Este conto constitui uma profunda
reflexão sobre a complexidade da natureza humana, centrada na figura de George:
(sobre) o fracasso do amor, a separação, a dificuldade de atingir a realização
profissional, a condição feminina, a efemérida da vida, a solidão, o vazio e a
morte. Por outro lado, o conto compreende uma reflexão sobre a intemporalidade
da arte e a imortalização do artista.
Através do desdobramento da
protagonista, bem como pela duplicidade do seu nome (entre feminino e
masculino), o conto possibilita uma reflexão sobre as diferentes fases da vida
e sobre os caminhos que o ser humano trilha, uma vez por opção, outras por
imposição das circunstâncias que o rodeiam.
Quando jovem, vivia inconformada
com as limitações da conceção de vida que a família e a sociedade local lhe
ofereciam, por isso decidiu partir, sozinha, para uma cidade e um país
desconhecidos. O seu enorme desejo de liberdade e de independência, bem como a
vontade de diversificar ao máximo as suas experiências de vida, levaram-na a
alterar constantemente o seu aspeto físico, a viver os afetos e o amor com
grande desprendimento e até superficialidade e a mudar frequentemente de local
de residência. Além disso, vivia sempre em quartos alugados ou casas arrendadas
mobiladas para que não se apegasse aos objetos. O desejo de ser livre e
independente predominava. Apesar de conservar uma fotografia sua da juventude
(de quando era Gi), prefere o esquecimento e não chora pelo passado.
Em suma, George tornou-se uma
pintora de sucesso, famosa e rica. Perante a imagem (antecipada) da sua velhice
e da solidão que a espera, mostra-se incomodada e arrogante, preferindo os
pensamentos agradáveis e confiante de que o dinheiro constituirá a sua tábua de
salvação.
Relacionado com esta questão estão
os nomes da protagonista. De facto, a evolução da sua vida reflete a
complexidade humana, também espelhada no nome. Assim, a abreviatura Gi, que
constituía o tratamento carinhoso que lhe foi dado durante a infância e a
juventude, está associada a uma fase de submissão aos ditames familiares e
sociais. Já George, o nome correspondente ao presente, à vida adulta da
protagonista, representa a rutura que ela pretendia, marcada pelo desejo de
liberdade e independência. Note-se que o nome não é português, o que evidencia
o cosmopolitismo que tanto procurava e sugere alguma ambiguidade relativa ao
género (o nome é masculino), indiciado também pelo facto de o narrador se
referir ao(s) seu(s) amor(es), sem especificar se se trata do género masculino
ou feminino (excluindo a figura do primeiro namorado, Carlos). Georgina é o
nome de registo da personagem, assumido pelo narrador quando ela imagina como
será a sua velhice, numa atitude aparente de resignação, de assunção de uma identidade
inteira e final.
Uma terceira questão respeitante
ao problema da complexidade da natureza humana neste conto tem a ver com a
falta de amor, tema recorrente na obra de Maria Judite de Carvalho.
No texto, por exemplo, George, em
vez de amor, tem amores, isto é, relações frágeis e efémeras, passageiras,
todas provisórias, como provisórias são as casas e as cidades onde mora.
Essa ausência de afeto e a solidão
que afeta as personagens da obra da escritora – tanto homens como mulheres –
têm como consequência, se não a morte, uma espécie de morte em vida, «uma
existência desprovida de sentido que, ao longo dos anos que nas suas memórias
se vão confundindo, se arrasta e pesa mais do que a própria morte.».
A vida, metaforicamente vista como
uma viagem, é complexa, tanto na juventude como na velhice. Famosa
além-fronteiras, George configura o protótipo da mulher independente e
profissionalmente realizada, aparente sem razões para lamentar o passado e,
ainda medos, recear o futuro. No entanto, esse medo assalta-a de forma
imprevista e cruel no momento em que regressa à sua terra natal e que vai
suscitar um confronto quer com o passado quer com o futuro.
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