, esse
companheiro de viagem, mas o narrador acaba por se apropriar dela: “… minha
Odisseia…”), para poder continuar a fazer as suas digressões ou divagações.
▪
Quando depara com a janela, o narrador produz um monólogo interior, motivado
pela observação da própria janela (“encantava-me como um feitiço”) e pelo vulto
vestido de branco (símbolo de pureza) e de olhos pretos. De facto, numa atitude
sonhadora e imaginativa, ele idealiza a existência de um vulto feminino,
vestido de branco, numa atitude meditativa e com olhos pretos. Ele perde-se,
fascinado, imaginando: quem a habitará?, que felicidade será morar ali? Imagina
uma cortina, um vulto – feminino, como não poderia deixar de ser. Ou seja,
Garrett vai preparando, habilmente, a entrada em cena da novela.
▪
Porém, o companheiro de viagem corrige-o, esclarecendo que os olhos eram verdes
«como duas esmeraldas» (comparação que realça o brilho dos olhos e os associa à
natureza) e acrescenta que outrora existiu ali uma figura feminina, um anjo,
conhecida como a menina dos rouxinóis.
▪
Os olhos da Menina dos Rouxinóis – verdes – são a representação simbólica da
essência natural de uma personagem que habita aquele lugar natural, harmonioso
e puro.
▪ O
rouxinol é o símbolo do sentimento amoroso (Menina e Moça, de
Bernardim Ribeiro), mas também o prelúdio da desgraça amorosa (janela dos
rouxinóis → Menina dos Rouxinóis).
▪ O
interesse do narrador pela janela é despertado por diversos motivos:
1.º) O mistério que a
rodeia, pois o narrador não a vê totalmente (“vê-se por entre um claro das
árvores»), ela encontra-se «meio aberta», julga ver um vulto através dela e
imagina uma personagem e uma história.
2.º) A sua
antiguidade, que decorre das marcas que o tempo nela deixou (“carregada na cor
pelo tempo e pelos vendavais do sul”), pelo que deve estar associada a várias
histórias.
3.º) O canto dos
rouxinóis.
▪
No excerto, entrevê-se a mulher romântica: a mulher namorada, a mulher
idealizada, a mulher-anjo.
▪
Público-alvo da novela: as «belas e amáveis leitoras», por considerar que
estariam mais predispostas a uma novela sentimental.
▪
Por que razão o narrador a classifica como «novela», rejeitando a hipótese
«romance»? Segundo ele, a história que vai contar tem uma ação simples, sem
«aventuras enredadas, peripécias, situações e incidentes raros». A sua narração
será igualmente simples, sem grande trabalho formal, no entanto «sinceramente
contada».
▪ O
narrador associa a narração da novela à Odisseia, através de uma
metonímia: «É o primeiro episódio da minha Odisseia». Com isto, sugere a
aventura da escrita, mas também todos os obstáculos que poderão ocorrer durante
esse processo.
▪ A
história da Menina dos Rouxinóis é inserida no relato da viagem através da
técnica do encaixe.
● Digressão sobre o poeta e a mulher
apaixonada
Através de uma sinédoque (esta
mulher – a parte – representa todas as mulheres apaixonadas – o todo –,
mostrando que há uma essência comum a todas), o narrador afirma que há uma
semelhança entre o poeta e a mulher apaixonada: ambos se elevam a um estado
superior, pensam e sentem de forma especial, diferente dos demais, e superam a banalidade
do mundo.
Naquele enquadramento idílico e
paradisíaco, caracteristicamente romântico, o vulto que imagina à janela só
poderia, de facto, ser uma mulher apaixonada ou um poeta, pois são ambos seres
dotados de uma sensibilidade única, que «veem, sentem, pensam, falam como a
outra gente não vê, não sente, não pensa nem fala».
● Concretização do projeto anunciado no
capítulo:
→
Ver: descrição do vale e da janela.
→
Ouvir: história de Joaninha, da Menina dos Rouxinóis.
→ Sentir: visão subjetiva da
paisagem – aprecia o vale como «um destes lugares privilegiados pela natureza».
→ Pensar: reflexões sobre a
janela, sobre quem morou ali, sobre o homem e a mulher apaixonados e sobre a
receção da sua «odisseia», isto é, da novela que vai contar.
● Planos narrativos
Neste capítulo, os planos da
viagem e da novela cruzam-se e relacionam-se de forma indissociável.
De facto, a novela da Menina dos
Rouxinóis é contada ao narrador por um companheiro de viagem, que a ouve e dela
acaba por se apropriar. Ora, tal significa o concretizar do projeto anunciado
pelo narrador no primeiro capítulo:
● Narrador
O narrador é heterodiegético:
o efetivo é um companheiro viajante de Garrett, mas o narrador da obra acaba
por se apropriar da história e acrescentar aspetos de cariz ideológico, moral e
social, etc.: “É o primeiro episódio da minha Odisseia…”.
Por outro lado, o capítulo contém
diversas expressões que denotam o protagonismo do narrador e o caráter
romântico das suas “meditações”: “Interessou-me aquela janela”; “Parei e pus-me
a namorar a janela. Encantava-me, tinha-me ali como um feitiço”; “Se o vulto
fosse feminino!... era completo o romance”.
● Narratário
Na parte final do capítulo, o
narrador dirige-se às «belas e amáveis leitoras». O apelo à leitora
surge em contextos muito próprios, sobretudo quando se processo o relato da
novela, que é suscetível de ser apreendida como história de índole romanesca e
sentimental, mas o narrador depressa esbate essa hipótese: “Ainda assim, belas
e amáveis leitoras, entendamo-nos o que eu vou contar não é um romance… é uma
história simples e singela, sinceramente contada e sem pretensão.”.
A leitora não é, porém, invocada
quando está em causa a discussão de matérias de caráter intelectual, como
História, Filosofia, Política, etc., o que parece revelar por parte do narrador
uma exclusão tática da leitora, porque esta estaria mais predisposta à receção
de outros assuntos. De facto, o narrador seleciona um interlocutor feminino ou
masculino de acordo com o assunto que aborda.
Esta imagem da leitora representa
a mulher que apenas tinha acesso a um leque de temas relacionados com o foro
sentimental e íntimo e com as narrativas de índole sentimental.
● Marcas românticas
▪ A
descrição de uma natureza romântica, inspirada pelo «locus amoenus» clássico.
▪ Identificação da natureza com o
estado de alma.
▪
Gosto pelo vago: “É amiudar muito der mais a pintura, que deve ser a grandes e
largos traços para ser romântica, vaporosa.”.
▪ A
natureza espontânea.
▪
Gosto pelas coisas antigas: “uma habitação antiga”.
▪ O
gosto pelo que é nacional: o vale de Santarém é algo que nenhuma outra nação
tem; a defesa da língua portuguesa («… dizem as damas e os elegantes da nossa
terra que o português não é bom para isto, que em francês que há outro não sei
quê.»).
▪ A
ideia de encantamento: “Encantava-me aquela janela”.
▪ O
poeta como ser sentimental, diferente dos outros homens.
▪ A
ideia de que o afastamento da sociedade, a convivência com a natureza purifica
o homem – mito do bom selvagem, de Rousseau.
▪ O
rouxinol.
▪ O
pôr do sol.
▪ A
sensação do misterioso (a janela meio aberta).
● Características clássicas
▪ A harmonia patente no texto.
▪ O sentimento de paz e bem-estar.
▪ O locus amoenus.
● Tipos de discurso
» Descrição: frases
longas, verbos de estado, enumerações, nomes e adjetivos.
» Monólogo interior:
frases curtas, interrogativas e exclamativas, repetições.
» Diálogo: discurso
direto, língua oral, frases incompletas, frases-feitas.
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